Brincadeira de roda |
Roda de capoeira, roda de chimarrão, roda de samba, roda de ciranda, roda
de caipiririnha, lual, dança na tribo e em alguns passos o círculo se forma. Nos
jardins de infância, sentadas no chão em rodas, as crianças aprendem brincando.
Algumas escolas usam as carteiras em forma de círculo para ensinar, com o professor
no papel de interventor e mediador dos temas debatidos. Nas ruas, quando se vê
muita gente reunida, a forma geométrica é uma roda. Aliás essa é uma das cenas
mais comuns em nossas cidades. E todos sabem que quando há um círculo de
pessoas, normalmente dois ou três estão trabalhando e vários outros em volta
palpitando. E não raro desses palpites surgem as soluções.
Rodas são cuidadosamente
planejadas por especialistas de alto nível para rodarem movidas por um motor e
seus dentes engancharem tão perfeitamente uns nos outros que o produto sai
prontinho, são as engrenagens.
Mas há outras rodas. Há os círculos fechados que, ao
contrário das rodas de ciranda, de dança ou trabalho, não se abrem às
novidades. Quem está neles está, quem não está, de fora fica.
O governo brasileiro tem me parecido um destes. Uma máquina
que está com engrenagens gastas, muito por culpa de óleo de péssima qualidade
que foi usado até bem pouco tempo, mas a roda principal, aquela por onde a
polia move todo o resto, está com problemas. E com isso as outras estão rodando
em falso. Algumas estão até paradas e o produto final está sendo comprometido.
A economia, com toda a crise internacional, está sofrendo
muito pouco, é verdade. Ainda. Os programas sociais estão sendo tocados, o
projeto que vem sendo desenvolvido desde 2003 está andando, a miséria diminuiu,
os índices de analfabetismo baixaram, o desemprego é mínimo. Enfim temos muitas razões para estar felizes. Por que
não estamos, então?
Porque ao mesmo tempo em que as planilhas nos mostram uma
realidade boa, estamos vendo algumas áreas fundamentais sendo deixadas ou -
espero que seja distração e não projeto - postas propositadamente em segundo
plano. A cultura é uma delas.
Por outro lado, várias pessoas que atuam e têm história de
luta em áreas fundamentais em que o nosso país é rico, porém miserável em
termos de suporte oficial para seu desenvolvimento e difusão, reportam dificuldade em conversar com os representantes
do governo, apresentar projetos que beneficiariam grupos marginalizados
historicamente, aos quais devemos incluir como forma de beneficiar a todos.
Então talvez a resposta ao por que não estejamos mais
felizes seja essa: criamos muitas expectativas, elegemos uma pessoa que durante
anos esteve no comando da casa civil - que portanto conhece todas as engrenagens do
governo - e representa um partido que nasceu de bases sociais onde a
democracia, a roda, era uma prática cotidiana. Assim, o que esperávamos era que
a roda fosse aberta, que todos tivessem a sua vez de jogar. E o que temos é uma
roda fechada, quase uma caixa preta.
A comunicação é falha, os projetos apresentados já vêm prontos
e passaram pelo crivo de umas poucas mãos. O debate, o palpite que até na
semeadura de um canteiro de horta é sempre bem vindo, está sendo negado. Além de comprometer o produto final – o objetivo,
quero crer é uma sociedade mais igualitária, pois não? – está sendo
implementado um sistema que contraria tanto a cultura histórica do partido da
nossa presidenta, quanto, e pior, a rica cultura brasileira.
Seria bom voltar a brincar de roda e na brincadeira ir
inventando as regras e talvez assim a roda não se feche.
Samba de roda |
"Há os círculos fechados que ao contrário das rodas de ciranda, de dança ou trabalho, não se abrem às novidades. Quem está neles está, quem não está, de fora fica."
ResponderExcluirNo trecho acima, a cobra é morta com uma única paulada. E, abaixo, enterrada de vez:
"Seria bom voltar a brincar de roda e na brincadeira ir inventando as regras e talvez assim a roda não se feche. "
Parabéns Denise, por texto tão lúcido.
Parabéns Denise, critica misturada com poesia. Isso é para poucos.
ResponderExcluirQuerida xará, adoro esta maneira de escrever um texto sério correlacionando com a leveza do lúdico. Adorei! Qto ao círculo fechado, tenho esperança que seja fruto de ajustes de primeiro ano de governo. Ano que todo o óleo da engrenagem será trocado para de melhor qualidade rs #FE
ResponderExcluirObrigada aos três pela participação. E oxalá Denise Caputo tenha razão. Passa um pouquinho de teu otimismo prá cá? O meu já está no fundinho do copo...
ResponderExcluirBeijos!