26 dezembro, 2012

Uma proposta de reflexão para o PT


por Tarso Genro 
dica @joaonildo51 

Na introdução ao seu “Berlim Alexanderplatz” (1929) o grande escritor Alfred Döblin, da mesma estatura intelectual - artística e moral - de Thomas Mann, disse que escrevia um livro sobre o personagem Franz Biberkopf, que representava os que habitam uma pele humana e com os quais acontece “querer mais da vida do que pão e manteiga”.

Lembro esta passagem lapidar da introdução de Döblin, porque sendo parte do grupo de dirigentes históricos minoritários no PT - desde a época que ocorreram os fatos que originaram a Ação Penal 470 - e tendo assumido a presidência do Partido num momento difícil da sua existência afirmei, em diversas oportunidades, que nenhum partido era uma comunidade de anjos. O que era afirmar o óbvio num momento em que dizer o óbvio parecia uma agressividade contra o meu próprio Partido.

Passados vários anos daquele fato e quase terminado o julgamento daquela Ação Penal, é bom retomar o fio da história presente para refletir, no período que se convenciona planejar o “ano novo”, sobre o futuro da esquerda e do PT. Pensar também sobre o futuro do nosso país, que nos últimos dez anos vem sofrendo grandes transformações econômico-sociais.

Brasil novo sujeito político no cenário mundial; Brasil tirando da miséria 40 milhões de pessoas; Brasil com os sindicalistas, os “sem-terra”, “sem teto”, “sem emprego”, sentados na grande mesa da concertação e da democracia; Brasil do Prouni, do Fundeb, da reestruturação das funções públicas do Estado; Brasil do baixo desemprego, inflação baixa e juros baixos; Brasil da nova Política de Defesa; Brasil da classe média ampliada e de melhores salários no setor público e privado; Brasil da Polícia Federal que age -em regra- segundo a Lei e a Constituição. Brasil em que todas as instituições do Estado cometem seus erros e acertos dentro das regras do jogo constitucional.

É ingenuidade perguntar qual o Brasil que transita no debate político: este, descrito acima, ou o Brasil da Ação Penal 470? Ou melhor, porque o Brasil que se debate é predominantemente o da Ação Penal 470 e não o Brasil legado, até agora, pelo centro progressista e pela esquerda, sob a hegemonia do Partido dos Trabalhadores? Quem compôs esta agenda e por que ela é agenda hegemônica? As respostas a estas perguntas serão a base da compreensão dos partidos sobre o que ocorrerá bem além de 2018.

Aponto dois motivos básicos, que são fortes para manter a Ação Penal 470 -e a manterão por muito tempo - como o centro de todas as estratégias políticas da direita, em geral, e da oposição midiática, em particular. O primeiro motivo é que, através da judicialização do processo político, poder-se-á criar a ilusão que é possível escrever um novo Brasil -mais decente e mais democrático- por fora da política, logo, principalmente através de decisões do Poder Judiciário, que é pouco influenciável pelos movimentos sociais populares e muito influenciável pela “opinião pública” da mídia conservadora.

O segundo motivo, ligado ao primeiro, é que este “deslocamento” da luta política para o âmbito do Judiciário poderá funcionar como uma alternativa à hegemonia do PT e da esquerda no âmbito eleitoral, já que a oposição conservadora, que sucateou o Brasil quando esteve no poder (representada pelo demo-tucanato) não ofereceu, até agora, nenhuma esperança de poder nos próximos anos. Assim, o Poder Judiciário, erigido -como está sendo proposto- à condição de grande menestrel da moral pública e da ética política, poderá transformar-se no centro político da vida política nacional, esvaziando a luta ideológica, programática e política, entre os partidos, nos movimentos e no Parlamento.

É construída, desta forma, a substituição dos Partidos, do Parlamento e dos movimentos sociais, pelo Poder Judiciário, através deste processo de “judicialização da política”. Sobre esta judicialização, o voto popular não pode exercer nenhuma influência direta ou visível, pois sobre o Poder Judiciário os jogos de influência são absolutamente restritos, totalmente elitizados e manipuláveis por poucos grupos sociais, o que, aliás, é normal em todas as democracias do mundo, como sempre analisava e reconhecia o mestre Norberto Bobbio.

Assim, a Ação Penal 470 continuará sendo - se o Parlamento e os Partidos não reagirem com reformas sérias que deem mais dignidade ao fazer político democrático - o centro do debate pautado pela mídia e pela direita anti-Lula. A oposição partidária não conseguiu - ao longo destes oito anos - configurar um projeto alternativo convincente em torno da hegemonia do capital financeiro, pois os interesses empresariais que lhes davam sustentação plena -tanto locais como internacionais- não estão mais unificados pela pauta neoliberal. O surto de crescimento e desenvolvimento das forças produtivas no país, durante os governos Lula, e a crise aguda do modelo neoliberal na Europa, que prosseguiram com o governo da Presidenta Dilma, abalaram esta unidade.

A unidade foi possível até a situação de crise que levou o país ao Plano Real, cujo resultado no desenvolvimento econômico, foi marcar regras mais claras para que os agentes econômicos pudessem planejar o futuro em torno de uma moeda estável, também retirando do Estado as condições de manipular o seu planejamento financeiro, utilizando a inflação. Como o PT e a esquerda foram protagonistas essenciais do período pós-real, no qual ocorreram formidáveis mudanças sociais e econômicas, é natural que tanto o Partido como os seus dirigentes sejam alvos de uma forte tentativa de neutralização dos seus méritos, através da exacerbação de seus defeitos ou limitações.

Mas estes, como se sabe, não são somente originários de condutas individuais estimuladas pelo sistema político atual e pela história pouco republicana do Estado brasileiro, mas também fazem parte, em maior ou menor grau, das “regras do jogo” de qualquer democracia. Refiro-me, aqui, às condutas que são formas não transparentes de promoção de políticas de estado, não aos delitos que sejam cometidos em qualquer época. Estes, os delitos, são normalmente de conta de Poder Judiciário, mas é costumeiramente depois do seu julgamento que passam a integrar, com maior ou menor intensidade, os debates eleitorais e as críticas que os partidos assacam, uns contra os outros, para ressaltar a sua própria autenticidade.

Os partidos democráticos e republicanos, independentemente da sua ideologia específica, devem compartilhar da luta para reduzir ao máximo estes aspectos perversos de qualquer democracia, sem criar a ilusão cínica que um processo judicial -seja ele qual for e contra quem for- terá a capacidade de iniciar uma “era de fim da impunidade”. Criar a ilusão de que iniciaremos, com qualquer processo judicial, uma era de “fim da impunidade”, é criar condições políticas para que, se a oposição atual chegar ao poder, por exemplo, ela não seja punida pelos seus erros e delitos, porque a Ação Penal 470, afinal, já fez “a limpeza necessária no país”, o que é uma supina fraude informativa.

Vou mencionar dois fatos midiáticos típicos, que simbolizam todo um período de luta política no país, que certamente serão arrolados aos milhares em teses acadêmicas futuramente apresentadas a bancas especializadas, o que ocorrerá certamente nos próximos dez anos. O primeiro, apoia-se numa entrevista concedida pelo meu especial amigo, ministro Ayres Britto - diga-se de passagem, ministro honrado e qualificado intelectualmente - que diz (Zero Hora 23.12.12 pg. 8): “O que estamos aqui julgando é um modo espúrio, delituoso, de fazer política. A política é mais importante atividade humana no plano coletivo.”

A afirmativa constante nas declarações do ministro Britto, que sintetiza muito bem a posição do Supremo na Ação Penal 470, elege um ponto de partida perigoso para orientar julgamentos numa Corte Suprema que é sim, também, uma Corte política. É uma Corte, porém, que não tem poderes para julgar “o modo de fazer política”, logo a própria política -que é feita de diferentes modos em distintos contextos históricos- e que é uma “atividade humana coletiva”, como bem diz o ministro Ayres Britto. Os poderes que são dados ao Supremo pela Constituição, em processos criminais, são para julgar comportamentos devidamente individualizados pelo Ministério Público, como determina a Constituição.

Aceitar que o Supremo possa julgar a “política” é promover a possibilidade de incriminações em abstrato de toda uma comunidade partidária ou de governos, como é comum em regimes de força. A Suprema Corte é uma corte política, porque seus julgamentos têm, muitas vezes, largos efeitos políticos sobre vastos períodos históricos e porque, na análise e na aplicação das normas, sempre pendem coordenadas políticas e convicções ideológicas.

O Supremo não é uma Corte política porque seja o julgador da esfera da política, pois esse tipo de julgamento, no Estado Democrático de Direito, é prerrogativa do povo, em eleições periódicas. E do Parlamento em procedimentos regulados. A conveniência política, por exemplo, em liberar uma emenda parlamentar (destinada a promover um investimento público numa região do país) visando uma votação da Câmara Federal, é uma política encravada na formação da nossa República. É hábito (negativo) do nosso sistema político, mas não constitui qualquer delito, se a liberação for feita dentro das regras vigentes. Fisiologismo parlamentar não é da órbita do Supremo: isso é política, em sentido negativo, é má política; mas é política, usada por todos os governantes para governar dentro da democracia. Isso só pode ser desmontado por uma reforma política, não por decisões judiciais.

