30 abril, 2012

A próxima etapa do desenvolvimento

Comício de Luís Carlos Prestes em 1945






















por Vladimir Safatle
Dica @joaonildo51

Há alguns anos, o cientista político André Singer cunhou o termo “lulismo” para dar conta do modelo político-econômico implementado no Brasil desde o início do século 21.

Baseado em uma dinâmica de aumento do poder aquisitivo das camadas mais baixas da população por meio do aumento real do salário mínimo, de programas de transferência de renda e de facilidades de crédito para consumo, o lulismo conseguiu criar o fenômeno da “nova classe média”.

No plano político, esse aumento do poder aquisitivo da base da pirâmide social foi realizado apoiando-se na constituição de grandes alianças ideologicamente heteróclitas, sob a promessa de que todos ganhariam com os dividendos eleitorais da ascensão social de parcelas expressivas da população.

O resultado foi uma política de baixa capacidade de reforma estrutural e de perpetuação dos impasses políticos do presidencialismo de coalizão brasileiro.

No entanto é bem possível que estejamos no momento de compreensão dos limites do modelo gestado no governo anterior. O aumento exponencial do endividamento das famílias demonstra como elas, atualmente, não têm renda suficiente para dar conta das novas exigências que a ascensão social coloca na mesa.

É fato que o país precisa de uma nova repactuação salarial. As remunerações são, em média, radicalmente baixas e corroídas por gastos que poderiam ser bancados pelo Estado. Por isso, é possível dizer que a próxima etapa do desenvolvimento nacional passe pela recuperação dos salários.

A melhor maneira de fazer isso é por meio de uma certa ação do Estado. Uma família que recebe R$ 3.500 mensais gasta praticamente um terço de sua renda só com educação privada e planos de saúde. Normalmente, tais serviços são de baixa qualidade. Caso fossem fornecidos pelo Estado, tais famílias teriam um ganho de renda que isenção alguma de imposto seria capaz de proporcionar.

Entretanto a universalização de uma escola pública de qualidade e de um serviço de saúde que realmente funcione não pode ser feita sob a dinâmica do lulismo, pois ela exige investimentos estatais só possíveis pela taxação pesada sobre fortunas, lucros bancários e renda da classe alta. Ou seja, isso exige um aumento de impostos sobre aqueles que vivem de maneira nababesca e que têm lucros milionários no sistema financeiro.

Algo dessa natureza exige, por sua vez, uma mobilização política que está fora do quadro de consensos do lulismo.Porém a força política que poderia pressionar essa nova dinâmica ainda não existe no Brasil. Ela pede uma esquerda que não tenha medo de dizer seu nome.

O julgamento do mensalão

 A mídia e o golpe

por Marcos Coimbra

 Quando os historiadores do futuro fizerem o balanço da época em que vivemos, é bem provável que sobressaiam coisas às quais hoje não damos nenhuma importância. É quase impossível dizer quais serão. Alguém perceberia, em 1960, nos trabalhos de um obscuro engenheiro da Rand Corporation, a semente da internet?

O que, do presente, entrará para a história? De tudo que achamos importante hoje, o que, no futuro, permanecerá significativo? Ninguém sabe.

Mas há um consolo: é fácil perceber o que se provará irrelevante. Em tudo – na vida social, nas artes, na ciência, na tecnologia – não é complicado enxergar o desimportante.

Também na política. E se há um candidato ao troféu de maior não evento deste período de nossa vida política, seu nome é “o julgamento do mensalão”. Quem lê a dita grande mídia brasileira tem a impressão oposta. Fica com a sensação de que se trata de uma coisa fundamental. Que é a mais transcendental de todas as que temos em nossa agenda.

Isso só se acentuou depois que a CPI do Cachoeira se tornou inevitável. A partir daí, os principais veículos de nossa indústria de comunicação, seus editorialistas, colunistas e comentaristas, decretaram que o “julgamento do mensalão” seria a prioridade.

Exigem que seja logo, que conclua pela culpa dos -acusados e reclamam punições exemplares. Têm consciência de que, juridicamente, o caso é frágil, mas não se importam: afirmam que a “opinião pública” clama por uma “resposta firme”. E que o STF tem a obrigação de atendê-la. E que o ministro que titubear na condenação é fraco – para dizer o mínimo.

O que querem do julgamento? Simples – e errado – seria dizer justiça. Na democracia, essa só aparece ao final, depois que o rito judiciário é integralmente cumprido. Nunca antes.

Admitamos, por hipótese, que o STF resolva pela absolvição de todos ou alguns dos acusados – o que, pelas provas coletadas contra eles, não seria surpresa. Estará nossa mídia disposta a aceitar o julgamento como justo? Ou, como já condenaram todos por antecipação, a decisão será questionada e ridicularizada?

É possível que ela se sinta “representante” e “guardiã do povo”, em seu nome exigindo justiça. O problema é que nada sustenta a tese. A sociedade não dá qualquer mostra de que deseja que ela exerça tal papel.

O “julgamento do mensalão” não quer dizer nada para a vastíssima maioria do País. Ela nem sequer sabe que está por acontecer. É claro que existe uma militância oposicionista na sociedade, que se agita e reivindica rigor no julgamento. Só que é pequena. Quando, por exemplo, tentaram encher as ruas de “indignados”, ficou claro que são poucos.

Que vitória política terão os adversários do governo e do “lulopetismo” se os acusados forem condenados? Isso alteraria a avaliação largamente favorável dos oito anos de Lula e dos quatro de Dilma, que começaram bem, aos olhos da população? Isso mudaria o favoritismo de ambos – pois Lula e Dilma lideram com imensa vantagem as pesquisas – para vencer as eleições de 2014? O “julgamento do mensalão” não vai reescrever o passado ou modificar o futuro da política brasileira.

A campanha para que aconteça já e para que redunde na condenação de todos os acusados nada tem a ver com a ideia de justiça. Não responde a anseios reais da vasta maioria da sociedade. Nada altera de concreto em nossa política. É por isso que seu significado no longo prazo é tão limitado.

Mesmo que, nos próximos meses, tenhamos de ouvir falar do assunto até não -poder mais

Gurgel reluta em se declarar impedido

Foto da Agência Brasil: Procurador Geral Roberto Gurgel 


Do Sem Fronteiras 
por Wálter Fanganiello Maierovitch 
Dica do @jrfidalgo

A correta decisão do ministro Ricardo Lewandowski de liberar, para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito e o Conselho de Ética do Senado, todas as peças da investigação policial sigilosa sobre o chamado caso Carlinhos Cachoeira resultaram em uma enxurrada de vazamentos à imprensa. As peças se referem às operações Las Vegas, que apesar da gravidade dormiu no gabinete de Roberto Gurgel de 2009 a 2012, e Monte Carlo.

Na essência, o sigilo é imposto no interesse da investigação. Um vazamento, como sabem até os rábulas de porta de cadeia de periferia, pode prejudicar a apuração criminal. Por isso, finda a investigação, o inquérito deveria ser levantado, mas isso não acontece no Brasil.

Entre nós, infelizmente, o sigilo visa manter distante do conhecimento público falcatruas apuradas por poderosos e potentes que gozam de foro privilegiado. Por evidente, as increpações, contidas no inquérito policial e se objeto de ação penal, ficam sujeitas à confirmação no devido processo legal, que tem na ampla defesa a sua pedra angular e na presunção de não culpabilidade (não se confunde, como já escrevi milhões de vezes, com a presunção de inocência, não acolhida na Constituição brasileira) uma garantia fundamental.

Das várias interceptações telefônicas realizadas, uma chama a atenção em especial. Ela mostra como a organização criminal de Carlinhos Cachoeira era tentacular, como a Cosa Nostra, quer a siciliana, quer a siculo-norte-americana. Ambas têm o polvo (la piovra) como símbolo.

De pronto, friso, me refiro sobre a atenção especial ao teor da interceptação publicada hoje na coluna do Ilimar Franco do jornal O Globo sobre a conversa entre Cachoeira e o governador Marconi Perillo.

Antes da divulgação da peça, Perillo sustentava que apenas uma vez atendeu Cachoeira por ele ter pedido uma audiência. A revelação contida na supramencionada coluna do Ilimar Franco mostra a mentira de Perillo. E basta atentar para a consideração de Perillo para com Cachoeira, na conversa interceptada e que segue: “Parabéns. Que Deus continue te abençoando aí, te dando saúde, sorte. Um grande abraço prá você, viu”.

Não me refiro, ainda, à “cachaçada” relatada por Demóstenes, num jantar entre ele, Cachoeira e Perillo, tudo conforme contado na coluna do Ilimar Franco e publicada na edição de hoje do O Globo.

Também não me refiro à gravação que revela mais uma das mil farsas do senador Demóstenes Torres. O senador, quando divulgado o escândalo, sustentou que havia conversado para Cachoeira para ajudar numa pendência entre o seu suplente no Senado e o bicheiro. Na coluna do Jorge Bastos Moreno, intitulada “Nhenhenhém” e publicada no O Globo de hoje, está revelado que a companheira e convivente de Cachoeira, Andressa Mendonça, era casada com Wilder Pedro de Morais, ex-sócio de Cachoeira e suplente do senador Demóstenes Torres. Como se percebe, Demóstenes até aceitou, como suplente de senador, pessoa da organização delinquencial de Cachoeira.

O fato grave a chamar a atenção diz respeito ao litígio pouco digno, segundo os dados revelados, entre o procurador-geral da República, Roberto Gurgel e o senador Demóstenes.

Gurgel, como circulou por todo Ministério Público, teve a recondução no cargo de procurador-geral da República cuidada por Antonio Palocci, então ministro-chefe da Casa Civil.

