31 maio, 2013

Partido e democracia interna

Homens instalam proteção na Praça São Pedro para a missa de Entronização do Papa 

À medida que o partido ganha espaço de poder, menos se interessa em promover o trabalho de base

por Frei Betto
do Brasil De Fato


“Quem diz organização, diz tendência para a oligarquia. Em cada organização, quer se trate de um partido, de uma união de ofícios etc., a tendência aristocrática manifesta-se de forma bastante pronunciada. O mecanismo da organização, ao mesmo tempo em que dá a esta uma estrutura sólida, provoca graves modificações na base organizada. Inverte completamente as respectivas posições dos chefes e das bases. A organização tem como efeito dividir todo partido ou sindicato numa minoria dirigente e numa maioria dirigida”.

“Quanto mais o aparelho de uma organização se complica, isto é, quanto mais vê aumentar o número de seus filiados, seus recursos crescerem e sua imprensa desenvolver-se, mais terreno perde o poder diretamente exercido pela base, suplantado pelo crescente poder das comissões”.

“Teoricamente o chefe não é mais do que um empregado, submisso às instruções que recebe da base. Sua função consiste em receber e executar as ordens desta última, do qual ele é apenas um órgão executivo”.

“Mas, na realidade, à medida que a organização se desenvolve, o direito de controle reconhecido às bases torna-se cada vez mais ilusório. Os filiados têm de renunciar à pretensão de dirigir ou mesmo supervisionar todos os assuntos administrativos”.

“É assim que a esfera do controle democrático se retrai progressivamente, para, afinal, ficar reduzida a um mínimo insignificante. Em todos os partidos socialistas, o número de funções retiradas das assembleias eleitorais e transferidas para os conselhos de direção aumenta sem cessar. Ergue-se dessa forma um enorme edifício de complicada estrutura. O princípio da divisão de trabalho impondo-se cada vez mais, as jurisdições se dividem e subdividem. Forma-se uma burocracia rigorosamente delimitada e hierarquizada”.

“À medida que o partido moderno evolui para uma forma de organização mais sólida, vemos acentuar-se a tendência de substituir os chefes ocasionais pelos chefes profissionais. Toda organização de um partido, mesmo sendo pouco complexa, exige certo número de pessoas que a ele se consagrem inteiramente”.

“Pode-se completar essa crítica do sistema representativo com a seguinte observação política de Proudhon: os representantes do povo, dizia ele, mal alcançam o poder, já se põem a consolidar e a reforçar sua força. Incessantemente envolvem suas posições com novas trincheiras defensivas, até conseguirem libertar-se completamente do controle popular. É um ciclo natural percorrido por todo o poder: emanado do povo, acaba por se colocar acima do povo”.

Todos os textos acima não são de minha autoria. Foram escritos em 1911 pelo sociólogo alemão Robert Michels (1876-1936), de convicções socialistas, que deu aulas em universidades da Alemanha, França e Itália.

Esses textos foram publicados no livro Sociologia dos partidos políticos (Editora Universidade de Brasília, 1982). A última cátedra de Robert Michels foi na Universidade de Turim, onde ensinou economia, ciências políticas e sociologia. Decepcionado com a falta de democracia nos partidos progressistas, faleceu acusado de conivência com o fascismo.

O que Michels denunciou há 102 anos infelizmente é praxe ainda hoje. A direção do partido é progressivamente ocupada por um seleto grupo profissionalizado que, a cada eleição, distribui entre si as diferentes funções. Os caciques são sempre os mesmos, sem que as bases tenham condições de influir e renovar os quadros de direção.

À medida que o partido ganha espaço de poder, menos se interessa em promover o trabalho de base. A mobilização é trocada pela profissionalização (incluídos aqueles que ocupam cargos eletivos), a democracia cede lugar à autocracia, a ampliação e preservação dos espaços de poder tornam-se mais importantes que os princípios programáticos e ideológicos.

