28 agosto, 2012

Demóstenes marcou encontro de Serra e Cachoeira

Pela primeira vez, o nome do ex-governador de São Paulo e candidato à prefeitura, José Serra, aparece na boca do contraventor Carlos Cachoeira, numa conversa com o já cassado Demóstenes Torres. "Ocê vai tá com o Serra aí hoje?", pergunta o bicheiro. "marca uma audiência com ele", insiste. "Vou marcar com ele e venho aqui", atende o ex-senador. Negócios da Delta com São Paulo são o próximo alvo da CPI .


Foto: Edição/247

14 de maio de 2009. José Serra era governador de São Paulo. Executava, no Estado, obras bilionárias, como a construção do trecho Sul Rodoanel e as ampliações das marginais – algumas, com a participação da construtora Delta, de Fernando Cavendish. Amanhã, o empreiteiro estará na CPI, que investiga as atividades do bicheiro Carlos Cachoeira. Assim como Cavendish, também irá depor o engenheiro Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, que era o homem forte da Dersa, empresa de desenvolvimento rodoviário de São Paulo, e já disse que Serra era sua "bússola" na estatal.

Um diálogo, obtido com exclusividade pelo Brasil 247, aponta agora, pela primeira vez, o nome de José Serra nas conversas de Cachoeira. É num telefonema dela ao ex-senador Demóstenes Torres. Cachoeira quer uma audiência do governador para um personagem chamado Dino. E Demóstenes promete marcá-la.

"Ocê vai tá com o Serra aí hoje?", pergunta Cachoeira. Com naturalidade, Demóstenes diz que não. Afirma ter estado na Companhia Siderúrgica Nacional, do empresário Benjamin Steinbruch. Cachoeira faz então uma brincadeira dizendo que quem gosta muito de Steinbruch é o atual ministro da Educação, Aloizio Mercadante.

E, depois, insiste para que Demóstenes, que foi cassado por ser uma espécie de despachante de luxo do bicheiro, marque uma audiência com Serra. "Vou marcar com ele e venho aqui", atende o ex-senador.

Escute aqui o primeiro diálogo entre Demóstenes e Cachoeira.

Numa outra conversa, de 26 de abril de 2009, Cachoeira também liga a Demóstenes para tratar de negócios em São Paulo. O ex-senador estava no apartamento 1.105 do Hotel Meliá, no bairro do Itaim-Bibi de São Paulo. O bicheiro, que representava interesses da Delta em São Paulo, pede para o senador se encontrar com um espanhol chamado Carlos Sanchez. Trata-se do chefe do Departamento de Engenharia do Metrô de Madri – o modelo usado é o mesmo usado em São Paulo.


Escute aqui o segundo diálogo entre Cachoeira e Demóstenes.

Na terceira conversa, Cachoeira fala com o próprio Sanchez sobre o encontro no Hotel Meliá. Onde? Na rua João Cachoeira, em São Paulo.
Escute aqui o diálogo entre Cachoeira e Sanchez

Neste diálogo, Cachoeira sugere a Sanchez que entre na página da internet do Senado para reconhecer a face de Demóstenes Torres. O espanhol, pelo tom de voz, já festeja um negócio que será "muy bueno".

Há ainda um último diálogo em que um homem não identificado conversa com um certo Geovane, ligado ao grupo de Cachoeira, sobre um encontro com Serra.

Brasil 247 entrou em contato, via telefone e e-mail, com o assessor de imprensa da campanha de José Serra à Prefeitura para conhecer a opinião do candidato sobre as revelações. Ele tem memória sobre a audiência que o senador Demóstenes Torres iria pedir? Ocorreu? O que foi tratado? Sem dúvida, a palavra de Serra sobre o assunto pode ser esclarecedora. Até 14h..., o retorno ainda não havia ocorrido.


26 agosto, 2012

Donos da mídia atacam “Voz do Brasil”



Por Altamiro Borges

Na quinta-feira passada (23), num evento em São Paulo, chefões de poderosas emissoras de rádio defenderam a extinção do programa “Voz do Brasil” – o que prova que a proposta de “flexibilização do horário” de transmissão, em debate no Congresso Nacional, é pura manobra. Segundo Nathália Carvalho, do sítio Comunique-se, os diretores das rádios Bandeirantes, Estadão e Jovem Pan – Rodrigo Neves, Acácio Costa e Paulo Machado de Carvalho Neto, respectivamente – afirmaram que o programa é um “entulho autoritário”.

Campanha agressiva da Jovem Pan

Para as rádios “privadas”, que exploram uma concessão pública, a exibição da “Voz do Brasil” deveria ser opcional. O diretor da Jovem Pan, que promove diariamente uma campanha agressiva contra o programa, avalia que o uso da frequência para divulgar as ações dos poderes Executivo e Legislativo não se justifica nos dias de hoje. “Estamos em uma cidade grande, com problemas sérios de trânsito e deixamos de prestar serviço às 19h em função de um programa feito de uma forma absolutamente discordante”, afirmou Carvalho.

Já o diretor da Band foi mais maroto no trato do problema. Mesmo rejeitando o programa, ele defendeu o projeto de lei que tramita no parlamento, que permite que as rádios privadas transmitam a “Voz do Brasil” até às 23 horas. “Vamos conseguir prestar serviço no horário de 'pico' e continuar divulgando as informações do governo”. Para ele, este é um caminho intermediário. “Hoje, as emissoras têm que passar o programa gratuitamente e se erram são apenadas com multas pesadas”, reclamou Neves.

Flexibilização é apenas um atalho

Por último, o diretor do Estadão/ESPN afirmou que o mais antigo programa de rádio do país serve apenas para o governo se promover “gratuitamente” e lamentou a resistência em efetuar mudanças na transmissão. “Macaco não costuma serrar o galho onde está pendurado”, ironizou Costa. Ele apenas esqueceu-se de dizer que a famiglia Mesquita explora uma concessão pública. Na prática, as poderosas emissoras desejam o fim da “Voz do Brasil”. O projeto de flexibilização do horário é apenas um atalho!

Em São Paulo, uma liminar já permite que as rádios Bandeirantes AM e FM, Estadão/ESPN AM e FM, Rádio Record, Rádio Tupi FM, Nativa FM, Rádio Capital, Gazeta FM, 105 FM, MIX FM, Metropolitana FM, Antena 1 e Transamérica não transmitam o programa. A decisão da Justiça não inclui Jovem Pan, CBN e Rádio Globo. A ofensiva dos donos da mídia visa garantir esse “direito” no país inteiro.
__________

Mais sobre: 

Bernardo quer o governo mais invisível
Denúncia: querem calar a Voz do Brasil
Os tucanos e os tiros no pé

O Direito achado na rede


Do Cultura Digital e Democracia
por Alexandre Bernardino Costa, John Razen e Paulo Rená da Silva Santarém

O Facebook é a rede social virtual mais famosa do mundo atual. Seja por notícias exóticas na grande mídia, seja pelo filme hollywoodiano, seja pela variação do valor no mercado de ações, o site de Mark Zuckerberg é conhecido mesmo por quem não o utiliza. No mundo inteiro, o número de perfis registrados passa de 900 milhões. No Brasil ele conta com mais de 55 milhões, número que representa 25% na população brasileira. A rede social rapidamente ficou popular entre todas as classes sociais e faixas etárias. Mesmo quem se considera analfabeto digital o está usando.

A cada segundo um imenso volume de dados é produzido por quem usa a rede e alimenta os servidores do Facebook com informações pessoais. Esses dados geram um enorme valor tanto para o sempre animado mercado da publicidade quanto para o obscuro campo da investigação e da vigilância. Embora esses dados estejam juridicamente protegidos pela garantia da intimidade e pelodireito ao sigilo das comunicações, dados e informações pessoais, as variadas políticas empresariais e as divergências judiciais na aplicação da legislação geram um contexto de confusão e incerteza sobre a efetividade dessa proteção. Segundo uma pesquisa recente, muitas pessoas que usam o Facebook e declaram saber como Mark Zuckerberg ganha dinheiro são as mesmas pessoas a dizer que jamais venderiam seus dados pessoais pra fins de propaganda. Esse resultado reforça a percepção de que em geral a gente simplesmente não liga para os termos das licenças que assina.

Todos os acessos e movimentações de Internautas no Facebook podem, em tese, ser acessados e monitorados secretamente pelas agências de segurança do governo dos EUA. O amparo legal estaria no Ato Patriótico, assinado por George Bush em 2001, logo após a queda das Torres Gêmeas, como parte de uma política de segurança voltada ao combate ao terrorismo. E há declarações recentes do próprio FBI que indicam uma vivência prática dessa tese. Portanto, se você usa os serviços do Facebook, você têm pouco ou nenhum controle real sobre as informações referentes à sua identidade: todos os dados são pertencentes à rede social virtual. Essa “evasão” de privacidade não combina com o contexto ocidental de democracia que alimenta a tradição da privacidade individual como valor central.