Quando estourou o escândalo Palocci, o procurador Gurgel, inusitadamente, enviou-lhe um ofício para explicar as gravíssimas suspeitas que pesavam contra ele.

Palocci, que preferiu silenciar sobre os clientes da sua imobiliária (ele tinha uma imobiliária que não cuidava de imóveis), respondeu que tinha feito fortuna com assessoria dada na sua empresa quando estava fora do governo. Gurgel, por incrível que possa parecer, não requisitou inquérito apuratório e determinou o arquivamento do escândalo Palocci.

Sobre essa conduta de Gurgel, o senador Torres, com o discurso correto e apoio da sociedade civil que luta pela restauração da moralidade pública, criticou o procurador-geral da República (a escolha para a função é do presidente da República pela nossa Constituição) com veemência.

Na interceptada conversa entre Cachoeira e Demóstenes, publicada na edição de hoje do jornal O Estado de S.Paulo, ficou clara a verdadeira razão do protesto de Demóstenes contra Gurgel, do plenário do Senado: “Se não der nele, ele (Gurgel) começa a pegar a gente, entendeu ?" (A interceptação é de 7 de julho de 2011.)

Trocada em miúdos essa conversa entre Demóstenes e Cachoeira, fica patente a pressão em razão de Gurgel estar com o inquérito Las Vegas, que apurou a atuação criminosa de Cachoeira e já envolvia Demóstenes.

Não passou muito tempo para Demóstenes concordar, no Senado e expressamente, com a recondução de Gurgel. E Gurgel, por coincidência ou não, ficou com o inquérito Vegas no seu gabinete de 2009 a 2012. Só mexeu nele quando pressionado por cobrança de parlamentares baseada na Operação Monte Carlo.

Ontem, Gurgel informou, com relação a Demóstenes e seu envolvimento no esquema Cachoeira, "que R$1 milhão foi depositado” na conta do senador.

Gurgel fez a afirmação sem ainda ter a movimentação da conta-corrente de Demóstenes, que nega haver recebido.

Com a experiência que possui, Gurgel deveria esperar para verificar a movimentação bancária de Demóstenes, pois, se não for verdadeiro o mencionado, acaba por favorecer, “encher a bola” o senador, ou melhor, de um farsante do tipo tartufo de Molière.

De boa cautela, até porque “embalou” e fez adormecer no seu gabinete o caso Las Vegas, que Gurgel se desse por impedido e deixasse de atuar, passando a tarefa ao seu substituto. Afinal, Gurgel atua como representante da sociedade civil e é, pelo foro privilegiado de Demóstenes, o único que poderá propor ação penal pública contra ele.

Nesse quadro de “bas-fond” do Irajá, pontifica, também, o petista Humberto Costa, relator na Comissão de Ética do processo por quebra de decoro parlamentar contra Demóstenes. Costa anunciou que não vai usar dados de interceptações telefônicas colhidas na Operação Monte Carlo. Em outras palavras, vai aliviar para o lado de Demóstenes, e se contentar no relatório, com fatos indecorosos menores, como o exuberante presente de casamento escolhido pelo senador Demóstenes, pago e importado por Cachoeira.

Pano rápido. Viva o Brasil!


29 abril, 2012

O grande erro




por Paul Krugman
do Estadão

 "É Oficial: Keynes Estava Certo" diz Henry Blodget. Os resultados eleitorais recentes na Europa parecem ter elevado a consciência de uma maneira que literalmente anos de dados econômicos não conseguiram: a doutrina da austeridade que regeu a polícia europeia é um grande fiasco.

Eu poderia ter-lhes dito que isso ocorreria, e com certeza, o fiz. Então não mencionei que após três anos de advertências sombrias de que os vigilantes de bônus estão atacando, a taxa de juros de títulos americanos de 10 anos continua abaixo de 2%.

É importante compreender que o que estamos vendo não é uma falência da economia ortodoxa. A economia padrão neste caso – isto é, a economia baseada no que a profissão aprendeu nessas três últimas gerações, e quanto a isso, na maioria dos manuais – era a posição keynesiana. Essa coisa de austeridade foi inventada do nada e de alguns exemplos históricos duvidosos para servir os preconceitos da elite.

E agora os resultados são que os keynesianos estavam totalmente certos, e os “austerianos” totalmente errados – com enorme custo humano.

Gostaria de poder acreditar que isso realmente seria suficiente para prosseguirmos e analisarmos o que pode ser feito, agora que sabemos que as ideias por trás da política recente estavam todas erradas. Mas isso é otimismo injustificado, imagino. Ninguém admite que esteve errado, e as ideias “austerianas” têm um claro apelo político e emocional à prova de qualquer evidência.

Não sabes, meu filho, com quão pouca sabedoria o mundo é governado?

Sobre o Colunismo Político predominante



Do RSUrgente

Em nota publicada neste domingo no site PTSul, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, respondeu à colunista política Rosane de Oliveira, do jornal Zero Hora, que neste domingo afirmou que o governador será “incoerente ou irresponsável” na solução para o tema do piso nacional do magistério. A nota afirma:

Pela segunda vez neste mês, um articulista de ZH utiliza o espaço do jornal para fazer ataques diretos a políticos do governo do Estado, reportando-se diretamente à pessoa do governador. Neste domingo, foi a vez da jornalista Rosane de Oliveira “sentenciar” que Tarso Genro será “incoerente ou irresponsável”, na solução para o pagamento do piso nacional do magistério. A colunista desconsidera o fato de que o governo da Unidade Popular Pelo Rio Grande adotou uma outra posição para retirar o estado da crise, que não a do governo anterior de criação do “déficit zero”, que diminuiu as funções do Estado, sucateou a administração pública e congelou salários.

Neste sábado, ao ler a coluna, quando voltava de mais uma edição da Interiorização de Governo, em Rio Grande, o governador fez algumas considerações sobre o novo episódio de ideologização da notícia, através do falseamento da verdade.

1- Sobre o Colunismo Político predominante
“É um certo tipo de colunismo político que ainda não se esgotou no país, mas que tende rapidamente a esgotar-se pela falta de credibilidade, pois ele vem perdendo a sua capacidade de transmitir informações e críticas fundadas. Ele perdeu a “fala” universal, que caracterizou os grandes colunistas políticos do país, com capacidade de informar e criticar com seriedade e passou a defender posições ideológicas dissimuladas, “adaptando” ou inventando os fatos, para contentar um público determinado –aquele que este tipo de jornalismo cativa, com seus malabarismos factuais e lugares comuns: os que adoraram as ideias do neoliberalismo que está levando a Europa à ruína e que, aqui, foram retratados no famoso “déficit” zero. Aliás, não é de graça que a colunista de política da Zero Hora é a mais saudosa do “déficit zero”, que não só paralisou o estado, mas aplicou um brutal arrocho salarial nos servidores, situação que agora estamos começando a reverter”.

2- As constantes criações de factóides e inverdades
“O mesmo estilo de jornalismo político que “define” que o governador será incoerente ou irresponsável, é o mesmo que inventou, por exemplo, que eu defendi uma posição contrária aos sistema de PPPs no caso da RS 10, quando, na verdade, defendi e defendo a PPP e tenho negociado com os prefeitos a adaptação para baratear a proposta. Nunca fui contrário a PPPs. O que sou contrário é que elas sejam apenas um negócio bom para as empresas e não atendam o interesse público. Sou, inclusive, um dos elaboradores da atual lei que rege as parcerias público-privadas no país, cuja redação foi comandada pelo Fernando Haddadd quando ele era Secretário do Ministério do Planejamento e eu era ministro do CDES, no primeiro governo Lula. Este tipo de jornalismo inventa, por exemplo, que prometi “mundos e fundos” para os servidores e que prometi pagar o piso dos professores imediatamente. Isso é uma deslavada inverdade, pois está gravado nos debates e está escrito numa carta remetida ao CPERS que nós criaríamos as condições para pagar o piso e que isto ocorreria de forma processual. Esta foi e é a minha posição.

Nunca prometi “mundos e fundos”, mas uma política de recuperação salarial que está sendo implementada, e que, aliás, está sendo criticada pela oposição, representada na coluna de ZH de domingo pelo presidente do PP e ex-secretário de Relações Institucionais do governo anterior, Celso Bernardi. Este jornalismo, recentemente, também inventou que a nossa proposta de aumento para uma parte da categoria dos professores era a mesma da governadora Yeda. E o fez rapidamente, sem ter a mínima noção do que é uma transação judicial. Omitiu deliberadamente que a posição do governo não exigiu nenhuma renúncia de direito pelos servidores do magistério; que a nossa posição não retira a proposta de alcançar o piso até 2014; que ela não exigiu a alteração do “quadro de carreira” e que o aumento atual constituiu-se, apenas, em mais um aumento -um adiantamento de aumento ao magistério. Ao dizer isso -que a nossa proposta era igual a da governadora Yeda- a colunista revela duas coisas: primeiro, que não se informou sobre o que estava acontecendo e, segundo, que se apressou a forjar uma suposta informação que confirmaria a nossa “incoerência”. Na verdade, quando ela fala em incoerência, quer é lembrar que o bom era o “déficit zero”. Por isso sua análise das nossas medidas salariais envolve dois extremos: critica os aumentos excessivos aos servidores e diz, ao mesmo tempo, que os aumentos -no caso dos professores- são insatisfatórios”.

3- Sobre a estratégia, pouco compreendida ou não aceita pela oposição ao nosso governo, de consolidar o Estado como indutor do desenvolvimento ecônomico e social
“A nossa estratégia, até agora, está dando certo: usar os recursos próprios para reorganizar a máquina pública que estava destruída e melhorar os salários dos servidores; buscar recursos do Governo Federal para investimentos -inclusive através do recebimento da dívida da União com a CEEE; buscar financiamentos no BID, no Banco Mundial e no BNDES; aumentar, com meios técnicos adequados, as receitas sem aumentar impostos; estabelecer uma política de relações internacionais para atrair investimentos produtivos; retomar o crescimento no estado tendo como ponto de partida a base produtiva local, voltados para a renovação da nossa base tecnológica; fazer um “déficit” responsável sem cair na armadilha neoliberal de reduzir políticas de proteção e promoção social, deixando os pobres a ver navios”.