O Ministro afirmou, portanto, que “estamos julgando um modo de fazer política”, o que implica em dizer que os fatos eventualmente delituosos passam pelo juízo preliminar sobre o “modo de fazer política”. Isso é um rotundo equívoco. Quem julga o “modo de fazer política” é o parlamento e o povo: o parlamento em procedimentos regrados pela Constituição e pelo Regimento Interno das Casas Legislativas e o povo em eleições periódicas. Ou seja, posicionar-se o Juiz, no caso concreto, sobre a “política que está sendo feita” - já tida pelo Magistrado como “espúria” e “delituosa” - é restringir a ampla defesa. A partir daquela convicção, o exame do comportamento individualizado dos réus passa a ser secundário, pois eles são agentes “de um modo espúrio e delituoso” de proceder: criminosos previamente identificados.

Assim, o indivíduo, como réu, subsome-se na criminalização da política presumidamente feita pelo governo e não tem saída nem defesa. O julgamento passa a ser principalmente o julgamento de um “modo de fazer política”, que tanto envolve os réus –integrantes do coletivo político considerado como espúrio e delituoso- como também todos os que estiveram ligados, direta ou indiretamente, às políticas de governo. Todos são culpados: inculpação em abstrato, que foi obrigada a buscar algum tipo de sentido na interpretação ampliada do “domínio funcional dos fatos”, para tentar justificar racionalmente as condenações.

O adequado às funções de uma Corte Superior em julgamentos desta natureza é apanhar os fatos e atos (individualizados na denúncia do Ministério Público) e contrastá-los com as normas que regulam as funções dos agentes públicos. Este contraste é que possibilita a criminalização, ou não, das condutas políticas dos indivíduos, através do sistema de direito. Este é o sistema que dá ordem, materialidade e previsibilidade ao sistema político e que pode promover tanto julgamentos políticos nas esferas pertinentes, como consolidar juízos públicos sobre partidos e indivíduos, com influência nos processos eleitorais.

A partir deste percurso, da quantidade das pessoas envolvidas nos delitos, da gravidade das violações legais e dos efeitos destas, sobre as funções públicas do estado, é que uma política de governo, no seu conjunto, pode ser taxada como “espúria” e “delituosa” e daí julgada pela soberania popular.

O que se constata, em contradição com os fundamentos da sentença da Ação Penal 470, é que o “modo de fazer política” do governo Lula (que na verdade não estava formalmente em julgamento na ação referida) levou o Brasil a um formidável progresso social e econômico, a um avanço democrático extraordinário, a um prestígio internacional inédito, que coloca o cidadão comum na velha disjuntiva: é melhor ter um governo que tenha um modo “espúrio” e “delituoso” de fazer política, que nos consiga tudo isso, ou um governo inepto, mas sério, no qual nós continuamos na marginalidade histórica e social?

Como a disjuntiva promovida pela decisão do STF é falsa, o cidadão comum -que é o principal objeto da manipulação midiática em torno do julgamento- responde por instinto de classe e pelo princípio da aparência imediata (“de onde vêm estes ataques?”): “prefiro o Lula e agora a Dilma, pois alguém está certamente me enganando nesta história toda”. E assim começam as pessoas a prestar atenção em quem serão os beneficiados pela eliminação da memória popular dos governos do Presidente Lula e do seu suposto modo de fazer política.

A razão histórica de caráter udenista do Supremo, julgando uma política “espúria” e não os réus, torna-se uma contribuição para uma razão cínica imediata, erguida sob premissas falsas (“prefiro” -pensa o povo- “quem rouba, mas faz”), mas a seguir se refaz como autoconsciência do protagonismo democrático do povo: “vamos reeleger a nossa Dilma, porque ela é uma boa continuadora do nosso Lula”.

Uma oposição sem rumo e sem propostas recebeu de presente um processo de judicialização da política, feito dentro da ordem jurídica e política atual, compartilhado pelo esquerdismo travestido de UDN pós-moderna. Não tinha como aproveitar, pois estava envolvida demais com o fetichismo neoliberal, com suas divisões internas, com a sua ausência de compreensão do país e do seu povo.

O segundo fato, ao qual quero referir, merece menos reflexão, mas não é menos significativo. Num dia desses, às 7h34 da manhã, na Globo News, a simpática Cristiana Lobo anunciava o seguinte, literalmente: “A CPI do Cachoeira não termina, enquanto isso o bicheiro ganha liberdade”. Atenção, a “culpa” do suposto delinquente ter saído da prisão não é decorrente de uma decisão do Poder Judiciário, que já estava condenando dirigentes petistas a pesadas penas, num processo altamente politizado. A culpa, sugere a notícia, foi da CPI, que é dirigida por um petista, que ainda não terminara certamente o seu trabalho “espúrio”. A culpa é, pois, da política e dos políticos, parece badalar o oposicionismo sem rumo.

Em todo este contexto, a Ação Penal 470, que poderia ser um grande marco de afirmação do Poder judiciário e de ressignificação da política em nosso país, tornou-se predominantemente uma arena de desgastes tentados contra Lula, a esquerda e o PT, como partido que lidera este formidável processo de mudanças no país: a judicialização da política despolitizou a oposição e empobreceu, ainda mais, nosso sistema político já falido.

É certo, porém, que esta ação penal não é apenas fracasso, o que poderá ser testado com os próximos processos que já estão em curso, que certamente não terão o mesmo interesse midiático que esta ação despertou. Mas ela incidiu largamente sobre o futuro do país e reorganizou a pauta dos partidos e da mídia: hoje a questão já é “o que faremos em 2018?” O “esquema” visivelmente não deu certo: Dilma, Lula e o PT, vão ganhar as eleições em 2014 pelo que já legaram ao país. Com isso, não estou dizendo que o Poder Judiciário entrou em algum esquema previamente concebido, mas que foi devidamente instrumentalizado e “aceitou” esta instrumentalização ora falida.

Trata-se, agora, nós da esquerda e do PT, de nos prepararmos para as próximas eleições de 2014 com Dilma, mas inaugurando uma nova estratégia. Descortinando -já a partir das próximas eleições presidenciais- os traços largos e os largos braços de um programa destinado a reestruturar a democracia brasileira, para mais democracia com participação cidadã, mais transparência com as novas tecnologias infodigitais, mais combate às desigualdades sociais e regionais. Sobretudo partindo da compreensão que todos “querem mais da vida do que pão e manteiga”, como dizia Döblin do seu personagem.

O fim da miséria, que já está no horizonte, é impulso para exigências mais complexas por parte de todo o povo e isso exige, também, um partido dirigente que supere os velhos métodos de direção tradicionais, que normalmente são apenas reativos às conjunturas às vezes difíceis, que atravessam os seus líderes: um partido que trate o cotidiano como tal, mas pense no processo e na História. Pensar em 14 pensando em 18. Neste ano de 2018, independentemente da qualidade dos nossos governos, o sentimento de renovação já estará em pauta no Brasil, face às próprias transformações que engendramos nos quatro governos seguidos, que provavelmente já teremos protagonizado no país.

Pensar assim é tarefa do Partido, não é tarefa de governo. A menos que abdiquemos da nossa função de sujeito político e passemos a ser um escritório de explicações sobre o passado. Se o nome “refundação” ainda fere, por equívoco, ouvidos mais sensíveis, falemos em renovação de fundo e de forma. Não para fugir das nossas raízes, mas para ancorá-las no presente das novas classes trabalhadoras, das novas classes médias, das novas formas de produzir, prestar serviços e distribuir riqueza, dos novos mundos da economia criativa, das novas formas de produção da inteligência, dos novos estatutos de relacionamento global, das novas demandas que não são necessariamente de classe, mas ingredientes básicos de uma sociedade justa e, sobretudo, mais e mais feliz. O nome disso é “novo socialismo” ou “nova social-democracia”: isso quem decide não é o partido.

20 dezembro, 2012

A Ley de medios da Argentina

O gráfico abaixo, publicado no Facebook por Flavio Lomeu, o @porra_serra, é uma excelente síntese da Ley de Medios da Argentina. Basta observar um pouquinho para entender as razões da gritaria de quem é contra a implementação.

Via @viomundo




19 dezembro, 2012

Congresso reclama, mas vem aumentando poder do STF

Desenho da Praça dos Três Poderes, do arquiteto Oscar Niemeyer


por @marcelo_semer
do Sem Juízo

O julgamento do mensalão terminou com o quase-ensaio de uma crise institucional.

O STF decidiu por estreita maioria que não precisa da Câmara dos Deputados, como previa a Constituição Federal, para decretar a perda de um mandato, em consequência da condenação judicial.

A decisão desagradou aos deputados e vem sendo combatida, desde antes do anúncio, pelo presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) –a quem o prolator do voto de minerva praticamente ameaçou com um processo por prevaricação em caso de descumprimento.

