30 março, 2012

Originalmente retirado do blog do Moreno







por Theófilo Silva
via Luis Nassif OnLine
'A Cachoeira do Carlinhos'

Corre um boato em Brasília que tem gente que “caiu na cachaça”, na cidade, que está tomando porres – de Scotch Blue Label, claro – fazendo festa, comemorando. O motivo seria a desgraça do Catão de Goiás, o implacável caçador de corruptos, senador Demóstenes Torres. Eles estariam eufóricos, porque o homem que os apontou, quando da operação Caixa de Pandora, aquela que afastou todo o governo do Distrito Federal, está provando do mesmo remédio que lhes ministrou, e é agora vítima da Operação Monte Carlo da polícia federal.

Os exultantes farristas seriam, entre muitos outros, o ex-governador de Brasília José Roberto Arruda e sua quadrilha. Desculpem, turma, aquela mesma que perdeu os cargos públicos e passou boas semanas no Presídio da Papuda – belo nome para um presídio. Dizem que tem corrupto chorando de emoção, abraçando a família, mandando rezar missas, pagando promessas, até soltando fogos, por se sentir vingado, vendo o colega de partido, que não teve condescendência com eles, ser acusado de crimes mais graves do que o deles. “Nada como um dia atrás do outro”, estão dizendo os ex-deputados expulsos do DEM pela pronta ação de Demóstenes na executiva do Partido. Vemos que nem toda desgraça produz somente dor. A euforia das vítimas do Savonarola do Senado é uma prova de que a vingança é mesmo um prato servido frio! Em sua cruzada ética pelo país, qualquer homem público acusado pela imprensa, polícia, promotoria, tinha em Demóstenes, o senador promotor, um rápido julgamento.

Vamos esquecer Demóstenes um pouco, e falar do seu querido amigo e professor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Shakespeare diz em uma de suas peças que: “O dinheiro é o melhor soldado, quando ele vai à frente todas as portas se abrem!”. Cachoeira seguia essa premissa, pois saiu derramando dinheiro pra tudo quanto é lado.

Será que o apelido Cachoeira é porque ele faz o dinheiro jorrar facilmente para as mãos de seus amigos: Demóstenes, Valdomiro, Leréia e outros? O Jornal Nacional mostrou um vídeo em que Cachoeira comenta que despejou três milhões de reais nos baldes do senador. E é só o começo, a polícia federal calcula que o montante chega a cinquenta milhões de reais!

Cachoeira conseguiu derramar seu dinheiro na Secretaria de Segurança Pública de Goiás, onde teria mais de 250 pessoas nomeadas, e outros servidores públicos trabalhando para ele, dentro da polícia federal, ministério público, poder judiciário, e por aí vai. Vários deles estão presos. Como água, que entra em todo canto, Cachoeira espalhou-se por dentro do Estado, minando as instituições públicas. Para acumular esse dinheiro, e comprar essas autoridades todas, Cachoeira explorava os jogos caça-níqueis por todo o estado de Goiás e entorno de Brasília. Para isso, contava com apoio do senador mais respeitado da República, o procurador de justiça Demóstenes Torres.

O fato é que, a Cachoeira do Carlinhos inundou o Estado, derramando dinheiro sobre todos aqueles que facilitavam seus crimes. Sem concorrentes, controlando um negócio ilícito, de lucro fácil, o contraventor podia comprar qualquer um. Um dos outros envolvidos por Cachoeira estaria o poderoso editor da revista Veja, Policarpo Júnior, que falou com Cachoeira mais de duzentas vezes por telefone. Se você compra a imprensa e as autoridades públicas, o que mais falta para ser o dono do Estado?

O grande problema do Cachoeira é que, numa Cachoeira quanto mais água ela jorra, mais incontrolável ela fica, então, do mesmo jeito que ela pode banhar os seres que vivem em torno dela, também pode afogá-los. De certa forma, foi isso que aconteceu com essa turma toda, a Cachoeira que os engordou, acabou por afogá-los! Tem tanta gente afogada nessa história, que ainda não deu tempo de ver os corpos! Eles vão começar a aparecer agora! Demóstenes é o primeiro deles.

Theófilo Silva é articulista colaborador da Rádio do Moreno.


29 março, 2012

A primeira pedra (por Luís Fernando Veríssimo)



por Luís Fernando Veríssimo
Do Estadão

E os fariseus trouxeram a Jesus uma mulher apanhada em adultério, e perguntaram a Jesus se ela não deveria ser apedrejada até a morte, como mandava a lei de Moisés. E disse Jesus: aquele entre vós que estiver sem pecado que atire a primeira pedra. E a vida da mulher foi poupada, pois nenhum dos seus acusadores era sem pecado. Assim está na Bíblia, evangelho de São João 8, 1 a 11.

Mas imagine que a Bíblia não tenha contado toda a história. Tudo o que realmente aconteceu naquela manhã, no Monte das Oliveiras. Na versão completa do episódio, um dos fariseus, depois de ouvir a frase de Jesus, pega uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a mulher, dizendo "Eu estou sem pecado!"

- Pera lá - diz Jesus, segurando o seu braço. - Você é um adúltero conhecido. Larga a pedra.

- Ah. Pensei que adultério só fosse pecado para as mulheres - diz o fariseu, largando a pedra.

Outro fariseu junta uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a mulher, gritando "Nunca cometi adultério, sou puro como um cordeiro recém-nascido!".

- Falando em cordeiro - diz Jesus, segurando o seu braço também - e aquele rebanho que você foi encarregado de trazer para o templo, mas no caminho desviou 10% para o seu próprio rebanho?

- Nunca ficou provado nada! - protesta o fariseu.

- Mas eu sei - diz Jesus. - Larga a pedra.

Um terceiro fariseu pega uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a adúltera, dizendo: "Não só não sou corrupto como sempre combati a corrupção. Fui eu que denunciei o escândalo da propina paga mensalmente a sacerdotes para apoiar os senhores do templo".

- Mas foste tu o primeiro a receber propina - diz Jesus, segurando seu braço.

- No meu caso foi para melhor combater a corrupção!

- Larga a pedra.

Um quarto fariseu junta uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a mulher, dizendo: "Não tenho pecados, nem da carne, nem de cupidez ou ganância!".

- Ah, é? - diz Jesus, segurando o seu braço. - E aquela viúva que exploravas, tirando-lhe todo o dinheiro?

- Mas isto foi há muito tempo, e a mulher já morreu.

- Larga a pedra, vai.

E quando os fariseus se afastam, um discípulo pergunta a Jesus:

- Mestre, que lição podemos tirar deste episódio?

- Evitem a hipocrisia e o moralismo relativo - diz Jesus.

E, pensando um pouco mais adiante:

- E, se possível, a política partidária.


28 março, 2012

Demóstenes e os silêncios da mídia

O senador Demóstenes Torres, do DEM-GO (foto: José Cruz/ Agência Brasil)

Por Marcelo Semer
Do Terra Magazine

Demóstenes Torres é promotor de justiça. Foi Procurador Geral da Justiça em Goiás e secretário de segurança do mesmo Estado.

No Senado, é reputado como um homem da lei, que a conhece como poucos. Além de um impiedoso líder da oposição, é vanguarda da moralidade e está constantemente no ataque às corrupções alheias. A mídia sempre lhe deu muito destaque por causa disso.

De repente, o encanto se desfez.

O senador da lei e da ordem foi flagrado em escuta telefônica, com mais de trezentas ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de quem teria recebido uma cozinha importada de presente.

A Polícia Federal ainda apura a participação do senador em negócios com o homem dos caça-níqueis e aponta que Cachoeira teria habilitado vários celulares Nextel fora do país para fugir dos grampos. Um deles parou nas mãos de Demóstenes.

Há quase um mês, essas revelações têm vindo à tona, sendo a última notícia, um pedido do senador para que o empresário pagasse seu táxi-aéreo.

Mesmo assim, com o potencial de escândalo que a ligação podia ensejar, vários órgãos de imprensa evitaram por semanas o assunto, abrandando o tom, sempre que podiam.

Por coincidência, são os mesmos que se acostumaram a dar notícias bombásticas sobre irregularidades no governo ou em partidos da base, como se uma corrupção pudesse ser mais relevante do que outra.

Encontrar o nome de Demóstenes Torres em certos jornais ou revistas foi tarefa árdua até para um experiente praticante de caça-palavras, mesmo quando o assunto já era faz tempo dominante nas redes sociais. Manchetes, nem pensar.

Avançar o sinal e condenar quando ainda existem apenas indícios é o cúmulo da imprudência. Provocar o vazamento parcial de conversas telefônicas submetidas a sigilo beira a ilicitude. Caça às bruxas por relações pessoais pode provocar profundas injustiças.

Tudo isso se explica, mas não justifica o porquê a mesma cautela e igual procedimento não são tomados com a maioria dos "investigados" - para muitos veículos da grande mídia, a regra tem sido atirar primeiro, perguntar depois.

Pior do que o sensacionalismo, no entanto, é o sensacionalismo seletivo, que explora apenas os vícios de quem lhe incomoda. Ele é tão corrupto quanto os corruptos que por meio dele se denunciam.

Todos nós assistimos a corrida da grande imprensa para derrubar ministros no primeiro ano do governo Dilma, manchete após manchete. Alguns com ótimas razões, outros com acusações mais pífias do que as produzidas contra o senador.

Não parece razoável que um órgão de imprensa possa escolher, por questões ideológicas, empresariais ou mesmo partidárias, que escândalo exibir ou qual ocultar em suas páginas. Isso seria apenas publicidade, jamais jornalismo.

Durante muito tempo, os jornais vêm se utilizando da excludente do "interesse público" para avançar sinais na invasão da privacidade ou no ataque a reputações alheias.

A jurisprudência dos tribunais, em regra, tem lhes dado razão: para o jogo democrático, a verdade descortinada ao eleitor é mais importante do que a suscetibilidade de quem se mete na política.

Mas onde fica o "interesse público", quando um órgão de imprensa mascara ou deliberadamente esconde de seus leitores uma denúncia de que tem conhecimento?