4- A utilização das redes socias e dos blogs para responder à grande mídia
“Eu passei a responder através dos “blogs” e das redes, porque esta forma de colunismo que estamos falando é, também, uma armadilha: constrói fatos para promover a sua visão de mundo, de Estado e de política, e também quer monopolizar o debate, frequentemente só publicando parte das respostas daqueles que são alvos da suas invenções. Quando se tratam de matérias que contam fatos verdadeiros e que pendem, sobre ela, uma interpretação política, ideológica ou econômica, acho adequado que se responda pelo próprio jornal, quando ele permite a resposta, como, aliás, é o caso da Zero Hora”.

5- Direito de resposta também em tom crítico
Tenho respeito pela colunista Rosane de Oliveira. Acho que ela cumpre rigorosamente o seu papel crítico, que é esperado pelo jornal a que serve, que, como sabemos, não pode ser considerado simpatizante do projeto que nós, do PT e da esquerda, representamos. Mas ela merece, da nossa parte, a atenção e respeito que temos com todas as forças políticas democráticas do estado. Nem acho que se trata de má-fé, mas de miopia ideológica: se os fatos não tem confirmado que o Tarso é incoerente, mas, ao contrário, tem confirmado que temos aplicado o nosso programa de governo de forma coerente, é preciso “adaptar” os fatos e repetir a acusação de incoerência para, ao final, consolidar uma “verdade” pela repetição. E também, imediatamente, para salvaguardar a defesa do “déficit zero”, que sempre foi apresentado pela colunista como um exemplo de boa gestão pública”.

6- Sugestão
“Assim como fui cobrado como governador, também defendo que a colunista seja mais responsável e não crie falsas incoerências ou irresponsabilidades. Recomendo à ela, por exemplo, que leia todas as colunas do falecido Carlos Castello Branco, do Márcio Moreira Alvez e do grande Newton Carlos, paradigmas da seriedade no jornalismo político”.


Mitos científicos se perpetuam mesmo quando são desvendados

Primeira aparição de Popeye


por Umberto Eco 
Do UOL
Dica @WillianFagiolo

Na verdade, os neutrinos não viajam mais rápido do que a velocidade da luz. Cientistas reafirmaram isso em março, corrigindo as conclusões extraídas de um experimento em setembro passado que pareceu virar de cabeça para baixo a teoria especial da relatividade de Einstein. De acordo com reportagem da Science, o erro do outono passado pode ter sido resultado de uma conexão falha de fibra óptica entre o receptor GPS e o computador usado para calcular o tempo que os neutrinos levavam para viajar de CERN em Genebra até um laboratório na região de Gran Sasso, na Itália. Evidentemente, os cientistas tinham a intenção de replicar o experimento para tentar determinar se aquilo que não era verdade era de fato verdade. Veremos.

Fiquei surpreso ao ler que os neutrinos provavelmente não são mais velozes do que a luz, afinal, também fiquei bastante impressionado quando descobri que o espinafre não continha nem perto da quantidade de ferro que diziam antes. Durante os anos 30, os produtores de espinafre atribuíam a Popeye – e à crença popular de que ele devia sua força ao ferro do espinafre – um aumento de 33% do consumo da verdura. Esta tendência fez com que os produtores e vendedores de espinafre erguessem estátuas em homenagem a Popeye em Crystal City, Texas; Chester, Illinois; e Alma, Arkansas.

Num artigo recente na revista Query na Itália, Sergio della Sala e Stefania de Vito citaram uma tabela de valores nutricionais publicada pelo Departamento de Agricultura dos EUA, que mostra que 100 gramas de espinafre contém 2,7 miligramas de ferro. (E este é o espinafre fresco – o enlatado, como o do Popey, tem apenas 2,3 miligramas.) Por comparação, 100 gramas de fígado de galinha contém 11,6 miligramas de ferro. Se o Popeye engolisse fígado de galinha com a mesma voracidade com que ele devorava a lata de espinafre, ele poderia ter agarrado o Super-Homem pelo calcanhar e o colocado em órbita.

De acordo com uma teoria há muito conhecida nos círculos científicos como História do Erro Decimal do Ferro no Espinafre do Popeye, ou SPIDES, na sigla em inglês, o criador do Popeye, E.C. Segar, entendeu errado a quantidade de ferro no espinafre por causa de uma vírgula colocada na casa decimal errada. Diz-se que no ano de 1870 um certo Dr. E. von Wolff publicou uma tabela na qual a vírgula da casa decimal aparecia no lugar erado – e que o erro foi retificado nos anos 30, mas Segar não sabia disso.

Entretanto, parece que até a hipótese SPIDES é falsa. Filologistas nos dizem que Segar escolheu o espinafre para alimentar seu herói dos quadrinhos não por causa de seu conteúdo de ferro, mas por causa de seu alto teor de vitamina A. Vale a pena olhar um dos inúmeros textos dedicados ao assunto – talvez o mais famoso seja "Espinafre, Ferro e Popeye", um artigo de 2010 escrito por Mike Sutton no Internet Journal of Criminology. A história pode parecer sem consequências na superfície, uma vez que está ligada a um personagem de quadrinhos. Mas é significativa, considerando o negócio multimilionário que emergiu do fato de este famoso marinheiro declarar qual era sua verdura favorita. O incidente é só um exemplo de como os mitos nascem e se perpetuam.

Outra informação: numa edição recente do jornal italiano La Repubblica (que também, incidentalmente, quase chamou os neutrinos de tartarugas), havia uma discussão sobre a necessidade de uma cultura multilíngue. Isso é óbvio, pode-se dizer, hoje em dia. Mas por muito tempo sustentou-se que para superar a Babel de línguas era necessário inventar uma linguagem universal, e muitas línguas assim foram propostas – algumas delas excelentes, como o Esperanto. Mas no final, uma língua natural – o inglês – ganhou o dia.

A ideia de desenvolver uma linguagem universal veio de outro mito de mil anos: de que nos tempos primordiais havia a língua de Adão, uma língua perfeita que foi perdida com o escândalo da Torre de Babel. Vide a busca espasmódica pela língua perdida, ou por uma que possa substitui-la.

Hoje nós sabemos que não existe nada parecido com uma língua perfeita – que as línguas se desenvolvem espontaneamente de acordo com as necessidades das pessoas, que evoluem. Mas há uma história esplêndida contada por Ibn Hazm, um pensador árabe do século 11: no início, disse ele, existia uma língua dada por Deus, mas esta língua continha todas as outras, que se separaram só depois. Então o dom de Adão era o poliglotismo, e por esse motivo, todos os homens podem entender revelações em quaisquer línguas que sejam expressas.

Este é um ótimo mito com o qual encorajar o poliglotismo – uma habilidade, incidentalmente, que será útil para perpetuar, e derrubar, mitos.

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* Umberto Eco é autor do livro "Sobre a Feiura" e também dos best-selleres internacionais "Baudolino", "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucault".

Tradutor: Eloise De Vylder

Blogueros Cubanos: 'un parlamento en una trinchera'



via Mary Romero @maryjc1609

Con la participación de más de 60 blogueros en representación de todas las provincias del país, durante los días 27 y 28 de abril de 2012 se celebró en la Universidad de Matanzas “Camilo Cienfuegos” el Encuentro de Blogueros Cubanos en Revolución.

Durante dos intensas jornadas se cumplieron los objetivos principales del encuentro: compartir experiencias sobre el uso de los blogs en la era de la Web 2.0 y crear mecanismos horizontales de coordinación entre los distintos proyectos blogueros del país.

Con un espíritu de integración basado siempre en el respeto a las diferencias e individualidades de cada participante, logramos complementarnos sin caer en facilismos, dogmas o esquemas preconcebidos. Conseguimos así un marco de socialización que nos permitió salir de la ambigüedad y el anonimato que propicia Internet y coordinar estrategias de trabajo que articulen nuestros proyectos ante los desafíos que tenemos los blogueros cubanos. Nuestra mayor fortaleza es nuestra diversidad de miradas e intereses; somos un país.

En este sentido, los participantes reunidos en el encuentro y caracterizados por su diversidad y juventud -un promedio de 34 años de edad- consideraron necesario declarar que:

1. Los blogueros cubanos nos identificamos con una tradición de pensamiento revolucionario, forjada en la lucha de jóvenes como Mella, Villena, Guiteras y el Che, entre otros.

2. Los mecanismos de participación que hemos logrado, servirán para –desde nuestras individualidades, intereses particulares y visión crítica– defender y perfeccionar el socialismo cubano.

3. Respetamos y promovemos el pensamiento crítico, necesario y útil para preservar nuestra condición de revolucionarios, con la premisa de que no es posible ser revolucionario fuera de la Revolución.

4. Apostamos por el respeto a la diferencia y por el debate franco; la verdad siempre es revolucionaria.

5. Exigimos la liberación y el regreso a la Patria de los Cinco Héroes, presos injustamente en cárceles de los Estados Unidos. Nos comprometemos a divulgar –con la mayor frescura y originalidad posible–, los elementos del caso, y a propiciar que su verdad llegue a los pueblos del mundo, y con mayor énfasis al norteamericano. Cada uno de nosotros podríamos ser uno de los Cinco, la lucha por ellos es la lucha por nosotros mismos.