Pensando nos diferentes níveis de privacidade que cada pessoa gostaria de ter, nas diversas opções que cada indivíduo da crescente população do Facebook tomaria ao preservar ou não uma informação pessoal, a noção de falta de controle sobre o que pode ser feito com nossos dados é de arrepiar mesmo quem não tem receio sobre sua intimidade. Mas quando o assunto são liberdades individuais e privacidade pessoal, o discurso de segurança hegemônico segue reproduzindo a falsa ideia do “quem não deve não teme”. A falácia sustenta o universo das medidas repressivas, defendidas como urgentes para deter criminosos e inofensivas para o cidadão de bem. Tudo sem nenhum amparo em números confiáveis, e sempre esquecendo de olhar as incontáveis violações contra direitos de inocentes.

Pela perspectiva do direito, independente de o ente ser público ou privado, esse golpe contra à identidade e à privacidade das pessoas configura abuso e prejudica o ambiente democrático. Naperspectiva expressa do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da OEA e daConstituição Federal do Brasil de 1988, a proteção das liberdades individuais é essencial para o exercício da democracia. E o problema do acesso abusivo às informações gera prejuízo à liberdade e à igualdade.

Não se trata de uma mera questão de “alfabetização digital”, de educar as pessoas que não entendem de tecnologia. Não há liberdade para que uma pessoa se veja obrigada a escolher se vai ser monitorada ou não em troca de usar um serviço virtual. Assim como não há igualdade de forças no contexto do chamado efeito de rede. Se todo mundo que você conhece usa o Facebook para marcar compromissos, comentar fotos e trocar vídeos, ao também passar a usar você ganha cumpre quase que uma obrigação social, mas para o número total de perfis você é insignificante. Enquanto seu perfil é só mais um, o Facebook é “A Rede Social”. Afinal, quem quer estar no Orkut?

É muito grande o desequilíbrio entre as empresas de tecnologia e as pessoas no controle sobre os fluxos informação e dados armazenados. As redes sociais de hoje tem uma relação com as pessoas que lembra a relação entre indivíduo e estado no séc XVIII. A disparidade de forças no contrato social, ou virtual, permite pensar em um consenso dos conectados (em alusão ao conceito iluminista do consenso dos cidadãos) que acaba admitindo as diárias violações contra a liberdade, antes de indivíduos, de novo de Internautas.

Pode demorar muito, pode demorar pouco, mas o Facebook será substituído por outra rede social. Mas aqui a discussão é sobre democracia e direito, o que impõe uma pergunta: deveria existir um controle? O Estado deve se ocupar em criar uma lei e limitar a disponibilidade que as pessoas têm sobre seus dados pessoais? A tecnologia é nova, mas os conceitos envolvidos no debate são antigos: ditadura, democracia, espaço público, privacidade, liberdade, igualdade e fraternidade.

É impossível fazer previsões acuradas, mas há movimentações que apontam para o surgimento de atores organizados resistentes a essa situação de controle exercido por Estados e corporações sobre a rede. Se as pessoas se opuserem ao abuso no uso comercial e mesmo político de suas informações, é possível que essas instâncias respondam com mais repressão, respaldadas pela mídia tradicional e por uma doutrina de segurança, para manter seu controle; mas pode ser também que a situação se altere em direção a um contexto de maior respeito pelo direito à privacidade.

O certo é que se as pessoas aceitarem essa situação, ela não vai mudar tão somente em decorrência do desenvolvimento tecnológico. O exemplo da “Grande Firewall da China” chega a ser caricato. Mas mesmo nações que se dizem democráticas como EUA, Reino Unido, Suécia, França e Austrália, oferecem cada vez mais casos de violações sistemáticas de direitos fundamentais. E essas violações se tornam mais severas como uma resposta à difusão do uso da internet como espaço de interação social.

É em face dessas tendências que o Brasil pode ser o exemplo mundial de um modelo de regulação que respeite e fomente um desenvolvimento mais democrático da internet. O Marco Civil da Internet vem sendo construído com essa promessa há pelo menos três anos, mas até hoje nunca foi votado pelo Congresso Nacional. E uma legislação específica de dados pessoais não foi sequer encaminhada ao Poder Legislativo.

23 agosto, 2012

RBS boicota PT em transmissão do programa eleitoral


A primeira imagem que me apareceu ao saber que a RBS é a responsável pela geração dos programas eleitorais é a velha "raposa tomando conta do galinheiro".  
A gravidade do caso não se restringe à não veiculação da propaganda entregue a tempo. A questão é por que essa rede, que representa interesses avessos a igualdade social, é a responsável pela geração dos programas! Foi feita licitação? 

Leia abaixo matéria do Sul21 .




Julia Lang *
Atualizado às 17h23

A propaganda eleitoral gratuita mal começou e os problemas judiciais já tiveram início em Porto Alegre. Na noite de quarta-feira (22), o juiz Eduardo Dias Bainy, da 112ª Zona Eleitoral da Capital, decretou que fossem refeitas as propagandas de vereadores das coligações de Adão Villaverde e Manuela D’Ávila, alegando que os programas que foram ao ar no dia anterior descumpriam a lei. Segundo alegação da coligação de Fortunati, que entrou com a ação no TRE, os candidatos a vereador não podiam pedir voto para a majoritária.

Ficou estipulado que os programas de TV e rádio que iriam ao ar hoje deveriam ser entregues – depois de devidamente alterados – até 22h de ontem. A surpresa da bancada petista veio na manhã de quinta-feira (23), quando o programa de rádio não foi veiculado.

“Nós entregamos a nossa propaganda, tudo absolutamente correto, dentro das normas eleitorais, uma hora e meia antes do tempo limite. Apesar de tudo isso, ela não foi veiculada. Isso nos causou uma perplexidade muito forte e, a partir daí, vários articulistas, sem o cuidado de conversar conosco e se informar, começaram a orquestrar ataques e críticas a nossa campanha” alega o coordenador de campanha do Villaverde, Gerson Almeida.

Segundo Gerson, a decisão de não veicular foi do jurídico da RBS, empresa que é responsável legal pela geração do horário eleitoral gratuito no município. “Havia uma opinião jurídica da empresa nesse sentido, em um flagrante processo de censura prévia e de substituição das responsabilidades constitucionais e legais próprias do Tribunal Regional Eleitoral. Não é o jurídico de nenhuma empresa que define o que coloca ou não”, ataca Gerson.

Pelo twitter, o candidato Villaverde deixou clara sua insatisfação, com uma mensagem que diz: “Coordenação tomará medidas legais cabíveis. Entendemos que veículos de comunicação não podem intervir no processo eleitoral nem substituir o TRE”.

Procurada pelo Sul21 para se posicionar quanto à retirada do material (que não se repetiu na propaganda eleitoral das 12h) a assessoria da RBS respondeu por meio de uma curta nota à imprensa, enviada às 16h20min. “Devido a um erro técnico ocorrido durante a montagem do bloco de propaganda eleitoral na Rádio Gaúcha, a emissora não veiculou o programa da Coligação PT/PPL/PTC e da Coligação PR/PV/PRTB, às 7h de hoje (23 de agosto). A Rádio Gaúcha comunicou a Justiça Eleitoral”, diz a íntegra da nota.

Questionada pela reportagem, a 112ª Zona Eleitoral, responsável por julgar os processos de 1º grau das eleições municipais, informou que o PT entrou com uma representação contra a RBS. Não havia decisão sobre o pedido até o fechamento dessa matéria.

* colaborou Júlia Schwarz


Após omissão de programas, RBS terá que veicular espaço eleitoral extra em POA


Igor Natusch

A 112ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, que controla as questões eleitorais referentes a Porto Alegre, decidiu no começo da noite de quinta-feira (23) conceder tempo extra para as coligações proporcionais que tiveram seus programas políticos omitidos no horário eleitoral gratuito de rádio da capital gaúcha. Com a decisão, o programa eleitoral de rádio será mais longo no próximo sábado (25) pela manhã, incluindo o material omitido pela RBS, empresa que é responsável legal pela geração do horário eleitoral gratuito no município. As outras emissoras de rádio da capital gaúcha, que fazem a transmissão eleitoral a partir da geração da RBS, também terão que transmitir o tempo extra, arcando com os custos do atraso em suas programações normais.

Leia mais:
- Propaganda eleitoral vai ao ar incompleta e gera revolta do PT em Porto Alegre

A decisão, assinada pelo juiz eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, aceitou parcialmente a representação promovida pela Frente Popular – Governo de Verdade, que apoia o candidato Adão Villaverde (PT) na eleição majoritária. No pedido, a coligação alegava que havia ocorrido “censura prévia” ao material da aliança por parte da RBS, pedindo exibição do material omitido ainda na sexta-feira (24), dia destinado às inserções da campanha majoritária. A RBS também tinha apresentado esclarecimentos, rechaçando a alegação de censura e dizendo que a não inclusão do material havia ocorrido por erro técnico.

O juiz reconheceu a necessidade de exibir os trechos ausentes, mas recusou a data solicitada pela representação da Frente Popular, já que tinham sido as duas coligações proporcionais (PT-PTC-PPL e PR-PV-PRTB) as prejudicadas, e não a aliança que promove o candidato Villaverde. Assim, determinou a inserção do material omitido no programa de rádio de sábado (25) em Porto Alegre, destinado igualmente aos candidatos da proporcional.