O direito do leitor, aquele mesmo que fundamenta as imunidades tributárias, o sigilo da fonte e até certos excessos de linguagem, estaria aí violentamente amputado.

Porque, no fundo, se trata mais de censura do que de liberdade de expressão.

* Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.

27 março, 2012

Lobistas, armas e dinheiro



por Paul Krugman 
Do Estadão


A lei do Estado da Flórida conhecida como Stand Your Ground (algo como "Defenda-se"), que permite a um cidadão atirar contra alguém que considere ameaçador sem enfrentar a prisão, soa como loucura - e é isso que ela é. Pode ser tentador desmerecer a lei como a obra de pessoas ignorantes. Mas leis parecidas foram aprovadas em todo o país, não por pessoas ignorantes e sim por grandes corporações.

Mais especificamente, um texto virtualmente idêntico à lei da Flórida está presente num modelo entregue aos legisladores de outros Estados pelo American Legislative Exchange Council (Alec), uma organização mantida por corporações que conseguiu atrair pouca atenção para si enquanto exerce ampla influência (foi apenas recentemente, graças ao trabalho cidadão do Centro para a Mídia e a Democracia, que um quadro mais claro das atividades do Alec pôde ser traçado). E, se é que pode haver algo positivo associado à morte de Trayvon Martin, isso seria a possibilidade de finalmente chamar a atenção para aquilo que o Alec está fazendo com a nossa sociedade - e nossa democracia.

O que é o Alec? Por mais que afirme ser uma organização apartidária, trata-se na verdade de uma organização conservadora, financiada pelos suspeitos de sempre: empresas como Koch, Exxon Mobil e assim por diante. Mas, diferentemente de outros grupos do tipo, o Alec não se contenta em apenas influenciar as leis: ele chega a literalmente escrevê-las, fornecendo propostas completas aos legisladores estaduais. Na Virgínia, por exemplo, mais de 50 propostas de lei escritas pelo Alec foram submetidas a voto, muitas vezes sem a alteração de nenhuma palavra. E muitas dessas propostas são convertidas em lei.

Muitas propostas de lei redigidas pelo Alec defendem metas conservadoras comuns: o combate aos sindicatos e às proteções ambientais, a busca por créditos fiscais para as empresas e os mais ricos. Mas o Alec parece estar particularmente interessado na privatização - quer dizer, na transferência da responsabilidade pela oferta de serviços públicos, de escolas a prisões, para empresas particulares de fins lucrativos. E algumas das empresas mais beneficiadas pela privatização, como a empresa de ensino à distância K12 Inc. e a administradora prisional Corrections Corporation of America, estão entre as principais envolvidas com a organização.

O que isso nos mostra é que a declaração do Alec segundo a qual seu objetivo é agir em defesa do livre mercado e das limitações ao governo é profundamente enganadora. Em boa medida, a organização não almeja um governo limitado, mas sim um governo privatizado, no qual as corporações obtêm seu lucro do dinheiro do contribuinte, um dinheiro que lhes é encaminhado por políticos amigos. Em resumo, o objetivo do Alec não é tanto a promoção do livre mercado quanto a expansão do capitalismo corrupto.

Caso alguém esteja se perguntando, não, o tipo de privatização promovido pelo Alec não é do interesse público. Em vez de histórias de sucesso, o que temos é uma série de escândalos. As escolas que têm seguido o modelo charter privado, por exemplo, parecem produzir lucros expressivos, mas muito pouco em termos de conquistas pedagógicas.

Mas como é que a defesa da (in)justiça do vigilantismo se encaixa neste quadro? Em parte, trata-se da velha história de sempre - a antiga exploração do medo público, especialmente aquele associado às tensões raciais, para a promoção de uma pauta favorável às corporações e aos mais ricos. Não é por acaso que a National Rifle Association e o Alec são aliados próximos há muito tempo.

E o Alec, ainda mais do que outras organizações conservadoras, está envolvido numa partida de longa duração. Seus modelos legislativos não tratam apenas de promover benefícios imediatos para os patrocinadores corporativos da organização. Buscam também criar uma atmosfera política que vai favorecer a aprovação de um número ainda maior de leis favoráveis às corporações no futuro.

Já mencionei que o Alec desempenhou um papel-chave na promoção de leis que tornam mais difícil a participação dos pobres e das minorias étnicas nas votações? Mas isso não é tudo. Temos de pensar também nos interesses do complexo penal-industrial - as administradoras das prisões, as empresas que se encarregam do pagamento de fianças e mais. Esse complexo está financeiramente envolvido em tudo aquilo que possa enviar mais pessoas aos tribunais e prisões, seja o medo exagerado das minorias raciais ou a draconiana lei de imigração do Arizona, que seguiu o modelo do Alec quase palavra por palavra.

Pense nisso: parece que os EUA estão se transformando num país onde o capitalismo corrupto não se limita a desperdiçar o dinheiro do contribuinte, distorcendo também a justiça criminal - fazendo com que o aumento no número de pessoas encarceradas seja um reflexo da necessidade de proteger não os cidadãos que respeitam a lei, e sim o lucro que as corporações podem colher de uma população carcerária maior.

O Alec não é o único responsável pela crescente submissão de nossa vida política aos interesses corporativos; sua influência é tanto um sintoma quanto uma causa. Mas chamar atenção para o Alec e aqueles que o sustentam - um rol de empresas que inclui nomes como AT&T, Coca-Cola e UPS, que conseguiram evitar serem associadas pelo público à pauta da direita - é uma boa maneira de destacar aquilo que está ocorrendo. E é esse o tipo de conhecimento de que necessitamos para podermos começar a retomar nosso país


Índios, vítimas da imprensa

Foto de A Crítica em Observatório da Infância



Por Dalmo de Abreu Dallari*

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Os índios brasileiros nunca aparecem na grande imprensa com imagem positiva. Quando se publica algo fazendo referência aos índios e às comunidades indígenas o que se tem, num misto de ignorância e má fé, são afirmações e insinuações sobre os inconvenientes e mesmo o risco de serem assegurados aos índios os direitos relacionados com a terra. Essa tem sido a tônica.

Muitas vezes se tem afirmado que a manutenção de grandes àreas em poder dos índios é inconveniente para a economia brasileira, pois eles não produzem para exportação. E com essa afirmação vem a proposta de redução da extensão da ocupação indígena, como aconteceu com a pretensão de reduzir substancialmente a área dos Yanomami, propondo-se que só fosse assegurada aos índios o direito sobre o pequeno espaço das aldeias. E como existem várias aldeias dentro do território Yanomami, o que se propunha era o estabelecimento de uma espécie de “ilhas Yanomami”, isolando cada aldeia e entregando a especuladores de terras, grileiros de luxo ou investidores do agronegócio a quase totalidade da reserva indígena.

Não é raro encontrar a opinião de alguém dizendo que “ é muita terra para pouco índio”, o que autoriza a réplica de que quando somente um casal ou um pequeno número de pessoas ocupa uma grande mansão ou uma residência nobre com jardins, piscina e até quadra de tênis, usando um grande espaço que vai muito além do necessário para a sobrevivência, um índio está autorizado a dizer que “é muita terra para pouco branco”.

Créditos de carbono

Outro argumento que aparece com grande frequência na imprensa é a afirmação de que as reservas indígenas próximas das fronteiras colocam em risco a soberania brasileira, pois os índios não fazem a vigilância necessária para impedir a invasão ou a passagem de estrangeiros.

Uma primeira resposta que se pode dar a essa acusação é que frequentemente, quando se registra uma ocorrência mais marcante relacionada com o tráfico de drogas, aparecem informações, às vezes minuciosas, sobre os caminhos da droga, seja por terra, pelos rios ou pelo ar. Várias vezes se mostrou que a rota dos traficantes passa perto de instalações militares basileiras de fronteira, vindo logo a ressalva de que o controle do tráfico é problema da polícia, não dos militares. E nunca se apontou uma reserva indígena como sendo o caminho da droga, jamais tendo sido divulgada qualquer informação no sentido de que a falta de vigilância pelos índios facilita o tráfico.

E quanto à ocupação de partes de uma reserva indígena por estrangeiros, qualquer pessoa que tenha algum conhecimento dos costumes indígenas sabe que os índios são vigilantes constantemente atentos e muito ciosos de seus territórios.

Noticiário recente é bem revelador do tratamento errado ou malicioso dado às questões relacionadas com terras indígenas. Em matéria de página inteira, ilustrada com foto de 1989 – o que já é sintomático, pois o jornal poderia facilmente obter foto de agora e não usar uma de 23 anos atrás – o jornal O Estado de S.Paulo coloca em caracteres de máxima evidência esta afirmação alarmante: “Por milhões de dólares, índios vendem direitos sobre terras na Amazônia”.

Como era mais do que previsível, isso desencadeou uma verdadeira enxurrada de cartas de leitores, indignados, ou teatralmente indignados, porque os índios estão entregando terras brasileiras da Amazônia a estrangeiros. Na realidade, como a leitura atenta e minuciosa da matéria evidencia, o que houve foi a compra de créditos de carbono por um grupo empresarial sediado na Irlanda e safadamente denominado “Celestial Green Ventures”, sendo, pura e simplesmente, um empreendimento econômico, nada tendo de celestial.

Mas a matéria aqui questionada não trata de venda de terras, como sugere o título.

Fora de dúvida

Por ignorância ou má fé a matéria jornalística usa o título berrante “índios vendem direitos sobre terras na Amazônia”, quando, com um mínimo de conhecimento e de boa fé, é fácil saber que, mesmo que quisessem, os índios não poderiam vender direitos sobre terras que ocupam na Amazônia ou em qualquer parte do Brasil.

Com efeito, diz expressa e claramente o artigo 231 da Constituição brasileira :

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Nesse mesmo artigo, no parágrafo 2°, dispõe-se que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. E o parágrafo 4° estabelece uma restrição muito enfática, cuja simples leitura deixa bem evidentes o erro e a impropriedade da afirmação de que os índios venderam seus direitos sobre sua terras na Amazônia.