6. Hemos creado una lista de discusión (email) que enlace a los participantes del encuentro y al resto de los blogueros cubanos en Revolución que por diversas razones no pudieron asistir, para lograr un nivel de integración y coordinación mayor que el actual, que nos permita funcionar organizadamente, sin crear dependencias innecesarias. El listado de los integrantes se les enviará por correo electrónico. (blogazoxcuba@gmail.com)

7. Hemos articulado un blog que sirva de “autopista bloguera” donde confluyan los titulares compartidos en las bitácoras de los participantes del encuentro y otros que deseen ingresar (mediante los canales RSS), para de esta forma brindar un panorama en tiempo real de los contenidos compartidos por los blogueros cubanos en la web. Su expresión en la web es el blog blogazoxcuba.wordpress.com

8. Apoyamos la celebración sistemática de otros encuentros de blogueros cubanos y la potenciación de contactos con twiteros y otras comunidades de Web 2.0

9. En correspondencia con las posibilidades tecnológicas reales del país compartimos la paulatina incorporación de universitarios y jóvenes a la blogosfera cubana de forma genuina y natural.

10. Condenamos el bloqueo del gobierno norteamericano, que condiciona las dificultades de conectividad y el acceso a la tecnología de las infocomunicaciones a la Isla.

11. Solicitamos a los Organismos de la Administración Central del Estado, que reformulen las disposiciones en uso que limitan la conectividad y el acceso a la web de la Instituciones del país, en aras de una mayor presencia de los cubanos en el ciberespacio.

12. Ratificamos el concepto del insigne martiano cubano, Cintio Vitier: somos y seremos “un parlamento en una trinchera”.


28 abril, 2012

Vazaram os negócios de Demóstenes com Cachoeira



por Najla Passos



Brasília - O vazamento do inquérito contra o senador Demóstenes Torres (ex-DEM), na noite de sexta (28), momentos após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowsky, autorizar seu repasse à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional, colocou fim à onda de vazamentos seletivos que vinha ocorrendo na grande mídia e lançou novas luzes sobre as relações do parlamentar com o esquema de Carlinhos Cachoeiras, a construtora Delta, agentes públicos e veículos da imprensa.

Em uma espécie de cobertura colaborativa descentralizada e espontânea, dezenas de jornalistas e blogueiros dissecaram, em algumas horas, o conteúdo das centenas de páginas de transcrições de escutas telefônicas feitas com autorização judicial entre os principais membros da quadrilha de Carlinhos cachoeira. O resultado é uma nova percepção sobre quem é, e como agia e quem eram os parceiros do senador que fez carreira com um discurso pesado de combate à corrupção e ao crime organizado.

As denúncias apontam, por exemplo, que Demóstenes teria atuado em conjunto com o ministro do STF, Gilmar Mendes, para levar à corte máxima uma ação bilionária envolvendo a companhia Energética de Goiás. (Leia aqui). E que a quadrilha à qual está vinculado atuou para derrubar, no ano passado, a cúpula do Ministério dos Transportes. (Leia aqui).

Impressionam, especialmente, as articulações sistemáticas entre Demóstenes, Cachoeira e a revista Veja, para a publicação de matérias de interesse do crime organizado. (Veja aqui um exemplo).

Acusações contra Demóstenes
No pedido de investigação encaminhado ao STF, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, aponta graves indícios da prática, pelo senador, de crimes de corrupção passiva, prevaricação e advocacia administrativa. “Constatou-se que o Senador Demóstenes Torres mantém estreitos vínculos com Carlos Cachoeira, de natureza pessoal e, também, de natureza profissional. Os contatos telefônicos entre eles são praticamente diários, sucedidos, muitos deles, de encontros para tratar de assuntos que não poderiam ser conversados por telefone. O conteúdo das conversas revela graves indícios de que o Parlamentar valia-se do seu cargo para viabilizar interesses econômicos comuns com Carlos Cachoeira”, afirma Gurgel.

De acordo com o procurador-geral, “são vários os contextos de ação do Parlamentar em benefício da Delta, existindo até a suspeita, extraída de diálogos interceptados, que ele seria sócio oculto da empresa”. Exemplo são diálogos captados entre os dias 12 e 13 de julho de 2010, nos quais Demóstenes é flagrado cuidando de assuntos da Delta com o Governo do Estado de Goiás. Pelos diálogos captados entre o contraventor Carlinhos Cachoeira e o então diretor da Delta para o Centro-Oeste, Cláudio Abreu, a empresa estaria tendo dificuldade na condução de um contrato em razão de o Governo ter dado preferência à Queiroz Galvão e à Odebrecht, que, por isso, “queriam comandar o processo”.

CARLINHOS: (..) me escuta, não é melhor a DELTA sair fora desse trem não, ô

CLAUDIO ? Nós tamo fazendo média com DELTA ai, eu não tenho compromisso nenhum com DELTA, não,

CLÁUDIO: Que que é que você tá falando? O que que é?

CARLINHOS: Eu não tenho compromisso nenhum com DELTA, cara,eu pego e tiramos a DELTA, fala com o MARCONI ele pega e tira a DELTA, sem problema nenhum, você deixa esse HERALDO aí tomar conta do nossos negócios (INAUDÍVEL) eu tiro a DELTA, entendeu ? Não tenho compromisso nenhum com DELTA, tenho compromisso com você, com DELTA não tenho nenhum, entendeu ?

CLÁUDIO.. Uai, eu não tô entendendo, não tô entendendo porque você tá falando isso aí, sinceridade, cara.

CARLINHOS: (INAUDÍVEL) ele ia cobrar pedágio do pessoal, já não aconteceu, depende se o pessoal for, nós somos os últimos, já tem o pessoal da ODEBRECH mandando, todo mundo mandando e a gente aqui escutando, por que ? Porque você põe o HERALDO incompetente lá, entendeu ? E o que que eu tô fazendo com DELTA, cara? (...)

CLÁUDIO: (..) o cliente ai que colocou a ODEBRECH e a GALVÃO,cara, na história, você sabe ( ...) agora os caras tão botando as manguinhas de fora, achando, achando que como o cliente botou eles, agora eles mandam igual a nós, só que nós já falamos, o parceiro aí do lado aí, já me falaram que ele falou uma cagada, que não podia ter falado o nome do DEMÓSTENES, ele falou o nome do DEMÓSTENES na reunião, então nós estávamos falando que o dono do negócio é um sócio oculto, aí foi e falou que era o DEMÓSTENES
o dono do negócio aí é f., né, amigo?

São muitas as evidências de que Demóstenes recebia, sistematicamente, dinheiro da quadrilha. Conforme consta no inquérito, em diálogo no dia 22/3/2011, às 11:18 horas, entre Carlos Cachoeira e Cláudio Abreu, ainda não degravado, “é expressamente referido que o valor de um milhão foi depositado na conta do Senador Demóstenes e que o valor total repassado para o Parlamentar foi de R$ 3.100.000,00 (três milhões e cem mil reais)”.

Há outras gravações que falam em repasses menores, presentes, compras de vinhos caros e até foguetes para a comemoração da formatura da esposa de Demóstenes. A denúncia mais grave já levantada até o momento, é a que trata do repasse dos R$ 3,1 milhões. O procurador já pediu a quebra de sigilo bancário do senador, do então superintendente regional da Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, de Cachoeira e seus principais comparsas para aprofundar as investigações.

Confira trecho do diálogo entre Claudio Abreu e Geovani (comparsa de Cachoeira), no dia 22/3/2011:

CLÁUDIO ABREU: Geovani

GEOVANI: Pode falar

CLÁDIO ABREU: Eu tô vendo aqui o que pagou em fevereiro aqui,pagou pra você 5.530. Era pra você colocar 4.977. Tá faltando aqui um saldo de 1.171, mais o 1 milhão que é aquele trem lá pra trás. Aquele lá é que vocês já usaram que o CARLINHOS reteve. Então, você tá me devendo 2.172 aqui na minha conta cara! O 1 (um milhão) que o CARLINHOS tá usando mais esse 1.172

GEOVANI: Então, mais tem aqueles 600 e o 173 ué, que "mandô" eu passar!

CLÁDIO ABREU: Eu já descontei Dr. É 1.972.000,00 menos 801.000,00. Você descontou aqui 600 mais 173, mais duas de 20 do JOÃO, mais uma de 20 para um rapaiz ai, dá 801. É 1.972 menos 800, vai ficar 1.171.

GEOVANI: Justamente, menos um (um milhão) que ele tá usando

CLÁDIO ABREU: Menos um não, cara. Esse menos um é lá pra trás. Você já descontou ele rapaiz. Você tá doido. Agora vai descontar mais um milhão.

GEOVANI: Não moço. Não descontou não. Esse um ele tá usando já faz dias já uai. Você sabe disso?

CLÁDIO ABREU: Eu sei amigo, esse um ele tá usando desde outubro do ano passado. Foi das contas do ano passado cara, que ele reteve 1.000.000,00 (um milhão) e não devolveu! Agora esse aí, foi que eu paguei pra vocês agora em fevereiro.

GEOVANI: Não, CLÁUDIO. É um seguinte: aquele 1.000.000,00 (um milhão) que descontou aquela vez é outro. Ele tá usando 1.000,000,00 desse agora. Por isso que toda vez tá dando essa divergência

CLÁDIO ABREU: Então ele segurou 2.000.000,00?

O assunto continuou no dia seguinte, entre Cláudio e o próprio Cachoeira:

CARLINHOS: Fala, CLAUDIO!

CLAUDIO: Eu to com os meninos aqui e eles mataram aqui, mesmo. É aquilo que eu falei, CARLINHOS... É Um milhão do Professor, que você pediu pra mim fazer... diluiu, já morreu. E mais um milhão que você reteve aí que é coisa particular sua... que é o que você tem que passar pra mim. O GEOVANI tá me passando aqui agora.