A ação da Frente Popular solicitava também direito de resposta com relação a declarações de apresentadores ligados à RBS, que teriam feito alegações falsas sobre a não veiculação do material. O mérito não foi apreciado pelo juiz em sua decisão.

22 agosto, 2012

Monsanto condenada por propaganda enganosa

O valor é irrisório diante do estrago, cabe recurso, mas vale pelo precedente aberto.

Do Em Pratos Limpos

Do Terra
dica do @stockler_

A Monsanto do Brasil terá de pagar R$ 500 mil de indenização por danos morais por causa de uma propaganda, veiculada em 2004, em que relacionava o uso de semente de soja transgênica e de um herbicida (agrotóxico) como benéficos ao meio ambiente, segundo informou nesta terça-feira a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Cabe recurso da decisão.

Segundo o tribunal, a empresa de biotecnologia também foi condenada a divulgar contrapropaganda "esclarecendo as consequências negativas que a utilização de qualquer agrotóxico causa à saúde dos homens e dos animais". A contrapropaganda deve ser veiculada com a mesma frequência e, preferencialmente, nos mesmos veículos, locais, espaços e horários da propaganda que originou a ação e dentro de 30 dias após a publicação da decisão do TRF4. Em caso de descumprimento, a multa diária prevista é de R$ 10 mil.


O TRF4 afirma ainda que o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou a ação contra a Monsanto, alegando que o comercial era "enganoso" e que o objetivo da publicidade era "preparar o mercado para a aquisição de sementes geneticamente modificadas e do herbicida usado nestas, isso no momento em que se discutia no País a aprovação da Lei de Biossegurança, promulgada em 2005", diz a nota da Justiça. Para o MPF, não há certeza científica se a soja vendida pela Monsanto realmente requer menos herbicida.

Segundo o tribunal, na campanha havia uma conversa entre pai e filho, na qual o primeiro explicava o que significa a palavra "orgulho". "Orgulho é o que eu sinto quando olho essa lavoura. Quando eu vejo a importância dessa soja transgênica para a agricultura e a economia do Brasil. O orgulho é saber que a gente está protegendo o meio ambiente, usando o plantio direto com menos herbicida", diz o TRF4 em referência à publicidade.

No processo, a empresa argumentou que a campanha tinha fins institucionais e não comerciais e que o comercial dirigia-se aos agricultores de Passo Fundo (RS) com objetivo de homenagear o pioneirismo no plantio de soja transgênica, que utilizaria menos herbicida e preservaria mais o meio ambiente, de acordo com a empresa.

Para o desembargador federal Jorge Antônio Maurique, "a propaganda deveria, no mínimo, advertir que os benefícios nela apregoados não são unânimes no meio científico e advertir expressamente sobre os malefícios da utilização de agrotóxicos de qualquer espécie". Segundo o tribunal, quando veiculada a propaganda, a soja transgênica também não estava legalizada no Brasil.

Procurada pela reportagem, a Monsanto ainda não se pronunciou.

Agricultura orgânica rende mais que a convencional

Do Inovação tecnológica 
dica da @maluhmare

Milho orgânico quechua, Peru


Plantações orgânicas produzem o mesmo rendimento em grãos em lavouras de milho e soja em relação às plantações convencionais, mas utilizam 30 por cento menos energia, menos água e nenhum pesticida. Esta é a conclusão de um estudo que durou nada menos do que 22 anos, conduzido pelo professor David Pimentel, da Universidade de Cornell, Estados Unidos.

"Lavouras orgânicas oferecem vantagens reais em plantações de milho e soja," afirma o pesquisador em um artigo publicado no exemplar de Julho da revista Bioscience. O estudo compara a plantação orgânica com a plantação convencional de lavouras de soja e milho em termos de seus custos e benefícios ambientais, energéticos e econômicos.

"O cultivo orgânico desses grãos não apenas utiliza uma média de 30 por cento menos energia fóssil, mas também conserva mais água no solo, induz menos erosão, mantém a qualidade do solo e conserva mais recursos biológicos do que a agricultura convencional," afirma Pimentel.

O experimento de 22 anos, intitulado "Rodale Institute Farming Systems Trial", comparou uma fazenda convencional, que utiliza aplicações de fertilizantes e pesticidas recomendados por especialistas, com uma fazenda que utiliza esterco animal como adubo e outra, que cultiva legumes orgânicos e utiliza uma rotação de três anos de ervilha/milho e centeio/soja e trigo. Os dois sistemas orgânicos não receberam nenhum tipo de pesticida ou fertilizante químico.

A pesquisa comparou a atividade de fungos no solo, rendimento em grãos, eficiência energética, custos, alterações da matéria orgânica ao longo do tempo, acumulação de nitrogênio e lixiviação de nitratos dos dois sistemas de cultivo.

"Primeiro e mais importante, nós descobrimos que o rendimento do milho e da soja foram os mesmos nos três sistemas," afirmou Pimentel, acentuando que, embora o rendimento do milho orgânico tenha sido de apenas um terço do convencional durante os quatro primeiros anos do estudo, ao longo do tempo os sistemas orgânicos produziram mais, especialmente sob condições de seca.

A razão para esse maior rendimento da agricultura orgânica é que a erosão do vento e da água degradou o solo na fazenda convencional, enquanto que o solo das fazendas orgânicas melhorou continuamente em termos de matéria orgânica, umidade, atividade microbiana e outros indicadores de qualidade do solo.

O fato de que os sistemas de agricultura orgânica absorvem e retêm quantidades significativas de carbono no solo também tem implicações para o aquecimento global, afirma o professor, destacando que o carbono no solo das fazendas orgânicas aumentou de 15 para 28 por cento, o equivalente à captura de 1.500 quilos de dióxido de carbono do ar por hectare plantado.


20 agosto, 2012

Em nome da Copa


Corte de água e luz tenta forçar saída de vizinhos do Itaquerão

Comunidade está situada em trecho que abrigará o Parque Linear Rio Verde, obra complementar para a Copa 2014
Ideosfera - Área prevista de intervenção para criar o Parque Linear Rio Verde 

Do Brasil de Fato
Jorge Américo,
de São Paulo, da Radioagência NP


As famílias que vivem na Comunidade da Paz, a 500 metros de distância do futuro estádio do Corinthians (Itaquerão), no bairro paulistano de Itaquera, sofrem pressão para deixar o local. Os moradores relatam que não receberam nenhum comunicado oficial sobre possíveis remoções. No entanto, a água e a luz foram cortadas há mais de três meses.

A comunidade está situada em um trecho que abrigará o Parque Linear Rio Verde. Essa é um das obras complementares que deverão preparar a região para receber jogos da Copa 2014. Somente esses projetos demandam gastos de R$ 480 milhões.

Os moradores mais antigos vivem na comunidade há mais de 20 anos. É o caso de Cícero Jailson Ponciano da Silva. Em entrevista à Radioagência NP, ele afirma que as autoridades públicas promovem ações indiretas para expulsar as famílias sem precisar pagar indenizações. Entre os ataques sofridos está o corte no fornecimento de água e luz.

Comunidade da Paz - Foto: Jorge Américo 

A consequência mais trágica foi um incêndio, possivelmente provocado por uma vela, no último dia 16 de julho. O acidente resultou na morte de um morador e destruiu seis casas.
Radioagência NP: Jailson, como está o diálogo com o poder público? Vocês já foram informados que serão removidos?

Cícero Jailson Ponciano da Silva: A gente soube por meio de jornal e da televisão. De concreto, o poder público ainda não falou nada pra gente. Como não tem expectativa para aonde a gente vai, fica aquela apreensão, sempre pensando no que vai acontecer porque não tem proposta nenhuma. Como esse subprefeito [Paulo Cesar Máximo] teve a capacidade de mandar cortar a energia da gente, vai saber se ele vai chegar aqui com as máquinas para derrubar tudo em cima da gente.

O que vocês esperam que seja feito?

Esperamos ser tratados como cidadãos que pagam impostos. Apesar de viver na favela, ninguém está aqui porque quer ou porque gosta, mas por falta de oportunidades. Então, espero que eles olhem pra gente por essas condições e deem moradia - que troquem moradia por moradia - e dêem condições melhores para que a gente possa viver melhor em outro lugar sem precisar construir outra favela.

Agora comente a situação da água e da luz.

A luz foi o subprefeito de Itaquera que mandou cortar. Chegou a Eletropaulo escoltada pela Polícia e cortou. Ficamos sabendo pelo [José] Cavaletti, superintendente da Eletropaulo, que foi ele que mandou cortar. Já a água, quando começaram a fazer a construção do Parque Linear, cortaram também. Jogaram concreto em cima [da nascente] sem dar explicação para ninguém. Agora só com racionamento, alguém precisa desligar [fechar a torneira] para chegar água na casa do vizinho. Para muita gente, só chega água 1h da manhã. Essa água vem da nascente do córrego e já chega aqui na comunidade super fraca.

