19 junho, 2012

Não existem santos nem inocentes neste jogo pesado



Reproduzimos um sentimento que o Kotscho conseguiu colocar em palavras.
  



por Ricardo Kotscho


Maluf já tinha conseguido tudo o que queria do PT: colocar um cupincha do PP no Ministério das Cidades e a garantia de cargos na área de habitação da prefeitura caso Fernando Haddad seja eleito.

Nesta segunda-feira, com tudo acertado para o acordo ser celebrado pelas direções dos dois partidos num almoço em sua latifundiária mansão da rua Costa Rica, no Jardim América, o criador do malufismo resolveu tripudiar: exigiu a presença do ex-presidente Lula no almoço.

Deu a entender a interlocutores do PT que, sem tirar uma foto com Lula em seus belos jardins, não selaria a aliança. A esta altura, já era certo que o ex-presidente não iria ao casamento, por recomendação dos médicos, que lhe recomendaram distância dos atos políticos por mais alguns dias para poupar a voz.

Pelo mesmo motivo, Lula não participou do ato, na última sexta-feira, em que o PSB oficializou seu apoio ao PT com a indicação da ex-prefeita Luiza Erundina para vice de Haddad. Erundina, que já estava inconformada com esta aliança, ficou magoada, e ameaçou pular do barco.

Nunca se vai saber se Maluf, como é de seu costume, estava apenas blefando ou se levaria até o fim a chantagem. O fato é que Lula não quis pagar para ver e acabou se submetendo a uma cena constrangedora diante da imprensa como se tivesse sido obrigado a fazer uma coisa que não queria. Por conhecê-lo bem e ser seu amigo faz mais de 30 anos, posso imaginar quanto deve ter sido difícil para ele tomar esta decisão.

Sabemos todos que nestes tempos modernos de política pragmática os acordos eleitorais são feitos não mais baseados em programas partidários, mas em tempo de TV, cargos e verbas, que se transformam em votos e decidem vitórias ou derrotas. Não existem santos nem inocentes neste jogo pesado. Mas precisava da foto?

Em eleições, só é feio perder, costumam dizer os marqueteiros e estrategistas nos comitês de campanha. Além de votos, porém, a política também é feita de símbolos e de fatores subjetivos como a esperança, a confiança e a lealdade a certos princípios e valores.

Por longo tempo, desde a sua fundação, em 1980, o PT e Lula, seu principal líder, simbolizavam esta esperança de que a política pudesse ser feita de outro modo, sem que fosse preciso vender a alma ao diabo. Paulo Maluf sempre representou exatamente o oposto. Sou do tempo em que Lula era inimigo de Maluf e vice-versa. Sempre fiquei ao lado de Lula.

A realidade do poder, no entanto, foi maior do que o sonho e, hoje, ao ver esta foto em todos os jornais, muitos eleitores, principalmente os mais jovens, perderam as referências.

O pior de tudo foi ver o sorriso de vitorioso de Paulo Maluf ao passar a mão na cabeça de Fernando Haddad sob o olhar conformado de Lula. As eleições passam, mas esta foto vai ficar na memória como sinal de um tempo _ um tempo de descrença na política e nos valores democráticos.

Heródoto Barbeiro me perguntou ontem à noite no Jornal da Record News se este apoio de Maluf vai dar ou tirar votos do PT. Não soube responder, e também não importa. Minha conta não é essa.

E se o Maluf fechasse o acordo com o Serra, o que você diria?, perguntam-me alguns leitores. Eu não diria nada, até porque seria algo absolutamente normal, dentro do previsível e, portanto, nem daria manchete nos jornais. Boi preto com boi preto não chamam a atenção de ninguém.

A mais antiga história sobre jornalismo é aquela do cachorro que morde o homem e a do homem que morde o cachorro. Notícia é o que foge à normalidade, e esta foto na mansão de Paulo Maluf se enquadra no caso do homem que mordeu o cachorro.

Do ponto de vista puramente eleitoral, para mim não muda muita coisa ter um minuto a mais ou a menos no horário político obrigatório, já que o candidato tucano José Serra, no mesmo dia em que perdeu o apoio de Maluf, correu atrás do tempo de televisão do PTB de Roberto Jefferson, depois de ter vencido o leilão do PR de Valdemar da Costa Neto.