A Igreja Católica, por exemplo, é uma típica instituição que absorveu a estrutura imperial e vertical do Império Romano e ainda hoje dela não se livrou. E tenta justificá-la sob o pretexto de que essa estrutura decorre da vontade divina...

Enquanto tateamos em busca da democracia real, na qual a vontade do povo não significa mais do que uma retórica demagógica, temos o consolo de uma invencível aliada dos que criticam a perpetuação de políticos no poder: a morte. Ela, sim, faz a fila andar, promove a dança das cadeiras, abre espaço aos novos talentos.

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Frei Betto é escritor, autor de “A mosca azul – reflexão sobre o poder” (Rocco), entre outros livros.

29 maio, 2013

Será Libra a gota de petróleo a transbordar o barril?


do Viomundo

por Paulo Metri *


Mossadegh, primeiro-ministro iraniano, nacionalizou o petróleo em 1951, fechando as atividades da empresa Anglo-Persian Oil Company no país. Em 1953, como resultado de um golpe de Estado, cuja articulação é creditada à CIA, foi deposto e preso. Depois, os campos de petróleo do Irã voltaram às empresas estrangeiras para a continuação da produção. No Iraque, depois da invasão pelos Estados Unidos, os campos também foram entregues a empresas estrangeiras.

Estes são os únicos casos que conheço de entrega de quantidades conhecidas de petróleo no subsolo a empresas privadas. Quantidades, estas, já descobertas e prontas para serem produzidas. O usual, mesmo no atual mundo constituído pelo império, entre os países satélites do império, as várias colônias dominadas e os países mais independentes, quando não possuem o monopólio estatal, é leiloarem áreas para empresas buscarem o petróleo e, se encontrarem, o produzirem. Isto acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Noruega.

No entanto, a subserviência ao mercado do governo brasileiro, acoplada à traição de brasileiros representantes dos interesses de grupos estrangeiros, inova ao entregar campo, e não mais área, para busca de petróleo. Libra foi descoberto pela Petrobras e, já sendo um campo, pretende-se entregá-lo às empresas petrolíferas, usando a mesma visão da privatização, comum no governo FHC. Na questão da entrega da riqueza do petróleo, o PT e o PSDB são irmãos siameses. Nenhum dos membros de um destes partidos pode acusar o outro de não satisfazer aos interesses da sociedade brasileira, com relação a este aspecto.

Reconheça-se, com pesar, que está havendo uma “volta por cima” dos neoliberais, quando todos socialmente compromissados pensavam que, depois da crise de 2008, tinha ficado claro que o atendimento aos dogmas do mercado trazia desgraça aos povos. Fica patente que o capital é articulado, por envolver a mídia dominada e as opções mais populares de candidatos do país, nomeando seus prepostos para cargos chaves e determinando nefastas decisões.

Outro ponto importante de salientar é que o presidente Lula acrescentou, recentemente, ao seu discurso várias colocações de cunho geopolítico e estratégico. Esta nova postura do ex-presidente é muito bem vinda. Em estudo da Associação de Engenheiros da Petrobras (AEPET), é dito que, para os contratos de partilha, admitindo algumas suposições lá contidas, as empresas ficam com a posse de 50% do petróleo produzido e o Estado com os outros 50%. Como Libra tem de 8 a 12 bilhões de barris recuperáveis, segundo a diretora-geral da Agência “Nacional” do Petróleo, o Brasil perderá a possibilidade de agir estrategicamente com a comercialização de cerca de 5 bilhões de barris. Só resta o ex-presidente, como tem grande prestígio junto à sua sucessora, avisá-la da perda estratégica.

Se alguém tem a dúvida sobre o que fazer com o campo de Libra, então, sugiro a utilização do artigo 12 da lei 12.351, que permite a entrega de um campo à Petrobras diretamente, sem leilão prévio, através de um contrato de partilha, desde que o interesse nacional justifique. E, claramente, existe o interesse em converter o lucro e o poder que o petróleo gera em benefícios aos brasileiros. Além disso, como a Petrobras está com a responsabilidade de ter de investir em vários campos simultaneamente e, também, como a pressa em leiloar só satisfaz às empresas estrangeiras, pois o país está abastecido para além do ano de 2050, a entrega de Libra à Petrobras poderá ficar reservada para o futuro.

