Há mais de ano e meio a região do Oriente Médio vem passando por tumultos e reformas maciças, enquanto revoltas e revoluções sociopolíticas batem às portas de muitos países árabes da região, do Bahrein a Arábia Saudita e Egito. A maioria dessas rebeliões visa os regimes ditatoriais, na maioria despóticos, que reprimem e sufocam suas respectivas populações. Mais importante, quase todos esses regimes e seus governantes são aliados do Ocidente. Portanto, não surpreende ver como a situação nesses países pode ser embaraçosa para as capitais ocidentais. Portanto, de vez em quando ouvimos um pedido abafado por mudanças ou críticas, na maioria devidas a pressões internas de eleitorados de líderes e políticos ocidentais.
Enquanto as coisas se aquecem do outro lado do globo, seja esmagando os manifestantes na Praça Tahrir no Cairo, Egito, ou atirando contra manifestantes na Praça da Pérola em Manama, Bahrein, os pedidos ocos por respeito aos direitos humanos e provas de contenção se ampliam, mais para abafar as críticas de inércia do que para realmente criar resultados reais no local. Pois, como diz a famosa frase, as ações falam mais alto que as palavras.
Portanto, não seria apenas chocante, mas também meramente contraditório e hipócrita, saber que não apenas não se aplica pressão aos governantes desses países como na verdade eles são “recompensados” com enormes negócios de armas. A lista de países fornecedores e receptores e os negócios de armas individuais são numerosos, para dizer o mínimo. Mas, para dar ao leitor uma visão da ponta do iceberg, os seguintes elefantes se destacam:
- Ao longo do ano passado o governo britânico vendeu mais de 1 milhão de libras em armas para o governo de Bahrein. Um acordo recém-divulgado incluía, mas não se limitava a, silenciadores de armas, rifles, artilharia e aviões militares.
- No mesmo período, o Reino Unido também forneceu à Arábia Saudita e ao Egito mais de 1 milhão de libras em armas, respectivamente.
- No último verão houve rumores de um negócio entre a Alemanha e a Arábia Saudita para a aquisição de 200 tanques alemães.
- O governo dos EUA anunciou em meados de fevereiro de 2012 que seguirá com a venda de US$ 53 milhões em armas para Bahrein, que fora suspensa por motivos políticos em Manama.
- Os EUA também fornecerão à Arábia Saudita US$ 30 bilhões em armas, em um acordo que foi anunciado nos últimos dias de 2011, parte de um pacote de US$ 60 bilhões em dez anos aprovado pelo Congresso americano.
- Finalmente, os EUA também fornecerão aos Emirados Árabes Unidos armas em um acordo anunciado no final do ano passado no valor de US$ 3,5 bilhões.
O problema das notícias acima é complexo. Primeiro, o que não está na mente dos atuais líderes ocidentais em sua corrida para vender armas para esses aliados despóticos é história, uma que lembra os atos de seus antecessores. Cerca de 30 anos atrás, em meados e no final dos anos 1970, o xá do Irã, que coincidentemente era um firme aliado do Ocidente, recebeu bilhões de dólares em armas, em um momento em que internamente a sociedade iraniana passava por forte turbilhão e mudanças, como as que ocorrem hoje nos países árabes da região. E, assim como hoje, apesar da violenta opressão e repressão do xá a sua população o Ocidente continuou lhe fornecendo cada vez mais armas, porque achava que ele poderia finalmente controlar o turbilhão doméstico e conter os soviéticos e os atores rebeldes na região, como Iraque e Egito. No entanto, como mostrou o tempo, o xá caiu e depois da revolução de 1979 a população iraniana e seus novos líderes lembraram todos os negócios de armas do Ocidente com o exército do xá, que ironicamente acabou se voltando contra os EUA e os interesses ocidentais.
Hoje também o Ocidente ignora as mesmas lições e erros históricos, e está fornecendo bilhões de dólares em armas e equipamentos para um bando de nações instáveis e antidemocráticas da região, fazendo ouvidos moucos para as revoltas populares nesses países e com o pensamento otimista de que os governantes dos mesmos passarão pela tempestade e conseguirão manter o Irã sob controle. Mas a realidade é que o Ocidente deverá estar preparado quando todos esses regimes caírem, um a um, e suas populações lembrarem que o Ocidente deu palavras vazias de apoio ao povo e armas cheias de balas para seus governantes.
E essas armas afinal se voltarão contra os interesses ocidentais. Dois exemplos recentes se destacam, Egito e Líbia, onde os fundamentalistas que não são tão amistosos com o Ocidente estão subindo os degraus políticos e criando dores de cabeça para os governos ocidentais. O colapso de regimes em lugares como Arábia Saudita e Bahrein também significará problemas para o Ocidente. Na Arábia Saudita, uma guerra civil ocorrerá entre xiitas e sunitas e o Ocidente não estará a salvo de um governo xiita alinhado com o Irã, nem de um governo sunita radical alinhado com a Al Qaeda e os terroristas. Em Bahrein o cenário não será muito diferente do Iraque, onde a maioria oprimida conseguirá o controle e se revoltará contra a minoria governante anterior e seus amigos estrangeiros.
Em segundo lugar, é evidente que os atos do Ocidente, personificados nos acordos de armas mencionados, juntamente com um plano recém revelado pelo governo Obama de fornecer a vários outros países árabes — como Kuwait, Jordânia e Marrocos — um acordo de armas de US$ 10 bilhões, estão criando uma corrida armamentista na região, a qual não beneficiará ninguém. Ao fornecer bilhões de dólares em armas para os países árabes, o Ocidente, e especificamente os EUA, pensam erroneamente que poderão gerar um equilíbrio e um contrapeso para a ameaça percebida do Irã. Isto por sua vez vai motivar os iranianos a adquirir mais armas e reforçar suas capacidades defensivas e ofensivas apenas para poder continuar à altura de seus vizinhos. E não devemos esquecer Israel, que já está recebendo cerca de US$ 2,4 bilhões em ajuda militar dos EUA.