Diz muito claramente o parágrafo 4°: “As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”. Acrescente-se a isso tudo, o que já seria suficiente para demonstrar a má fé do título escandaloso dado à matéria, que o artigo 20 da Constituição, que faz a enumeração dos bens da União, dispõe, também com absoluta clareza : “São bens da União : XI. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”.

Com base nessas disposições constitucionais, fica absolutamente fora de dúvida que os índios não têm a possibilidade jurídica de vender a quem quer que seja, brasileiro ou estrangeiro, seus direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, na Amazônia, em Goiás, na Bahia, em São Paulo, no Rio Grande do Sul ou em qualquer outra parte do Brasil.

Errada e absurda

Se, por malícia, alguém, seja uma pessoa física, uma empresa ou qualquer instituição, obtiver de um grupo indígena uma promessa de venda de algum desses direitos estará praticando uma ilegalidade sem possibilidade de prosperar, pois, como está claramente disposto na Constituição, esses direitos são inalienáveis. E ainda de acordo com a Constituição é obrigação da União, que é a proprietária das terras indígenas, proteger e fazer respeitar todos os bens existentes nessas terras.

Em conclusão, o título escandaloso da matéria jornalística aqui referida está evidentemente errado pois afirma estar ocorrendo algo que é juridicamente impossível sgundo disposições expressas da Constituição brasileira.

Comportando-se com boa fé e respeitando os preceitos da ética jornalística, a imprensa deveria denunciar qualquer ato de que tivesse conhecimento e que implicasse o eventual envolvimento dos índios, por ingenuidade e ignorância, na tentativa da prática de alguma ilegalidade. Mas, evidentemente, é absurda, errada e de má fé a afirmação de que os índios vendam direitos sobre terras na Amazônia.
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*Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP

26 março, 2012

Ana não gosta da internet, mas seus companheiros gostam



por Tatiana de Mello Dias
Do Link

Governo avisou que a ministra continua

Ana de Hollanda não se interessa pela internet, mas virou Trending Topic no Twitter. Ela foi o assunto mais falado do País ao soltar, durante uma audiência pública na Câmara dos Deputados, que “a pirataria feita através da internet” vai “matar a produção cultural brasileira se não tomarmos cuidado”.

Ana de Hollanda provavelmente não sabe que a maior causa de pirataria em países emergentes como o Brasil não é a internet, mas os preços altos praticados pela indústria cujo discurso ela replica.

Ela também provavelmente não sabe o que é crowdfunding, que viabiliza projetos culturais através de doações na internet, nem plataformas como o Soundcloud, em que artistas ganham público sem depender de gravadoras. E também não deve conhecer o sucesso do Spotify lá fora, além de outros negócios milionários e acessíveis, que não operam no Brasil porque aqui vinga um modelo baseado no que a indústria quer e não no que os usuários podem pagar.

Como dizem, Ana é analógica e anacrônica. Não parece preocupada em entender a internet. Muito menos em pensar políticas culturais que conversem com o ambiente digital. Prefere investir, por exemplo, em restaurações. É seu projeto de governo – e endossado por Dilma Rousseff. A porta-voz da presidência disse que ela fica no cargo.

A reforma da lei de direitos autorais, prioridade do MinC até 2010, hoje é segundo plano. O ministério freou o processo de aprovação da lei para incluir no texto tópicos desejados pela indústria cultural (como a instituição do mecanismo de notificação e retirada de conteúdo infrator sem ordem judicial). A lei agora está no executivo – e sabe-se lá quando o texto irá para o Congresso.

Nada como um tempo após um contratempo, Ana. A ministra não está interessada na reforma, mas outros setores estão. O deputado Nazareno Fonteles (PT-PI) percebeu que, dentro do Congresso, predominava uma visão mais progressista em relação aos direitos autorais. Depois do recuo de Ana, ele pegou o texto anterior do MinC, mais flexível, e apresentou uma nova versão na Câmara. Há chance dessa lei ser aprovada antes da versão oficial do MinC? Ele me disse que não. Mas está otimista: sua ideia é reunir os dois projetos para que os parlamentares consigam aprovar uma legislação que, enfim, adeque a lei brasileira de 1998 à internet. Ele diz que a onda anti-Ecad “fortalece o projeto”.

O dia em que Ana foi o assunto mais falado do Twitter foi um marco. Só que a hashtag #AnadeBelém (em referência ao perfil oficial do MinC que twittava uma viagem dela pela capital paraense) não derruba ninguém – muito menos aprova uma política cultural mais condizente com a internet. Ana não gosta da internet, mas seus companheiros gostam. O deputado aposta na mobilização online do “pessoal da cultura” para chegar a um texto progressista e flexível. Resta saber se a pressão da internet será tão forte quanto a da indústria. No MinC, quem manda é o modelo antigo.

Anonymous vaza receitas famosas 


Hackear, crackear e programar não combinam com um estômago vazio. Por isso o Anonymous resolveu hackear… receitas. Eles não gostam de comida industrializada e não têm dinheiro. Solução: vazaram receitas caseiras de comidas famosas como a cobertura de chocolate da Hershey’s, a cebola do Outback e os tacos do Jack-in-the-Box. Estão no site Anonsource.org .

The Pirate Bay quase inacessível na Holanda


A Justiça holandesa fechou o cerco ao The Pirate Bay. O site foi bloqueado pelos provedores de internet locais em janeiro. Como de costume, usuários continuaram acessando a página através de proxies. Mas a Justiça determinou o fim do maior deles (com multa diária de 100 euros em caso de descumprimento). Ameaçados, outros sites semelhantes também saíram do ar.


22 março, 2012

Cultura: Opção preferencial pelo mercado




















Polêmicas no MinC não são briga por cargos, como quer a Folha de S. Paulo
Blog do Dennis de Oliveira

São Paulo está sediando um evento importante para a discussão dos rumos da política cultural: o I Fórum Internacional de Gestão Cultural. O evento começou na quarta, dia 21 e vai até sexta, dia 23, na Livraria Cultura. O evento é promovido pelo Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação, núcleo da USP, em parceria com a livraria que sedia o fórum. Por um acaso, o fórum coincidiu com um aumento da discussão sobre a atual gestão do Ministério da Cultura, expresso principalmente com os manifestos defendendo mudanças no ministério (ver post no blog do Rovai).

O caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo publicou, nesta quinta, uma entrevista com o ex-ministro Juca Ferreira, em que o mesmo faz críticas à atual gestão do MinC. A matéria foi pautada no sentido de explorar um racha entre a atual e a anterior gestão do ministério, apesar de, em diversas vezes, Juca Ferreira insistir que não queria fazer uma avaliação da atual gestão. Também houve insistência do jornal em transformar o ex-ministro em candidato à sucessão de Ana de Hollanda. O que salta aos olhos desta matéria do “jornal a serviço do país” é transformar uma discussão de fundo que aborda concepções de políticas de Estado para a cultura em uma briga por cargos ou um racha na aliança governista por cargos. No portal UOL, onde está a íntegra da entrevista, percebe-se que todas as perguntas e respostas que tratam das questões mais de fundo (inclusive o tema do fórum, uma gestão para além do mercado) foram cortadas em prol de enfatizar uma técnica preconcebida do jornal de se tratar de mais uma briga por cargos.

A abertura do Fórum contou com as conferências de Juca Ferreira e Alfredo Manevy, ex-secretário executivo da pasta. As discussões apresentadas por Juca e Manevy foram na direção dos contrapontos conceituais do q ue é cultura, gestão cultural e papel do Estado na formulação de políticas públicas de cultura. Enfim, os motivos pelos quais ambos criticam a atual gestão do MinC.
Assim, a discussão existente atualmente referente ao atual ministério da Cultura se dá não por um desejo de ocupação de cargos mas sim por uma questão de conteúdo e concepção que tangencia, necessariamente, uma reflexão sobre qual é o papel do Estado neste campo. Manevy, em sua fala na abertura como as do Fórum, defendeu que a “cultura e o tema ambiental são os novos espaços de repolitização da sociedade”. Isto porque a emergência da visibilidade da diversidade cultural e os problemas ambientais mais graves forçam uma discussão política global sobre como o Estado deve atuar nestes campos, uma vez que está claro que o mercado, por si, não só não tem capacidade de resolver mas tende a agravar os problemas que se verificam, como as intolerâncias, o racismo e a destruição do ambiente.

Evidente que os jornalistas da FSP não se preocuparam em ficar para ver pelo menos uma parte das falas de Juca e Manevy. Tinham mais o que fazer, produzir mais um simulacro de matéria que desinforma o leitor

Territórios livres (por L.F. Veríssimo)
























por Luis Fernando Veríssimo 


Imagine que você é o Galileu e está sendo processado pela Santa Inquisição por defender a ideia herética de que é a Terra que gira em torno do Sol, e não o contrário. Ao mesmo tempo, você está tendo problemas de família, filhos ilegítimos que infernizam a sua vida e dívidas que acabam levando você a outro tribunal, ao qual você comparece até com uma certa alegria. No tribunal civil, será você contra credores ou filhos ingratos, não você contra a Igreja e seus dogmas pétreos.

Você receberá uma multa ou uma reprimenda, ou talvez, com um bom advogado, até consiga derrotar seus acusadores, o que é impensável quando quem acusa é a Igreja.

Se tiver que ser preso, será por pouco tempo, e a ameaça de ir para a fogueira nem será cogitada. No tribunal laico, pelo menos por um tempo, você estará livre do poder da Igreja. É com esta sensação de alívio, de estar num espaço neutro onde sua defesa será ouvida, e talvez até prevaleça, que você entra no tribunal. E então você vê um enorme crucifixo na parede atrás do juiz. Não adianta, suspiraria você, desanimado, se fosse Galileu.

O poder dela está por toda parte. Por onde você andar, estará no território da Igreja. Por onde seu pensamento andar, estará sob escrutínio da Igreja. Não há espaços neutros. Um crucifixo na parede não é um objeto de decoração, é uma declaração. Na parede de espaços públicos de um país em que a separação de igreja e estado está explícita na Constituição, é uma desobediência, mitigada pelo hábito. Na parede dos espaços jurídicos deste País, onde a neutralidade, mesmo que não exista, deve ao menos ser presumida, é um contrassenso – como seria qualquer outro símbolo religioso pendurado. É inimaginável que um Galileu moderno se sinta acuado pela simples visão do símbolo cristão na parede atrás do juiz, mesmo porque a Igreja demorou, mas aceitou a teoria heliocêntrica de Copérnico e ninguém mais é queimado por heresia. Mas a questão não é esta, a questão é o nosso hipotético e escaldado Galileu poder encontrar, de preferência no Poder Judiciário, um território livre de qualquer religião, ou lembrança de religião.