Prestem atenção às ações coordenadas de privatização deste nosso patrimônio para grupos estrangeiros. Primeiro, tem-se a pressa tresloucada da ANP em leiloar, podendo ser classificada como um furor entreguista. Em paralelo, vem a consequente asfixia financeira da única saída heróica encontrada pelos verdadeiros brasileiros para não serem dominados, qual seja, a da Petrobras entrar nas rodadas para arrematar os blocos. Por fim, não bastando a carga diária negativa da mídia contra a empresa, deputados subservientes a interesses externos buscam criar uma CPI da Petrobrás. Deixo claro que se deve apurar tudo sobre a Petrobrás que a boa norma exige e, para isso, já existe a estrutura de auditoria e fiscalização do governo.

Entretanto, a criação de uma CPI parece ter outro objetivo, que é o de malhá-la perante a opinião pública para, em passo seguinte, como recomendação desta CPI, sugerir-se a sua privatização.

Notem que, depois das privatizações embutidas nos leilões de petróleo, que ocorreram na 11ª rodada do dia 14 de maio, e da presente privatização de Libra, em um eventual debate de segundo turno em 2014, que espero que nunca aconteça, entre Dilma e Aécio, nenhum dos dois poderá acusar o outro de ser privatista, por falta de credibilidade de ambos para tal. Em vista deste fato, quero declarar que estou aberto a receber “santinhos” de candidatos de todos os partidos de esquerda fora da atual base do governo, para qualquer cargo, desde deputado estadual a presidente, passando por governador, deputado federal e senador.

Em outras palavras, respeito muito o combate à miséria e outros feitos dos governos petistas, mas não me conformo com a entrega do patrimônio nacional a estrangeiros, até porque, a partir de determinado patamar, só se melhora substancialmente o IDH se o país for soberano.
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28 maio, 2013

2013 apresenta sua arquitetura imperial

por Denise Queiroz

Na última sexta-feira apareceu na caixa de correspondência uma linda revista. Recheando a capa com foto de alguma paisagem e letras em alto relevo, matérias bem escritas sobre temas como ‘bem-viver’, entrevista com o prefeito de Porto Alegre, o mercado imobiliário da cidade, sustentabilidade e lançamentos de imóveis.

Um desses imóveis chama a atenção: um novo condomínio em área nobre da cidade... um apartamento com 333 metros quadrados, algumas tantas vagas na garagem e demais benesses de quem almeja viver num cenário tipo Grande Gastsby. Não está anunciado o preço, mas está posta a planta. E na análise dela se vê que o nobre arquiteto faltou algumas aulas básicas ou foi retirado pelos construtores de alguma tumba anterior à libertação dos escravos. 

Foto da suíte e dependência de serviço

O desenho do imóvel mostra uma suíte master - a do casal que sabe-se lá de onde tira dinheiro para comprar tal ‘bem’ – onde só a parte de dormir e vestir tem mais de 37 metros quadrados. O banheiro da suíte, conforme tendência ‘moderna’ de prezar pela intimidade das partes associadas cartorialmente em casamento, é um espaço de mais de 15 metros, dividido em privada e bancada com pia e ducha de um lado, privada e bancada com pia e ducha do outro. Uma meia parede e, unindo as duas privacidades, uma enorme banheira de hidromassagem. Suíte de fazer inveja às instalações residenciais na nobilíssima Petrópolis do século XIX, pois naqueles tempos imperiais, o coroado D. Pedro tinha que andar uns bons 600 metros para banhar-se, na Casa das Duchas.