O STF tem a prerrogativa de errar por último, sentenciou o ministro Celso de Mello, e sem dúvida alguma é quem diz o que diz a Constituição.

A ira dos parlamentares pode até ser relevante, mas a disputa de poder não passa da retórica.

Afinal, nos últimos anos, tudo o que o Congresso vem fazendo, com suas seguidas reformas constitucionais, é aumentar progressivamente o poder da Suprema Corte –concentrando e verticalizando a jurisdição.

A criação da ação direta de constitucionalidade, que se antecipa a decisões de primeira instância contra atos ou normas de legalidade duvidosa, casando-se como uma luva com a jurisprudência que amputou o controle difuso nos tribunais estaduais.

A arguição de descumprimento de preceito federal, que acabou formatada como uma verdadeira avocatória da interpretação.

A repercussão geral com a possibilidade de estancar julgamentos em todos os foros, por anos a fio, até uma decisão superior.

E como peça de resistência a criação das súmulas vinculantes, espécie de delegação legislativa, cuja obediência é mais compulsória do que a da própria lei. De quebra, ainda esvaziou fortemente a independência judicial.

Pari passu a essas reformas que tonificaram o Supremo (empreendidas especialmente nos governos FHC e Lula), o tribunal saiu por conta própria, de sua histórica passividade, para assumir e cobrir a omissão dos demais poderes.

Fez bem no geral, mas ultrapassou, por algumas vezes, o desejável ativismo, que visa apenas garantir a efetividade dos direitos fundamentais.

Abonou, por exemplo, a limitação do número de vereadores nos municípios e aprovou a criação de regras específicas para a fidelidade partidária, com base em uma peculiar leitura eleitoral que o TSE fez da Carta Magna. Por pouco, não invadiu a competência da presidência da República para analisar a conveniência de uma extradição.

Ainda assim, os parlamentares mantiveram a desigualdade do foro privilegiado, concentrando nos tribunais o julgamento das autoridades -com o quê o STF se arrisca a transformar-se perenemente em uma vara criminal.

Baseando-se na oposição das cúpulas, deputados e senadores viraram ainda as costas à democratização interna do Judiciário, mantendo o poder anacronicamente como um reduto de oligarquias.

E mesmo quando construíram a alternativa de controle externo, estruturaram um conselho que é quase todo formado por indicação dos próprios tribunais superiores.

Parlamentares podem fazer contundentes discursos louvando a democracia e a defesa veemente de suas próprias competências.

Mas foram em grande parte responsáveis pela concentração de poder na cúpula do Judiciário que hoje os assusta.

#Redes de indignación y esperanza (Manuel Castells)


via @rodolfob 

De la indignación a la esperanza es el camino descrito por el sociólogo Manuel Castells (Hellín, Albacete, 1942) en los movimientos de protesta que han sacudido los países árabes y Occidente, con especial presencia en España. Un movimiento que se gesta en las redes informáticas y cuaja en los espacios urbanos ocupados: desde la Puerta del Sol o la plaza de Tahrir hasta Wall Street. Castells, catedrático en la Universidad del Sur de California, ve ahí el germen del cambio hacia formas de democracia más participativas. Lo explica en su última obra Redes de indignación y esperanza (Alianza).

Pregunta. Haga balance del movimiento de los indignados.

Respuesta. Va por países. En Islandia se nacionalizaron los bancos, se echó a los dos partidos que la gobernaban desde 1927, se creó un nuevo gobierno con democracia participativa, se elaboró una nueva Constitución debatida por internet con miles de ciudadanos interviniendo. Fue una revolución, pacífica, pero una revolución. En algunos países árabes se acabaron las dictaduras. Se puede pensar si el islamismo gusta más o menos, pero es otra cosa. Dictaduras inalteradas durante décadas se acabaron en semanas. En Túnez. En Egipto. En otros casos, los gobernantes avisados convirtieron las revueltas en guerra civil. En Estados Unidos la distinción entre ricos y pobres era ajena a la cultura americana y ahora es un asunto vivo y ha tenido un efecto electoral de segundo grado en la campaña, a favor de Obama.


R. España es el país de Europa donde el sistema político ha mostrado menos sensibilidad ante la protesta, y con los dos grandes partidos de acuerdo en ignorarla. El caso más dramático es el de las hipotecas. Los suicidios han disparado la alarma social, pero hace más de un año y medio que viene planteándose sin respuesta. La opinión pública ha registrado las críticas del 15-M. Las encuestas señalan un 70% de apoyo, pero también registran que apenas se cree que haya capacidad de cambio. Ha cambiado la conciencia de la gente, pero el sistema político se mantiene impermeable. Y esto puede degenerar en enfrentamientos y en violencia.P. ¿En España?

P. Una violencia que el movimiento rechaza de plano

R. Sí, pero hay un caldo abonado por las provocaciones policiales (en España las hay) y la rabia de los jóvenes. Con una sociedad movilizada, indignada, sin respuesta institucional creíble, es difícil evitar la violencia. Espero que no la haya y mucha gente del 15-M lo espera también. Pero hablamos de un movimiento, no de un partido, no de una organización hermética que puede controlar la rabia de la gente.

P. Usted señala que parte de la desconfianza hacia los partidos se debe a que son percibidos como subordinados al capitalismo financiero. Pero anota que no hay un rechazo del capitalismo

R. Dentro del movimiento hay una tendencia que es anticapitalista, pero no todo el movimiento lo es. Lo que se rechaza es el sistema financiero como funciona ahora. Su indignidad e inmoralidad. Y también la subordinación de las instituciones y los partidos a este estado de cosas. El movimiento parte del malestar económico y social, pero es sobre todo un movimiento político que exige la democracia real. Denuncia la falta de alternativa. Salvo que se entre en el sistema político, pero para eso está la ley electoral española que bloquea la entrada de minorías importantes. El movimiento ha hecho varias propuestas razonables de democratización del sistema electoral porque la sociedad ha cambiado, pero el sistema político no cambia. Y es imprescindible restablecer la conexión.

P. En un momento del libro sintetiza usted algunas de esas propuestas. De 12 que recoge, ocho son negativas

R. El movimiento es, sobre todo, un movimiento de crítica, de rechazo. A partir de ahí hay que abrir el debate. Y se ha abierto con formas tanto asamblearias como reticulares en Internet, esperando que de ese debate salgan fórmulas para el futuro que sean asumidas por la ciudadanía. Hay propuestas positivas: la reforma de la ley electoral, la modificación del sistema hipotecario, mecanismos de control sobre la banca. Lo que no hay es un programa, sino sería un partido y no lo es. Pero este movimiento ha generado más debate y ha creado más conciencia política que los partidos en los últimos 20 años. Y todos los cambios empiezan en la mentalidad de las personas. Más tarde ya se traducirá en votos. El problema es que ninguna de las propuestas políticas refleja hoy esta nueva sensibilidad.

P. De modo que, cuando hay elecciones, vencen las formaciones que defienden lo contrario

R. Es que la izquierda ha desaparecido. Hoy, en términos políticos, estamos en un periodo constituyente. No desaparecen los partidos conservadores, pero la izquierda está en crisis, pese a que hay un espacio de centroizquierda que no se llena porque la ley electoral funciona como mecanismo de bloqueo. De todas formas, van surgiendo alternativas.

P. A largo plazo

R. El movimiento español tiene un eslogan: “Vamos despacio porque vamos lejos”. Es decir, se trata de un movimiento muy autorreflexivo que tiene perspectiva histórica y que ha empezado a plantearse qué incidencia política se debe producir. Lo que no puede hacer es transformarse en partido, eso haría que perdiera su legitimidad movilizadora, pero pueden esperarse pactos entre nuevas formas organizativas y corrientes del movimiento. Claro, es necesario que el sistema político sea flexible. En Italia, por ejemplo, lo es; en España, no. Los partidos españoles se sienten acosados, creen que si se abren desaparecen. Y tienen razón, sobre todo, la izquierda. Y eso es dramático.

P. El movimiento se comunica a través de las redes informáticas, como antes los obreros se organizaban al coincidir en la fábrica

R. Todos los movimientos sociales nacen de la comunicación. El individuo aislado con su enfado no tiene fuerza. Puede suicidarse. Los suicidios son lo que precede a las revoluciones islámicas. La gente pasa de la humillación a la autodestrucción. La suerte es que existe un espacio de comunicación, internet, en el que muchos jóvenes viven. La gente se organiza donde vive. Los obreros se comunicaron en las fábricas, los jóvenes de hoy lo hacen en internet, pero es vital que luego ocupen el espacio público. Al ocupar un espacio público, la gente se da cuenta de que existe y de que puede imponer su derecho a la ciudad por encima de las reglas de tráfico. Lo que produce los cambios históricos es la combinación de un espacio de comunicación, un espacio de reunión, un espacio de incidencia política. Son viejas libertadas (de reunión, de expresión) traducidas a la era digital. Los movimientos nacen en la red y se organizan en el espacio urbano. Y como la ocupación del espacio urbano no se puede eternizar (a veces de eso se encarga la policía) se repliegan en la red, pero no desaparecen.