Fala-se que a discussão sobre crucifixos em lugares públicos ameaça a liberdade de religião. É o contrário, o que no fundo se discute é como ser religioso sem impor sua religião aos outros, ou como preservar a liberdade de quem não acredita na prepotência religiosa. Com o crescimento político das igrejas neopentecostais, esta preocupação com a capacidade de discordar de valores atrasados impostos pelos religiosos a toda a sociedade, como nas questões do aborto e dos preservativos, tornou-se primordial. A retirada dos crucifixos das paredes também é uma declaração, no caso, de liberdade.


21 março, 2012

Anacrônica de Hollanda

Visão cultural anacrônica caracteriza audiência pública de Ana de Hollanda na Câmara 































Do Cinema & Outras Artes
via @M_Caleiro

A audiência pública de Ana de Hollanda na Comissão de Educação e Cultura (CEC) da Câmara dos Deputados, realizada ao final da manhã de hoje, dissipa qualquer eventual dúvida quando ao anacronismo de sua visão das relações entre cultura e internet.

Foi um espetáculo constrangedor: ante arguidores em sua maioria anestesiados, desinteressados, a ministra da Cultura demonstrou não possuir os conhecimentos mínimos requeridos de um gestor cultural em sua posição, ostentando uma postura que choca pelo primarismo – expressado numa visão reducionista da cultura tão-somente enquanto produto cultural comercializável -, pelo conservadorismo – em contraste com o discurso da candidata Dilma – e, sobretudo, pelo atraso intelectual - ficou claro que as concepções de Ana quanto às relações entre produção cultural, mercado e internet apresentam uma defasagem de décadas e não se coadunam com os fluxos culturais que caracterizam o mundo contemporâneo.

A ministra afirmou temer pelo futuro da cultura brasileira devido à pirataria e à internet. Ou seja, para ela, a rede mundial de computadores, cujas imensas possibilidades de produção e circulação cultural são exaltadas por pesquisadores do porte de um Jesus Martín-Barbero, representa uma ameaça, e não um devir.

Foi constrangedor ouvir uma figura ligada a uma tradição familiar caracterizada pelo culto à inteligência e pela participação política progressista proferir uma visão a um tempo tão retrógrada, desinformada e, ao mesmo tempo, tão contrária ao bem coletivo e favorável ao lucro privado. A ministra deu mostras de confundir troca arquivos pela web com furto e, assim, chamou veladamente tais internautas de ladrões.

Continua no Cinema & Outras Artes


19 março, 2012

PCB: Nove décadas de todos nós

O levante, mural de Diego Rivera 


Do QTMD? 
Por Gilson Caroni Filho(*) 

Há 90 anos, precisamente a partir de 25 de março de 1922, os comunistas passaram a existir de fato na sociedade brasileira. Independentemente de divergências no campo progressista, não se pode negar ao PCB sua importância histórica como um dos referenciais elementares na articulação da cultura e política do Brasil contemporâneo. E neste lapso histórico, até a legalização em 1985, contam-se nos dedos os anos em que os comunistas se beneficiaram de garantias cívicas – que, genericamente, se realizam no direito à existência legal como partido político.

É claro que a discriminação cívica dos comunistas não foi um fenômeno peculiar. Ela se inseriu como um dos aspectos particulares daquele que, durante muito tempo, foi um padrão constante da formação social brasileira: a exclusão das massas trabalhadoras do processo político. A negação da vida pública aos partidos de esquerda fez parte da negação maior realizada sistematicamente pelas classes dominantes brasileiras: a tentativa de impedir e ou neutralizar a intervenção do povo na nossa história.

Entretanto, este aspecto particular da tradicional natureza antidemocrática , antipopular e excludente da ordem política brasileira revestiu-se de um sentido absolutamente decisivo no processo de declínio histórico do regime implantado com o golpe de 1964. E pelo que contém de pedagógico não podemos deixar de passar em branco esse ponto.

A nossa experiência política revela a que serviu a interdição da legalidade aos comunistas. Todos sabem que o anticomunismo e a repressão a seus quadros foram o pretexto e o vestíbulo ao cerceamento de todas as correntes do pensamento progressista, uma espada de Dâmocles, que se manteve suspensa sobre todas as cabeças que exercitaram o dever de dissentir, de discutir e de projetar um futuro diferente a partir do presente transformado. No momento em que o capital financeiro, apoiado pelas grandes corporações midiáticas, dissolve conquistas históricas da classe trabalhadora européia, a lembrança viva desse passado recente é um imperativo democrático para brasileiros e demais povos sul-americanos.

Sempre é bom recordar que a luta pela livre organização e a legalização das mais diversas correntes de opinião concentrou muitas das determinações da questão democrática brasileira. Nestas condições, a luta dos comunistas foi pertinente a todas as forças democráticas. O impedimento de existência legal do PCB significou para elas uma restrição, uma ameaça, um instrumento de chantagem.

O partido que contou com quadros da estatura de João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, Diógenes Arruda Câmara e Luís Carlos Prestes condensou a consciência possível de uma parcela expressiva das populações trabalhadoras da cidade e do campo e as melhores tradições de nossa intelectualidade. Apesar dos erros cometidos e dos percalços de seu itinerário, instaurou-se como uma constelação política nacional, como uma vontade política genuinamente nacional.

Combateu por uma legislação social justa, pela defesa da industrialização, pelo monopólio estatal do petróleo, pela educação pública fundamental e superior, pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, pela proteção à infância, contra discriminação racial, religiosa e cultural, contra todas as formas de censura e obscurantismo, pela democratização da vida social e por melhores condições sociais para todos os trabalhadores. Estiveram presentes na campanha das “Diretas Já”, contribuindo para o avanço da luta democrática. O aporte que ofereceram à cultura e às ciências históricas e sociais com a difusão pioneira do marxismo é de uma relevância íntima.

Vinculados à solidariedade internacional, lutaram contra o fascismo espanhol e denunciaram sempre o colonialismo. Deram seu sangue nos campos de batalha da Itália e nas câmaras das ditaduras que macularam a dignidade nacional. Se entendemos o socialismo como desejo e tarefa de homens e mulheres, como obra coletiva dos trabalhadores, devemos reverenciar a trajetória de homens como Mário Alves, Gregório Bezerra, Henrique Cordeiro e Apolônio Carvalho entre tantos outros. Eventuais divergências táticas não justificam o esquecimento de atores que lutaram pela democracia como valor estratégico.

Ao presenciarmos a ação de sistemas despolitizantes que pretendem reduzir questões sociais e políticas públicas a problemas técnicos, que devem ser elucidados mediante a interação entre cúpulas de organismos multilaterais, agências de risco e corporações midiáticas, precisamos resgatar o legado dos que lutaram por uma vida à luz do dia, regida pelas normas de convivência pluralista e democrática. Viva a paz ! Viva a democracia! Viva o socialismo!

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*Gilson Caroni Filho colabora com o “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Traço de Mestre“.


18 março, 2012

O governo tem obrigação de prestar contas!


















Por Emir Sader 

O governo leva adiante uma política econômica e social correta, no essencial. Principalmente quando se consolida a tendência a diminuir a taxa de juros, corrigindo seu aumento no começo do governo, e avançando para a taxa média mundial, o que levaria a baixar os incentivos a trazer para aqui o pior capital do mundo, o especulativo, que não gera nem bens, nem empregos, e produz desequilíbrios que colocam em risco o desenvolvimento e as políticas sociais.

Onde o governo deixa a desejar é no plano político. O país não ouve a palavra da presidenta, do governo, explicando, prestando contas, socializando preocupações, buscando mobilização da cidadania e dos movimentos populares, que o apoiam.

O governo tem, antes de tudo, obrigação de prestar contas periodicamente à população que o elegeu, a partir das suas propostas para o Brasil. Para isto, o governo não pode confiar na mídia privada, que funciona muito mais como censura e como filtro, que faz chegar o que quer e da forma que quer, selecionando, recortando, retalhando, deformando mesmo as falas do governo. A população não pode ficar à mercê do monopólio privado da mídia que, como bem disse a Presidenta, diante das importantes políticas do governo, prefere definir outra pauta, de partido opositor, como foi assumido explicitamente por ela durante a campanha eleitoral.

Se fôssemos tomar o primeiro ano do governo Dilma pelo que a mídia faz chegar aos leitores, ouvintes e telespectadores, teria sido um ano marcado pelos escândalos, periodizado pelos casos de cada ministro alvo de denúncias até sua substituição. É preciso dizer que o governo foi pautado pela mídia na sua ânsia denuncista, sem que suas versões tenham chegado à população, salvo através do filtro desse mesma mídia opositora.

Os eixos centrais do governo não chegaram à população sob forma de discurso, de exposição, de propostas, mais além da implementação concreta das políticas. Mas a política não se faz apenas com fatos, ela precisa, de argumentos, de convencimento, de persuasão, mais ainda se queremos que avance – e avance muito – a consciência social dessa imensa massa de gente que está, pela primeira vez, tendo acesso a direitos elementares, que por tanto tempo lhe foram negados.

O governo precisa assumir suas responsabilidades nesse processo de conscientização da massa da cidadania, explicando suas políticas, dizendo as razões pelas quais a situação do povo tem melhorado substancialmente, quais os obstáculos para que siga avançando de forma ainda mais rápida, qual a estratégia do governo, etc. , etc. Não se trata simplesmente de que essa fala faz falta, é que esse espaço é ocupado pelo discurso opositor, que se opõe frontalmente aos argumentos que orientam as politicas do governo. Para eles, quanto menos Estado melhor, todo o caudal de denúncias não é feito para melhorar a ação do governo e do Estado, mas para enfraquecê-los em favor dos mecanismos de mercado, em que se assentam as posições opositoras.