Essa dependência do casal limita-se por parede (dupla ou tripla, imagino) com a dependência completa da empregada, composta por vastos 3,84 metros no quarto (menor que a cama king size do quarto principal e que a banheira de hidro da suíte) e 2,88 no banho. Um latifúndio para quem passou o dia cozinhando, limpando, arrumando, lavando, dobrando... guardando enfim a imagem ostensiva da nobre família, que precisa de 15 metros para suas necessidades humanas. Ao que parece gente assim também precisa de um lugar – enorme- para mijar, cagar e limpar-se, e não menos que 30 para dormir depois de um dia exaustivo, onde uma das preocupações certamente foi descobrir forma de burlar a legislação para não pagar os 8% de FGTS para ‘aquela empregada’.

Bem vindos, nobres compradores. Parabéns, nobres modernos arquitetos que conseguem desenhar Orwell.

Foto de Marc Ferrez, de Navio Negreiro em 1882



20 maio, 2013

A torpe realidade longe dos discursos

Neste vídeo de 4 minutos, uma pequena mostra de arbítrio, constrangimento, atentado à liberdade de expressão, aos Direitos Humanos, abuso de autoridade. 

Com a palavra a Ministra dos Direitos Humanos, o Ministro da Justiça, os diretores da Polícia Federal e demais autoridades eleitas ou escolhidas pela Presidenta para zelar pela democracia e pela Constituição.







14 maio, 2013

MP dos Portos: Quando o governo vai abrir as comunicações?


por Saul Leblon
do Carta Maior



O desconhecimento da sociedade sobre qualquer tema é o solo fértil de toda sorte de manipulação ideológica e econômica.

A MP dos Portos, editada em dezembro último, cujo prazo de validade vence nesta 5ª feira, é o exemplo clássico desse redil capaz de imobilizar as melhores intenções.

Sempre hesitante em sua política de comunicação, o governo, mais uma vez, menosprezou uma dimensão crucial da luta pelo desenvolvimento que consiste em popularizar o debate das decisões estratégicas com toda a sociedade. 

Não o fez com a agenda dos portos; como também não foi feito com a da licitação de ferrovias e rodovias e tampouco com outras iniciativas em resposta à crise mundial.

Teme-se o carimbo de populismo. 

Cultiva-se o ‘não politizar a agenda do desenvolvimento’, que não é outra coisa senão economia concentrada em escolhas políticas. 

Em contrapartida, faculta-se a um oligopólio midiático a modelagem narrativa do passo seguinte da história do país, reduzido assim a um carnaval de tomates e beterrabas.

A receita torna o governo refém da entropia oportunista que prolifera em sua própria base.

Eis-nos mais uma vez, e não será a última, enredados em uma nuvem de impasse e crise, associada a um tema tornado inacessível a parcelas majoritárias da população.

A votação da MP dos portos fracassou nesta 2ª feira. 

A agonia venceu o primeiro round. 

O prazo do governo estreitou-se em 24 horas.

As manchetes desta 3ª feira festejarão mais uma ‘acefalia da base’. 

O objetivo da MP dos portos, afirma o Planalto, é acelerar investimentos da ordem de R$ 54 bilhões no setor até 2017. 

A medida seria imprescindível para baixar os custos da logística brasileira e injetar competitividade às exportações nacionais num momento em que o mercado mundial se contrai.

Segundo a OMC, o comércio internacional não deve crescer muito acima de 3% este ano.

Uma taxa significativamente inferior à média de 5% das últimas duas décadas.

Busca-se uma parceria entre investimentos públicos e privados para adicionar agilidade operacional aos embarques em curto espaço de tempo, alega o governo.

Para tanto, a MP dos Portos avança sobre protocolos e interesses estabelecidos. 

Entre os pontos polêmicos estão a licitação de terminais com base no critério do menor preço e maior desempenho: vence quem cobrar menos pelo maior volume de despachos previstos.

Portos privados, antes restritos a operações específicas, terão liberdade para movimentar cargas de terceiros, o que amplia a concorrência com detentores privados de docas em portos públicos. Explica-se por aí um pedaço das críticas à MP.