P. Una comunicación a la que el poder combate con la coacción y la manipulación

R. La dominación perfecta es la que no se siente. Puede ser por adhesión a los valores dominantes o por resignación y ahí los procesos de persuasión son fundamentales. Cuando fallan, se recurre a la coerción, pero los mejores sistemas de control son los que no necesitan del uso de la policía.

P. Resalta usted el papel de las emociones, del miedo que paraliza o la esperanza que estimula

R. La primera emoción que aparece es la indignación. El miedo atenaza a la gente. Miedo a perder lo poco que le queda. El miedo y la resignación paralizan a la gente. Esto salta cuando no se puede más. En ese momento se supera el miedo. La esperanza llega cuando superas el miedo y encuentras en las redes, en la calle, mucha gente que está como tú. Empieza al hablar con otro, al sentir con otro. Al percibir que no tenemos el poder pero estamos juntos y tenemos la razón con nosotros. Ése es el paso del miedo a la esperanza. No se producen efectos a corto plazo, pero aun así la gente se siente mejor protestando que quedándose en casa.

17 dezembro, 2012

Supremo Poder

Quem tem medo da Constituição de 1988?

por Wálter Maeirovitch
da Carta Capital

Como sabem todos os operadores do Direito, a Justiça brasileira está entre as mais lentas do planeta. O exagerado tempo de duração processual poderá evitar, por perda de objeto, cassações de mandatos parlamentares. Assim se esvaziará um iminente dissenso entre o Judiciário e o Legislativo. Com efeito, dificilmente acontecerão as perdas dos mandatos dos três deputados condenados no processo apelidado de “mensalão” antes do término da presente legislatura. A perda de mandato parlamentar, segundo a Constituição, só pode ocorrer depois do trânsito em julgado do acórdão (sentença), ou seja, quando esgotada a via recursal. E isso demora muito, bem mais do que a metade do tempo que resta da legislatura em curso.

João Paulo Cunha, deputado federal e presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, foi condenado por cinco votos pelo crime de lavagem de dinheiro. Por isso, e a impedir o trânsito em julgado, caberá o recurso de embargos infringentes previsto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (STF). A tramitação do recurso será lenta, haverá um novo relator sorteado e participará, além do recém-empossado Teori Zavascki, o ministro que ocupará a cadeira do aposentado Carlos Ayres Britto.

Os condenados Valdemar Costa Neto e Pedro Henry só poderão usar do recurso de embargos de declaração, mais simples e limitado a corrigir contradições, omissões e erros materiais do acórdão (sentença). Para se ter uma ideia de tempo, o deputado Natan Donadon, que não é réu no “mensalão”, está condenado à pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias em regime inicial fechado. O acórdão foi publicado em 2010, mas não transitou em julgado porque pendentes de julgamento os embargos de declaração, só julgados na quinta-feira 13.

Quanto a José Borba, prefeito de Jandaia do Sul condenado por corrupção no “mensalão”, a questão da perda de mandato eletivo deu-se no STF e por unanimidade. A polêmica no Supremo referiu-se apenas a mandato parlamentar. A regra especial contida no artigo 55, VI, parágrafo 2º da Constituição, contempla deputados e senadores. Assim mesmo, Borba poderá interpor embargos, que jamais serão apreciados antes do fim do seu mandato, em 1º de janeiro de 2013.

Por outro lado e como a condenação definitiva representa condição necessária à perda de mandato, nada impedirá que o suplente José Genoino assuma, em janeiro, a cadeira vaga em razão da posse do deputado federal Carlinhos Almeida no cargo de prefeito do município paulista de São José dos Campos. Genoino continua presumidamente inocente e como teve quatro votos absolutórios pelo crime de formação de quadrilha terá como cumprir, em face da longa tramitação dos embargos infringentes, os dois anos de mandato de deputado que lhe restarão.

Com as colocações acima não se quer dizer que nada será mudado. Ao contrário, a decisão do STF preocupa e já há quem fale em ditadura do Judiciário. Além de desprezar o sistema de freios e contrapesos, desconsiderou-se uma regra específica de proteção ao mandato popular. Pela Constituição, hierarquicamente acima do Código Penal, apenas a Câmara, no caso de -deputado com condenação criminal definitiva, pode cassar mandato popular, por votação secreta, maioria absoluta e tudo antecedido de ampla defesa. O mesmo se dá com relação ao Senado.

Sob o argumento da “inconsequência”, os ministros do STF devem, por 5 votos contra 4, mudar o pacífico entendimento jurisprudencial. Celso de Mello ainda não votou devido à imprevista internação para tratar uma pneumonia, mas tende a seguir o voto do relator. Mais ainda: reduziram o alcance da norma constitucional às condenações por crimes de menor potencial ofensivo e culposos. Ora, não se trata de presumir que a Câmara não vai cassar os mandatos dos deputados condenados no “mensalão”. O preocupante é o STF se colocar como guardião abusivo da Constituição e invadir atribuição exclusiva do Congresso.

A Constituição, por evidente, não tem regras inúteis e soube separar o jurisdicional do político. E está claro que o constituinte, com base na doutrina estrangeira, no sistema de freios e contrapesos, reservou aos eleitos diretamente pelo povo a garantia da cassação de mandato pelos seus pares.

No momento, o presidente da Câmara, Marco Maia, protesta e anuncia que não vai engolir a decisão do STF. Entre os operadores do Direito fala-se que supremas vaidades não aceitam que a Câmara possa, em cumprimento ao princípio da ampla defesa, colher testemunhos e reabrir discussões sobre o “mensalão”.

Embora seja difícil de acontecer, o Congresso Nacional poderia dar o troco por anistia. Por exemplo, considerar crime político (caixa 2) o perpetrado pelos réus deputados e aqueles do chamado núcleo político, liderados por José Dirceu. Se aprovada a anistia pelo Congresso, estaria extinta a punibilidade. E a anistia apaga o crime e as demais consequências de natureza penal, ou seja, as perdas de mandato.

14 dezembro, 2012

República ameaçada: as técnicas do golpe




por Mauro Santayana

Só os interessados podem desdenhar a operação de desconstrução do Estado — e não só do governo — que se encontra em marcha. Os indícios são claros. O julgamento da Ação 470 saiu dos autos, conforme indica o comportamento do procurador geral da República e de alguns juízes. Na véspera das eleições municipais, ele declarou, de forma explícita, a sua esperança de que o processo influísse no resultado eleitoral. Embora falasse de modo geral, pensava em São Paulo, e com  razão. Como sempre ocorreu em situações semelhantes, São Paulo tem sido o centro de todas as conspirações conservadoras no país:  é a sede do sistema financeiro e das grandes empresas estrangeiras que operam no Brasil. E são esses interesses que estão sendo contrariados pelo atual governo, mais do que Lula os contrariou.

São Paulo tem sido o centro de todas as conspirações conservadoras
O resultado do pleito mostra que o povo não se deixou conduzir pelo julgamento, como esperava o procurador, e votou no candidato à prefeitura de São Paulo indicado por Lula. Os grandes bancos não deglutiram a queda substantiva dos juros, imposta pelo governo, mediante a mobilização do setor financeiro estatal. A perda de lucros lhes está entalada na garganta. E no Brasil, como se sabe, os bancos são também controladores de grandes empresas, industriais, comerciais e de serviços.

Quando se toca nos bancos — e isso vem desde os tempos do Império — a reação pode ser esperada. Todas as vezes que isso ocorreu, fosse aumentando o recolhimento compulsório de depósitos à vista; fosse pretendendo reforma bancária, que separasse os bancos de depósitos dos bancos de investimento; fosse buscando  a limitação das remessas de lucros, para que parte deles se reinvestisse no país, o golpe se armou.

Isso não significa que os responsáveis pelos crimes de peculato,  de lavagem de dinheiro, de corrupção e extorsão, se tais delitos houve, estejam imunes à punição prevista no Código Penal. Só os néscios por opção, no entanto, não perceberam a sanha persecutória de alguns magistrados, que, em seus votos, deixaram o exercício da razão e, ao deixá-la, comprometeram até mesmo as decisões tomadas.

A menos que tudo não fizesse parte de um roteiro anterior, é difícil aceitar que o publicitário Marcos Valério recebesse uma sentença que nem os mais sanguinários assassinos em série costumam sofrer. Acossado e ameaçado de sofrer, na prisão, e de forma exacerbada, o que já experimentou no período de prisão provisória, ele procura, neste momento, envolver todos os que puder envolver, em uma trama que recria, para sua salvação. O enredo fantástico que imagina é o fio de Ariadne de que se vale para sair do lôbrego labirinto em que se encontra.

Todas as peças se encaixam para indicar uma conspiração contra o Estado Democrático. Como sempre, há o fomento de  crise entre dois dos Três Poderes Republicanos. Desta vez é entre o STF e o Congresso.

