20 agosto, 2013

Hipólito da Costa era Ninja


A Saga dos marginais

Casa onde nasceu Hipólito da Costa, Colônia de Sacramento, Uruguai, 2004, arquivo pessoal 

por Alberto Dines 

Há um clima de estupidez no ar. Estupidez no sentido de barbárie, estupidez no sentido de estultice. Felizmente longe das guerras, damos a volta ao mundo em busca de um belicismo extemporâneo que distribui tacapes a quem deveria ocupar-se em construir consensos.

Para enfrentar o frio e/ou o esvaziamento das redações, nossa mídia empenha-se num esquentamento generalizado. Quer barulho, calor. A vítima do mais recente exercício de tiro ao alvo tem sido a nanica Mídia Ninja, subitamente alçada à posição de destaque pela própria grande mídia.

Arrependida e para não se desmoralizar, girou para o lado suas metralhadoras midiáticas e descarregou seu furor contra o coletivo musical chamado Fora do Eixo, onde o projeto Ninja foi incubado. O criador desse circuito alternativo, Pablo Capilé, foi convertido em Inimigo Público nº 1 e em seguida linchado pelas manadas de predadores das redes ditas sociais. É possível que o FdE tenha cometido erros e enveredado pelo caminho das simplificações, mas qualquer experiência antes de ser bem sucedida atrapalha-se com enganos.

A Mídia Ninja, comandada por Bruno Torturra, passou a chamar a atenção no exato momento em que o país começou a reparar nos absurdos e abismos para os quais estava (está?) sendo conduzido. Tal como as Jornadas de Junho, é um fenômeno – e os fenômenos precisam ser observados, comparados, referenciados, discutidos. Sobretudo aproveitados.

Injeção de ânimo

História é mudança, jornalismo é mudança em alta pressão, mudanças não percebidas geram desastres. Em abril passado, a indústria jornalística brasileira finalmente assumiu a sua crise identitária e estrutural. Em junho, enquanto a sociedade ia para as ruas tentando vocalizar suas frustrações, patenteou-se a incapacidade de nossa imprensa – e de nossas lideranças políticas, acadêmicas e administrativas – em perceber o que acontecia além dos respectivos umbigos.

A Mídia Ninja destacou-se naquele momento. Foi parar no Jornal Nacional – o registro oficial, autorizado, do que acontece. E essa façanha não foi casual, resultou da pasmaceira generalizada, do culto aos formatos rígidos e à inovação burocratizada.

Os Ninja entraram em campo com a tecnologia a serviço da autenticidade, da instantaneidade, e não a serviço da cosmética, do glamour e da falsa informalidade. Não chegou a ser um sacolejo real, foi uma promessa de movimento. Ninguém discutiu o seu “modelo negócio”, todos se animaram com o modelo de despojamento.

O fenômeno equivale ao acontecido nos anos 1960-70, durante a ditadura militar, quando uma imprensa amordaçada ou autocensurada só conseguiu aproveitar as lições e paradigmas da imprensa alternativa,udigrudi (de underground) ou nanica, quando o processo de distensão política já estava em andamento.

Qual era a matéria-prima da imprensa alternativa? A informação não censurada, a opinião livre, A Folha de S.Paulo foi atrás: não apenas criou uma página de opinião (que até então não tinha) como foi preenchê-la com a contratação de um punhado de marginalizados e punidos pela ditadura. Meses depois criou a segunda página de opinião (inspirada na op-ed-page dos americanos) e chegou mesmo a atrair para a equipe do jornal alguns azes da imprensa alternativa (o mais notório, Tarso de Castro, egresso do Pasquim). Pouco depois, o jornal foi obrigado a recuar, esqueceu o surto libertário, e o resto da imprensa fingiu que nada acontecera.

Se não for atalhada, constrangida e manietada, a Mídia Ninja poderá equivaler em matéria de adrenalina, descontração e invenção aos nanicos e alternativos de quarenta anos atrás. Queiram ou não aqueles e aquelas que se consideram proprietários exclusivos da experiência alternativa.

Sentido de direção

A edição do Economist de 10/8 (pág. 30) relembra a história do estudante Soe Myint, que conseguiu escapar da brutal repressão dos militares da antiga Birmânia (hoje Myanmar), refugiou-se na Índia e lá criou uma agência de notícias usando uma rede clandestina de repórteres. O país prepara-se hoje para eleições livres e esses repórteres marginais estão em postos-chave da grande imprensa birmanesa. Eram alternativos, algo Ninjas, fizeram bom jornalismo, ficaram.

Perseguido pelo senador Joseph McCarthy, o repórter investigativo Isidor Fainstein entrou para a história do jornalismo americano como I.F. Stone. Ao longo de 17 anos, escreveu e editou sozinho um newsletter semanal com a melhor cobertura da política americana. Era um Ninja, tornou-se paradigma, instituição.

Antes dele, em 1808, um conterrâneo refugiado em Londres para escapar das malhas da Inquisição lançou um mensário que escreveu e editou sozinho durante 14 anos, o Correio Braziliense. Hipólito da Costa foi um clássico Ninja e tornou-se o patriarca da imprensa livre em língua portuguesa.

Os Ninja capazes de entender o conceito de renovação poderão dar sentido e direção a uma mídia engessada e baratinada.
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Hipólito da Costa, biografia  

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