Estados que detinham a administração de portos públicos perdem a prerrogativa para a agência reguladora do setor, que pretende assim impor maior coerência à logística de transporte de todo o país.

De um lado, operações técnicas são compartilhadas com a esfera privada; de outro, reforça-se o comando estratégico do setor na esfera federal. 

Os críticos à esquerda alegam que a MP apertou o passo do governo na ladeira privatizante e terá efeito inócuo na alegada redução de custos (leia artigo desse ponto de vista no espaço de debate aberto nesta pág).

À direita, rejeita-se a ‘intromissão’ estatal nos portos estaduais, bem como o ‘intervencionismo’ embutido na MP.

Ela faculta ao Estado exercer o controle sobre o que acontece em terminais administrados por capital particular, mesmo quando construídos em terrenos privados.

Quem apoia a MP alega que ela não toca na estrutura portuária pública, mas amplia as opções de escoamento. Com isso forçaria uma salutar redução de custos dentro das próprias docas estatais já administradas por capitão privado.

A MP dos portos por certo mereceria um debate político mais amplo.

Emoldura-a a transição de uma economia que luta para dilatar a logística de uma sociedade planejada para servir a 1/3 da população.

Ao ampliar a escala da cidadania e do consumo, esbarra-se agora em toda sorte de limites.

O risco de regressividade política e econômica é real.

A MP dos portos é só um exemplo de uma corrida contra o tempo.

Deixar que decisões desse calibre se tornem objeto de troca nas mãos de Cunhas & Alves não é somente um passo em falso do ponto de vista de articulação política.

Trata-se de uma preocupante subestimação da capacidade de discernimento da sociedade e do seu papel na luta pelo desenvolvimento.

Sem abrir o debate político Getúlio jamais teria ido tão longe na primeira arrancada da infraestrutura nacional. 

A Petrobras talvez não existisse. 

Com toda astúcia política, ainda assim viu-se compelido a dar um tiro no peito para não ceder ao conservadorismo.

Crê o governo que dando sucessivos tiros no pé na esfera da comunicação poderá ser mais eficaz que Vargas na luta pelo desenvolvimento brasileiro?

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Sobre as dificuldades que vem com a falta de comunicação do governo com sociedade, recomendo a entrevista de Adolfo Pérez Esquivel


07 maio, 2013

Convoca!:surge uma plataforma para reunir multidões

do Outras Palavras 
dica da Dora Pecci

Desenvolvido por programadores ligados aos “Indignados” espanhóis, sistema permite propor mobilizações, registrar presença em uma delas e verificar, em instantes, quais são capazes de atrair grande público

Por Bernardo Gutierrez* 
Tradução: Bruna Bernacchio

A partir de agora, já é possível anunciar, por celular, presença em uma manifestação. Utilizando a plataforma Convoca! (convoca.cc) que o coletivo Outliers acaba de lançar, qualquer usuário pode criar um encontro público. Além disso, seja um show de música ou uma manifestação, qualquer pessoa que utiliza o Twitter pode registrar sua participação em uma multidão. Convoca! também oferece a possibilidade de acrescentar diferentes narrativas multimídia (fotos, vídeos, textos) geolocalizadas. No blog do projeto, estas facilidades estão expostas em detalhes.

Convoca! é uma evolução natural da plataforma Voces25S, que o Outliers lançou, em setembro de 2011, para mapear a manifestação Rodea el Congresso, um protesto diante do Legislativo espanhol. A plataforma associava uma cor a diferentes hashtags de Twitter. como #tranquilo, #repressão, #fotos #aovivo. Assim, mapeava em tempo real, através da geolocalização de cada usuário, o cenário de Rodea el Congreso. Bastava tuitar com a geolocalização ativada e usar os hashtags propostos. O êxito foi tal — mais de um milhão de visitas — que o Outliers dedicou-se a melhorar a plataforma.