Pregam menos gastos sociais, prioridade do ajuste fiscal, política externa de alinhamento subordinado aos EUA. Como desfrutam do monopólio dos espaços de formação de opinião pública – a que resistimos na imprensa alternativa, mas em um combate de forças muito desiguais, especialmente se consideramos o peso da televisão -, difundem um discurso na contramão do que faz e pensa o governo.

E quem representa, nesse espaço fundamental de disputa das corações e mentes, a maioria da população, que elegeu e reelegeu a Lula e elegeu a Dilma, confirmando que são a maioria no Brasil? O governo teria que assumir suas responsabilidades, garantindo que sua fala chegue a todos os brasileiros. Tem que encontrar os meios, nos espaços públicos atualmente existentes, ou criando formas que derivem da democratização dos meios de comunicação. Mas não pode se ausentar desses espaços, sob o risco de seguir sendo pautado pela oposição e, pior, de que a consciência das pessoas não acompanhe a ação do governo, não por discordância, mas por desconhecimento dos argumentos.

A política e o poder são a combinação da força e da persuasão, conforme as análises insuperáveis de Gramsci. O governo tem o poder das ações e da escolha de cargos, mas tem que fazer acompanhar essa ação da persuasão, do convencimento, do consenso. Se algo eu me atreveria a dizer à Presidenta neste momento, seria simplesmente: Fala, Dilma! Fala, muito, fala sempre, encontrando os meios de que suas falas cheguem às pessoas, se queremos consolidar a nova maioria social e política com uma consciência majoritária baseada em valores solidários e nao nos mecanismos da competição selvagem de todos contra todos que propõem o mercado e difunde a oposição midiática.

O exercício da política democrática é essencialmente o exercício do convencimento, da argumentação, do compartilhamento dos problemas e da convocação da mobilização popular para o protagonismo conjunto do governo e do povo na construção de um Brasil justo e solidário.

15 março, 2012

Os desafios de Pepe Vargas



Por Saulo Bartini

Quem circulou nos últimos meses em Brasília tem uma certeza: a maior bancada do Congresso Nacional nos dias de hoje é a dos parlamentares que querem impingir uma séria derrota à Presidenta. Num quadro como este a nomeação de Pepe Vargas para o MDA não deixa de ser um alento. Resta saber se o novo Ministro vai contar com a paciência e a parceria de Dilma e se – em pouco tempo – conseguirá constituir um time à altura dos desafios colocados para o MDA.

O clima político em Brasília está pesado. Muitos parlamentares se sentem desprestigiados. Outros tantos se sentem traídos e há ainda aqueles que foram derrotados em questões pontuais por ordens expressas da Presidenta. Além disso já é do conhecimento de toda a máquina burocrática de que o “espancamento de projetos” levado a cabo por Dilma inclui também espancar publicamente assessores, ministros e outros subordinados. Com isto instalou-se um clima de medo e paralisia. Ninguém fala, decide ou sugere nada que possa desagradar a Presidenta. E, com isto, muitas decisões fáceis, passam por um critério decisório centralizado e excessivamente demorado. No campo político propriamente dito o quadro também não é bom: Dilma não tem paciência para as costuras, para os acordos menores, para a liberação de emendas paroquiais. E, aos poucos, o que são virtudes poderão se transformar em graves entraves para a nossa Presidenta.

É neste contexto que Pepe Vargas assume o MDA. E, com certeza, assume numa situação privilegiada. Com condições jamais havidas para implementar políticas públicas mas também para incidir politicamente no governo como um todo. Quem conhece Pepe sabe: é habilidoso, trabalhador, e conhece muito do meio político. Resta saber com que velocidade deixará de ser um político conhecido e respeitado no Rio Grande do Sul para se tornar um protagonista da política em âmbito nacional. Mas não há dúvidas: o sentido da escolha de Dilma e do sim de Pepe passa por esta legítima pretensão maior: compor o cenário político nacional e ser – talvez, por que não? – uma alternativa a sucessão do Governador Tarso após um provável segundo mandato deste.

Porém antes que este futuro promissor se abra Pepe vai ter que encarar alguns desafios: como lidar com o tema da Reforma Agrária? Como ampliar e fortalecer a Agricultura Familiar? Como incidir decisivamente no Programa Brasil Sem Miséria? Porque – verdade seja dita – seria injusto cobrar metas de assentamento do ex-ministro Afonso Florence a quem não foram dados os recursos nem os instrumentos para viabilizar assentamentos. E aqui aparece um grande desafio de Pepe: recompor por inteiro o Incra. Em termos de recursos humanos e orçamentários. Pois o ex-ministro pagou um preço enorme por ter aceitado passivamente o controle quase absoluto do Ministro Gilberto Carvalho sobre aquele órgão. Outro desafio de Pepe e que também foi motivo de desgaste de Afonso Florence foi a pouca capacidade de iniciativa em políticas públicas quanto ao Programa Brasil sem Miséria. Mas como viabilizar inserção social produtiva, assistência técnica e crédito onde não há água para beber, quanto mais para plantar como é o caso do semi-árido nordestino? Por fim o tema que mais conquistas trouxe ao MDA: a Agricultura Familiar. Quais são os desafios a serem vencidos para ampliar e massificar um setor médio produtivo, feliz, integrado e moderno que possa sustentar a crescente necessidade de alimentos bons e baratos em nosso país?

A pauta de políticas públicas é grande e desafiadora. A afirmação política do governo Dilma exige também a superação de enormes obstáculos. É nesta hora que Pepe passa a integrar o governo. Que ele possa usar todo o seu talento para consolidar uma gestão que seja motivo de orgulho para todos nós.

Cara e Coração





Do Terra Magazine 
por Sírio Possenti

via Bob Fernandes


De vez em quando, cito fatos que mostram que nossa língua é diferente da descrita pelos manuais de redação e mesmo pelas gramáticas tradicionais. Manual de Redação é questão de política interna. Uma editora ou um jornal podem evidentemente decidir pela adoção de um para regular a escrita dessa "empresa". Nenhum problema quanto a isso. É mais ou menos como a decisão do exército ou de um time de futebol de usar uniforme: tem alguma relação com a moda e o vestuário, mas trata-se de opções basicamente internas (torcedores e fãs podem usar as mesmas cores nas ruas). Importantíssimo, o efeito das decisões é passageiro: fora do quartel, os soldados estarão de roupa civil e, depois do jogo, os atletas abandonam o uniforme.

Depois do expediente na redação, os jornalistas também voltam ao português das ruas. Para ter certeza disso, bastaria ouvi-los nos bares e nas casas. E nas entrevistas que conduzem, claro. Mas não só. Vejam-se os casos abaixo.

L. F. Pondé, colunista da Ilustrada, escreveu em 27/02/2012: "Só levo a sério um argumento como este (quem me lê deve ser objeto de minha atenção) se nele estiver em jogo as leis do mercado, e olhe lá". Pelos manuais, ele deveria ter escrito "estiverem" (as leis do mercado estiverem). A inversão da ordem sujeito / verbo condiciona concordâncias assim desde sempre. E não é o caso de dizer que se trata da escrita de um jovem moderno, porque é fácil ver, por seus textos, que ele é um sujeito do século XVIII.

Considere-se este outro dado, do interessante texto de Hélio Schwartsman (Ilustríssima, 11/02/2012, p. 5): "Como mostram Ori e Rom Brafman (...), a existência de pessoas 'do contra' ('dissenters', em inglês) são nossa melhor esperança". O que explica essa ocorrência de "são" é o grande número de plurais à esquerda deste verbo. Os melhores candidatos são "mostram" (se um verbo está no plural, ou outro também deve estar, pensamos, sem saber que pensamos) e "dissenters", embora entre parênteses. Com seu olhar "cientificista" (às vezes exagerado, acho), o autor talvez encontre uma explicação melhor que esta.

Outro: os "olhos" dos textos de jornal são redigidos pelo editor da página a partir do texto. Frequentemente, traduz passagens do texto completo. Nem sempre fielmente, seja no que se refere ao sentido ou ao estilo. O olho do artigo "Em nome de Amália", de João Santana (Folha de S. Paulo de 06/03/2012) é "Amélia é uma injustiçada; há algo mais 'feminista' e poético do que uma mulher preferir fazer amor com seu marido do que gastar o dinheiro dele?". Sim: "preferir do que", construção que todos os pequenos guias de redação condenam. O manual de redação do próprio jornal deve condenar (não vi, mas aposto minha coluna!). Mas quem se dobraria ao manual diante de tamanha certeza de estar "correto"? Quem ainda vê aí um erro?

Um adendo: na Piauí do mês, uma das falas da mulher americana (há dois casais na cena etc.) em um desenho é: "Na verdade, às vezes prefiro acompanhai das mulheres que a dos homens...".

Os três casos deveriam obrigar a uma concepção de língua variável e de regras submetidas a diversos condicionantes, às vezes em luta na mesma frase. E a abandonar uma doutrina simplória do certo e do errado. Línguas são como outras manifestações culturais: inerentemente variáveis, mesmo no estrato que se considera superior. Caçar erros é pobreza mental.

13 março, 2012

Olívio Dutra: nada de acomodação!
























Do Aldeia Gaulesa
Por Olívio Dutra 
via @DeniseSQ

Sempre fui desvinculado organicamente de estruturas políticas antes e, depois, dentro do PT. Não reivindico isso como virtude, mas não é tampouco um defeito, talvez uma limitação. Venho da vertente sindicalista que ajudou a fundar o partido.

Um balanço do PT, como partido de esquerda, socialista e democrático, tem de vê-lo como parte da luta histórica do povo brasileiro, em especial dos trabalhadores, na busca de ferramentas capazes não só de mexer mas de alterar a estrutura de poder do Estado e sociedade brasileiros marcada por privilégios baseados no enorme poder político, econômico, cultural de uma minoria. O PT nasceu para lutar por uma sociedade sem explorados e sem exploradores e radicalmente democrática.