O Supremo, por 4 votos contra 4, por enquanto, se arroga o direito de cassar mandatos parlamentares, o que tem sido prerrogativa constitucional das duas casas do Congresso. Falta 1 voto para que se obtenha a maioria, para um caso ou outro.   Por isso mesmo, cabe ao presidente do STF convocar o novo ministro Teori Zavacki. Se ele se acha impedido de votar na Ação 470, de que não participou, nada o tolhe de votar nesse caso. Outros fossem os tempos, e a ação não se interromperia por causa da gripe de um ministro, sobretudo porque tem substituto natural  no mais recente integrante da Corte. E se Celso Mello se recupera rapidamente, melhor: serão dez juízes a decidir, em lugar de apenas nove.

Dilma, em Paris, reagiu, como tantas outras pessoas, contra as novas acusações de Marcos Valério. Enfim, é bom que o governo reaja, não em seu favor — dentro de menos de dois anos haverá eleições gerais — mas em defesa da República ameaçada.

Como disse Cúrzio Malaparte, em Técnica del colpo di Stato, há 81 anos, “da mesma forma que todos os meios são usados para suprimir a liberdade, também todos os meios são válidos para defendê-la”. E a liberdade que devemos defender é a de escolher os deputados, senadores, governadores de estado, além do presidente e do vice-presidente da República, em outubro de 2014. Se a oposição fosse inteligente, defenderia o Estado de Direito. Se está convencida de seus méritos, que espere o pronunciamento das urnas. Democracia é isso: não são os jornalistas nem os juizes que escolhem os governantes. É o povo, na base de um voto de cada eleitor. 

12 dezembro, 2012

Corrupção seletiva


O @BobFernandes levanta uma questão: se há alguns anos Marcos Valério disse que não teria mais nada a revelar, por que agora teria "revelado" outros "fatos" supostamente ocorridos há uma década ? Pode-se acreditar numa pessoa que "conta o que sabe" só depois de ser sentenciado? 

Há outras questões: se o depoimento ocorreu em setembro, por que só agora veio a público e desta vez não pelas páginas da incrível (no sentido de sem credibilidade) Veja  e sim através do jornal o Estado de Sâo Paulo? O mesmo, aliás que no dia anterior ao segundo turno deste ano, em editorial conclamava os paulistanos a não votarem em Haddad, candidato do PT, sob o título "É preciso resistir" (post a respeito). 

E outra: quem vazou? Se o depoimento existiu e foi dado a três pessoas com alto cargo no - se vê - frágil sistema de justiça brasileiro, uma delas "confidenciou" ao jornal. Essa pessoa está zelando o seu trabalho ou seria como alguns dos policiais que na falta de salário digno aliam-se ao que de pior há e praticam justiça com as próprias mãos ? Essa pessoa não teria praticado o mesmo crime que atribui a outros? Ou se não envolve direta e imediatamente  dinheiro, vale? 

E a outra questão é: se houve esse depoimento, Marcos Valério, em surto de amnésia só se referiu ao "mensalão petista" ? 

Assista o @BobFernandes:


Dilma e Lula decidem reagir 

à sucessão de denúncias







Sobre as denúncias de Marcos Valério, o ex-presidente Lula disse, em Paris: "É tudo mentira".
Também em Paris, ao lado de François Hollande, presidente da França, a presidente Dilma Rousseff reagiu:

- Considero lamentáveis essas tentativas de desgastar a imagem do presidente Lula. Acho lamentável…

E completou:

- Todos sabem do meu respeito e da minha amizade pelo presidente Lula. Então, eu repudio todas as tentativas, e essa não seria a primeira vez, de tentar destituí-lo da imensa carga de respeito que o povo brasileiro lhe tem. Respeito porque o presidente Lula foi o presidente que desenvolveu o país e é responsável pela distribuição de renda mais expressiva dos últimos anos, pelo que fez internacionalmente, por sua extrema amizade pela África, por seu olhar para a América Latina e pelo estabelecimento de relações iguais com os países desenvolvidos do mundo…

Em Paris, Dilma e Lula decidiram, conjuntamente, reagir à sucessão de denúncias. Lula e seus assessores ainda avaliam de que forma, como, quando, onde e SE Lula fará ampla explanação do que pensa sobre a sequência de denúncias contra ele. Denúncias que se sucedem há quase quatro meses, de maneira ininterrupta.

Essa denúncia de Marcos Valério é a coisa mais fácil de ser apurada. Valério diz, por exemplo, que repassou R$ 100 mil para Freud Godoy, ex-assessor de Lula. Disse que tal quantia seria para pagamento de "despesas pessoais" do ex-presidente. Basta rastrear o dinheiro depositado. E checar o que Godoy pagou e para quem. Qualquer policial, qualquer procurador sabe qual é o ritual num caso como esse… se é que isso já não está sendo investigado pelo Ministério Público e/ou a Polícia Federal.

Quando corria o processo, anos atrás, o delegado Zampronha, da PF, insistiu para que Valério contasse o que tinha para contar. Ele, então, disse que não tinha mais nada a revelar. O mesmo disse à CPI e nos seus depoimentos à Justiça. Depois de condenado a 40 anos de cadeia, o que Valério quer e propõe é diminuir sua pena em troca de delação premiada.

Marcos Valério falou com a Procuradoria há quase três meses, no dia 24 de setembro. Se viu indícios suficientes, a Procuradoria teria que, de imediato, ter pedido investigação à Polícia Federal. Ou a própria Procuradoria teria que tocar a investigação, mesmo sem avisar à polícia.

Como já se passou tanto tempo desde o depoimento de Valério, é de se supor dois cenários: ou a Procuradoria e/ou polícia não viram indícios suficientes e não levaram o caso adiante, ou a investigação já está correndo em segredo de Justiça.

Um terceiro cenário é vazar o caso mesmo não existindo investigação. Vazado o caso, aí sim, a depender do barulho na mídia, iniciar-se uma investigação. Isso não é incomum. Basta lembrar a penúltima explosiva acusação.

Há 11 dias, em pleno "Caso Rose" (a ex-chefe de gabinete na Representação da Presidência da República em São Paulo), o deputado Garotinho (PMDB-RJ) fez uma denúncia. Denúncia com alarido, com repercussão viral nas redes sociais e em notas, cuidadosas, em jornais. Quem frequenta a Internet; Facebook, Twitter… e se liga em política, polícia ou fofocas, não teve como não ler ou, ao menos, receber essa denúncia.

Em resumo, segundo Garotinho, Rosemary Noronha, a Rose, teria levado 25 milhões de euros numa mala diplomática em uma viagem do ex-presidente Lula a Portugal. Dinheiro para ser depositado numa conta no Banco Espírito Santo, na cidade do Porto. Isso teria sido objeto de grampos telefônicos e estaria sendo investigado pela Polícia Federal, informou Garotinho.

Em depoimento no Congresso Nacional, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o diretor da Polícia Federal, Leandro Coimbra, não apenas negaram. Disseram que tal história era "inverossímil" e "fantasiosa". Sem contar a mídia daqui e de lá, supõe-se que polícia e ministro falaram com autoridades de Portugal antes de desqualificar tão grave denúncia.

Pergunta: como é possível uma denúncia dessa gravidade não levar a nada? Se alguém, ilegalmente, depositou 25 milhões de euros (uns R$ 68 milhões) num banco em Portugal, os responsáveis já deveriam estar presos.

Mas se isso foi uma denúncia falsa, uma mentira como disseram no Congresso o ministro da Justiça e a Polícia Federal, quem pagará pelo crime? Ninguém?

Aguardemos o próximo capítulo.

10 dezembro, 2012

Sobre o maniqueísmo nas discussões da Internet

Tao Zen


por Luis Nassif

Vamos a algumas considerações sobre as reações provocadas por três posts do blog: o elogio ao apuro técnico do jornalismo da Globo; as críticas (antigas até) ao Ministro da Fazenda Guido Mantega; e o bloqueio de comentários ao post sobre a montagem fotográfica do Ricardo Setti, blogueiro da Veja.

Alguns desses posts foram para suscitar reações, sim, e permitir uma análise mais acurada sobre três pontos:
ter-se mais clareza sobre o essencial e o acessório nas discussões políticas, econômicas e midiáticas;
analisar a inutilidade do maniqueísmo na discussão de ideias;
entender melhor o próprio espírito do blog.

A crítica negativa absoluta - ao essencial e ao acessório - é ineficaz. Fica um discurso para convertidos, como ocorre com os blogs de esgoto. O jornalista perde sua principal arma: a capacidade de discernimento, de separar o que é bom ou ruim e expor com franqueza.

Se tudo o que sai de um lado é ruim, e no outro lado só se tem virtudes, liquida-se com a capacidade de análise e de crítica. Vira torcida organizada, não espaço de reflexão.

Dito isto, vamos aos posts polêmicos.