CARLINHOS: Que eu retive?... O quê que eu retive?

CLAUDIO: Um milhão que ele tá falando aqui, uai! Um milhão do DEMÓSTENES morreu! Aquele lá ficou na minha conta. E um milhão que você reteve em Dezembro.... É... ele falou que você tinha falado comigo... eu não lembro dessa conversa sua comigo, não.

Mas você não precisa falar comigo.

CARLINHOS: Vai cagar, CLAUDIO. Você tá brincando, né? Vai cagar!.. Eu precisava falar com você agora à tarde. Vai ter um tempinho pra mim ou não?

CLAUDIO: O "Vai cagar" tá no viva-voz aqui. O GEOVANI vai falar procê porque é ele que tá me mostrando as contas aqui, uê. Sou eu não!

CARLINHOS: Vai tomar banho, rapaz! Só porque eu vou te entregar naquele negócio do Copacabana Palace?

CLAUDIO: Ah, vai tomar no c., CARLINHO! Cê tá onde? Os meninos ficaram aqui. Agora que eu fui atender eles aqui. Ele tá me passando aqui um negócio aqui... é.... desse um milhão que você reteve aqui. Não é aquele do DEMÓSTENES que você já torrou, não.

É o outro.

CARLINHOS: É... vai cagar!

O procurador também afirma que “o senador Demóstenes, valendo-se do prestígio do cargo, intermediou interesses de Carlos Cachoeira perante a Procuradoria-Geral de Justiça de Goiás, chefiada por seu irmão, Benedito Torres”, como revela gravação de 16/5/2011:

CARLINHOS - doutor

DEMOSTENES - fala professor, você me ligou? você me ligou,professor?

CARLINHOS - liguei, você falou com seu irmão?

DEMOSTENES - de novo não, vou encontrar com ele pessoalmente

CARLINHOS - hã tá, deixa de falar, lá no DAE de Anapólis tem aquela empresa de carros lá que é prestadora de serviços, e lá só pode indústria ...e aquele malandro,aquele malandro daquele cara lá do (..) industrial ta ganhando um milhão dele, para dar vinte alqueires para ele lá, o cara tá até com o BALDIA, o BALDIA vai por o Ministério Público, mas você podia adiantar aí, precisava de uma entrevista com o promotor lá do jornal do BOTINA dizendo que vai entrar com o processo entendeu, sobre desse caso aí.

DEMOSTENES - é aquele negócio da GABARNO né?

CARLINHOS - exatamente, precisava designar um promotor pra ler isso aí

DEMOSTENES - na hora, é o de ANAPÓLIS, ô0000 e também é o seguinte, o problema é que o BICA ,eu to sabendo dessa história, fez um acordo com o tal de JOÃO FURTADO lá, pro JOÃO tomar conta dos casos, isso não pode acontecer né, não falei nada pra ele, (..) tem que, tem que ver aí, era melhor chamar o BICA que o BICA resolve esse trem

CARLINHOS - resolve nada, tem que atropelar ele, ele tá na mão do JOÃO, quem manda nele é o JOÃO e o JOÃO tá ganhando dinheiro também, tem que ser via Ministério Público, entendeu

DEMOSTENES - então vamo fazer, pode deixar que eu tomo conta disso então, falo, é vou ver como que faz isso, deixa isso aí é por minha conta então que vou resolver, mas o BICA tem que ficar, tem que ficar é, vou procurar, vou encontrar com meu irmão agora na hora do almoço, agora nos vamos almoçar juntos e vou falar essa questão com ele falo.

CARLINHOS - manda ele lá designar um promotor pra entrar com uma ação contra isso aí, porque isso aí é parte do Ministério Público municipal, entendeu, não precisa nem fica sabendo.

DEMOSTENES - é verdade, pode entrar por lá, pode entrar aqui também contra ato (....)

CARLINHOS - exatamente, tá bom, um abraço

DEMOSTENES - então o negócio é esse, o trem lá é comércio e lá é reservado só para indústria, né?

CARLINHOS - pra ter ideia, aonde eles estão lá hoje atrapalha o trânsito inteiro e dez empregos que só gera é prestadora de serviços e lá é industria pô,entendeu, e agora com o acordo com o (..) vão dar vinte alqueires de terra que o estado comprou a quatrocentos mil reais pra dá pra eles, pra gerar mais dez empregos

DEMOSTENES - não ok, deixa isso comigo,falo

CARLINHOS - um abraço, doutor obrigado

DEMOSTENES - um abraço, tchau

27 abril, 2012

Mas e a vida cultural?



Do Carta Maior
por Flávio Aguiar


Li, entre comovido e entusiasmado, a palestra da presidenta Dilma Roussef aos formandos do Instituto Rio Branco, nesta página. Comovido: nossa presidenta, resgatada da nossa história de ditaduras insondáveis, dirige-se ao nosso corpo diplomático. Entusiasmado: ela, vinda desse passado sofrido e sofrível, dirige-se ao futuro da nossa diplomacia.

Mas...

Faltou algo.

A presidenta, com toda razão, afirmou que era necessário ter engenheiros, físicos e matemáticos entre os diplomatas. Certeiro. Talvez tenha até esquecido os químicos, os biólogos, e outros cientistas das exatas e das ciências da vida.

Mas e a vida cultural?

A diplomacia brasileira – sou testemunha disso – é das mais brilhantes e reconhecidas internacionalmente, pela formação e pelo desempenho. Mas o esforço da representação internacional pela cultura brasileira ainda deixa a desejar. E eu vivo numa cidade – Berlim – em que a presença cultural da Embaixada Brasileira é amplamente reconhecida e festejada.

Então onde deixa a desejar?

Não vejo um esforço sistemático para promover a cultura brasileira, nem nossa língua, nem nossa já reconhecida presença cultural no mundo.

Em termos de hegemonia internacional, cultura é peça fundamental no jogo de poder e presença. Olhem os Estados Unidos e a China: o primeiro, decadente, a segunda, emergente. Mas há um fator cultural inamovível. Para o bem e para o mal, ninguém quer ser como a China, a não ser os chineses (e com todo o direito); mas os Estados Unidos seguem sendo um modelo de “way of life”. Como eu disse, para o bem e para o mal.

Trocando em miúdos e em graúdos, num mundo em que a Europa afunda em crise – em particular a península Ibérica – olho para ela e fico com inveja dos Institutos Camões e Cervantes.

Onde está nosso Instituto Machado de Assis (sem diminuir outros escritores)? Não existe. Consta que depende de uma quezília entre o Itamaraty e o Ministério da Cultura, sobre quem seria o pai e a mãe da idéia. Enquanto isso, o Brasil carece de uma política orgânica promotora de sua cultura e de sua língua. E num momento em que estudantes pela Europa inteira querem estudar o português do Brasil, cada vez mais.

Tudo bem: louvemos os futuros engenheiros, matemáticos, físicos e vizinhos dessas áreas “exáticas”, que desejadamente se tornarão diplomatas. Mas não esqueçamos do quanto a diplomacia brasileira deve a Martins Pena, Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães, Aluísio Azevedo, Raul Bopp, Erico Verissimo, Guimarães Rosa, Viana Moog e outros e outras.

Não é uma forma de saudosismo.

É também uma forma de pensar o futuro.

Machado de Assis nunca viajou ao exterior. Está na hora dele empreender essa viagem, sob a forma de seu instituto.

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*Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

A cada um a sua revolução. (por Miguel Portas)

Do Esquerda.Net
por Miguel Portas 


A cada um a sua revolução. A minha iniciou-se ainda no tempo da outra senhora, uma expressão que caiu em desuso. E coincidiu com outra, obrigatória pela lei da vida, a da passagem à adolescência. Crónica de Miguel Portas de abril de 1999, retirada no livro “E o resto é paisagem”.


Foto do Centro de Documentação 25 de Abril

A minha revolução tinha, por isso, razões de urgência inusitada.

No meu país os estudantes do ensino secundário estavam separados entre liceus e escolas técnicas. Os primeiros chegariam às universidades, os segundos ficar-se-iam por um ofício qualificado. Não viria daí mal ao mundo, se tal representasse uma escolha. Acontece que era um destino. Filho de operário, operário serás. Filho de rico, garantia de doutor. Eu estava no segundo grupo, mas nem por isso sentia menos a injustiça.

No meu país os estudantes do ensino secundário estavam separados por sexos. Havia liceus para rapazes e liceus para raparigas. Alguns tinham mesmo muretes de separação, seguramente para estimular a imaginação. Elas estavam obrigadas a usar bata, a bata das escolas delas. Nós não, que éramos candidatos a homens.

No meu país as universidades já eram mistas. Elas eram bem menos do que eles. Elas sentavam-se, por ordem alfabética, nas primeiras filas do anfiteatro. Eles, também por ordem alfabética, ocupavam o restante. Assim era fácil marcar faltas: os alunos não tinham nome, na realidade tinham número.

No meu país havia, como em qualquer outro, bons e maus professores. Mas, com excepções, aquilo não era ensino, eram exames de memória. Um colega não perguntava ao outro «já estudaste aquilo?», invectivava-o com um «já decoraste?»

No meu país os nossos pais estavam condenados a entenderem-se sempre e para sempre. Casavam pela igreja, não tinham direito a divórcio. Há quem diga que o hábito faz o monge, mas a máxima nem sempre se aplica. Esta obrigatoriedade sobrava para muitos filhos, principalmente sobrava para muitas filhas.

O papel da igreja era omnipresente. Quem não fosse à missa era olhado de soslaio. Mas nem isso evitava as crises de fé, que geravam hecatombes familiares, ou vice-versa. Naquele tempo havia filhos e meio-filhos, não havia apenas filhos. Eu tinha uma meia-irmã, adivinhem lá o que isso seja. Durante anos não pôde visitar parte da família alargada. Culpada por ter nascido à margem da lei que os homens atribuíam a Cristo.