Convoca! é uma ferramenta que oferece muito mais possibilidades que Voces25S. Para começar, dá mais liberdade ao usuário, que já não precisa restringir-se a determinadas hashtags. Convoca! empodera o usuário: qualquer um pode criar um encontro e acrescentar sua própria narrativa. O sistema conecta a inteligência coletiva nos espaços comuns, cidade ou campo. Talvez a novidade mais interessante seja a destacada no início deste texto: a possibilidade de anunciar a presença numa mobilização — e não em um espaço comercial, como no Foursquare. A presença de cada usuário amplia o destaque do ponto no mapa do sistema. Quanto mais gente houver na mobilização, mais próximos estaremos do conceito de multidão inteligente (smart mob), criado por Howard Rheingold.

Enviei ao coletivo Outliers um questionário sobre Convoca!, para elaborar esse texto. As respostas de Oscar Marín Miró (@oscarmarinmiro) são tão interessantes que reproduzo-as na íntegra, em formato de entrevista.

Como evoluiu a plataforma #Voces25S, que vocês lançaram antes doRodea el Congreso, até chegar à Convoca!?

Voces25S foi um protótipo rápido para averiguar se a ideia que tínhamos na cabeça (o cruzamento semântica-espaço-tempo) tinha algum sentido prático no contexto de Rodea el Congreso, de 25 de setembro de 2011. Também não sabíamos se haveria problemas pelo fato de a comunicação ser 100% através do Twitter; mas o mapa, uma página web externa. Os usuários iriam confundir-se?. Devido ao grande êxito (cerca de um milhão de visitas, durante o 25-S), confirmou-se a utilidade e os criadores foram colocados diante de novos desafios: que a plataforma fosse de código aberto; e que fosse possível abrir o vocabulário utilizado, tornando livres as hashtags. Quer dizer, que a semântica fosse livre e emergente.

Consideramos que Convoca! é a evolução natural. É uma plataforma de código aberto, com semântica (hashtags) livre e otimizada para grande número e diversidade de usuários simultâneos. Qualquer um pode baixar o código (Django+MySQL), abrir uma conta de Twitter e começar a usar. Se quiser mapear concursos de fotografia geolocalizados, pode. Se quiser mapear manifestações, também. E se quiser mapear eventos, de qualquer tipo, idem. Basta usar uma conta de Twitter com sua narrativa particular e incentivar o mapeamento — por exemplo, por meio de retuitagens.

Por que potencializar o espaço público com tecnologia social?

Porque pensamos que, para a criação de uma dinâmica “de baixo para cima”, na organização urbana, é preciso começar pelo espaço público. E mais importante ainda: os próprios cidadãos precisam gestionar este espaço. Ele é constituído graças a seus impostos! Enquanto a gestão “de cima para baixo” tem um viés de eficiência, dinâmicas de sentido oposto podem voltar a nos unir em torno de um direito básico e essencial para a felicidade — o de voltar a valorizar as atividades sociais e as afastadas dos circuitos econômicos.

Essas conexões voltam a nos unir, para poder retomar a noção de tribos auto-organizadas. O elemento proximidade nos permite escapar de uma circunstância muito associada com a socialização da rede: temos relações com gente de perfil muito semelhante ao nosso, que muitas vezes nunca vimos fisicamente, mas talvez não nos relacionemos tanto com nossos vizinhos. O espaço público pode ser aglutinador desses fatores: proximidade e ações sociais à margem dos circuitos comerciais.

Convoca! incentiva o encontro de pessoas, de forma muito diferente daFourSquare, por exemplo, onde se priorizam os pontos comerciais para o encontro. Por que essa mudança?

Estamos fartos de ver que as sinalizações são, na maioria dos mapas, um exercício de monetização, através da geolocalização de serviços comerciais. Também se veem muitos mapas não comerciais, mas que acabam morrendo. Por que? Não sabemos, mas intuímos que tem a ver com herdarmos, nas novas aplicações “de baixo para cima” a maneira tradicional de utilizar um mapa.