O caso Globo

Ontem mesmo publiquei um post sobre minha palestra em um ambiente influente: de juízes e desembargadores federais. Lá, aprofundei as críticas contra a mídia, instei os juízes a defenderem os direitos individuais contra os assassinatos de reputação, apresentei pontos centrais que caracterizam abuso de poder econômico e cartelização da mídia e denunciei expressamente o envolvimento da Veja com o crime organizado. Essa é a batalha essencial e em um ambiente em que cada palavra é pesada e julgada.

No entanto, alguns dos comentaristas se fixam no post em que elogio a qualidade técnica do jornalismo da Globo, um elogio merecido e que em nada diminui o teor das críticas às manipulações do sistema Globo. O post, aliás, termina com as ressalvas quanto à linha editorial do Globo.

Você pode escrever: "a Globo manipula os fatos, é golpista, faz parte de um cartel etc etc... porém a qualidade técnica do seu jornalismo é boa". Para parte da blogosfera, é sinal de rendição. Como é que se faz?

O caso Guido

Nos últimos dias, é divulgado o PIB, tratado como pibinho. Aqui, banco o estudo do Chico Lopes sobre os erros de metodologia do cálculo do PIB. Na sexta, uma coluna com o Ministro Fernando Pimentel, organizando os pontos que delineiam um cenário econômico de desenvolvimento.

Na própria coluna de hoje, um conjunto enorme de fatores reforçando a aposta no futuro, como a queda dos juros, o câmbio, as concessões. E a explicitação de um ponto vulnerável: o discurso do Ministro da Fazenda Guido Mantega. Aliás, repetindo as mesmíssimas críticas que fiz no início do ano.

Quem conhece minimamente os meandros da política econômica, sabe que sua continuidade independe de Guido. E entende que a natureza da minha crítica é totalmente distinta da do "The Economist". A revista pede a cabeça de Guido, como representante de uma linha de política econômica que ela própria critica. Aqui, critica-se Guido por, não sabendo explicitar adequadamente, comprometer os princípios da política econômica.

Trata-se de diferença essencial de enfoque. Mas o clima de torcida impede muitos de entenderem o óbvio.

O maniqueísmo transforma toda crítica em teoria conspiratória. Vou poupar os amigos que embarcaram nisso e não expor seus comentários em um post para não deixá-los constrangidos.

O caso Ricardo Setti

Não existe nada de mais execrável nas seções de comentários do que levantar a bola para sessões de linchamento. É uma das piores marcas dos blogs de esgoto.

Aqui, fiz o principal, expus a enorme tolice de Ricardo Setti, ao veicular uma foto falsa de Lula. Digo mais: se fosse verdadeira, sua publicação ainda assim seria execrável, indigna da biografia de Setti. Lamento, aliás, que ele esteja contaminado pelo estilo fétido da revista.

Daí a permitir toda sorte de ofensas contra ele, vai uma distância. O que o debate público ganharia, além do efeito catarse? Nada. Levantar a bola e permitir linchamentos é tão fácil que até o esgoto pratica.

A missão do Blog

Aqui mesmo, tenho criticado a submissão dos Ministros do STF ao clamor externo. Imagine se, para dar cada opinião, eu fosse me basear no pensamento da maioria, no patrulhamento, no efeito-manada; ou só aceitasse comentários que seguissem determinada linha de pensamento. Atenderia à necessidade de catarse (característica maior dos blogs de esgoto) e prejudicaria qualquer veleidade de aprofundamento na discussão.

Por isso mesmo, tenho enfatizado a diferença entre os blogs militantes e os blogs jornalísticos. Os dois tipos são legítimos, mas cada qual tem uma função diferente. O jornalístico tem o papel de clarear os fatos, estabelecer o contraditório nas opiniões, trazer visões distintas da realidade visando retomar o papel legitimador do jornalismo - que se perdeu nessas loucuras dos últimos anos.

Um post que contradiga o pensamento da maioria traz reflexões e discussões muito mais profundas do que os posts de torcida.

Quem acompanha o Blog conhece de cor e salteado nossa linha. Para quem acompanha esporadicamente, vai aqui a explicitação de princípios:
Este é um blog jornalístico, não um blog militante.


É um blog que preza a discussão de alto nível de nossos comentaristas. A pluralidade e o aprofundamento de temas são pontos centrais da linha editorial. O critério para a seleção de comentários é o de estimular o contraditório e a discussão. Às vezes leio críticas contra posições consideradas conservadoras de alguns comentaristas. Lamento não haver mais comentaristas conservadores para maior equilíbrio das discussões.


Acredito na importância da crítica consistente, como fator de aprimoramento das instituições. A manipulação da crítica pela mídia não é razão para se abolir as críticas consistentes às políticas públicas. A não-crítica é tão perniciosa quanto a crítica generalizada.
Acredito na importância de visões alternativas de país, seja de liberais, seja mais à esquerda. A construção de um país não se faz com enquadramentos ideológicos de medidas, mas pela definição pragmática daqueles que são mais eficientes. Por isso mesmo, prezo tanto as políticas e os movimentos sociais, quanto ferramentas de gestão, inovação e práticas de mercado.


Defendo as políticas sociais, o desenvolvimentismo, condeno qualquer forma de discriminação e de intolerância, acredito na importância de uma oposição civilizada e de maior regulação do mercado. O que não me impede de abrir espaço para pensamentos contrários, sabendo que é da discussão de ideias que nascem as informações e as análises mais relevantes.


05 dezembro, 2012

Venda da Amil: negócio bilionário na Saúde!

"Sicko"

por Paulo Kliass
do Carta Maior

Passada a ressaca eleitoral dos municípios, o tema mais comentado na área da saúde deixa de ser a dificuldade de atendimento à população em razão da falta de recursos orçamentários. Não que isso tenha sido resolvido com a eleição do prefeito e dos vereadores. Mas o que tem chamado a atenção dos especialistas da área - além do importante debate a respeito da falsa solução por meio das Organizações Sociais (OSs) - é o negócio, literalmente bilionário, envolvendo a venda do maior grupo privado brasileiro do setor, a Amil.

A transação teve início há vários meses e correu em sigilo entre as partes interessadas: o grupo presidido pelo empresário brasileiro Edson Bueno e a mega corporação norte-americana, UnitedHealth – maior do setor naquele país e uma das maiores no mundo. Algumas informações só começaram a ser reveladas de forma mais ampla a partir de meados de outubro, quando as intenções foram confirmadas, bem como as cifras envolvendo o negócio. O resumo da ópera é que a multinacional da saúde adquiriu a empresa líder do mercado brasileiro pelo valor de R$ 10 bilhões.

Compra da Amil: legislação proíbe estrangeiros de operar hospitais

A estratégia de penetração dos novos atores no negócio de saúde em nosso País envolveu a compra dos planos de saúde do grupo Amil, que já havia adquirido a Medial há alguns anos e, assim, se consolidou como o maior agente privado do ramo. Além disso, a negociação implicou a transferência de um conjunto de mais de 20 hospitais pertencentes à empresa fundada por Bueno. No entanto, ao que tudo indica, a grande aposta do novo controlador é mesmo o segmento de planos privados de saúde, com a expectativa de ampliação e expansão de novos perfis de “clientes e consumidores”. Aliás, essa é exatamente a terminologia utilizada, confirmando a tendência de mercantilização radical desse serviço público, ainda que a Constituição Federal (CF) o assegure como um direito amplo e universal à nossa população.

Não bastasse a magnitude dos valores envolvidos e a elevada sensibilidade da matéria como futuro estratégico de uma das políticas públicas mais importantes, a transação está marcada por um conjunto preocupante de elementos obscuros e polêmicos. Vejamos alguns deles.

A CF estabelece, em seu artigo 199, a proibição de empresas estrangeiras atuarem na saúde, “salvo nos casos previstos em lei”. Pois bem, em 1998, tal aspecto foi regulamentado pela Lei nº 9.656 e não foi previsto nenhum dispositivo autorizando a operação de hospitais. Ou seja, em termos objetivos, continua sendo proibida a posse e a gestão desse tipo de serviço por grupos como a UnitedHealth. Utilizando-se da desculpa esfarrapada de que o “foco” do negócio são os planos de saúde e que os hospitais seriam elemento secundário para o novo controlador, o argumento foi aceito pela direção da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão regulador e fiscalizador do sistema, que aprovou mesmo assim a venda sem nenhuma restrição.

Ameaça à concorrência e rapidez na aprovação

Por outro lado, a operação não foi objeto de avaliação por parte do órgão federal que cuida das condições de defesa da concorrência e risco de cartelização, o CADE. Além da venda caracterizar a continuidade de concentração de poder econômico do maior grupo atuante no setor, a condição de novo proprietário aponta claramente para uma ampliação estratégica de sua presença no setor econômico da saúde em nossas terras. Se adicionarmos o ingrediente de que sua lógica de funcionamento obedecerá, a partir de agora, aos interesses definidos pelos norte-americanos, causa estranheza a liberalidade com que tal acordo foi sancionado pelas instâncias do Estado brasileiro.