E depois, no meu país havia ainda o espectro de uma condenação antecipada: a guerra. Mais cedo ou mais tarde, iríamos lá bater com os costados. Em nome da Pátria e da nossa missão civilizadora no mundo dos cafres, assim era legítimo classificar os africanos.

Ah! E havia política. Lembro-me de ver Marcelo Caetano na televisão.

A emissão chamava-se “Conversas em família”. O patriarca falava e a plateia escutava. Parece que esta forma de comunicação foi então uma novidade absoluta no pacato mundo dos lusitanos, uma modernice. Adivinhem como seria antes...

A revolução, portanto. E nada menos do que a revolução.

A revolução começa por ser uma construção contra a realidade, um mundo como o que os primeiros cristãos escavaram para se protegerem das forças do Império romano.

No mundo onde me envolvi, os rapazes e as raparigas eram iguais. Não aprendíamos o que a escola nos dava, mas exactamente o que ela nos escondia. Outras leituras, outras músicas, outra conversa. E outra História.

Outra vida, também. Com maior ou menor tolerância das famílias, conquistávamos o tempo. Tempo para reuniões, agitações ou manifestações-relâmpago de alta adrenalina. Mas tempo também para acampamentos e namoros, tempo até para, à boleia, se conhecer Paris ou visitar a meca das liberdades, Amesterdão. No fundo, tempo para se confirmar como Portugal ficava mesmo muito longe do mundo. Do mundo e do nosso mundo.

Depois a revolução é a própria revolução, quando a nossa «contra-realidade» emerge como realidade. Há imagens que ficam para uma vida. A minha é a de um velho contínuo do Liceu Passos Manuel, homem corajoso que nunca denunciara as acções de agitação que, amiúde, se faziam. Foi ele quem, no dia 26 de Abril, se colocou na frente dos estudantes, hino nacional saindo da sua boca, antes da invasão das instalações do Secretariado para a Juventude (antiga Mocidade Portuguesa) do liceu. Esperara uma vida por aquele gesto e era comunista.

Lembro-me também da noite em que ficou claro que havíamos perdido. Da preocupação nos rostos, no desespero de alguns porque não era assim que estava escrito. E recordo-me também do alívio com que ouvi Melo Antunes nessa noite. Perdera-se, mas não se perdia tudo.

Perdemos? Uma revolução incompleta é uma revolução falhada? Talvez a História venha a dizer-nos que sim, ou talvez esta não seja a boa pergunta. Com ou sem revolução estaríamos hoje onde estamos, como diz Saramago? Mas como é possível não se ter superado ainda na cultura da esquerda a submissão estalinista aos resultados como critério de verdade? Como é possível continuar a desvalorizar o modo – neste caso, a revolução – face às finalidades? No limite, revolução é atitude, atitude de vida. O que ela, quando ocorre, tem de extraordinário, de único e insubstituível, é que marca quantos com ela se travam de razões. 
*Leia também: 

26 abril, 2012

Um abril diferente: morre Miguel Portas, líder da esquerda em Portugal


Nasceu em maio e morreu em abril. No mês dos trabalhadores e no da “Revolução dos Cravos”. Para trás, ficaram 53 anos de vida, a maioria dedicados à transformação do mundo, à luta por um mundo melhor. Miguel Sacadura Cabral Portas, mais conhecido na esquerda portuguesa por “Miguel” faleceu nesta terça-feira, na véspera do 25 abril, a data da derrubada do fascismo em Portugal, em 1974.

Uma luta para a qual o Miguel contribuiu muito. Desde jovem, foi um rebelde, tanto era assim que um dia se chateou com a mãe quando esta não lhe deixou ir à missa - ele que na adolescência namorou com a fé católica - e o fechou à chave num quarto. “Fiz aquilo que aprendi nos filmes, passei uma folha de papel debaixo da porta, empurrei a chave e fui para missa”, recordou há anos numa entrevista ao semanário Expresso. E em cima da mesa deixou um recado escrito: “Entre Deus e a mãe, prefiro Deus”. Ela não gostou e quando Miguel voltou da Igreja foi viver com o pai.

Miguel tinha tudo para ser de esquerda, inclusive nasceu no dia Primeiro de Maio. Um dia numa manifestação lhe disse: “Já reparou que no dia do teu aniversário há milhões de pessoas no mundo que saem à rua para protestar?”. Ele ria, com esse sorriso que mexia com toda a cara, abria umas arrugas na bochecha e quase fechava os olhos.

Nasceu numa família de estirpe e abastada. O tio avô foi o almirante Artur Sacadura Cabral, que protagonizou em 1922, com Gago Coutinho, o primeiro vôo entre a Europa e o Atlântico Sul, de Lisboa ao Rio de Janeiro, a bordo do hidroavião “Lusitânia”.

Sua mãe é a escritora e jornalista Helena Sacadura Cabral, uma das mulheres mais lúcidas do mundo intelectual português. O pai, foi um conhecido ativista católico durante a ditadura e hoje é um dos arquitetos portugueses mais importantes. O atual ministro nos negócios estrangeiros de Portugal, Paulo Portas, é o seu irmão mais novo. Todos eles conservadores.

Definitivamente, Miguel não saiu aos seus e costumava dizer que foi por culpa da mãe. Não só por não o deixar ir à missa naquele dia, mas pela estrita educação que lhe impôs quando os pais se divorciaram e ele ficou a viver com ela. Até o dia em que quis ir à missa.

“Eu sou de esquerda porque a minha mãe me proibia de deixar comida no prato, porque tinha de dar aos pobres o melhor presente que recebia no Natal. Fui habituado à renúncia. E também sou de esquerda porque sempre fui um filho difícil, habituado a dizer não. O meu processo de afirmação foi o contra”, definiu-se na referida entrevista.\

Militância

Aos 15 anos foi preso por participar, em nome da Associação de Estudantes do Secundário, da maior assembléia universitária realizada em 1973 na Faculdade de Medicina de Lisboa. A policia política invadiu o local e prendeu todos. Ficou uma semana na cadeia e saiu de lá com a cabeça rapada, era uma humilhação que a ditadura impunha aos estudantes. Modesto, nunca gostou muito de falar no assunto. Nas poucas vezes que se referiu a ele, dizia que não foi uma “prisão” mas sim “uma detenção”.

Nessa altura já era um membro clandestino da União de Estudantes Comunistas. A “Revolução dos Cravos” o apanha no Liceu Pedro Nunes, de onde quase foi expulso por organizar uma greve de silêncio contra dois professores. Durante uma semana conseguiu que nenhum estudante falasse com eles. Motivo: eles tinham censurado um artigo seu no jornal estudantil sobre o significado do Primeiro de Maio.

Depois da revolução, Miguel teve uma carreira meteórica dentro da União dos Estudantes Comunistas. Legalizado o Partido Comunista Português, o jovem dirigente estudantil foi logo nomeado membro do Comitê Central do partido. Nunca foi um militante condescendente. “Era muito disciplinado, isso sim. Mas também tinha as minhas coisas”, recordou ao Expresso.

Foram “essas coisas” que o levaram depois da queda do Muro de Berlim a começar a contestar a inflexibilidade ideológica do partido, no momento em que a esquerda era abalada em suas convicções. “Vou parar no partido em um trajeto que muita gente fez: do catolicismo ao cristianismo e daí ao comunismo. Fiz uma adesão ao partido pelo lado intelectual. A maioria das pessoas o fez por causa das condições de vida, do ambiente familiar”, afirmou.

Mas a ruptura veio em 1991 com a tentativa de golpe de estado na ex-União Soviética. O Partido Comunista Português apoiou os golpistas. Miguel não gostou e foi embora.

A partir daí fundou varias organizações de esquerda, foi jornalista, dirigiu dois jornais, uma revista, escreveu três livros e fez dois documentários. E acabou por formar o Bloco de Esquerda, um partido composto por dissidentes do Partido Comunista, unidos a antigos militantes maoístas e trotskistas. Não só foi fundador do Bloco, como seu principal inspirador. Foi eleito duas vezes deputado do Parlamento Europeu e distinguiu-se por ser profundamente europeísta, ao contrário da opinião do irmão Paulo, líder dos democrata-cristãos portugueses e descrente de unidade européia.

Hoje, a esquerda portuguesa está de luto. Seus adversários o elogiam, até aqueles que pensam que o “conquistaram para a direita” o celebram. Mas ele, Miguel Portas, nunca mudou.

Quando há quatro anos a revista Visão lhe perguntou se, apesar de tudo, continuava a ser comunista, a resposta foi clara: “Sou comunista no sentido de que continuo a pensar que é possível ao homem construir uma sociedade de abundância em que o Estado seja dispensável e em que a sociedade seja capaz de se organizar e de se auto-administrar, distribuindo essa abundância de forma igualitária para que cada um possa seguir os seus caminhos ao longo da vida sem atropelar o próximo”.

Miguel sempre disse que não sabia o que deixaria aos seus filhos. Hoje já se sabe. Miguel Portas provou no Parlamento Europeu que sendo de esquerda também é possível acreditar numa Europa federada. Foi, até ao fim, um herege das utopias.
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(Miguel Portas nasceu no dia 1 de maio de 1958 em Lisboa. Morreu vitima de câncer em 24 de abril em Antuérpia, Bélgica. Deixou dois filhos).