Antes do PT, ainda no século XIX, surge o PSB, o primeiro partido de esquerda do Brasil republicano. O movimento operário anarquista das primeiras décadas do século xx era avesso à idéia de um partido. O PC surge em 1922. O PT aparece numa conjuntura de enorme agitação política reprimida por uma ditadura militar, fruto do golpe de 1964 que recompôs as elites contra um populismo que já não controlava mais as lutas sociais.


Este populismo, iniciado por Vargas e que inspira Jango e Brizola, era dirigido por gente ligada ao latifúndio “esclarecido”, um pouco na tradição dos republicanos gaúchos- Julio de Castilhos, Borges de Medeiros – que compartilhavam a idéia de que política não é para qualquer um, que o povo precisa de alguém que o cuide.


O PT nasceu com a idéia de que o povo devia ser o sujeito de sua história, o que marcou os seus primeiros passos. Mas, à medida em que conquistou mandatos em vários níveis, a coisa foi ficando“osca”, suas convicções e perspectivas foram perdendo nitidez. Houve uma acomodação na ocupação das máquinas institucionais (inclusive no Judiciário).


Diante desse processo o PT não se rediscutiu, não discutiu os efeitos dessa adaptação à institucionalidade de um Estado e de uma sociedade que, para serem democráticos, precisam ser radicalmente transformados.


Assim, o PT cresce quantitativamente – em 2011 temos três vezes mais diretórios municipais, passamos de mil a 3 mil, em função de eleições e do fato de o partido estar no governo federal e em governos estaduais, municipais, além de ter eleito centenas de parlamentares nos três níveis de representação.


E, bem mais que as idéias ou mesmo o programa, o que mobiliza o partido, ultimamente, são as eleições internas e externas. Somos todos responsáveis por isso: a política como um “toma lá, dá cá”, confundindo-se com negócios, esperteza,e a idéia de tirar proveito pessoal dos cargos públicos conquistados. E tem gente chegando no partido para isso, favorecidos pelo discurso da governabilidade mínima com o máximo de pragmatismo político.


Mesmo com os dois mandatos de Lula, demarcatórios na história de nosso país,o Estado brasileiro não foi mexido na sua essência. O 1º mandato foi de grande pragmatismo, onde a habilidade de Lula suplantou o protagonismo do Partido e garantiu, para um governo de composição, uma direção, ainda que com limites, transformadora da política. A política de partilhar espaços do Estado com aliados políticos de primeira e última hora de certa forma já vinha de experiências de governos municipais e estaduais mas ali atingiu a sua quinta essência. No 2º mandato, ao invés de o PT recuperar o protagonismo, diluiu-se mais um pouco, disputando miríades de cargos em todos os escalões da máquina pública.


Quanto à Dilma, ela é um quadro político da esquerda. Seu ingresso no PT, honroso para nós, não foi uma decisão fácil para ela, militante socialista do PDT e sua fundadora.


O PDT estava no governo da Frente Popular(PT, PDT, PSB, PC, PC do B) no RS. Veio conosco no 2º turno. No 1º turno sua candidata tinha sido a ex-senadora Emilia Fernandes. A relação do Brizola com o PT e com nosso governo nunca foi tranqüila. Tive de contornar demandas descabidas para criar secretarias para abrigar pessoas de sua indicação. Lembro o quanto lutamos pela anistia e volta dos exilados ainda durante a ditadura. Ocorre que em 1979, quando Brizola voltava do exílio, nós, os bancários de Porto Alegre – eu era presidente do sindicato da categoria – estávamos em greve. Caiu a repressão sobre nós com intervenção no sindicato e prisão de lideranças. Brizola permaneceu em São Borja no aguardo de que, com a prisão dos dirigentes, a greve acabasse. Veio até Carazinho, mas como a greve, apesar da repressão, não terminara, voltou para São Borja. A categoria tinha a expectativa que ele, pelo menos, desse uma declaração contra a repressão ao movimento. Não se manifestou.


Quando do governo da Frente Popular, em decorrência de o PT e PDT terem candidaturas opostas à Prefeitura de POA(nosso candidato, eleito, foi o Tarso Genro), Brizola, como presidente nacional do PDT, fez pressão para que trocássemos os secretários pedetistas ligados ao “trabalhismo social”: Dilma, Sereno, Pedro Ruas e Milton Zuanazzi, caso contrário o PDT deixaria o governo. Não concordamos. Eles foram mantidos nos cargos e com plena liberdade para se decidirem sobre sua vinculação partidária. Todos eles travaram uma discussão intensa nas instâncias do PDT e deliberaram desfiliarem-se e, posteriormente, após nova discussão interna, desta vez nas instâncias do PT, filiarem-se ao nosso partido. A Dilma, à época em que reabrimos a negociação sobre os subsídios, favores tributários e renúncia fiscal para a Ford, estava ainda no PDT e, como Secretária de Minas e Energia do nosso governo, participou da construção da decisão que, séria, responsável e republicanamente tomamos. Sua postura determinada nessas e em outras circunstâncias teem o nosso reconhecimento, respeito e admiração.


Ela tem clareza sobre como funciona o Estado e como deveria funcionar, sob controle público, para ser justo, desenvolvido e democrático mas, a composição do governo é um limitador e ela não vai poder alterar as estruturas arcaicas e injustas do Estado brasileiro, coisa que o próprio Lula, com toda sua historia vinculada às lutas sociais da s últimas décadas, não conseguiu fazer. Para mexer nisso, tem que ser debaixo para cima!


Então aí está o papel do partido que não pode se acomodar. Nós, os petistas, nos vangloriamos de feitos em prefeituras, governos estaduais e federal. Mas, criamos mais consciência no povo para que se assuma como sujeito e não objeto da política?


Nas eleições fala-se em “obras” e não se discute a estrutura do Estado, como e quem exerce o poder na sociedade e no estado brasileiros, os impostos regressivos para os ricos e progressivos para os pobres, as isenções, os favores tributários, a enorme renúncia fiscal. Tem prefeitura do PT que privatiza a água, aceitando o jogo do capital privado e a redução do papel do estado numa questão estratégica como essa.


O PT não se esgotou no seu projeto estratégico,mas corre o risco de se tornar mais um partido no jogo de cena em que as elites decidem o quinhão dos de baixo preservando os privilégios dos de cima. Nosso partido tem de desbloquear a discussão de questões estruturais do estado e da sociedade brasileira da disputa imediata por cargos. Essa discussão deve ser feita não apenas internamente mas com o povo brasileiro.


Realizar Seminários onde se discuta até mesmo o papel e o estatuto das correntes internas. Seminários com os lutadores sociais para discutir como um o partido com nossa origem e compromisso pode governar transformadoramente sem se apequenar no pragmatismo político.


A lógica predominante, diante das eleições do ano que vem, é de governarmos mais cidades, mas qual a cidade que queremos? A imposta pela indústria automobilística, desde os tempos de JK, com ferrovias privatizadas e sucateadas e o rodoviarismo exigindo que o espaço urbano se esgarce e se desumanize para dar espaço para o automóvel particular? Onde as multinacionais se instalam com as maiores vantagens do mundo e as cidades viram garagens para carros, onde túneis, viadutos e passarelas, cuja capacidade se esgota em menos de 10 anos, tecem teias de concreto que mais aprisionam do que libertam o ser humano?


O PT deve refletir sobre suas experiências de governar as cidades . São muitas e nenhuma definitiva. O Orçamento Participativo não foi radicalizado ao ponto de ser apropriado pela cidadania como ferramenta sua para controle não só de receitas e despesas, verbas para obras e serviços, no curto prazo,mas sobre a renda da cidade, sua geração e o papel do governo na sua emulação e correta distribuição social, cultural, espacial, econômica e política. O Orçamento Participativo tem que ser pensado não como uma justificativa para a distribuição compartilhada de poucos recursos mas como gerador de cidadania capaz de, num processo de radicalidade democrática crescente, encontrar formas de erradicar o contraste miséria/riqueza do panorama de nossas cidades.


A crise econômica mundial está longe de ser debelada e os países ricos teem enorme capacidade de “socializar” o pagamento dela com os países pobres. No chamado Estado de Direito Democrático o ato de governar é resultado de uma ação articulada e interdependente entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ocorre que na sociedade capitalista o Poder Econômico, que não está definido na Constituição, é tão poderoso e influente quanto todos aqueles juntos. Portanto, a confusão entre governo e esse poder “invisível” privatiza o Estado e é caldo de cultura para a corrupção.


Como presidente de honra do PT-RS tenho cumprido agenda partidária, fazendo roteiros, visitando cidades, participando de atos de filiações, ouvindo as lideranças de base e discutindo o PT. Sinto-me provocado positivamente com esta tarefa.


Mas na estrutura que existe hoje o Partido é cada vez mais dependente, inclusive financeiramente, dos cargos executivos e mandatos legislativos que vem conquistando. É difícil, pois, uma guinada, sem que haja pressão debaixo para cima sobre as direções , correntes, cargos e mandatos. Assim como está o PT vai crescer “inchando”, acomodando interesses. A inquietação na base quanto à isso ainda é pequena mas é sinalizadora de que a luta para que o PT seja um partido da transformação e não da acomodação vale a pena.



As afinidades eletivas entre a Globo e Teixeira




















por Marcel Gomes

São Paulo – Ex-presidente do Palmeiras (2009/10) e um apaixonado pelo futebol, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo se encontrou apenas duas vezes com o ex-mandatário da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, que renunciou nesta segunda-feira (12).

O ano era 2010 e ocorria a eleição para o comando do Clube dos 13, entidade que representa as mais importantes equipes do país. Teixeira articulava a candidatura do ex-presidente do Flamengo, Kléber Leite, contra Fábio Koff. Na ocasião, Belluzzo "trombou" com o então comandante da CBF.

"Eu defendi que a entidade dos clubes precisava ser autônoma, e não vinculada à CBF", lembra ele. No fim, Koff venceu, mas o Clube dos 13 saiu enfraquecido. Era cada vez mais previsível o racha, que acabou ocorrendo em 2011, na disputa pelo dinheiro do futebol pago pela TV Globo.