A agilidade com que o processo foi avaliado no interior da ANS também chamou a atenção dos profissionais que acompanham o setor. Em geral, os processos envolvendo o órgão regulador da saúde privada levam meses para serem aprovados ou indeferidos. No caso dessa transação, a agência levou apenas 2 semanas para emitir seu parecer final, conferindo o aval para que a Amil fosse vendida aos americanos. O tratamento do dossiê com tais requintes de “eficiência administrativa excepcional” põe novamente em relevo a delicada relação entre os dirigentes dos órgãos reguladores e as empresas objeto de regulamentação e fiscalização. É amplamente conhecido o fenômeno chamado de “captura”, em que os interesses públicos acabam sendo deturpados pela atuação dos responsáveis pelas agências ocorrer mais de acordo com a lógica dos interesses das próprias empresas.

No caso concreto, há evidências de que diretores da ANS freqüentaram espaços da vida privada do presidente da Amil, além de terem sido dirigentes de empresas do próprio setor, como a concorrente Medial, que terminou por ser vendida ao próprio grupo de Bueno. Assim, esse tipo de relação incestuosa no âmbito público/privado coloca em cheque a capacidade das agências defenderem, de fato, os interesses públicos e dos usuários do sistema de saúde.

UnitedHealth: riscos de mercantilização e de americanização

A venda do grupo por valores bilionários deve servir como elemento de reforço da preocupação com o futuro da saúde pública em nosso País. A decisão estratégica do grupo norte-americano certamente levou em consideração cenários de longo prazo, construídos para o chamado “mercado” da saúde. Não obstante a determinação constitucional pelo caminho do SUS, o fato é que os sucessivos governos, no âmbito federal e demais, têm contribuído para o sucateamento do nosso sistema público de saúde. Ao promover contingenciamento de verbas orçamentárias, ao permitir a extinção de fontes importantes de financiamento (como a aceitação passiva do fim da CPMF) e ao estimular o modelo de privatização/concessão/terceirização por meio das OSs, o Estado brasileiro termina por sinalizar que sua opção estratégica pode ser mesmo pelo fortalecimento do setor privado na área. Só o futuro dirá.

Ora, se o caminho adotado será mesmo o da continuidade da chamada “americanização” de nosso sistema de saúde, então faz todo o sentido o investimento bilionário efetuado pelo grupo UnitedHealth. Porém, mais uma vez, estaremos pegando o bonde errado e atrasado da História.

Os Estados Unidos estão justamente tentando promover importantes mudanças em seu próprio modelo. Está em debate a possibilidade de recuperação parcial da presença do Estado na saúde, uma vez que o sistema de mercantilização absoluta revelou-se injusto do ponto de vista social e incapaz de dar conta das necessidades de saúde da população norte-americana. É claro que todo esse quadro foi dramatizado, ao longo dos últimos anos, em função do aprofundamento da crise econômico-financeira e da situação de penúria social.

No caso brasileiro, a estratégia do novo gigante da saúde parece estar em sintonia com o discurso do governo a respeito da ilusão, criteriosamente espalhada aos quatro ventos, a respeito da chamada “nova classe média”. Ao invés de reforçar os aspectos positivos de inclusão sócio-econômica e de recuperação das condições de vida de segmentos até então excluídos, o governo opta por um caminho simplista e perigoso. Parcela importante das famílias passou a contar com níveis mais elevados de renda real por conta de fatores diversos, tais como o Bolsa Família, os benefícios da previdência social, a recuperação dos valores do salário mínimo e a elevação dos rendimentos mais baixos de uma foram geral. Porém, é importante lembrar que trata-se de grupos de perfil econômico da base da pirâmide social. Com isso, o discurso oficial acaba sendo impregnado pelos interesses de aprofundar a mercantilização dos serviços públicos, a exemplo da saúde e da educação.

Saúde privada e os riscos da qualidade no atendimento

O foco passa a ser a destinação de parte da renda suplementar para o consumo de todo tipo de mercadoria. E aí incluem-se as mensalidades de educação infantil, fundamental, média e superior, bem como a compra de planos privados de saúde. As novas camadas que passam a engrossar esses níveis um pouco mais elevados de renda familiar são bombardeadas com os padrões de consumo das faixas que se situam no alto da pirâmide. Como o Estado não consegue oferecer serviços de saúde de qualidade e na quantidade necessária, a ilusão de eventual satisfação das necessidades acaba ocorrendo por meio da oferta privada.

Não construamos nenhuma fantasia a respeito das intenções da UnitedHealth quanto à saúde de nossa população. Trata-se de negócio apenas, puro “business”, nada mais. E a lógica de uma aquisição empresarial envolvendo R$10 bilhões é a do rápido retorno sobre o capital investido e a maximização dos ganhos daqui para frente. Como o balanço contábil e financeiro de uma empresa capitalista envolve sempre a superioridade das receitas sobre as despesas, a orientação será arrecadar no limite superior e gastar o mínimo possível. Ora, uma racionalidade dessa natureza obviamente deixa em segundo plano os aspectos de qualidade de tratamento e os riscos a respeito da saúde e da vida dos cidadãos.

Isso não significa isentar o serviço público de suas deficiências e do longo percurso a percorrer para aperfeiçoar a qualidade do atendimento proporcionado. Aliás, não fosse por tais problemas reais, talvez não houvesse tanto espaço para o crescimento da alternativa privada. No entanto, a mercantilização dos serviços de saúde apresenta o sério risco de conferir ares de legalidade à exclusão, quando as imagens dos indivíduos sendo barrados à porta de centros de tratamento e hospitais nos vêem à cabeça. Caso a operação bilionária se confirme mesmo como fato consumado, o caminho passa pelo reforço da regulação e da fiscalização do poder público, com o objetivo de evitar que os maiores prejudicados sejam, uma vez mais, os próprios usuários do sistema.

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Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

A moral de velhas prostitutas



por Leandro Fortes
do Carta Capital

Aos poucos, sem nenhum respeito ou rigor jornalístico, boa parte da mídia passou a tratar Rosemary Noronha como amante do ex-presidente Lula. A “namorada” de Lula, a acompanhante de suas viagens internacionais, a versão tupiniquim de Ana Bolena, quiçá a reencarnação de Giselle, a espiã nua que abalou Paris.

Como a versão das conversas grampeadas entre ela e Lula foi desmentida pelo Ministério Público Federal, e é pouco provável que o submundo midiático volte a apelar para grampos sem áudio, restou essa nova sanha: acabar com o casamento de Lula e Marisa.

Já que a torcida pelo câncer não vingou e a tentativa de incluí-lo no processo do “mensalão” está, por ora, restrita a umas poucas colunas diárias do golpismo nacional, o jeito foi apelar para a vida privada.

Lula pode continuar sendo popular, pode continuar como referência internacional de grande estadista que foi, pode até eleger o prefeito de São Paulo e se anunciar possível candidato ao governo paulista, para desespero das senhoras de Santana. Mas não pode ser feliz. Como não é possível vencê-lo nas urnas, urge, ao menos, atingi-lo na vida pessoal.

Isso vem da mesma mídia que, por oito anos, escondeu uma notícia, essa sim, relevante, sobre uma amante de um presidente da República.

Por dois mandatos, Fernando Henrique Cardoso foi refém da Rede Globo, uma empresa beneficiária de uma concessão pública que exilou uma repórter, Míriam Dutra, alegadamente grávida do presidente. Miriam foi ter o filho na Europa e, enquanto FHC foi presidente, virou uma espécie de prisioneira da torre do castelo, a maior parte do tempo na Espanha.

Não há um único tucano que não saiba a dimensão da dor que essa velhacaria causou no coração de Ruth Cardoso, a discreta e brilhante primeira-dama que o Brasil aprendeu desde muito cedo a admirar e respeitar. Dona Ruth morreu com essa mágoa, antes de saber que o incauto marido, além de tudo, havia sido vítima do famoso “golpe da barriga”. O filho, a quem ele reconheceu quando o garoto fez 18 anos, não é dele, segundo exame de DNA exigido pelos filhos de Ruth Cardoso. Uma tragicomédia varrida para debaixo do tapete, portanto.

O assunto, salvo uma reportagem da revista Caros Amigos, jamais foi sequer aventado por essa mesma mídia que, agora, destila fel sobre a “namorada” de Lula. Assim, sem nenhum respeito ao constrangimento que isso deve estar causando ao ex-presidente, a Dona Marisa e aos filhos do casal. Liberados pela falta de caráter, bom senso e humanidade, a baixa assessoria de tucanos, entre os quais alguns jornalistas, tem usado as redes sociais para fazer piadas sobre o tema, palhaços da tristeza absorvidos pela vilania de quem lhes confere o soldo.

Esse tipo de abordagem, hipócrita sob qualquer prisma, era o fruto que faltava ser parido desse ventre recheado de ódio e ressentimento transformado em doutrina pela fracassada oposição política e por jornalistas que, sob a justificativa da sobrevivência e do emprego, se prestam ao emporcalhamento do jornalismo.

