25 janeiro, 2013

O mundo às avessas

Seguindo a linha deste blog, de estimular o debate, publicamos o texto do Diretor de Direitos Humanos da UNE, Diego Rabelo, onde ele aponta algumas dificuldades e desafios para que a integração latino americana se realize.





Com o aprofundamento das crises política/econômica/cultural nos centros tradicionais e a ausência de instrumentos organizativos dentro destes próprios centros que inspirem as massas populares em todo o mundo, a América Latina assume a vanguarda da luta anti-imperialista. Não foram raros os levantes, erupções políticas e mobilizações de massa que clamavam pela liberdade e pela justiça social nos últimos tempos. Interromper a hemorragia de séculos de exploração nas nossas veias abertas, superar essa agonia que atravessa gerações, desconstruindo um hábito cultural eurocentrista, é tarefa mais que atual. 

Apesar dos resquícios de feudalismo incrustados por décadas de um colonialismo usurpador e extremamente nocivo, assistimos, de maneira inusitada, o encontro da Cúpula CELAC-UE no Chile, onde é possível registrar um maior interesse por parte dos europeus que dos latinos. Sim senhoras e senhores, a região da América Latina e do Caribe desperta mais interesse entre os europeus que a União Européia para os latino-americanos, por conta da crise generalizada concentrada nos principais blocos econômicos do capital, segundo estudo elaborado pelo Instituto de Prospectiva Internacional, por ocasião da Cúpula Celac-EU que se encerrará na segunda-feira (28/01).

Desafios e agendas para uma integração social

Mas, um dos grandes desafios para o avanço no desenvolvimento regional é justamente a integração dos países abaixo da linha da Flórida nos EUA que, mesmo diversos, compartilham de muitas características peculiares. Essa sonhada unidade social latina, cantada e proseada, versada e declamada, é sinônimo de preocupação para as potências centrais que sempre se aproveitaram das nossas diferenças para nos dividir. Não à toa, os investimentos militares e em acordos bi-laterais patrocinados pelos EUA e outros países, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), ultrapassaram as cifras de US$ 153,4 bilhões apenas em maio do ano passado.

Números escandalosamente grandes quando avaliamos a qualidade dos serviços essenciais às populações indígenas, afro descendentes, pardas ou de qualquer oura etnia observada nesses países. Aliás, as discrepâncias sociais continuam alarmantes se observamos os indicadores sociais, mesmo em governos ditos de centro-esquerda ou simplesmente progressistas.

O aprofundamento das relações e a integração continuada entre os povos latinos não é apenas algo central, mas estratégico, tanto pelo fato de uma proteção a qualquer medida agressora externa, ou mesmo para melhor potencializar e compartilhar as capacidades técnicas de cada país e os seus recursos naturais. Porém, uma série de disjunções se expressa neste novo cenário, sendo a principal delas o desenvolvimento das forças produtivas de cada país, sobrecarregada por anos de dependência e exploração estrangeira.

A ascensão de setores progressistas e a fragilidade organizativa

Ao passo que as contradições de distribuição de renda se acirram de forma veemente na AL, a organização da classe trabalhadora enfrenta desafios de ordem democrática, fruto de um desenvolvimento tardio e desigual. A ascensão de governos de centro-esquerda se verifica como fenômeno crescente (de um ponto vista geral) nos principais países da região (Brasil, Venezuela, Argentina, Equador, Uruguai etc.). E em outros, mesmo com governos conservadores verifica-se forte potencial eleitoral (México, Chile, Paraguai).

Contudo, a fragilidade organizativa e teórica da esquerda (ou elementos progressistas) reflete a grande dificuldade para a integração regional. Os setores conservadores desses países já demonstraram que não irão aceitar, mesmo que com as suas próprias regras, qualquer alteração no Estado que confronte com os seus próprios interesses. É o que aconteceu em Honduras e recentemente no Paraguai efetivamente, e o que se tenta, sem sucesso, na Argentina e na própria Venezuela onde a direita se assanha para golpear a vitória do projeto representado por Chávez.

Superar as fronteiras

O internacionalismo da organização dos povos latinos é uma agenda que não pode ser contornada por modelos que reivindicam uma maior “atualidade” na luta socialista, onde julgam a unidade internacional, pejorativamente, de “leninista”. Ao contrário, é na América Latina que se reedita de forma mais veemente a unidade dos povos e das nações exploradas no enfrentamento às manifestações do capitalismo estrangeiro. As diferentes expressões de cunho social confluem quase que exclusivamente contra os desmandos imperialistas arraigados em organizações políticas e instituições financiadas pelas potencias estrangeiras.

  
Contradições e reorganização de uma nova ordem e o papel protagonista do Brasil




Ainda no início do primeiro governo Lula o ex-chanceler Tilden Santiago e atualmente assessor especial da presidência da Companhia Energética de Minas Gerais, afirmava em alto e bom som que se o Brasil se libertasse toda a AL iria junto. O país é central do ponto de vista estratégico para o desenvolvimento dos potenciais regionais. O maior PIB da região e o maior parque tecnológico colocam a nação brasileira como protagonista nas pretensões de um continente soberano.

Mas as contradições parecem ser uma constante na composição da leitura conjuntural sobre os atores regionais. Ao passo que o nosso desenvolvimento econômico nacional nos alça como um elemento naturalmente dirigente de todo esse processo, é nítido que somos o país menos latino diante dos demais, seja nas diferenças lingüísticas e culturais, seja na diversidade territorial. Além disso, o Brasil deve superar imediatamente qualquer sentimento sub-imperialista impregnado nas relações comerciais que adotamos diante dos nossos vizinhos. Esse elemento é um fator de desconfiança constante.

Fechar as nossas veias, impulsionar a integração dos povos e reeditar uma nova ordem mundial capaz de virar o mapa-mundi de cabeça pra baixo é a pauta atualizada para os movimentos sociais do nosso continente.


*Diretor de Direitos Humanos da UNE

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