14 janeiro, 2013

A democracia partidária e o debate

por Denise Queiroz

Cena do filme A Revolução dos Bichos

Li neste final de semana, por indicação de amigos com quem conversava, a entrevista que o procurador geral da república, Roberto Gurgel, concedeu à Folha de São Paulo, aquele jornal, na semana passada. Hoje, também por indicação de amigos, li a entrevista de Tarso Genro ao mesmo jornal. O que essas duas pessoas têm em comum, além da formação acadêmica em Direito, foi o meio que usaram para mandar suas mensagens.

Um explicita que considera o julgamento da ação 470 um divisor de águas na forma como de ora em diante serão investigados e julgados os crimes de colarinho branco. O outro pensa, e quem acompanha suas análises não estranha, que o julgamento da ação pode servir para fechar um ciclo e abrir o caminho para que o partido que governa o país - com a ajuda dele em dois ministérios e agora no governo do estado do Rio Grande do Sul - repense a opção tomada antes da chegada ao poder em 2002.

Independente de concordar ou discordar das teses desta ou de outra corrente ideológica, a lição mais interessante que a leitura dessas duas entrevistas gera é a de constatar o quanto somos reféns da combatida e caquética velha mídia. Não se estranha a publicação por eles de uma entrevista com pessoas de direita. Mas se critica com unhas, dentes e milhões de letras que alguém de uma corrente - para os padrões do PT nacional - da esquerda do partido conceda e deixe publicar sua análise. A mesma virulência, no entanto não se nota quando as linhas do jornal criticam, pelas mãos de algum colunista, a direita oposicionista ou mesmo quando nas raras vezes em que algum deles elogia, publica, fotografa e cobre ações de setores majoritários do próprio partido.

Acredito que muita gente admire e acompanhe Tarso Genro desde a década de 80 pelo menos, quando seus artigos começaram a ser publicados no caderno Tendências-Debate da Folha - à época considerado um jornal menos conservador que seus pares do sudeste – e na mesma edição que outros que se tornaram grandes e incontestes líderes planejadores do país nestes últimos anos. Por que o estranhamento então de que conceda a entrevista? Não vi a mesma reação na TL do twitter quando, na semana passada, o até bem pouco tempo desconhecido deputado André Vargas, agora Secretário de Comunicações do PT – e nem por isso mais conhecido - concedeu entrevista ao sempre conservador Estadão, na qual fez ilações bem ao gosto de algumas lideranças donas das cartolas tanto da esquerda quanto da direita, sobre a honestidade do ex-ministro e ex-governador (para agradar alguns setores posso citar que foi preso político, fundador do Partido do Trabalhadores, da CUT e até hoje militante incansável) Olívio Dutra, por causa de uma crítica que fez, ao vivo pela rádio, em debate, ao não menos valoroso Deputado, seu querido companheiro, e militante José Genoíno.

Estranho também que a crítica a Tarso Genro venha de alguns militantes que uma das causas em comum é a da democratização dos meios de comunicação. Essas pessoas estão cientes de que no Rio Grande do Sul, sob a batuta de Tarso há neste momento um amplo debate com a sociedade, em reuniões e via o horizontalíssimo Gabinete Digital para implementação do Projeto de Lei criando o Conselho Estadual de Comunicações? Lembremos que em nível nacional existe um conselho com esse nome, o tal que foi tirado das sombras e da gaveta há poucos meses pelo ex-presidente Sarney (e com isso creio poder dispensar maiores detalhes sobre o quão democrático e representativo se configura).

Que se debatam as idéias e opiniões de Tarso Genro, as de Lula e as de Fernando Henrique, as de Dilma, as de Serra e as de José Dirceu. Isso queremos, não? Espaço para debate. Se em 10 anos o governo do PT não foi capaz de produzir um meio alternativo e de massas - internet ainda não o é, apesar do crescimento estrondoso - que se faça este mea-culpa também. Mas por favor, se não concordamos com o que pensa este ou outro pensador ou dirigente histórico ou neófito, não entremos na água rasa da crítica pessoal, repetindo nos 140 caracteres do twitter, nos menos limitados do face ou nos blogs o que fazem justamente quem (teoricamente?) combatemos.

Discutamos amplamente o PT, a oposição, a oposição dentro do PT, a fora dela, as novas e as velhas idéias. Mas não pensemos que pessoas que já arriscavam a vida pela democracia enquanto a maioria de nós engatinhávamos, querem incendiar a casa. Precisamos do bom e velho debate das idéias.

Alias, imagino que se essa prática tivesse sido realizada anos atrás, como pregavam e pregam alguns setores minoritários e, portanto, com infinitas vezes menos espaço tanto nas instâncias decisórias internas quanto nas que saem a público, certamente não estaríamos gastando tempo agora com tags como a que defende a permanência de um espaço como o Museu do Índio num local, em vez de uma franquia importada qualquer e um estacionamento. Talvez os aliados fisiológicos de hoje estivessem no lugar que ideológica e na realidade representam: a oposição.

Se, por falta de outro meio, o que suscita o bom debate está nas páginas do jornalão infectado, tomemos vacina, usemos e depois lavemos as mãos, mas sem deixar que o cérebro seja afetado. Não sejamos mais uns a dar razão ao dito de que ‘todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros’.


Um comentário:

  1. "Espaço para debate.
    Se em 10 anos o governo do PT não foi capaz de produzir um meio alternativo e de massas -
    internet ainda não o é, apesar do crescimento estrondoso - que se faça este mea-culpa também."

    Pois é...


    Já, a Venezuela...que maravilha!


    "... Se, por falta de outro meio, o que suscita o bom debate está nas páginas do jornalão infectado, tomemos vacina, usemos e depois lavemos as mãos, mas sem deixar que o cérebro seja afetado. Não sejamos mais uns a dar razão ao dito de que ‘todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros’. "

    Denise, vocë calcula a importância das leituras que consigo fazer aqui, no Tecedora,
    e nos demais blogs, como o Blog do Miro, Blog do Cadu, Conversa Afiada, Blog do Jonas, do Zé Dirceu...

    Muito agradecida por compartilhar seus pensares, sentires e intuires, Querida.


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