Código Florestal: esta base aliada vale a pena?



por Valmir Assunção
do Brasil de Fato


O que vimos na Câmara dos Deputados com a votação do Código Florestal foi uma cena vergonhosa. O desserviço que a Casa envia à presidenta Dilma não é comemorado pela maioria da sociedade brasileira. Ao contrário, em ano de Rio +20, o que foi aprovado é a motosserra em nossas florestas, o desrespeito à nossa Amazônia, às nossas águas, aos nossos mangues, ao nosso meio ambiente. É uma afronta aos nossos camponeses. Estes, os verdadeiros preservadores do meio ambiente, por vezes tiveram sua identidade manchada por aqueles que teimam tomar a nossa voz, de camponês, para justificar o absurdo que aqui foi votado.

Nós, nordestinos, por vezes, fomos evocados para justificar o injustificável. Deu dor de estômago!

Desde o começo, os comprometidos com a agricultura camponesa, familiar e o meio ambiente sabíamos que a situação era difícil e complicada: não podíamos criar novos textos, mas escolher o texto do Senado, que apesar de ter pontos problemáticos, ainda era melhor que o da Câmara, que pode ser apelidado de Código Ruralista.

Tivemos uma aula de como a luta de classes é presente, ainda que muitos teimem em dizer que ela não existe: a bancada ruralista, uníssona em seus interesses, em detrimento daqueles que lutam pela produção de alimentos saudáveis, que precisam da natureza preservada para a sua sobrevivência.

Neste caso, não existe base aliada! Pergunto-me: vale a pena ter uma aliança tão ampla? Esta base está comprometida com os seus interesses, não com os projetos do povo. É a mesma base que não quer a reforma agrária, a mesma base que quer tirar o poder de nossa Presidenta de titular terras aos indígenas com a PEC 215; é a mesma base que emperra a votação da PEC do Trabalho Escravo há anos no Congresso Nacional.

No caso do Código Florestal, repito: da mesma forma que o relatório de Aldo Rebelo foi uma vergonha, o mesmo pode ser dito do relatório de Paulo Piau.

Precisamos impedir a possibilidade de recuperar só metade das áreas que foram desmatadas em beiras de rios e nascentes até junho de 2008; a desobrigação de recuperar as reservas legais desmatadas até 2008 para todos os imóveis com até quatro módulos fiscais; a possibilidade de recuperar ou preservar a reserva legal e/ou a Área de Proteção Permanente em outra propriedade de um mesmo bioma. Temos ainda que impedir que haja a autorização da recomposição das reservas legais e áreas de proteção permanentes com até 50% de espécies exóticas, o que aumentaria os desertos verdes de eucalipto e pinus, além da permissão do plantio de lenhosas em áreas com inclinação maior de 45° e topos de morros.

O Núcleo Agrário do PT trabalhará pelo Veta Dilma! É preciso mais que nunca uma grande mobilização social para não retroceder!

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Deputado Valmir Assunção (PT-BA) é coordenador do Núcleo Agrário do PT, vice-líder do PT na Câmara.


Leia também:
"A Constituição garante o direito de veto à presidenta", diz Gilberto Carvalho

Peruas de verdade desperdiçam Lacan

Dica do @stanleyburburin
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Isadora Peron, O Estado de S.Paulo

Após terem se reunido, no fim do ano passado, para discutir o problema da corrupção no País, um grupo de mulheres paulistanas voltou a se encontrar nessa quinta-feira, 25, para outro ato de protesto: pedir que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue neste semestre o processo do mensalão.



Lideradas pela psicanalista lacaniana Maria Cecília Parasmo, nove representantes da sociedade civil passaram a tarde dessa quinta em um prédio nos Jardins, bairro nobre da capital, debatendo o assunto.

"Nós temos que sair, gritar, berrar: 'Ministro (Ricardo) Lewandowski, ponha a mão na consciência e devolva o processo para que seja colocado em julgamento'", bradou Sileni Rolla, do Movimento Mulheres da Verdade. Ricardo Lewandowski, do STF, é o revisor do processo e deve liberar seu voto para que o caso possa ser julgado.

Para dar consistência à manifestação, o grupo - batizado de "Ação pela Cidadania" - tentou, sem sucesso, falar com dois ministros do STF pelo telefone: o novo presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, e Joaquim Barbosa.

Enquanto o grupo deixava recados a assessores e secretárias dos gabinetes, os ministros estavam no plenário para julgar a questão das cotas raciais nas universidades.

As mulheres, no entanto, não se abalaram e prometeram uma ida à Brasília para tentar uma audiência com os membros da Corte. "Já temos umas 15 pessoas dispostas a ir", disse a advogada Raquel Alessandri. "Já imaginou? Vai ser o povo tomando Brasília."
A proposta do grupo é a de que o dinheiro público supostamente desviado pelo mensalão, se recuperado, seja usado em obras sociais, como creches e hospitais.

Ampulheta. Com a mesma intenção de pressionar o STF, um grupo criado pelo Facebook tentou entregar ontem uma ampulheta a Lewandowski. O objeto foi escolhido para representar a passagem do tempo. Segundo eles, o ministro cancelou a audiência agendada há mais de um mês.

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Para saber mais sobre o grupo, leia no Blog do Miro 


O Uruguai, por Eduardo Galeano

Montevideo

Do Carta Maior
por Emir Sader 

Até um certo momento o Uruguai só era mencionado no Brasil por duas coisas: ricos iam se divorciar e/ou casar e ter lua-de-mel em Punta del Este e pela derrota no fatídico dia 16 de julho de 1950 para a seleção Uruguai no Maracanã, de virada, na Copa do Mundo feita para o Brasil ser campeão. Alguns haviam passado por Montevidéu e diziam que ficava a meio caminho entre Porto Alegre e Buenos Aires.

“Os uruguaios temos certa tendência a crer que nosso país existe, embora o mundo não o perceba”, diz Galeano. “Os grandes meios de comunicação, aqueles que têm influência universal, jamais mencionam esta nação pequenina e perdida ao sul do mapa.”

Um país de poucos milhões de habitantes que, como diz ele, tem população similar a alguns bairros das grandes cidades do mundo, mas que provocaria algumas surpresas para quem se arriscasse a chegar por ali.

Um país que aboliu os castigos corporais nas escolas 120 anos antes da Grã-Bretanha. O Uruguai adotou a jornada de trabalho de oito horas um ano antes dos Estados Unidos e quatro anos antes da França. Teve lei do divórcio setenta anos antes da Espanha e voto feminino quatorze anos antes da França.

O Uruguai teve proporcionalmente o maior exílio durante a ditadura militar, em comparação com sua população. Assim, tem cinco vezes mais terra do que a Holanda e cinco vezes menos habitantes. Tem mais terra cultivável que o Japão e uma população quarenta vezes menor.

O país ficou relegado a uma população escassa e envelhecida. Tristemente Galeano diz que “poucas crianças nascem, nas ruas vêem-se mais cadeiras de rodas do que carrinhos de nenês”.

Ainda assim, Galeano consigna bons motivos para gostar do seu país: “Durante a ditadura militar, não houve no Uruguai nem um só intelectual importante, nem um só cientista relevante, nem um só artista representativo, único que fosse, disposto a aplaudir os mandões. E nos tempos que correm, já na democracia, o Uruguai foi o único país do mundo que derrotou as privatizações em consulta popular: no plebiscito de fins de 92, 72% dos uruguaios decidiram que os serviços essenciais continuaram sendo públicos. A notícia não mereceu sequer uma linha na imprensa mundial, embora se constituísse numa insólita prova de senso comum.” Talvez por esses “maus exemplos” tentam desconhecer o Uruguai, apesar da insistência dos uruguaios de afirmar que seu país existe.

Por tudo isso, Galeno se orgulha do seu “paisito”, “este paradoxal país onde nasci e tornaria a nascer”.
 

25 abril, 2012

O papel da blogosfera contra a desinformação



por 
Luis Nassif

Mais que uma disputa política, a CPI de Cachoeira será uma guerra de informações - como já se nota. Todos os expedientes de manipulação da informação serão utilizados: o ocultamento de informações que não interessam a um dos lados; a escandalização de informações irrelevantes; as conclusões impossíveis em cima de diálogos neutros etc.

É importante que não se entre nesse jogo, seja para defender amigos ou atingir adversários. Fazer esse jogo significará entrar no campo da desinformação tão pretendido por quem não quer esclarecer, apenas confundir.

Alguns exemplos:

1. Foram flagradas conversas de Protógenes com Dadá. Ora, é público que Dadá colaborou da Operação Satiagraha. Portanto, conversa em si não significa nada. O que significa é seu conteúdo. Até agora não apareceu nada que mostrasse vinculação de Protógenes com Cachoeira.

2. O emprego dado por Aécio a uma sobrinha de Cachoeira. Ora, o pedido foi feito por Demóstenes Torres, senador, o herói da mídia, o cavaleiro sem jaça. Demóstenes não anunciou que era prima de Cachoeira, chefe de quadrilha, seu financiador. Os problemas de Aécio estão fora da CPI: o caso das suas rádios em BH, por exemplo.

3. Conversas de representantes da Delta com autoridades em geral, seja em qualquer estado ou departamento for, a não ser que revelem claramente objetivos criminosos.

Em meu "O Jornalismo dos anos 90" publico um manual completo de expedientes manipulatórios da mídia. Um deles é justamente este: menciona um diálogo grampeado e tiram-se conclusões da conversa que nada têm a ver com seu conteúdo original.

O fato de Aécio ter virado alvo não é sinal nenhum de isenção da velha mídia. Fosse isenta estaria analisando os fatores que levaram Cachoeira a optar, em 1999, a esquentar seu dinheiro em laboratórios de genéricos em Anápolis, assim como as críticas dos especialistas à Lei dos Genéricos: todos apoiaram seus princípios mas não entenderam a pressa com quem foi implementada, prejudicando em muito sua eficácia.