Como ocorreu o incêndio?

Deixaram o morador sem luz e ele usou vela, que encostou na madeira. Ele acabou adormecendo, esqueceu a vela acesa e queimou o barraco.

Então essa tragédia tem tudo a ver com o corte de energia?

Tem tudo a ver. E é uma coisa fácil de resolver. O Cavaletti veio aqui, tirou foto e disse que existia o risco eminente de incêndio, que qualquer hora teria um incêndio aqui.

Em geral, como os moradores veem a possibilidade de ter um jogo da Copa aqui do lado?

Nós enxergamos como positivo, mas os nossos governantes não enxergam assim. Eles mostram o campo, mas não mostram as pessoas que eles estão expulsando dessa área. Mostram só a beleza, o futuro, as coisas boas que serão trazidas para eles. Já o outro lado da moeda eles escondem. Por que não mostram o sofrimento que a gente passa também? Vêm os repórteres de fora do Brasil e lá eles só mostram beleza, a grandiosidade das obras que vão fazer. Nós somos vizinhos do estádio e eles estão escondendo isso.



E Serra diz que é "campanha de terrorismo"
Do Folhapoder

O candidato do PSDB a prefeito de São Paulo, José Serra, acusou adversários de promoverem uma "campanha de terrorismo" contra ele.

Segundo o tucano, adversários "estão espalhando" que, com as obras para a Copa do Mundo de 2014 na região de Itaquera, "vão despejar as pessoas, despejar de moradias".

"Não é verdade, ninguém vai ser despejado [...]. Podem desmentir, que isso vai fazer parte da campanha de terrorismo", afirmou em ato do PSDB na zona leste da capital, na noite desta segunda-feira (20).

O tucano não citou quem seriam os adversários citados por ele.

No início de agosto, reportagem da Folha mostrou que a Favela da Paz, que tem cerca de 300 famílias, deve ser uma das desapropriadas para ações voltadas para a Copa.

Ao menos 1.660 casas de favelas antigas e perto do estádio estariam nesta lista.

À época, a prefeitura afirmou que estavam previstas intervenções de urbanização e que só realizaria realocação de famílias em áreas em que fará obras.

Mas, segundo a administração municipal, não havia intervenção programada, pois os projetos para a região estariam em fase de estudos.

"Vocês não conhecem ninguém que foi despejado aqui em São Paulo. Quando tem problema, às vezes risco de vida, a prefeitura dá bolsa aluguel, dá nova moradia, o Estado socorre", afirmou Serra.

Wikileaks

do Against the domain, stand up / Alzate contra el dominio
dica da Camille Helena Claudel




18 agosto, 2012

Eleições em Porto Alegre. Onde está o encanto?


Porto Alegre ao pôr do sol 

Quase todos os (20) leitores do blog sabem que estive alguns longos anos fora de Porto Alegre. Quando voltei para morar, que é diferente das visitas semestrais que fazia, encontrei outra cidade. Algumas regiões como a que era a zona rural, agora está com plantação extensiva de condomínios e avenidas, que me lembram tristemente a ocupação no mesmo estilo ( para todas as conotações da palavra) da Barra da Tijuca, no Rio, nos 80 e 90. 

Os casarões da Carlos Gomes e outras avenidas agradáveis ao passeio – que era uma das melhores coisas a se fazer em Porto Alegre, o bater pernas por aí - quase todos se foram e deram lugar a uns edifícios pós-modernosos que me parecem essa arquitetura de shoppings, túmulos do bom gosto. Os bairros mais centrais - fora o fim dos cinemas de rua, que agora alojam estacionamentos até que algum ‘empreendedor’ resolva fazer alguma outra homenagem ao mau gosto, ou que a administração da cidade resolva fazer a cidade funcionar como cidade outra vez – com exceção de algum que outro edifício novo, e das odiosas grades que escondem os jardins, segue mais ou menos igual.

Fora essa percepção ainda meio turística, a outra é triste. A cidade está largada. O Gasômetro que é ponto turístico e já foi referência cultural depois da reforma do governo Olívio, está literalmente às aranhas. Os arredores, o parque à beira do Guaíba, tomado por barracas patrocinadas por algum energizante de marca, e lixo, lixo e mais lixo. Mesma coisa a Redenção. O Auditório Araújo Viana, no centro do Parque, está escondido por tapumes e sem o som da maravilhosa concha acústica ecoando, numa obra que dura cerca de 7 anos. Nas ruas por onde passo, com raríssimas exceções, há buracos que certamente já sopraram pelo menos duas velas. 


Foto: Luiz Muller  

Pois bem, num dos debates que ouvi para a prefeitura de Porto Alegre, que passou na TV Bandeirantes, ri muito. Não sei se a aproximação de outubro e se os questionáveis índices das pesquisas vão ter alguma influência sobre os candidatos e suas propostas, mas se não tiverem, e se a tendência das pesquisas não for revertida, preparem-se.

No tal debate, estavam todos os candidatos, incluindo os midiaticamente noticiados como os preferidos para ir a um segundo turno: o atual prefeito, José Fortunati, e a ex-vereadora e deputada, Manuela. Além, claro do Villaverde, do PT, partido que tradicionalmente tem 30% dos votos de saída na cidade, que este ano saiu com 20 % (sempre os índices dessas pesquisas que apontaram o Villa com 3% (?), ainda em julho). 

Posse em 2010
Fortunati, que era o vice do Fogaça (derrotado em primeiro turno em 2010 para o governo do Estado), e portanto comanda a cidade há 8 anos, em primeira pessoa gerundiava que a administração está fazendo, está melhorando e anunciava inaugurações para antes das eleições (pode?). Quando apertado, jogava a culpa ora no governo estadual, ora no federal, ora na própria população, e dizia ter assumido há pouco. Quando podia, invocava os dois governos e a população como aliados na sua luta – que parece ser inglória, visto o estado da cidade - pela melhoria ... 


A outra candidata, Manuela, cujo partido também é aliado do governo federal e do estadual, mas com quase nada de expressão - salvo alguns quadros históricos respeitáveis pela luta coletiva - na cidade quanto no Estado, se expressa também em primeira pessoa, mas em vez de gerúndio usa o futuro: eu farei, eu tomarei providências. O personalismo discursivo e anúncio de ações tão mirabolantes me fizeram duvidar que conheça alguma planilha básica, dessas que a gente controla o orçamento doméstico. E esse tipo de discurso a gente sabe no que dá: no primeiro mês de governo já vai ter descumprido pelo menos 40% das promessas, porque de boa vontade o ostracismo político está cheio. 

Se eles são tão fracos, como podem estar à frente nas pesquisas, pode se perguntar algum leitor novo.



Pois bem, não sei exatamente a composição partidária, mas o prefeito atual conseguiu, sabe-se lá a que custo, uma salada de apoios de uns 12 partidos, que reúne PP e PMDB junto com PDT. Os tempos mudaram muito, pois todos sabem que há alguns anos essa composição seria impensável. PP e PMDB eram como gremistas e colorados fanáticos, sempre cada qual no seu lado do estádio. E PDT era o partido do Brizola.  

Mas claro, com a privatização e concessão de espaços públicos à iniciativa privada, além dos partidos – que só por estarem ladeando-se nessa disputa se vê que a bandeira histórica conta pouco – tem o apoio da mídia local no círculo vicioso que é dinheiro = anúncios = notícia.



Foto JC de 15/08
Já a deputada comunista conta com alguns outros partidos de menos tradição, mas arrebanhou o apoio do PSD (do prefeito Kassab de São Paulo) e da senadora Ana Amélia, do PP que apóia Fortunati. A senadora se licenciou do mandato - para o qual foi eleita devido à popularidade alcançada como jornalista e correspondente da RBS de Brasília, para onde foi acompanhando o marido que era senador biônico da Arena. Essa senhora carrega na necessaire política apoio ao golpe branco no Paraguai e a defesa da emenda 164 do código florestal. Só por essas duas posições pode-se ver o quão comunista é, e o quão social poderá ser o governo de sua protegida. A senadora também, claro, tem seu espaço midiático assegurado.

Com enorme tristeza não vou votar, porque quando mudei e pude comprovar residência, o prazo para mudança de domicílio eleitoral já havia terminado. Mas sinceramente, não pretendo viver quatro anos numa cidade governada por nenhum desses dois midiáticos candidatos e sua maionese, passada, de apoios.

E se temos a oportunidade de ver novamente na prefeitura o PT, 
 partido com o lastro político e administrativo, que colocou Porto Alegre no mapa do mundo como exemplo de democracia participativa, por que aventurar-se em alguma dessas saladas viajantes? 


Conselho político da candidatura de Adão Villaverde 

As cidades mudam ou não têm futuro



por @WillianFagiolo

Neste século XXI, uma cidade contemporânea só se muda através de uma nova geração de projetos urbanos, concebidos sob os princípios do Desenho Urbano, comprometidos com Planejamento, Estratégia e Projetos Especiais, surgindo um urbanismo de terceira geração: estratégico, sistêmico, holístico e sustentável:

 Estratégico: por nortear o desenvolvimento;

 Sistêmico: por operar em diversos níveis administrativos;

 Holístico: por considerar a análise de todos os aspectos do desenvolvimento;

 Sustentável: por promover a racionalização do uso dos recursos naturais.

