Desenho da Praça dos Três Poderes, do arquiteto Oscar Niemeyer |
por @marcelo_semer
do Sem Juízo
O julgamento do mensalão terminou com o quase-ensaio de uma crise institucional.
O STF decidiu por estreita maioria que não precisa da Câmara dos Deputados, como previa a Constituição Federal, para decretar a perda de um mandato, em consequência da condenação judicial.
A decisão desagradou aos deputados e vem sendo combatida, desde antes do anúncio, pelo presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) –a quem o prolator do voto de minerva praticamente ameaçou com um processo por prevaricação em caso de descumprimento.
O STF tem a prerrogativa de errar por último, sentenciou o ministro Celso de Mello, e sem dúvida alguma é quem diz o que diz a Constituição.
A ira dos parlamentares pode até ser relevante, mas a disputa de poder não passa da retórica.
Afinal, nos últimos anos, tudo o que o Congresso vem fazendo, com suas seguidas reformas constitucionais, é aumentar progressivamente o poder da Suprema Corte –concentrando e verticalizando a jurisdição.
A criação da ação direta de constitucionalidade, que se antecipa a decisões de primeira instância contra atos ou normas de legalidade duvidosa, casando-se como uma luva com a jurisprudência que amputou o controle difuso nos tribunais estaduais.
A arguição de descumprimento de preceito federal, que acabou formatada como uma verdadeira avocatória da interpretação.
A repercussão geral com a possibilidade de estancar julgamentos em todos os foros, por anos a fio, até uma decisão superior.
E como peça de resistência a criação das súmulas vinculantes, espécie de delegação legislativa, cuja obediência é mais compulsória do que a da própria lei. De quebra, ainda esvaziou fortemente a independência judicial.
Pari passu a essas reformas que tonificaram o Supremo (empreendidas especialmente nos governos FHC e Lula), o tribunal saiu por conta própria, de sua histórica passividade, para assumir e cobrir a omissão dos demais poderes.
Fez bem no geral, mas ultrapassou, por algumas vezes, o desejável ativismo, que visa apenas garantir a efetividade dos direitos fundamentais.
Abonou, por exemplo, a limitação do número de vereadores nos municípios e aprovou a criação de regras específicas para a fidelidade partidária, com base em uma peculiar leitura eleitoral que o TSE fez da Carta Magna. Por pouco, não invadiu a competência da presidência da República para analisar a conveniência de uma extradição.
Ainda assim, os parlamentares mantiveram a desigualdade do foro privilegiado, concentrando nos tribunais o julgamento das autoridades -com o quê o STF se arrisca a transformar-se perenemente em uma vara criminal.
Baseando-se na oposição das cúpulas, deputados e senadores viraram ainda as costas à democratização interna do Judiciário, mantendo o poder anacronicamente como um reduto de oligarquias.
E mesmo quando construíram a alternativa de controle externo, estruturaram um conselho que é quase todo formado por indicação dos próprios tribunais superiores.
Parlamentares podem fazer contundentes discursos louvando a democracia e a defesa veemente de suas próprias competências.
Mas foram em grande parte responsáveis pela concentração de poder na cúpula do Judiciário que hoje os assusta.
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