Vamos tentar transformar esse pedaço, o Blog, em um local de filtragem técnica das notícias e de montagem de quebra-cabeças mais sofisticados do que esse mero exercício de tirar conclusões taxativas de diálogos inócuos.


Ley de Medios: quem se omite mais?



O Conversa Afiada reproduz e-mail que recebeu do professor Fábio Konder Comparato:

Caro amigo:

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão nº 10, que tomou a sigla de ADO 10, foi proposta, como você sabe, pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL perante o Supremo Tribunal Federal, a fim de que o Poder Judiciário declare oficialmente que desde a promulgação da vigente Constituição, ou seja, há vinte e três anos e seis meses exatamente, o Congresso Nacional, por pressão do oligopólio empresarial dos meios de comunicação de massa, não regulamenta os mais importantes dispositivos constitucionais, relativos à comunicação social. Exemplos: o direito de resposta (que é declarado direito fundamental na Constituição!) e a proibição do monopólio e do oligopólio, direto ou indireto, dos meios de comunicação social.

Pois bem, intimado a dar parecer no processo em 25 de março de 2011, o Procurador-Geral da República, que tem o prazo legal de 15 (quinze) dias para fazê-lo, até hoje não o fez.

Diante disso, o autor da ADO ingressou, em 22 de fevereiro p.p., com uma petição à relatora do processo, Ministra Rosa Weber, pedindo providências (petição anexa). Ora, da mesma forma, até hoje, passado mais de um mês, a relatora tampouco despachou a petição.

Abraço,

Fábio Konder Comparato



Em tempo: o amigo navegante há de se lembrar que o brindeiro Roberto Gurgel só tirou da gaveta o inquérito sobre Demóstenes Torres depois que parlamentares foram ao seu gabinete lembrar que “prevaricação” existe.

Em tempo2: o professor Comparato enviou o seguinte comentário:



Caro Paulo Henrique:
Permito-me lembrar que a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade – CONFECOM ingressou com idêntica ação de inconstitucionalidade por omissão, que foi registrada como ADO 11.
Como você vê, o atual Procurador-Geral da República, mais uma vez, nos brinda com uma omissão, dobrando-se à omissão os sucessivos Governos e do Congresso Nacional.
Aliás, tanto em uma quanto em outra dessas ações, o Congresso Nacional e a Advocacia-Geral da União (que obedece, segundo a lei, às instruções diretas e pessoais do Presidente da República) manifestaram-se no sentido de que não existe omissão alguma…
Abraço,
Fábio Konder Comparato


Leia a seguir a íntegra da petição que o professor Comparato encaminhou à Ministra Weber:


Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber, Digníssima Relatora da Ação de Inconstitucionalidade por Omissão nº 10:

O PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE, autor da ação em referência, vem expor e a final requerer o que segue:

1.– No próximo dia 25 de março, completar-se-á um ano da remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República, a fim de que ela emita o devido parecer no presente processo.
Segundo o disposto no art. 8º da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República tem o prazo de 15 (quinze) dias para se manifestar sobre a ação proposta.

2.– A Constituição Federal, logo no primeiro de seus artigos, declara que “a República Federativa do Brasil [...] é um Estado Democrático de Direito”.

Em um autêntico Estado de Direito, escusa lembrar, é absolutamente inadmissível que alguém, sobretudo um agente público, possa sobrepor sua vontade ou seu interesse particular à ordem jurídica, ou justificar-se do não cumprimento da lei por razões de ordem particular.
Escusa lembrar, ainda, que, de acordo com o disposto no art. 127 da Constituição Federal, “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica”. O que significa, a todas as luzes, que o Ministério Público não goza nem pode gozar de nenhum privilégio em matéria processual, devendo, como qualquer parte ou interveniente no processo, cumprir rigorosamente os prazos legais.

3.– Nessas condições, é a presente para pedir a Vossa Excelência:

1.que mande intimar o Exmo. Sr. Procurador-Geral da República a apresentar incontinente nestes autos o seu parecer;
2.que determine seja o Conselho Nacional do Ministério Público informado do fato, para as providências cabíveis.

Termos em que,
PEDE DEFERIMENTO.

De São Paulo para Brasília, 22 de fevereiro de 2012

___________________________
p.p. FÁBIO KONDER COMPARATO
OAB-SP nº 11.118

24 abril, 2012

Por que Buenos Aires enlouquece a mídia



por Mark Weisbrot, no The Guardian 
Tradução: Antonio Martins, do Outras Palavras

A decisão do governo argentino, de re-nacionalizar a YPF, antiga empresa estatal de petróleo e gás, foi recebida na mídia internacional com brados de ultraje, ameaças, presságios de tormenta e ruína e até xingamentos.

Já vimos este filme antes. Quando o governo argentino entrou em moratória da dívida externa, no final de 2001, e desvalorizou sua moeda algumas semanas depois, choveram lamentos e condenações na imprensa. A medida provocaria inflação descontrolada, fecharia o crédito internacional à Argentina e provocaria ao final escassez de divisas. A economia iria mergulhar numa espiral de recessão.

Nove anos depois, o PIB de Argentina cresceu cerca de 90%, o índice mais alto no hemisfério. Os índices de desemprego estão no patamar mais baixo de todos os tempos; tanto a pobreza quando a “pobreza extrema” foram reduzidas em dois terços. Os investimentos sociais, já corrigidos pela inflação, quase triplicaram. Provavelmente por isso, Cristina Kirchner foi reeleita em outubro, numa vitória arrassadora.

Esta história de sucesso raramente é contada, em especial porque implicou reverter muitas das políticas neoliberais fracassadas que – apoiadas por Washington e pelo FMI – conduziram o país a sua pior recessão, entre 1998 e 2002. Agora, o governo está revertendo outra política neoliberal dos anos 1990: a privatização do setor de petróleo e gás, que jamais deveria ter ocorrido.




No Brasil, adivinhe quem deseja mais intensamente o "abismo" de Cristina Kircher?

Há razões de sobra para esta atitude, e é muito provável que ela se demonstre, também neste caso, acertada. A Repsol, companhia espanhola que controlava 57% da YPF argentina, deixou de produzir o suficiente para abastecer uma economia em crescimento acelerado. Entre 2004 e 2011, a extração de petróleo declinou quase 20%; e a de gás, 13%. A YPF foi a principal responsável pelo recuo. E as reservas comprovadas de petróleo e gás da companhia também caíram substancialmente, nos últimos anos.

O declínio da produção não é um problema relacionado apenas ao consumo das pessoas e empresas, mas, ao mesmo tempo, um tema macroeconômico de grande importância.

O déficit de petróleo e gás levou a uma rápida alta das importações. Em 2011, elas dobraram, em relação aos 9,4 bilhões de dólares do ano anterior, absorvendo boa parte do superávit comercial argentino. Obter um resultado positivo é muito importante para a Argentina desde a moratória de 2011. Como o governo tem pouco acesso aos mercados financeiros internacionais, ele precisa acautelar-se e acumular um volume importante de divisas, para evitar uma crise no balanço de pagamentos. É por isso que não pode dar-se ao luxo de deixar nas mãos do setor privado a produção e distribuição de energia.

Por que, então, o ultraje contra a decisão de Buenos Aires de assumir – por meio de uma troca forçada – o controle de uma empresa que, durante a maior parte de sua história, foi a companhia nacional de petróleo? O México nacionalizou seu setor petrolífero em 1938 e – como diversos países da OPEP – sequer permite investimento estrangeiro na extração. A maior parte dos países produtores – da Arábia Saudita à Noruega – tem estatais petrolíferas. A privatização do óleo e do gás nos anos 1990 foi uma aberração de neoliberalismo selvagem. Mesmo quando o Brasil privatizou empresas estatais avaliadas em U$ 100 bilhões, nos anos 1990, o governo de então manteve-se como acionista majoritário da Petrobrás.

O controle soberano sobre os recursos energéticos tem sido uma parte importante da recuperação econômica da América Latina, vista por muitos como sua “segunda independência”. A Bolívia renacionalizou sua indústria de hidrocarbonetos em 2006, e elevou a receita advinda de suas fontes energéticas de 10% do PIB para 20%. No governo de Rafael Correa, o Equador ampliou progressivamente o controle sobre seu petróleo e sobre as empresas privadas que atuam no setor.

A Argentina, portanto, está se alinhando aos vizinhos e revertendo antigos erros no setor de energia. Já seus detratores estão em posição frágil para atirar pedras. As agências de avaliação de risco estão ameaçando rebaixar a Argentina. Seria o caso de levá-las a sério, depois de elas terem atribuído notas AAA para as hipotecas baseadas em créditos podres, durante a bolha imobiliária; e de terem, mais tarde, fingido que o governo dos EUA poderia tornar-se insolvente? Já as ameaças da União Europeia e do governo de direita da Espanha partem de um continente que vive a segunda recessão em três anos e está a meio caminho de uma década perdida, com índices de desemprego que chegam a 24%, precisamente no estado espanhol.

É interessante notar que a Argentina alcançou seu notável sucesso dos últimos nove anos embora recebesse pouquíssimo investimento direto externo e de ter sido afastada, em grande medida, dos mercados financeiros internacionais. Segundo a maior parte dos jornais de negócios, estes são os dois agentes que qualquer governo mais precisa agradar, se quiser ser bem-sucedido. Porém, Buenos Aires tem outras prioridades. Talvez seja por isso que a Argentina recebe tantas críticas…

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* Mark Weisbrot é co-diretor of the Centro para Pesquisa Econômica e Política CEPR , em Washington. Também é co-autor de Ao Sul da Fronteira, documentário de Oliver Stone. Em 28 de março, a Folha de S.Paulo, que reproduzia a cada duas semanas alguns de seus textos, interrompeu a publicação, sem oferecer motivos aos leitores.

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