Foto da Agência Brasil: Procurador Geral Roberto Gurgel |
Do Sem Fronteiras
por Wálter Fanganiello Maierovitch
Dica do @jrfidalgo
A correta decisão do ministro Ricardo Lewandowski de liberar, para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito e o Conselho de Ética do Senado, todas as peças da investigação policial sigilosa sobre o chamado caso Carlinhos Cachoeira resultaram em uma enxurrada de vazamentos à imprensa. As peças se referem às operações Las Vegas, que apesar da gravidade dormiu no gabinete de Roberto Gurgel de 2009 a 2012, e Monte Carlo.
Na essência, o sigilo é imposto no interesse da investigação. Um vazamento, como sabem até os rábulas de porta de cadeia de periferia, pode prejudicar a apuração criminal. Por isso, finda a investigação, o inquérito deveria ser levantado, mas isso não acontece no Brasil.
Entre nós, infelizmente, o sigilo visa manter distante do conhecimento público falcatruas apuradas por poderosos e potentes que gozam de foro privilegiado. Por evidente, as increpações, contidas no inquérito policial e se objeto de ação penal, ficam sujeitas à confirmação no devido processo legal, que tem na ampla defesa a sua pedra angular e na presunção de não culpabilidade (não se confunde, como já escrevi milhões de vezes, com a presunção de inocência, não acolhida na Constituição brasileira) uma garantia fundamental.
Das várias interceptações telefônicas realizadas, uma chama a atenção em especial. Ela mostra como a organização criminal de Carlinhos Cachoeira era tentacular, como a Cosa Nostra, quer a siciliana, quer a siculo-norte-americana. Ambas têm o polvo (la piovra) como símbolo.
De pronto, friso, me refiro sobre a atenção especial ao teor da interceptação publicada hoje na coluna do Ilimar Franco do jornal O Globo sobre a conversa entre Cachoeira e o governador Marconi Perillo.
Antes da divulgação da peça, Perillo sustentava que apenas uma vez atendeu Cachoeira por ele ter pedido uma audiência. A revelação contida na supramencionada coluna do Ilimar Franco mostra a mentira de Perillo. E basta atentar para a consideração de Perillo para com Cachoeira, na conversa interceptada e que segue: “Parabéns. Que Deus continue te abençoando aí, te dando saúde, sorte. Um grande abraço prá você, viu”.
Não me refiro, ainda, à “cachaçada” relatada por Demóstenes, num jantar entre ele, Cachoeira e Perillo, tudo conforme contado na coluna do Ilimar Franco e publicada na edição de hoje do O Globo.
Também não me refiro à gravação que revela mais uma das mil farsas do senador Demóstenes Torres. O senador, quando divulgado o escândalo, sustentou que havia conversado para Cachoeira para ajudar numa pendência entre o seu suplente no Senado e o bicheiro. Na coluna do Jorge Bastos Moreno, intitulada “Nhenhenhém” e publicada no O Globo de hoje, está revelado que a companheira e convivente de Cachoeira, Andressa Mendonça, era casada com Wilder Pedro de Morais, ex-sócio de Cachoeira e suplente do senador Demóstenes Torres. Como se percebe, Demóstenes até aceitou, como suplente de senador, pessoa da organização delinquencial de Cachoeira.
O fato grave a chamar a atenção diz respeito ao litígio pouco digno, segundo os dados revelados, entre o procurador-geral da República, Roberto Gurgel e o senador Demóstenes.
Gurgel, como circulou por todo Ministério Público, teve a recondução no cargo de procurador-geral da República cuidada por Antonio Palocci, então ministro-chefe da Casa Civil.
Quando estourou o escândalo Palocci, o procurador Gurgel, inusitadamente, enviou-lhe um ofício para explicar as gravíssimas suspeitas que pesavam contra ele.
Palocci, que preferiu silenciar sobre os clientes da sua imobiliária (ele tinha uma imobiliária que não cuidava de imóveis), respondeu que tinha feito fortuna com assessoria dada na sua empresa quando estava fora do governo. Gurgel, por incrível que possa parecer, não requisitou inquérito apuratório e determinou o arquivamento do escândalo Palocci.
Sobre essa conduta de Gurgel, o senador Torres, com o discurso correto e apoio da sociedade civil que luta pela restauração da moralidade pública, criticou o procurador-geral da República (a escolha para a função é do presidente da República pela nossa Constituição) com veemência.
Na interceptada conversa entre Cachoeira e Demóstenes, publicada na edição de hoje do jornal O Estado de S.Paulo, ficou clara a verdadeira razão do protesto de Demóstenes contra Gurgel, do plenário do Senado: “Se não der nele, ele (Gurgel) começa a pegar a gente, entendeu ?" (A interceptação é de 7 de julho de 2011.)
Trocada em miúdos essa conversa entre Demóstenes e Cachoeira, fica patente a pressão em razão de Gurgel estar com o inquérito Las Vegas, que apurou a atuação criminosa de Cachoeira e já envolvia Demóstenes.
Não passou muito tempo para Demóstenes concordar, no Senado e expressamente, com a recondução de Gurgel. E Gurgel, por coincidência ou não, ficou com o inquérito Vegas no seu gabinete de 2009 a 2012. Só mexeu nele quando pressionado por cobrança de parlamentares baseada na Operação Monte Carlo.
Ontem, Gurgel informou, com relação a Demóstenes e seu envolvimento no esquema Cachoeira, "que R$1 milhão foi depositado” na conta do senador.
Gurgel fez a afirmação sem ainda ter a movimentação da conta-corrente de Demóstenes, que nega haver recebido.
Com a experiência que possui, Gurgel deveria esperar para verificar a movimentação bancária de Demóstenes, pois, se não for verdadeiro o mencionado, acaba por favorecer, “encher a bola” o senador, ou melhor, de um farsante do tipo tartufo de Molière.
De boa cautela, até porque “embalou” e fez adormecer no seu gabinete o caso Las Vegas, que Gurgel se desse por impedido e deixasse de atuar, passando a tarefa ao seu substituto. Afinal, Gurgel atua como representante da sociedade civil e é, pelo foro privilegiado de Demóstenes, o único que poderá propor ação penal pública contra ele.
Nesse quadro de “bas-fond” do Irajá, pontifica, também, o petista Humberto Costa, relator na Comissão de Ética do processo por quebra de decoro parlamentar contra Demóstenes. Costa anunciou que não vai usar dados de interceptações telefônicas colhidas na Operação Monte Carlo. Em outras palavras, vai aliviar para o lado de Demóstenes, e se contentar no relatório, com fatos indecorosos menores, como o exuberante presente de casamento escolhido pelo senador Demóstenes, pago e importado por Cachoeira.
Pano rápido. Viva o Brasil!
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