Neste negócio de ganhar ou perder apoios, ninguém vai poder falar nada de ninguém. Quem mais perde, com certeza, é o eleitor, cada vez mais descrente nos rumos da política brasileira. É triste.

9 comentários:

  1. Não dá para acreditar no presente sistema político. Como alguns segundos de televisão podem valer mais que vidas, que História?
    A saída talvez não seja tentar vencer esse jogo, nem se submeter a essas regras... Mas parar de jogar, denunciar a sujeira da banca e acabar com ela.

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    1. Compartilho, Leandro! Mas sabe quando chega aquele ponto da estrada que você sabe que está errada mas não dá mais para voltar? Tá parecendo isso! E tenho muito medo de que essa estrada não dê em nada!

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    2. Aos socialistas cabe denunciar os erros e limites do sistema, se possível avançar dentro dos limites e para além dele...

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  2. E pensar que eu comecei a militar no PT justamente porque era um partido para quem “não bastam para garantir a conquista dos direitos e dos interesses do povo trabalhador (...) cansado de servir de massa de manobra para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política”“(...) O PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições, mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia”.“(...) Queremos construir uma estrutura interna democrática, apoiada em decisões coletivas e cuja direção e programa sejam decididos em suas bases”.“(...) O Partido dos Trabalhadores pretende que o povo decida o que fazer da riqueza produzida e dos recursos naturais do País. As riquezas naturais, que até hoje só têm servido aos interesses do grande capital nacional e internacional, deverão ser postas a serviço do bem-estar da coletividade. Para isto é preciso que as decisões sobre a economia se submetam aos interesses populares”.“Mas estes interesses não prevalecerão enquanto o poder político não expressar uma real representação popular, fundada nas organizações dos trabalhadores sobre a economia e os demais níveis da sociedade. (...) o país só será efetivamente independente quando o estado for dirigido pelas massas trabalhadoras (...) por isso o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social. O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não exista explorados nem exploradores”.“O PT manifesta sua solidariedade à luta de todas as massas oprimidas do mundo”.( PARTIDO DOS TRABALHADORES (1999) Resoluções de Encontros e Congressos. Organização Diretório Nacional do PT. (1ª. Reimpressão.) São Paulo. Ed. Fundação Perseu Abramo. Pp. 65-67).

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    1. Sempre bom lembrar ! Ainda não coloquei isso no lixo, embora alguns o tenham feito!

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    2. Pois é, desacertos começaram pela ausência de prévias e desenrolaram-se na sequência de ações sem participação de partidários, cadê "estrutura interna democrática"?

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  3. Fragmento de Cordel tragicômico...

    Nos dias tenebrosos,
    citações messiânicas,
    de canone em riste
    a coluna avança.

    Nada de novo no front da batalha.
    Novos amigos, antigas mortalhas.
    Despojados abrigos,
    se buscam nos livros
    a primeira aliança.

    Se busca pela vista,
    a ameaça malquista
    que a memória já não alcança.

    Você precisa de alguém que te dê segurança,
    senão, você dança?

    Quantos deram as mãos,
    não esperando para fazer,
    conhecendo a flor e o canhão,
    autores da história, do ato e da hora
    e do destino nas mãos?

    Mas, agora, qual é nossa maldição?
    O que no peito palpita,
    tal que os gregos com Paulo,
    tomemos por incômodo
    o caminho da salvação?

    O que sobeja na alma,
    para estendermos a palma
    às trinta moedas do pior vendilhão?

    Quem era mesmo o inimigo?
    Onde se esconde o perigo,
    se já o extirpamos de nossas próprias fileiras?!

    Avante, companheiros!
    Sejamos os primeiros,
    tragam as bandeiras!

    Já caminhamos ao longe.
    Mas, onde se esconde a vitória derradeira?

    Tão cheios de glória,
    nos prova a História,
    somos o trem e a ferrovia,
    guardamos o trigo e o pão,
    temos o toque da prata fria,
    o poder do veto,
    o concílio secreto
    e o monopólio do não!

    Nos deu a fortuna
    a astúcia e a covardia?
    Ou pela virtude que temos
    imunes seremos
    ao ciclo dos dias?

    Invisíveis correntes nos atam ao passado.
    na cadência regulada,
    do passo-marcado
    nos toca a decisão
    sobre o que ser lembrado.

    Avante, companheiros!
    Sejamos os primeiros,
    tragam as bandeiras!
    Fonte: http://rodrigogf.blogspot.com.br/

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