Nesta entrevista à Carta Maior, Belluzzo diz que espera por mudanças no futebol brasileiro, mas afirma que dificilmente elas virão dos clubes, verdadeiras "casamatas que reúnem os interesses mais díspares, dos maiores aos mais mesquinhos.

Carta Maior - Quem foi Ricardo Teixeira para o futebol brasileiro?
Luiz Gonzaga Belluzzo - Para entender o papel dele precisamos voltar no tempo, até a eleição de João Havelange na Fifa, em 1974, quando ele substituiu Stanley Rous. A partir dali houve uma mudança importante na administração do futebol, na relação com os patrocinadores. A direção do futebol deixou de ser feita de maneira amadora e se tornou um grande negócio, sobretudo para a área de marketing, que aproveitou o fato de o esporte ter se tornado uma impressionante manifestação de massa. Esse processo tomou corpo nos anos 80 e se acentuou nos 90.

CM - Foi essa transformação que ocorreu no Brasil em 1989, com a eleição de Ricardo Teixeira para a CBF?
LGB - Exatamente. O futebol se tornou um grande centro de negócios, legais e ilegais, e atraiu aventureiros interessados em ganhar dinheiro. Os escândalos começaram aí, e não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Se você deixa a lógica do dinheiro dominar, precisa tomar cuidado para não perder a natureza da atividade. Esse é o problema do futebol, o mais interessante de todos os esportes quando é bem jogado.

CM - Isso afetou o esporte dentro de campo?
LGB - No Brasil e em todo o mundo. Houve o caso da Copa do Mundo na França, em 1998, quando a Nike teria se envolvido na escalação de Ronaldo no jogo final. E o campeonato brasileiro de 2005, com a questão das apostas e a manipulação de resultados.

CM - Ricardo Teixeira sempre dependeu muito de sua relação com a TV Globo, não?
LGB - Era uma relação muito forte, de mútua dependência. A Globo tem o futebol como o principal item de sua programação, então seria muito complicado ficar sem ele. O problema são todos esses interesses privados, que não levam em conta o interesse público.

CM - O futebol é um bem material e imaterial da cultura brasileira. Sua gestão não teria de ser mais pública?
LGB - Você tem razão. Os clubes de futebol são entidades semipúblicas, responsáveis por um esporte que interessa a todos os brasileiros. Uma mudança de gestão, porém, teria de passar por uma mudança da organização desses clubes. Mas isso é muito difícil, porque eles são controlados por oligarquias que não querem que algo mude. Falo por experiência própria, como ex-presidente do Palmeiras. Os clubes são casamatas que reúnem os interesses mais díspares, dos maiores aos mais mesquinhos.

CM - É difícil que a democratização venha debaixo?
LGB - Muito difícil. Sem uma regulação geral, os clubes têm se enfiado nas mais complicadas negociações financeiras. Se sou presidente do Palmeiras e o Corinthians gasta muito com um jogador, eu tenho de fazer o mesmo. Veja o caso do Flamengo, que está em uma situação difícil e, mesmo assim, segue contratando jogador. Países como Alemanha e França já criaram regulações coletivas para fazer o controle financeiro do clube, impor teto de endividamento e levá-los a segunda divisão se eles quebrarem. Precisamos de algo similar aqui.

CM - O senhor discutiu alguma vez esses assuntos com Ricardo Teixeira?
LGB - Eu me encontrei com ele apenas duas vezes, uma em São Paulo e outra no Rio, quando havia a eleição do Clube dos 13 em 2010. Ele articulou a candidatura do Kleber Leite contra o Fábio Koff, mas felizmente os clubes barraram. Venceu o Koff. Naquela época, eu defendi que a entidade dos clubes precisava ser autônoma, e não vinculada à CBF.

CM - E a CBF sem Ricardo Teixeira? Muda algo?
LGB - A CBF é um pote de ouro, uma arca perdida que todo mundo quer. Minha esperança é que surja alguém mais isento. Mas é difícil, porque a eleição depende dos presidentes das federações. E aí é um jogo de compromissos.

Risco do fascismo voltar à Europa é muito grande


Do Jornal do Brasil
Por Igor Mello
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Governantes, intencionalmente ou não, podem fazer sociedades inteiras se tornarem paranóicas. Essa é a principal mensagem que o renomado psicanalista italiano Luigi Zoja trouxe em sua palestra "Aspectos Coletivos da Paranóia", realizada neste sábado, no Centro de Estudos e Pesquisas do Envelhecimentono, no Rio. O intelectual tira esta conclusão de seu mais recente livro, "Manhã de Setembro: o Pesadelo Global do Terrorismo", no qual faz reflexões sobre o Estados Unidos pós-11/09.

Zoja vivia em Nova York quando dois aviões foram atirados por terroristas da Al Qaeda nas torres do World Trade Center, matando quase 3 mil pessoas:



"O mais preocupante, naquela situação, era a política do medo. De se eleger um inimigo e tentar exterminá-lo a todo custo. Nós, como psicanalistas, deveríamos dedicar mais atenção não ao fenômeno clínico da paranóia, mas sim na maneira como ela pode aprisionar as massas", reflete.

Segundo o especialista, uma das constatações que o espantaram após os atentados terroristas foi a presença massiva de termos com óbvio caráter paranóico nos meios de comunicação de massa norte-americanos:

"O que me deixou com medo é o quanto eles usavam a palavra conspiração na política e na mída dos Estados Unidos. Os islâmicos viraram a grande ameaça, e o Iraque foi escolhido como bode espiatório. A paranóia tem isso, de apontar um inimigo e puní-lo, mesmo que haja apenas a suspeita. E o Iraque foi punido, mesmo que a acusação de manter um arsenal de armas de distruição em massa fosse mentira", afirma.

Após o evento, promovido pelo Instituto Junguiano do Rio de Janeiro, o psicanalista concedeu uma entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil:

JB: Entre os seus exemplos de influência da paranóia, está a crescente onda de nacionalismos e racismos na Europa. O senhor acha que há risco do facismo voltar a ser relevante?

Zoja: O perigo é muito grande. Na França, um terço dos operários, que historicamente votam em representantes socialistas, afirma que vai votar na candidata facista Marine Le Pen. E isso também é notado em outros países da Europa, com um despertar do racismo e dos movimentos anti-imigração. Como disse Régis Debray, A economia é global, mas os homens são tribais. Vivemos a era do localismo, algo ainda mais restrito que o nacionalismo.

JB: O senhor critica os meios de comunicação de massa por ajudarem a criar um clima de paranóia em diversos países. É possível mudar ou essa é uma característica inata deste tipo de comunicação?

Zoja: Os meios de comunicação de massa têm um tanto de paranóia. É bom lembrar que, até bem pouco tempo atrás, o povo da Inglaterra consumia os produtos de Rupert Murdoch em escala impressionante. Depois que os escândalos a respeito dele ganharam repercussão mundial, os ingleses ficaram paralizados, mas não querem saber mais sobre isso. Neste caso, nem foi uma paranóia política, mas sim de expor a vida do outro, espionar. Mas esses barões da mídia, desde o Século XIX, perceberam que é muito mais lucrativo oferecer esse tipo de informação supersimplificada, comercialmente falando.

JB: O senhor cita especificamente Hitler, Stalin e George W. Bush como exemplos de líderes paranóicos que acabaram contaminando uma grande parcela da população de seus países. É possível observar esse tipo de conduta mesmo em governantes que não sofrem deste tipo de transtorno?

Zoja: É difícil distinguir o quanto é interesse. Mas posso afirmar que o líder pode não ser paranóico, mas toda sociedade tem um potencial desse tipo. E muitas vezes as pessoas, por interesse, trabalham para despertar esse tipo de característica.

JB: A crescente tensão entre Israel e Irã talvez seja hoje a principal ameaça à paz mundial. A postura de Benjamin Netanyahu, que incentiva seguidamente às potências ocidentais a apoiarem um ataque preventivo, também pode ser encarada sob a sua ótica?

Zoja: A ideia de ataque preventivo, por si só, é paranóica. Mas este caso é diferente do Iraque, porque de fato os iranianos possuem um programa nuclear, então fica difícil saber o quanto é paranóia e o quanto é informação verdadeira. Um ataque talvez até seja a melhor opção, se de fato vier a evitar uma guerra nuclear entre as duas nações. Mas, de qualquer forma, o governo israelense utiliza-se disso para contaminar toda sua sociedade. Mesmo que o perigo iraniano seja real, a postura israelense vai de encontro à conspiração.

JB: No Rio de Janeiro, nós temos muitos problemas com a criminalidade urbana e é muito comum ver, nos noticiários, expressões como "guerra" e "poder paralelo". O senhor acredita que os governantes que comandaram o Rio de Janeiro ao longo das últimas décadas transformaram o tráfico em um inimigo?

Zoja: Eu não gosto disso, o uso da palavra guerra neste tipo de contexto já comprova, em si mesmo, um ato de paranóia evidente. Quando falamos em guerra, estamos transformando o outro no mal absoluto, com o qual não há espaço para diálogo.


12 março, 2012

Parente serpente

Escândalo na Justiça: CNJ investiga esquema milionário em fundação de tucanos mineiros

Do Correio do Brasil
Dica @ptrenatosimões, via @jcromancini


Renato Parente é alvo de uma investigação no CNJ


A denúncia do jornalista Leandro Fortes, da revista Carta Capital, acerca da ação do funcionário do Tribunal Superior do Trabalho Renato Parente, levará o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a uma averiguação quanto ao repasse de recursos da Fundação Renato Azeredo, com sede em Belo Horizonte. Segundo fonte ouvida pelo Correio do Brasil, na condição de anonimato, o Conselho pedirá informações ao Ministério Público de Minas Gerais sobre as transferências do Poder Judiciário à fundação presidida por um ex-assessor especial do então governador Aécio Neves, no valor de R$ 23,3 milhões.

Segundo apurou o jornalista, “Renato Parente é um assessor especialmente influente nos tribunais superiores. Foi fiel escudeiro de Gilmar Mendes no Supremo Tribunal Federal (STF) e até pouco tempo ocupava a chefia da comunicação do Tribunal Superior do Trabalho, presidido por João Oreste Dalazen. Por uma questão formal, Dalazen rebaixou Parente de função, mas manteve seus poderes, que consistem basicamente em administrar as verbas do setor no TST, naco de um filão milionário do Poder Judiciário onde reina a Fundação Renato Azeredo, de Minas Gerais. Trata-se de um eficiente sorvedouro de dinheiro público comandado pelo PSDB”.