Uma das respostas de Convoca! a essa problemática é a implementação do registro dos usuários em mobilizações. Isso permite verificar, numa rápida espiada, onde estão ocorrendo coisas com uma certa presença. Ou seja, informa-se o usuário que sua presença em um determinando evento faz dele algo mais relevante.
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*Bernardo Gutierrez (@bernardosampa) é jornalista, escritor e consultor digital. Pesquisa o mundo P2P e as novas realidades da cultura open source. Fundador da rede de inovação Futura Media.net. O acervo de seus textos publicados em Outras Palavras pode ser consultado aqui.

01 maio, 2013

Financiamento público para a mídia independente


Foto de canillitas, os entregadores de jornal

por Marcelo Pellegrini
da Carta Capital


Está em discussão na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados uma proposta para a criação de um fundo de financiamento público e linhas de crédito especiais para as pequenas empresas do setor de mídia no Brasil –blogs inclusive.

Fundo para pequenas empresas de mídia asseguraria a pluralidade de opinião e a diversidade cultural, segundo a deputada Feghali.

Uma audiência pública na Câmara debaterá, na terça-feira 7, a viabilidade da proposta. Participarão do debate Luciene Fernandes Gorgulho, chefe do Departamento de Cultura, Entretenimento e Turismo do BNDES, Nelson Breve, presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e Paulo Miranda, presidente da Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM). “Nossa intenção é sair com algum plano concreto de financiamento do BNDES”, afirma a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), presidente da Comissão de Cultura.

“(A ideia) é viabilizar a chamada mídia livre no Brasil. Notamos que há uma grande dificuldade dos blogs, rádios comunitárias e até mesmo da TV Pública em ter a sustentação financeira necessária para se manter no ar com qualidade, em um nível competitivo, e com possibilidade para se estruturar”, diz a parlamentar. “É impossível se imaginar a pluralidade da informação sem esses veículos e entendemos que é o momento dos bancos públicos financiarem a democracia da comunicação no País”, acrescenta.

A proposta em discussão na Comissão surge em um momento que a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) concentra 70% do dinheiro de publicidade do governo federal em apenas 10 veículos de comunicação. Só para citar um exemplo, desde o início do governo Dilma Rousseff, 50 milhões de reais – de um total de 161 milhões repassados a emissoras de tevê, rádios, jornais, revistas e sites - foram direcionados apenas à TV Globo. Hoje, 72% da publicidade dna internet é também direcionada a grandes grupos.

Isso, na visão da deputada Feghali, prejudica a divulgação das culturas locais brasileiras e a pluralidade da informação e de opiniões. “Hoje, na Comissão de Cultura, eu não vejo como podemos garantir a pluralidade da diversidade cultural brasileira se essa mídia (blogs, rádios comunitárias e tevês públicas) não existir ou não puder funcionar e divulgar aquilo que a cultura brasileira produz”.

Para ela, o financiamento de pequenas empresas de mídia é apenas o primeiro passo e deve ser seguido por outras ações, como um financiamento mais bem distribuído entre os veículos de comunicação. “Vamos montar parcerias com as outras comissões e órgãos que lidam com o tema e puxar esse debate”, disse.

Em sua edição número 742, Carta Capital abordou a falta de vontade política do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, em revisar a regulamentação de mídia brasileira e torná-la mais plural e democrática. Sob esse contexto, surgem diversas medidas e demandas sociais para contornar a concentração de mídia no País. Entre eles, está o Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PLIP) para a democratização das comunicações no Brasil (leia aqui), que começará a colher assinaturas a partir de 1º de maio. O documento precisa de no mínimo 1,3 milhão de assinaturas para ingressar no Congresso Nacional.

“Eu acho que o governo deveria ter uma atitude mais ofensiva em relação à regulação da mídia por tudo o que representa, inclusive no que diz respeito ao avanço democrático no Brasil”, opinia a parlamentar. “Isso é um tema estratégico para a consolidação da democracia e na medida que o governo não faz, já surge um PLIP colhendo assinaturas”.

“Agora, vamos ter que aliar parlamento e sociedade para tomarmos iniciativas sobre o tema”, conclui.

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