Há muito tempo o processo de elaboração de Planos Diretores das nossas cidades não caminha bem (na verdade, nunca caminhou...). Os interesses aí envolvidos são enormes. Os resultados são amontoados de propostas disformes, anódinas, precárias e sem muita consistência orgânica. Nos anos de ditadura a população ficou impedida de participar, mas agora, em pleno regime democrático, com participação social exuberante, há a tendência em apenas chancelar o que associações de moradores, movimentos populares, grupos organizados, empresários etc. desejam, e isso não pode ser considerado um projeto urbanístico. Como é natural, cada grupo de moradores procurará "transformar" a região em que vive num "oásis", o que não necessariamente coincide com os interesses da cidade, não na legislação atual. Um exemplo: áreas onde já existe uma boa infraestrutura (eletricidade, rede de água e esgotos, ruas, serviços de transporte, escolas etc.) devem normalmente ser adensadas nas grandes cidades, isto é, receber mais moradores de modo a aperfeiçoar a utilização dos investimentos públicos. Mas é claro que quem já mora na região vai preferir o bairro com menos habitantes e, portanto, menos prédios, mais área verde, menos trânsito e assim por diante. É desse tipo de conflito, considerando-se também interesses de incorporadoras, imobiliárias, comerciantes etc., que as Leis de Zoneamento têm de tratar. Não é tarefa fácil em lugar nenhum do mundo.


Que caminho percorrer? Temos que produzir uma "reforma urbana" pra valer.

O que seria uma reforma urbana que nos tornasse mais urbano?

Comecemos pelo bairro. Como definir o bairro? Como pensar o bairro?




O bairro, definido no Dicionário Aurélio “como cada uma das partes em que se costuma dividir uma cidade ou vila, para mais precisa orientação das pessoas e mais fácil controle administrativo dos serviços públicos”. Entretanto, nossa legislação não o define política e administrativamente, o que faz muita diferença, tanto em seu entendimento histórico, quanto em sua definição, quanto na organização da cidade. O bairro é a unidade de base da vida urbana, a essência da realidade urbana, um setor natural da vida social. É com base no bairro que se desenvolve a vida pública, que se organiza a representação popular. O bairro sempre tem um nome que lhe confere uma personalidade dentro da cidade. O morador refere-se ao seu bairro, quando quer situar-se na cidade e, por vezes, tem a impressão de ultrapassar um limite quando vai a outro bairro. É base da vida urbana que só pode ser pensada tendo-se em vista a cidade como totalidade. O bairro não existe como uma unidade isolada e autônoma. Para muitos autores a base principal da vida urbana é o centro. É a noção de centralidade que torna possível a cidade e seus bairros (por isso, a centralidade é o coração da cidade). O bairro também pode ser entendido como uma mediação importante entre o espaço privado (da casa, da família) e o público, entre a vida familiar e as relações societárias mais amplas e para o compartilhamento de referenciais espaciais comuns, como o espaço do encontro, construído no nível da vida cotidiana.

O modo de vida urbano, engendrado nas cidades pré-industriais, fazia com que o espaço fosse apropriado pelos seus cidadãos. O valor de uso do espaço predominava sobre o valor de troca. A partir da industrialização, a cidade converte-se em produto do capital e a seu serviço. O valor de troca passa a predominar sobre o uso, implodindo e explodindo a cidade. Por isso que um Novo Urbanismo está em oposição a esse modo de vida absolutamente distinto do modo de vida tanto das cidades pré-industriais, quanto do modo de vida rural. Hoje temos uma sociedade urbana com resíduos de épocas anteriores. A cidade explode, ou seja, a sociedade urbana se generaliza, entra em todos os lugares e tende a se tornar universal. Ao mesmo tempo, ela implode, é destruída, restando dela apenas fragmentos dispersos.

O bairro (a aldeia, a vila, a localidade) é um fenômeno pré-moderno e por isso serve de referência a um novo urbanismo.

Projetos em pequenas, ou grandes escalas, para situações urbanas simples ou complexas, devem envolver necessariamente interseções de dispositivos de transporte, trânsito, intervenção e requalificação urbana, reconfigurações, estruturas de serviços, lazer, moradia adequada, atividades industriais, parques, meio ambiente e proteção intransigente de mananciais. É o Primevo em Versão Pós-Modernidade que explicita Um Novo Modelo Contemporâneo de Crescimento Urbano.


 Hoje essencialmente trabalhamos com as ideias de "cidade genérica" (mancha urbana sem história, fatiada, superficial, amorfa, incoerente e congestionada, refratária a todo esforço de planificação) e forte atração e identificação ao "bigness" (qualidade dada pelas dimensões das grandes cidades) como uma característica das metrópoles, das megalópoles. Conheço algumas cidades pequenas cujos moradores saem às ruas com seus veículos, nos finais de semana, para simularem um “grande congestionamento” nas ruas principais “como nas cidades grandes”. Na sua maioria, as cidades, e seus administradores, produzem uma urbanização sem urbanidade, sem nenhum suporte teórico. Não é só problema dos administradores, mas também a incapacidade atual dos arquitetos em expor qualquer convicção sobre a organização da vida nas cidades. As cidades são entendidas como paisagem, uma justaposição ao acaso de partes desconexas. A Arquitetura e o Urbanismo brasileiros estão impotentes diante do que não tem limites, do “imensamente grande”. Essa é a forma mais acabada e contemporânea de entender a Arquitetura e o Urbanismo. O certo é que não se pode mais querer controlar cidades por um único gesto Arquitetural ou Urbanístico. Convulsivos, os espaços ocupados, que se espalham infinitamente, incontroláveis, não estão mais comprometidos com a criação de ordem e coerência.

O Urbanismo acabou e reiniciou-se nos anos 60, segundo Jane Jacobs (intelectual, escritora, analista social, ativista, economista autodidata, livre-pensadora e uma corajosa crítica, de inflexível autoridade). Jacobs era uma norte-americana que optou por se tornar canadense, uma líder das lutas pela preservação das comunidades urbanas e pela eliminação das vias expressas, primeiro em Nova Iorque e depois em Toronto. Seu primeiro livro, The Death and Life of Great American Cities, publicado em 1961, tornou-se um catecismo para as lideranças comunitárias e para o que ela chamou de cidadãos comuns. Seu livro demorou a chegar ao Brasil.

Se um Novo Urbanismo é possível, não se tratará mais da disposição de objetos mais ou menos permanentes, mas da irrigação de territórios. Este Novo Urbanismo não buscará mais configurações estáveis, mas a criação de campos que acomodem processos que resistam a ser cristalizados em formas definitivas. Não a imposição de limites, mas a supressão de fronteiras. Não a identificação de elementos, mas a descoberta de híbridos. Não mais obcecado com a cidade, mas com a manipulação da infraestrutura para infinitas intensificações e diversificações, curtos-circuitos e redistribuições, a reinvenção do espaço urbano. A globalização em curso, “a todo vapor”, além do mais, gera novas relações entre o local e o global. Com efeito, o local pode ser passivo perante o ator transnacional, perdendo a sua especificidade ou, pelo contrário, pode promover-se a especificidade do "local" ao nível global, tornando-o, por exemplo, atrativo destino turístico ou de confortável habitabilidade. Em qualquer caso, perde-se a densidade da relação local-nacional, a favor da relação local-global.

E, sem dúvida, neste século XXI, a mobilidade é a força motriz da cidade contemporânea!


O mundo contemporâneo lançou um olhar muito mais amplo sobre a mobilidade, dissociando-a de ser apenas movimento ou deslocamento, ou seja, processo que leva pessoas, bens, mercadorias e serviços de um lugar a outro.

Esse fenômeno da mobilidade passou a envolver vários fatores e processos distintos que se encontram simultaneamente na estrutura do sistema produtivo e no dia-a-dia vivido pelas pessoas, englobando todo o sistema de transportes e a gestão pública desses espaços, passando pela forma e reconfiguração urbana, as interações espaciais até as dinâmicas demográficas específicas (estrutura familiar, migração, ciclo vital). Assim como a questão digital e o acesso às infovias, base de todo desenvolvimento científico e tecnológico. Congregando uma série de elementos imprescindíveis para garantir acesso a serviços e bens, a mobilidade pode ser vista como um dos mais importantes fenômenos da sociedade contemporânea. Daí decidi eleger os 3 pilares da cidade contemporânea: mobilidade urbana, mobilidade social e mobilidade digital. Isso vai fazer a diferença!

Os três caminhos basilares:

 A mobilidade social.

 A mobilidade urbana

 A mobilidade digital


A mobilidade social  (o desenvolvimento social, o desenvolvimento econômico e a segurança social), mobilidade urbana (desenvolvimento urbano, meio ambiente, a reconfiguração da cidade, o transporte, o transito, a reurbanização e o saneamento), mobilidade digital (a democratização da cidade pelas infovias e fibras óticas).