O cheiro da naftalina e o sopro progressista


por Saul Leblon
do Carta Maior

O lançamento burocrático do nome de Aécio à sucessão de Dilma Rousseff, feito por apressados tucanos nesta segunda-feira, exala o odor da naftalina entranhada nas peças do vestuário preteridas no guarda-roupa. Quando finalmente ascendem à luz, já perderam a sintonia com o manequim e a estação. 

Ungido no vácuo, Aécio ainda gaguejou assombrado: 'antes de candidatura, a legenda precisa de agenda'.

Não sem razão. O credo do PSDB transformou-se num pé de chumbo histórico. Hoje ele pisoteia o que restou do Estado do Bem Estar Social europeu superpondo o arrocho ortodoxo ao colapso neoliberal. Apaga incêndio com gasolina

As labaredas atingiram a classe média europeia da qual o tucanato um dia considerou-se uma espécie de prefiguração tropical culta, rica, bela e cheirosa. 

19 milhões de desempregados, quase 120 milhões na ante-sala da pobreza, revestem a zona do euro das cores de uma tragédia histórica feita de despejos, suicídios, fome e pobreza, em escala e virulência desconhecidas desde a Segunda Guerra. 

A candidatura Aécio é isso: o choque de gestão de Alckmin algemado ao descrédito planetário da bandeira dos mercados autorreguláveis. Queira ou não, sua candidatura vestirá o que lhe resta --a camisa conservadora impregnada da naftalina udenista. 

O único plano de voo tucano é a aposta no acuamento político do PT e do governo Dilma.

Depende muito de como o outro lado reagir.

A inexistência de um contraponto estruturado de mídia progressista, por exemplo --ontem e ainda hoje menosprezado pelo governo Dilma-- amplifica o alcance dessa ressurgência udenista, cuja chance de volta ao poder pressupõe nada menos que a destruição de Lula e o engessamento de sua sucessora.

Não é único flanco de um viés de complacência cada vez mais temerário.

O PT de certa forma foi uma costela emancipada da efervescência cristã-progressista semeada pela Teologia da Libertação nas periferias metropolitanas. A ela associou-se a energia sindical amadurecida nos levantes metalúrgicos do ABC paulista, nos anos 70 e 80. 

Dessa simbiose de forte capilaridade emergiram lideranças e quadros que iriam catalisar segmentos egressos da luta armada, intelectuais de esquerda,cristão progressistas e democratas em geral, na construção de um novo partido socialista, libertário e ecumênico.

O êxito eleitoral fulminante associado ao revés simultâneo da ala progressista da igreja católica contribuiria para o duplo desmonte da enraizamento original pela base. 

O jogo eleitoral absorvente impôs a sua lógica absolutista na vida interna do partido; o golpe conservador dentro da Igreja Católica reproduziria o mesmo vácuo nas periferias crescentemente colonizadas pela individualização evangélica.

A vitória de Fernando Haddad em São Paulo reabre essa página da história. 

A partir de São Paulo o PT pode - se quiser - renovar o arsenal de políticas públicas, ao mesmo tempo em que regenera a capacidade de organização pela base.

Seria uma demonstração de discernimento histórico da nova gestão petista, por exemplo, criar uma Secretaria de Participação Cidadã. 

Sua missão democrática seria reativar a nucleação suprapartidária da cidadania em torno de questões cruciais que atormentam o cotidiano dos bairros de classe média, dos conjuntos populares e das periferias distantes.

O renascimento da participação comunitário impulsionado pelo recorte ecumênico, pavimentaria a realização de grandes conferencias municipais temáticas. Nelas, delegados de classe média e de cinturões populares pactuariam suas prioridades para São Paulo.

O processo ganharia difusão através de uma rede de mídia alternativa capaz de amplificar a mais significativa virada cultural na gestão de uma metrópole no século 21: o protagonismo democrático de seus habitantes. 

A vitalidade participativa em uma das cinco maiores manchas urbanas do planeta sacudiria a vida política do país e a letargia interna do PT.

Faria mais que isso:fomentaria um anteparo de discernimento popular com densidade capaz de resistir ao golpismo conservador que, queira ou não Aécio, deve cavalgar a sua candidatura a 2014 - se e até quando ela sobreviver à liquefação neoliberal. 

01 dezembro, 2012

A hora da verdade para Lula e o PT



do Balaio do Kotscho

Caros leitores,

pelos comentários enviados até agora, dá para perceber como o tema do texto abaixo provocou opiniões polêmicas, com muitos discordando de mim, o que só mostra duas coisas: a riqueza da democracia e do debate na internet, em que não há espaço para a unanimidade, ao contrário do que ocore com o pensamento único da grande imprensa.

Só esqueci de responder uma coisa ao leitor Fernando Aleador, que me levou a escrever este post: imparcialidade não existe no jornalismo.

Todos os jornalistas e donos de meios de comunicação têm lado. Só escrevo o que penso e sinto, sem pedir licença nem querer agradar ou desagradar a ninguém.

Nem precisava dizer isso para quem acompanha meu trabalho há quase 50 anos, mas para os que estão chegando agora é bom repetir: meu lado é o do Lula, do PT e o da maioria do povo brasileiro, que venceu 500 anos de opressão e hoje vive num país melhor e mais justo.

Ricardo Kotscho

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"Por que o bloguista inexplicavelmente não conta nada sobre Rosemary e o possível envolvimento do ex-presidente Lula em algumas operações ilícitas? Aonde está a sua imparcialidade de jornalista?", pergunta o leitor Fernando Aleador, em comentário enviado às 04h57 desta sexta-feira.

Tem toda razão o leitor.

Demorei para escrever e dar esta resposta porque, para mim, estes últimos foram os dias mais difíceis da minha já longa carreira, posto que os fatos envolvem não só velhos amigos meus, como é do conhecimento público, mas um projeto político ao qual dediquei boa parte da minha vida.

Simplesmente, não sabia mais o que dizer. Ao mesmo tempo, não podia brigar com os fatos nem aderir à guerra de extermínio de reputações e de desmonte da imagem do ex-presidente Lula e do PT que está em curso nos últimos meses.

A propósito, escrevi no começo de novembro um texto que se mostrou premonitório sob o título "O alvo agora é Lula na guerra sem fim", quando o STF consumou a condenação dos ex-dirigentes do PT José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares.

De uma hora para outra, a começar pelo julgamento do mensalão, até chegar às revelações da Operação Porto Seguro, o que era um projeto vitorioso de resgate da cidadania reconhecido em todo o mundo levou um tiro na testa e foi jogado na sarjeta das iniquidades.

"O que me intriga é saber por que agora, por que assim e por que tamanha insistência. É claro que o esforço para acabar com a corrupção é legítimo e louvável, mas não terminaram recentemente de sangrar o PT até a entrada do necrotério? Quem estaria sedento por mais?", pergunta-se a colunista Barbara Gancia, na edição de hoje da Folha, e são exatamente estas as respostas que venho procurando para entender o que está acontecendo.

Talvez elas estejam na página A13 do mesmo jornal, em que se lê: "FHC acusa Lula de confundir interesses públicos e privados". Em discurso num evento promovido pelo PSDB no Jóquei Clube de São Paulo, na quinta-feira, o ex-presidente pontificou, mesmo correndo o risco de falar de corda em casa de enforcado:

"Uma coisa é o governo, a coisa pública, outra coisa é a família. A confusão entre seu interesse de família ou seu interesse pessoal com o interesse público leva à corrupção e é o cupim da democracia".

Sem ter o que propor ao eleitorado, após sofrer três derrotas consecutivas nas eleições presidenciais, e perder até mesmo em São Paulo na última disputa municipal, o PSDB e seus alíados na mídia e em outras instituições nacionais agora partem para o vale-tudo na tentativa desesperada de eliminar por outros meios o adversário que não conseguem vencer nas urnas.

Nada disso, porém, exime o ex-presidente Lula e o PT de virem a público para dar explicações à sociedade porque não dá mais para fazer de conta que nada está acontecendo e tudo se resume a uma luta política, que é só dar tempo ao tempo.

A bonita história do partido, que foi fundamental na redemocratização do país, e a dos milhões de militantes que ajudaram a levar o PT ao poder merecem que seus líderes venham a público, não só para responder a FHC e às denúncias sobre a Operação Porto Seguro publicadas diariamente na imprensa, mas para reconhecer os erros cometidos e devolver a esperança a quem acreditou em seu projeto político original, baseado na ética e na igualdade de oportunidades para todos.

Chegou a hora da verdade para Lula e o PT.

É preciso ter a grandeza de vir a público para tratar francamente tanto do caso do mensalão como do esquema de corrupção denunciado pela Operação Porto Seguro, a partir do escritório da Presidência da República em São Paulo, pois não podemos eternamente apenas culpar os adversários pelos males que nos afligem. Isso não resolve.

Mais do que tudo, é urgente apontar novos caminhos para o futuro, algo que a oposição não consegue, até porque não há alternativas ao PT no horizonte partidário, para uma juventude que começa a desacreditar da política e precisa de referências, como eu e minha geração tivemos, na época da luta contra a ditadura.

Conquistamos a democracia e agora precisamos todos zelar por ela.

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