Ainda segundo o texto, o objetivo inicial da Fundação Renato Azeredo, criada em 1996 com o nome do pai do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), era o de auxiliar projetos de pesquisa da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). A instituição, de direito privado e sem fins lucrativos, a partir de 2003, bateu recordes de faturamento.

“Apenas em Minas Gerais, entre 2003 e 2011, a Fundação Renato Azeredo faturou R$ 212,1 milhões de verbas repassadas diretamente do governo de Minas, graças a contratos firmados em gestões tucanas, duas de Aécio Neves e, desde o ano passado, a de Antonio Anastasia. A fundação é presidida pelo farmacêutico Aluísio Pimenta, ex-assessor especial de Aécio. Sob pretexto de notória especialização, a fundação sempre foi contratada pelos governos tucanos sem licitação. Na primeira gestão de Neves, por exemplo, a entidade recebeu cerca de R$ 20 milhões, limpos, dos cofres estaduais, para serviços em área de comunicação social”, apurou Leandro Fortes.

A tevê estatal mineira, a Rede Minas, repassou à Fundação Renato Azeredo, por transferência direta, R$ 17,6 milhões, também em quatro anos. Os dados que serão pedidos por setores do CNJ ao governo mineiro estão contidos na investigação ainda em curso no Ministério Público Estadual, que detectou, em 2008, uma transferência de R$ 23,3 milhões. “Mas nada comparado ao ano eleitoral de 2010, quando a Renato Azeredo levou uma bolada de R$ 51,7 milhões, R$ 35,9 milhões dos quais apenas no primeiro semestre, às vésperas das eleições. Os promotores suspeitam que a fundação possa ter substituído o esquema de caixa 2 montado por Eduardo Azeredo com o publicitário Marcos Valério de Souza, mais tarde importado pelo PT e revelado no chamado ‘escândalo do mensalão”, acrescenta Fortes.

“Ao contrário dos promotores mineiros, os procuradores da República em Brasília ainda não atinaram para o mesmo esquema montado no Poder Judiciário Federal, com verbas da União. Desde 2010, a Fundação Renato Azeredo passou a substituir outro baluarte do tucanato, a Fundação Padre Anchieta, responsável pela TV Cultura, de São Paulo, até então dona das contas de comunicação social do Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sem aviso e sem justificativa, naquele ano eleitoral, a fundação do tucano paulista decidiu abandonar os tribunais e abrir espaço para a coirmã mineira, num esquema de revezamento pouco sutil”, relata o jornalista.

Fratura exposta

No STJ, de acordo com a matéria, “a Fundação Renato Azeredo ganhou, sem licitação, em 2010, um contrato de R$ 10,5 milhões por ano (depois reduzido para R$ 6,6 milhões). Foi beneficiada por decisão do ex-presidente do tribunal César Asfor Rocha, amigo dileto do ministro Gilmar Mendes, do STF, fundamental para garantir a presença de Renato Parente na história”.

– Renato Parente é a fratura exposta de um sistema que usa, no Poder Judiciário, as áreas de comunicação social para arrecadar fortunas em contratos fajutos e mal fiscalizados. Por 20 anos, ele fraudou esse mesmo sistema, com um currículo falso, mas se mantém prestigiado por conta de um apadrinhamento político, no mínimo, estranho: Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello – afirmou Fortes.

Procurado no TST, Parente não foi encontrado em seu local de trabalho, mas coube ao coordenador da assessoria de imprensa, Alexandre Machado, confirmar que ele é funcionário da repartição e estaria movendo um processo contra o jornalista de Carta Capital. A questão, porém, era pessoal e Machado, que somente poderia falar em nome do Tribunal, não teria dados sobre a ação. O Tribunal, no entanto, não movia até aquele momento nenhuma ação contra Fortes, segundo o assessor.

Em uma rede social, Fortes reforça que Parente seria “um afilhado funcional do ministro Gilmar Mendes, do STF, que passou os últimos 20 anos ocupando ilegalmente cargos comissionados no Poder Judiciário de posse de um currículo falso, no qual afirmava possuir um diploma de curso superior que nunca teve. Pego pela burocracia do TST, onde foi flagrado defendendo interesses de uma fundação tucana, Renato Parente já tem uma estratégia de defesa para tentar se safar: me processar! Por que será que não estou surpreso?”, escreve o jornalista.

No próprio CNJ, que agora passa a investigar as denúncias contra Parente, “a Fundação Renato Azeredo foi contratada também sem licitação, em 8 de março de 2010, durante a gestão de Gilmar Mendes, por um prazo de seis meses”, revela o jornalista. O valor desse primeiro contrato teria sido de R$ 1,6 milhão. Em 22 de setembro de 2010, o contrato fora renovado automaticamente por um ano, pelo valor de R$ 4,2 milhões, “situação que se mantém até agora”, afirma a matéria.

No Supremo, com a saída da Fundação Padre Anchieta, assim que assumiu o lugar do presidente Gilmar Mendes, Cezar Peluso teria promovido uma licitação, vencida pela Fundação Legião da Boa Vontade (LBV), de Brasília, em julho de 2010. Esta, porém, fora desqualificada “por não conseguir preencher os requisitos técnicos para a produção de noticiários para a TV e a Rádio Justiça, mantidas pelo Supremo. Classificada em segundo lugar, a Fundação Renato Azeredo levou o contrato de R$ 15 milhões”, relata Fortes.

“No TSE, a fundação mineira também venceu a concorrência e abocanhou dois contratos. Um, de junho de 2010 a junho de 2011, de R$ 4,2 milhões. Outro, a vencer em junho próximo, de R$ 3,1 milhões. A diferença de R$ 1,1 milhão é parte de uma regra do Tribunal que garante valores maiores para contratos firmados em anos eleitorais”, apurou.

Parente surgiu como elo nos processos milionários apenas no ano passado, “quando a burocracia interna do TST descobriu que, desde 1992, ele ocupa cargos comissionados de nível superior dentro do Poder Judiciário sem nunca ter-se formado em nada, apesar de se apresentar como jornalista e publicitário”, escreveu o repórter. “Mesmo sem diploma, ele disponibilizou currículos fraudulentos nos quais constava a seguinte informação: Graduado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)’, de São Paulo. Há seis meses, uma ligação do TST para a direção da famosa escola paulista bastou para desmontar a farsa”, acrescenta.

“Técnico judiciário de nível médio do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, Parente foi assessor de imprensa do juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, responsável por desvio de dinheiro das obras do tribunal em 1998. Em 2001, sempre montado na história do falso diploma, foi levado pelo ministro Marco Aurélio Mello para o STF, para assumir a Secretaria de Comunicação Social. Em 2006, ainda pelas mãos de Mello, passou a ocupar o mesmo cargo no TSE. Nas duas oportunidades, contratou, sem licitação, a Fundação Padre Anchieta, subordinada ao tucanato paulista”, apurou.

E acrescenta: “Em 2008, Parente tornou-se o braço midiático do então presidente do STF, Gilmar Mendes, de quem passou a zelar como se fosse um capataz. A um repórter, no Acre, que ousou perguntar se Mendes era pecuarista, Parente ofereceu um pisão no pé. Em 2009, a pedido do chefe, conseguiu censurar temporariamente um programa da TV Câmara, no qual o autor desta matéria fazia críticas ao seu padrinho e patrão”.

Segundo o Diário Oficial da União, Parente foi exonerado “a pedido”, em 29 de dezembro de 2011, numa tentativa “desesperada de evitar o vazamento da informação sobre a fraude funcional”, revela a matéria. “No mesmo ato, Parente virou chefe de um “Núcleo de Comunicação Institucional”, que, como o nome indica, não significa nada. Na verdade, a solução interna achada pelo ministro Dalazen (lembrete: presidente do Tribunal Superior do Trabalho!) foi fazer com que um subordinado de Parente, o jornalista diplomado Alexandre Gomes Machado, passasse a assinar os papéis da secretaria e a responder, jurídica e administrativamente, por um cargo que não exerce”, disse Fortes. Machado preferiu não responder à entrevista do Correio do Brasil, por telefone, e pediu que as perguntas sobre as denúncias contidas na matéria de Carta Capital lhe fossem enviadas por mensagem eletrônica.

“O assessor tentou fixar o dia 7 de janeiro como data de exoneração porque há ao menos um documento interno assinado por Dalazen, datado de 6 de janeiro, para emissão de passagens aéreas e diárias para o ‘secretário de Comunicação Social’ Renato Parente”. O texto, ao qual a revista teve acesso pelo site do TST, “refere-se à emissão de passagens e diárias relativas a uma viagem a Caucaia (CE)”, segue adiante a matéria.

Outro fato que denuncia a ação de Parente, segundo apurou o jornalista, ocorreu no ano passado. Ele tentava levar a Fundação Renato Azeredo para o TST, sem licitação, mas foi impedido “pela burocracia, que o obrigou a realizar um pregão eletrônico”, relata Fortes. “Tropeço do acaso, algum funcionário da fundação tucana não conseguiu apresentar a proposta da entidade a tempo, pela internet. A solução encontrada foi a de melar o processo e impedir que a empresa vencedora, a AP Comunicação, de Brasília, ganhasse o contrato, orçado em R$ 8,8 milhões por ano, por cinco anos”.

“A agência vencedora foi enganada: um informe enviado pela internet depois do expediente deu 15 minutos a ela e a quatro outras classificadas para apresentar um plano de execução de serviços de produção de vídeo. Na manhã seguinte, os concorrentes souberam que tinham sido retirados do processo. A AP, contudo, entrou com um mandado de segurança para permanecer no páreo, mas Parente nem deu bola. Revogou o pregão sob a justificativa de que a proposta da agência vencedora era muito alta. Outra mentira: o edital publicado pelo tribunal estabelecia o valor do contrato em R$ 10 milhões”, conclui.


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