As cidades ou estão interessadas em mudar ou não têm futuro.


----------
Leia também:

Mobilidade Digital: novo modelo para gestão das cidades

17 agosto, 2012

Equador, Assange e as liberdades seletivas


Entre tantos bons textos e análises sobre Assange, wikileaks, liberdade de imprensa (e todas as outras), Equador, relações internacionais etc, este do Paulo Moreira Leite parece abarcar vários dos aspectos da questão. 

Bolha 


Liberdades seletivas 
Paulo Moreira Leite

Pois é, meus amigos. Coube ao governo de Rafael Correa, apontado como inimigo da liberdade de imprensa, acusado de ser um candidato a ditador latino-americano, boliviariano de carteirinha, a primeira e até agora única iniciativa para defender os direitos de Julian Assange, o patrono do Wikileaks, responsável pelas mais importantes revelações sobre a diplomacia norte-americana desde a a liberação dos papéis do Pentágono, durante a Guerra do Vietnã.

Você sabe a história. Com auxílio de fontes militares, Assange divulgou pelos principais jornais do planeta um pacote de documentos internos do Departamento de Estado. Mostrou políticos locais bajulando embaixadores. Desmascarou demagogos e revelou pilantras sempre a postos a prestar favores a Washington, contrariando os interesses de seus países.

Graças a Assange, fomos informados de que a embaixada dos EUA em Tegucigalpa sempre soube que a queda de Manoel Zelaya, em 2009, foi um golpe de Estado – e não uma ação em defesa da democracia, como Washington passou a acreditar quando se constatou que seus aliados de sempre haviam se livrado de um adversário bolivariano para governar o país com os métodos reacionários de sempre.

Não é qualquer coisa, quando se sabe que, três anos mais tarde, outro elo fraco da democracia no continente – o Paraguai – seria derrubado num golpe instantâneo, desta vez com apoio de Washington desde o primeiro minuto.

As informações divulgadas por Assange não têm aquela função de entretenimento cotidiano, que alimenta a indústria de comunicação com sua carga regular de fofocas, escândalos, e vez por outra, grandes reportagens – relevantes ou não.

Ele também não é uma Yaoni Sanchez, a dissidente cubana que faz oposição ao regime de Fidel Castro. Yaoni deveria ter todo o direito de trabalhar em paz, ninguém discute.

Num período de Murdoch na Inglaterra e jornalismo cachoeira no Brasil, Assange atua em outra esfera e assumiu relevância mundial.

Veicula informações de interesse público, confiáveis e fidedignas, que nos ajudam a entender como o mundo funciona nos bastidores da vida real e não nos coquetéis promovidos por empresas de relações públicas. Seu trabalho contribui, efetivamente, para elevar a consciência de nossa época. E é por isso que incomoda tanto. Pressionadas, até corporações financeiras gigantescas, como Visa e Master Cards, deixaram de receber as contribuições que sustentavam o Wikileaks.

Num mundo em que tantos pilantras e delinquentes se enrolam na bandeira da liberdade de expressão para aplicar golpes e divulgar mentiras, Assange recoloca em termos atuais o debate sobre sigilo da fonte. Defender o sigilo da fonte, muitas vezes, é apenas uma obrigação em nome de um direito maior, que envolve uma proteção universal.

A defesa da liberdade de imprensa, muitas vezes, é feita apesar da imprensa. APESAR de seus erros, apesar de seus desvios, não se pode aceitar a censura e por isso defendemos o direito da imprensa errar. É essa situação que leva muitas pessoas a defender – com indignação risível – profissionais e veículos que cometem grandes barbaridades e veiculam delinquências em letras de forma só porque tem certeza da própria impunidade.

Julian Assange provocou escândalos porque não precisava ser tolerado nem defendido. Jamais publicou uma informação errada. Jamais pode ser acusado de falsificar um único dado. E, em nova ironia da história, o soldado que é apontado como sua fonte permanece preso, incomunicável, há quase 3 anos, num quartel dos Estados Unidos.

Com tais antecedentes, você não teria receio de ser raptado e levado sem julgamento para uma prisão nos EUA?

Estamos assim. Libera-se a fonte dos picaretas e malandros. Prende-se a fonte do Wikileaks. Murdoch e seus empregados que espionavam famílias e cidadãos inocentes, corrompendo policiais para conseguir segredinhos e ganhar dinheiro, tem direito a constituir advogado, comparecem a julgamento, se defendem. Já o Wikileaks é tratado na força bruta.

Há outra ironia, porém. Abrigado na representação do Equador em Londres, Assange precisa de um salvo conduto para deixar o país. O governo Cameron se recusa a fornecer o documento. Conforme notícia dos jornais, até ameaça invadir a embaixada, o que seria, vamos combinar, um escândalo dentro de outro. Assim, o governo que protegeu e alimentou tantos empregados de Rupert Murdoch e sua fábrica de mentiras, resolve jogar duro contra uma organização que até agora só publicou verdades indesmentíveis.

Tempos estranhos, não?

16 agosto, 2012

Castells quer tecer alternativas

por Manuel Castels
Tradução: Daniela Frabasile



Às vésperas de lançar novo livro, o sociólogo aposta que uma articulação entre internet e praças reocupadas pode reinventar democracia e sociedades.

Manuel Castells parece mais disposto do que nunca a derivar, de suas teorias, saídas políticas. Nas próximas semanas, lançará a primeira edição, em castelhano, de “Redes de Indignação e Esperança”, seu novo livro. O autor de obras como a trilogia “A Era da Informação”, que ajudaram a decifrar tendências de longo prazo da sociedade e da democracia contemporâneas, está convencido de que é preciso intervir rápido, andes que elas se percam.

Observador atento e colaborador ativo dos “indignados” espanhóis, este sociólogo de projeção internacional costuma frisar que a mudança de mentalidades, desejada pelo movimento, requer tempo. Mas será possível esperar?

Castells também tem observado que a velha democracia fechou-se sobre si mesma, devido a dois fatores principais. Uma pequena oligarquia, ligada às finanças, enriquece graças ao Estado. São os aplicadores em títulos públicos, cujos rendimentos biliónários já não estão diretamente ligados à produção: dependem de governantes dispostos a manter juros elevados; a livrar os bancos de controle; a reprimir despesas estatais voltadas a outras classes sociais – como a manutenção dos serviços públicos, aposentadorias e programas redistributivos.

E esta oligarquia, que tem fartos recursos para patrocinar campanhas eleitorais, abastecer a mídia tradicional e produzir intensa ação de “lobby”, associa-se, na maior parte dos países, a uma classe de “políticos profissionais” que tende ao autismo. Preocupados em conservar seu poder, rechaçam as múltiplas chances de democracia que as novas tecnologias viabilizam. Recorrem com frequência à violência policial. Ameaçam permanentemente a própria liberdade na internet.

É na rede, como se sabe, que Castells vê, há muito, a esperança. Aqui, os cidadãos estão multiplicando as formas de produzir colaborativamente, trocar sem tornar-se dependentes de dinheiro, estabelecer redes de informação recíproca. Esta imensa rede de novas relações democráticas e participativas só não se estendeu às instituições porque tal transposição não interessa nem à oligarquia financeira, nem aos políticos profissionais.

Castells não se arrisca a prever o desfecho deste confronto latente. Sabe que há riscos: se o sistema se mantiver hermético, os movimentos “radicalizarão inevitavelmente” – e isso talvez incluia violência, o que pode fazer o jogo das classes dominantes.

Contra este e outros riscos, Castells aposta no próprio movimento – e numa nova virada possível. Graças à indignação, diz ele, as sociedades começaram a superar o medo que as mantinha inertes. Agora, para que não gere apenas raiva, esta indignação precisa converter-se em esperanças e em alternativas. É este desafio que o professor catalão – expulso da Espanha pelo franquismo e da França por ser considerado articulador dos movimentos de 1968 – parece estar disposto a encarar. A seguir, a edição da entrevista que ele concedeu, em 17 de julho, à rede de TV internacional da Rússia RT. (A.M.*)


Entrevista a Francisco Guaita, da RT-TV 

Você costuma dizer que o poder não está na Casa Branca, nem nos mercados financeiros, mas em nosso próprio cérebro. Por que este é um segredo das elites?

Manuel Castells: Bem, é porque se eles nos contarem isso, perdem o poder. O poder real não é o poder da polícia ou do exército: estes só são utilizados em último caso, quando as coisas estão muito mal para o interesse dos poderosos. O mais importante, se você quiser ter poder sobre mim, é conseguir que eu pense de uma forma que favoreça o que você quer, ou que se resigne. Aí está o poder! Portanto, o essencial é o poder que está na mente, e a mente se organiza em função de redes de comunicação, redes neurológicas no nosso cérebro, que estão em contato com as redes de comunicação em nosso entorno. Quem controla a comunicação controla o cérebro e dessa forma controla o poder.

Movimentos como o Occupy tentam se apoderar das praças e das ruas para dizer que isso não funciona, querem que o poder venha das pessoas. Esse é uma demanda que, para muitos, não terá nenhum resultado na política ou na economia. O que você acha sobre isso?

Manuel Castells: Depende do que você entende como resultado. Se você quer dizer que disso sai um partido político, que ganhe as eleições nos próximos dois anos, não é possível ter certeza. Todos esses movimentos colhem frutos a longo prazo. O slogan mais difundido dos indignados e das indignadas, é “vamos devagar, porque vamos longe”. Vamos longe para onde? Se se produz uma mudança na mente dos cidadãos, depois de algum tempo ela se converterá em mudança social.

Os dados mostram que, na Espanha, aproximadamente 70% dos cidadãos concordam com as críticas dos indignados. A maioria dos cidadãos também pensa que não poderá mudar as coisas a curto prazo. As duas coisas são compatíveis? as pessoas pensam que o movimento tem razão, mas não tem os instrumentos.

Se é uma grande maioria, por que não houve transformações?

Manuel Castells: Não, por que não têm em quem votar. O próprio movimento não quis criar um partido, para não reproduzir a velha política. Existe um abismo tão grande, entre o que seus integrantes pensam e o sistema político real, que não há uma expressão política capaz de representa-los. Por exemplo, se o Partido Socialista tivesse sido capaz de pensar que um movimento assim poderia revitalizá-lo, haveria um caminho. Mas os socialistas envolveram-se totalmente com a especulação financeira. Eles geriram o Banco de España e foram totalmente incapazes de supervisionar o sistema financeiro, porque isso não lhes interessava. Há uma grande lista de motivos pelos quais os indignados desaprovam os socialistas e os socialistas nunca fizeram nada para mudar.

As elites políticas de todos os países optaram por este rumo. Pensam que não há problema, seguem com seus negócios, a única coisa que conta são os votos a cada quatro anos, com uma lei eleitoral que os grandes partidos fizeram para que só eles mesmos pudessem ganhar. Nos Estados Unidos, se não você não é democrata ou republicano, não tem nenhuma chance. Além disso, se você não tem muito dinheiro, não pode ganhar, simplesmente. Não se consegue voto, se não se compra a campanha com dinheiro. As críticas, em todo o mundo, sugerem que este tipo de democracia não é suficiente. Em consequência, sob essas regras do jogo, gastar toda a energia para fazer a política formal, é uma operação sem sentido. Reproduz os velhos esquemas dos grupos de esquerda trotskistas, marxista-leninistas, de todos os tipos, que sempre estiveram nas instituições, mas nunca chegaram a nada. Ou que tentaram a revolução armada – o que ninguém quer, porque é um movimento claramente não-violento. Então, têm que fazer outra coisa, e vão por esse longo caminho da transformação das consciências, para que em algum momento os cidadãos possam tomar outras decisões, e daí podem surgir novas forças políticas.

Com outra mudança no jogo? Não é preciso mudar as regras?

Manuel Castells: Um dos grupos do movimento espanhol – porque não é o movimento, mas uma galáxia — pediu que eu fizesse uma proposta de reforma da lei eleitoral. Eu fiz, com um amigo especialista nesse tema. É uma proposta de voto proporcional, de limitar o poder dos grandes partidos, fazer com que, no parlamento, as pessoas que não votam estejam presentes – inclusive visualmente, não como representantes, mas com vazios. Se 30% dos cidadãos não votam, esses 30% devem estar marcados, e as maiorias de devem se constituir sobre o conjunto de cidadãos, não apenas sobre os que votaram.

Há uma série de coisas que se poderia obter, mas há, nas instituições políticas e nos partidos, uma enorme resistência em ser realmente democráticos. Entre outras coisas, porque é um modo de vida, são profissionais da política. Em todos os países, a profissão que está abaixo, na lista de reputações, é a política. Na Itália, incluíram numa sondagem também prostitutas e mafiosos, e eles ficaram em uma posição melhor que os políticos. As pessoas alegavam: “pelo menos, estes dizem o que fazem”.

Existe uma crise de confiança em todo o mundo em relação à classe política. Se isso continuar, em algum momento irão se romper as relações na sociedade, e isso seria muito grave. Na Espanha, há uma situação relativamente calma e pacífica. É sorte que, com 22% de desemprego e 48% entre os jovens, não haja muitos problemas nas ruas. Este movimento canaliza os debates e protestos, oferece uma esperança, principalmente aos jovens, de que podem começar a se organizar e vamos ver o que acontece. Mas se a situação continuar assim, esse movimento necessariamente vai se radicalizar.

Por que as instituições se separaram tanto das pessoas? Por que o abismo foi se expandindo?

Manuel Castells: Primeiro, porque as elites financeiras detêm o poder econômico e montaram um sistema no qual, em vez de emprestar para produzir, o que fazem é vender dinheiro para criar dinheiro artificial e montar uma pirâmide em que tudo é fictício, em nível global. Aumentaram artificialmente os preços dos imóveis, das ações, e concederam empréstimos às pessoas, inclusive sem que estas quisessem. Tinham medo e não entendiam, porque o negócio era vender dinheiro, e empréstimos, em qualquer condição. De forma totalmente irresponsável, do ponto de vista da economia, mas muito interessante para eles, porque todos os grandes executivos que agora estão deixando os bancos saem com indenizações milionárias. Para eles, tudo funcionou muito bem.

Quando a justiça vai ganhar, nestas regras do jogo que você propõe reconstruir?

Manuel Castells: Quando os cidadãos tiverem capacidade de fazê-lo. Sim, as pessoas podem votar. Mas primeiro, podem fazê-lo apenas a cada quatro anos. Segundo, sob regras muito desiguais. Por isso, é muito complicado mudar através do voto.

A maior parte dos políticos é gente mais ou menos honesta: não é verdade que sejam todos corruptos. Mas qual o objetivo central de um político? Conservar o posto. Esse é o aspecto mais importante, porque, para a maioria, é profissão. Se não fizerem isso, terão que trabalhar como todo mundo. Se mantiverem poder, terão melhores cargos, até porque a maioria não tem nível profissional muito alto.

Então, a classe política se reproduz. Para entrar em um partido, você tem que começar aderindo a um dos grupos internos. É todo um mundo fechado em si mesmo, e esse mundo não tem ar. A novidade é que, com a internet, abriram-se janelas. Porque os políticos e banqueiros, juntos, controlam os meios de comunicação. Não controlam os jornalistas, que por sorte são a linha de resistência, mas orientam os proprietários dos meios de comunicação e, portanto, suas linhas editorias. Por consequência, temos o controle dos meios, das finanças (e, portanto, da economia), o controle do estado através de uma classe política que se reproduz.

Fora disso, só estava a internet. E foi justamente desde a internet que se construíram redes de debates, redes de organização, redes de ação. Mas para agir sobre a sociedade, as pessoas têm que sair, têm que ir às ruas. É quando a internet, como espaço livre de comunicação, combinou-se com a ocupação dos espaços públicos, transformados em ágoras, o jogo começou a mudar. Mas o movimento ainda não se traduziu em grandes mudanças na política, porque o sistema está fechado.

Quão distante está o cidadão da realidade retratada nos meios de comunicação?

Manuel Castells: Depende do aspecto. Na Espanha, os meios de comunicação repetiram milhares de vezes, durante dois anos, as afirmações do presidente Banco Central, disseram que os bancos nacionais eram os mais seguros do mundo. Nenhum meio contestou isso. Ou são tontos, não têm capacidade de análise, ou a cada vez que alguém sério tentava dizer algo, tinha um problema com a linha editorial.

O resultado é que os bancos espanhóis já devem 250 bilhões de euros ao Banco Central Europeu, e agora dizem que vão pegar mais dezenas de bilhões. A dívida, portanto, é impagável, os bancos espanhóis estão quebrados. Significaria dizer aos cidadãos que seu dinheiro está em perigo, e não se sabe o que fazer. Há o risco de que o euro no mínimo se desvalorize, ou até mesmo acabe. O governo não pode aconselhar os cidadãos a se desfazerem da moeda, mas deve tornar disponível a informação sobre o que está acontecendo, e os meios de comunicação também devem fazer isso.

A internet abriu a janela, os meios de comunicação tradicionais ainda têm muitos leitores da rede. Os cidadãos podem se comunicar, mas não são figuras de referência, comparáveis às que aparecem na mídia. Como podemos aprender nos auto-informar?

Manuel Castells: Você tem razão. Mas começam a surgir saídas. Primeiro, as pessoas montam seu próprio jornal ou meio de comunicação online. Não lemos El País ou El Mundo ou La Vangaurdia inteiramente. Lemos um artigo aqui e outro lá, comparamos com outras fontes da imprensa estrangeira, ouvimos o que nossos amigos nos dizem. Fazemos um mosaico de informações, não somos prisioneiros de um meio.

Mas você disse costuma dizer que o leitor, o cidadão, procura reforçar o que pensa, e não se informar por outras vias.

Manuel Castells: Você está certo. O que sabemos é que as pessoas buscam principalmente o reforço para suas opiniões, mas isso porque têm pouquíssima possibilidade de ser cidadãs, de ser ativas, reduzem-se a consumidoras passivas. Não estão acostumadas a abrir suas próprias janelas. Se sua opção é entre os meios de comunicação que já existem, a atitude provável é: ”vou ver ou ler aquilo de que gosto mais”.

Outra lógica se abre quando as pessoas entram em um espírito mais crítico, desconfiam dos meios. Aí começa outra atitude, que é a wiki-informação: eu informo meus amigos, meus amigos me informam, vamos discutindo, e assim se organiza um grande debate na internet, do qual saem coisas. Em função desse espírito crítico em rede, examina-se o que os diferentes meios estão dizendo. E esse espírito crítico reconstrói todos os mecanismos de informação, que passam a seguir um novo fluxo — de muitos para muitos – ao invés de todos receberem uma mensagem com muito poucos emissores.

Você diz que vivemos na sociedade da informação, mas estamos desinformados, com uma educação muito pobre e, além disso, temos medo — uma ferramenta fundamental em todo esse mecanismo. Como funciona o medo, para que as regras do jogo não mudem e para que as mesmas pessoas sigam comandando as estruturas de poder?

Manuel Castells: Em primeiro lugar, a educação é pobre mas, comparando historicamente, estamos melhor formados que antes. Se há uma variável que se repete, em todos os novos movimentos do mundo, é o fato de serem constituídos por gente bem formada. Isso não quer dizer que ganham mais dinheiro. O ativista típico é o profissional recém-graduado, ou de uns 30 anos, com um trabalho muito precário ou desempregado. Essas pessoas podem passar a ter uma atitude mais crítica, apostando em uma mudança de mentalidade.

Por exemplo, os direitos da mulher. Há quarenta anos, nenhum partido majoritário falava sobre eles como tema principal. Hoje, se não falam disso, têm um problema. Há trinta anos a ideia de desenvolvimento sustentável, de que é preciso defender um modelo ecológico, de que é preciso integrar a natureza à cultura e ao consumo, tudo isso era coisa de radicais, nenhum partido sério colocava isso no programa. Hoje, precisaram se pintar de verde, pelo menos um pouco, porque se não o fazem, são rechaçados.

Muitas ideias não são de um partido ou de um líder, são formas de conceber nossa vida em sociedade. Essas grandes mudanças na mentalidade demoram. Precisam de tempo, de debates, de ir além dos líderes.

Dentro desses direitos, agora entra o tema da internet livre. Está se tornando um ponto essencial, como foi o desenvolvimento sustentável, os direitos da mulher.

Manuel Castells: Você tem muita razão. Nesse momento, defender a liberdade na internet é a base para defender a liberdade, em todos os sentidos. Como os poderes estabelecidos cada vez mais desconfiam da internet, odeiam-na. Se pudessem acabar com ela, iriam fazê-lo.

Mas não é tão fácil. Existem tantas ameaças à liberdade na internet que os jovens estão criando uma série de partidos e de movimentos. Vão criar muitos problemas aos que tentarem restringir a liberdade. Pouco a pouco, o velho sistema está se consolidando em partidos de direita e de esquerda que se colocam contra o essencial, que resistem a novas formas de representação democrática. Daí, duas coisas que podem acontecer: ou eles realmente se abrem e aceitam redefinir o jogo democrático, ou não se abrem e essa é uma perspectiva muito pessimista. Não acredito nas revoluções violentas, mas acredito em situações de tensão, que vão se multiplicar, e em uma situação de catástrofe econômica e de não-representatividade política, com as pessoas conscientes e críticas e um sistema cada vez mais pressionado, que começa a se defender.

Você tem esperança?

Manuel Castells: Sempre — mas só porque os movimentos têm esperança. Meu novo libro, que será publicado em breve, chama-se Redes de indignação e esperança: são os dois sentimentos que existem no movimento. A indignação foi fundamental para superar o medo, porque o medo é a emoção que todas as sociedades impõe para não mudar nada. As pessoas têm medo de que, se fizerem algo que não está dentro das normas do sistema, no mínimo perdem o emprego. Como se supera o medo? As próprias experiências neuro-cientificas mostram que é com a indignação. Quando se sente muito indignado, você não se importa com o que pode acontecer. Isso já se deu.

Mas se não se transforma em um sentimento positivo, se a indignação é pura raiva, isso leva a um enfrentamento. Qual é o sentimento positivo? A esperança. A esperança de que algo irá mudar. Como se constrói a esperança? Quando as pessoas se juntam. Por isso, o lema na Espanha é: “juntos, podemos”. É a ideia de que eu não posso, e que você não pode, mas muitos juntos, sim, podemos. A vitalidade desse movimento não é apenas em função da internet, a vitalidade é necessária para poder seguir fazendo algo aparentemente impossível, que é reconstruir a democracia a partir dos cidadãos.

_________

*Introdução: Antonio Martins 

15 agosto, 2012

O papel das redes sociais na superação da pobreza



__________

da Agência FAPESP
por Karina Toledo
dica de Sergio Pecci 

O papel das redes sociais na superação da pobreza e da segregação é o tema do livro Opportunities and Deprivation in the Urban South, lançado recentemente no Reino Unido pela editora Ashgate.

A obra é baseada na tese de livre-docência de Eduardo Cesar Leão Marques, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP e também um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT). Para a realização do livro a coleta de dados foi ampliada e complementada por pesquisa qualitativa sobre o uso das redes no cotidiano dos indivíduos.

A pesquisa partiu do pressuposto – amplamente aceito na literatura científica nacional e internacional – de que segregação espacial tende a produzir segregação social. Segundo Marques, isso quer dizer que, embora duas pessoas possam ter a mesma renda, uma delas pode ter piores condições de vida e perspectivas de futuro se estiver isolada espacialmente, com menos acesso a serviços públicos, à informação e a contatos com outros grupos sociais diferentes do seu.

O objetivo do estudo foi investigar de que forma as redes de relacionamento de indivíduos em situação de pobreza poderiam influenciar essa equação. “Nossa hipótese era que haveria diferentes graus de isolamento de acordo com os tipos de redes sociais que as pessoas possuem”, disse Marques.

Para testar a teoria, pesquisadores do CEM analisaram as redes sociais de 210 pessoas em sete diferentes regiões pobres de São Paulo. “Selecionamos moradores de favelas segregadas, favelas situadas perto de bairros ricos e em distritos industriais, conjuntos habitacionais e cortiços. Também foram investigadas as redes de 30 pessoas de classe média, apenas para ter um padrão de comparação”, disse Marques.

As informações levantadas foram então relacionadas com uma série de indicadores sociais. Isso permitiu identificar, por exemplo, a influência que as redes de relacionamento tinham sobre a renda dos entrevistados e sobre a probabilidade de estarem empregados e conquistarem empregos com algum grau de proteção e estabilidade.

“Percebemos que as pessoas com grande parte de sua rede social em ambientes organizacionais – como empresas, associações comunitárias, igrejas e organizações políticas – tinham melhores condições de vida quando comparadas a indivíduos com redes muito locais, centradas na vizinhança, nos amigos e na família”, disse Marques.

Segundo os resultados do estudo, o contato com pessoas diferentes facilita a superação da pobreza porque promove a circulação da informação, de recursos econômicos e de repertórios culturais.

“O tamanho da rede social não fez tanta diferença. Ela pode ter um tamanho médio, mas não pode ser muito local e homogênea. Se uma pessoa pobre tem contato apenas com gente igualmente pobre e desempregada, as chances de conseguir sair daquela situação são pequenas”, disse Marques.

São Paulo e Salvador

Após a identificação das redes de pior e melhor qualidade, os pesquisadores do CEM selecionaram 40 entrevistados anteriormente para participar de uma pesquisa qualitativa sobre os usos das redes. “Queríamos entender como as pessoas mobilizavam esses contatos, como essas redes se configuram e mudam ao longo do tempo”, disse Marques.

Os resultados da investigação já haviam sido publicados em um livro, lançado no Brasil em 2010 pela editora da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Segundo Marques, no entanto, a obra recém-lançada no Reino Unido não se resume a uma simples versão da pesquisa para o inglês.

“O objetivo principal do livro em português era introduzir no debate nacional a ideia de que a pobreza é produzida também por padrões de inter-relação, não apenas por características individuais e pelos padrões de decisão dos indivíduos. Na Europa e nos Estados Unidos já existe vasta literatura sobre esse tema. O livro em inglês, portanto, dialoga com uma série de outras hipóteses presentes no debate internacional ligadas aos diferentes efeitos de redes sociais diversas, assim como à associação entre redes sociais e segregação”, explicou.

No dia 20 de agosto será lançado Redes sociais no Brasil: Sociabilidade, organizações civis e políticas públicas. Com organização de Marques, o livro compara os dados da pesquisa feita em São Paulo com resultados de outro braço do estudo realizado em Salvador, na Bahia, onde foram entrevistadas 153 pessoas.

“Salvador é uma cidade com estrutura social muito diferente de São Paulo. A pobreza é diferente, o mercado de trabalho é diferente e a sociabilidade é diferente. Mas as redes sociais são parecidas e o efeito delas sobre a pobreza também é semelhante”, disse Marques.

Web Analytics