Os atos do Ocidente ajudarão a criar e alimentar um ciclo vicioso e interminável. E no caso de uma calamidade imprevista todas as armas colocadas nesses países, no quintal dos fundos de Israel, serão muito mais perigosas do que qualquer ameaça antes representada pelo Irã. E mais uma vez, como a história mostrou na guerra do golfo Pérsico em 1991, os mísseis iraquianos que Saddam havia adquirido da Europa e dos EUA acabaram caindo sobre Israel.
Uma coisa que o Ocidente precisa entender e aprender com os casos da Líbia e do Egito é que, diferentemente do Irã, onde o governo fundamentalista se opõe ao Ocidente, a maioria da população é favorável e amigável ao Ocidente, enquanto em muitos dos mesmos países árabes aliados da região a situação é inversa, onde a elite dominante governante se alinha com o Ocidente, mas a população, mais fundamentalista, considera seu governo corrupto e próximo demais do Ocidente. Portanto, qualquer venda de armas, especialmente nesta junção da vida política no Oriente Médio, deveria ser seriamente reconsiderada nas capitais ocidentais.
S. Hesam Houryaband é analista político
Enquanto as coisas se aquecem do outro lado do globo, seja esmagando os manifestantes na Praça Tahrir no Cairo, Egito, ou atirando contra manifestantes na Praça da Pérola em Manama, Bahrein, os pedidos ocos por respeito aos direitos humanos e provas de contenção se ampliam, mais para abafar as críticas de inércia do que para realmente criar resultados reais no local. Pois, como diz a famosa frase, as ações falam mais alto que as palavras.
Portanto, não seria apenas chocante, mas também meramente contraditório e hipócrita, saber que não apenas não se aplica pressão aos governantes desses países como na verdade eles são “recompensados” com enormes negócios de armas. A lista de países fornecedores e receptores e os negócios de armas individuais são numerosos, para dizer o mínimo. Mas, para dar ao leitor uma visão da ponta do iceberg, os seguintes elefantes se destacam:
- Ao longo do ano passado o governo britânico vendeu mais de 1 milhão de libras em armas para o governo de Bahrein. Um acordo recém-divulgado incluía, mas não se limitava a, silenciadores de armas, rifles, artilharia e aviões militares.
- No mesmo período, o Reino Unido também forneceu à Arábia Saudita e ao Egito mais de 1 milhão de libras em armas, respectivamente.
- No último verão houve rumores de um negócio entre a Alemanha e a Arábia Saudita para a aquisição de 200 tanques alemães.
- O governo dos EUA anunciou em meados de fevereiro de 2012 que seguirá com a venda de US$ 53 milhões em armas para Bahrein, que fora suspensa por motivos políticos em Manama.
- Os EUA também fornecerão à Arábia Saudita US$ 30 bilhões em armas, em um acordo que foi anunciado nos últimos dias de 2011, parte de um pacote de US$ 60 bilhões em dez anos aprovado pelo Congresso americano.
- Finalmente, os EUA também fornecerão aos Emirados Árabes Unidos armas em um acordo anunciado no final do ano passado no valor de US$ 3,5 bilhões.
O problema das notícias acima é complexo. Primeiro, o que não está na mente dos atuais líderes ocidentais em sua corrida para vender armas para esses aliados despóticos é história, uma que lembra os atos de seus antecessores. Cerca de 30 anos atrás, em meados e no final dos anos 1970, o xá do Irã, que coincidentemente era um firme aliado do Ocidente, recebeu bilhões de dólares em armas, em um momento em que internamente a sociedade iraniana passava por forte turbilhão e mudanças, como as que ocorrem hoje nos países árabes da região. E, assim como hoje, apesar da violenta opressão e repressão do xá a sua população o Ocidente continuou lhe fornecendo cada vez mais armas, porque achava que ele poderia finalmente controlar o turbilhão doméstico e conter os soviéticos e os atores rebeldes na região, como Iraque e Egito. No entanto, como mostrou o tempo, o xá caiu e depois da revolução de 1979 a população iraniana e seus novos líderes lembraram todos os negócios de armas do Ocidente com o exército do xá, que ironicamente acabou se voltando contra os EUA e os interesses ocidentais.
Hoje também o Ocidente ignora as mesmas lições e erros históricos, e está fornecendo bilhões de dólares em armas e equipamentos para um bando de nações instáveis e antidemocráticas da região, fazendo ouvidos moucos para as revoltas populares nesses países e com o pensamento otimista de que os governantes dos mesmos passarão pela tempestade e conseguirão manter o Irã sob controle. Mas a realidade é que o Ocidente deverá estar preparado quando todos esses regimes caírem, um a um, e suas populações lembrarem que o Ocidente deu palavras vazias de apoio ao povo e armas cheias de balas para seus governantes.
E essas armas afinal se voltarão contra os interesses ocidentais. Dois exemplos recentes se destacam, Egito e Líbia, onde os fundamentalistas que não são tão amistosos com o Ocidente estão subindo os degraus políticos e criando dores de cabeça para os governos ocidentais. O colapso de regimes em lugares como Arábia Saudita e Bahrein também significará problemas para o Ocidente. Na Arábia Saudita, uma guerra civil ocorrerá entre xiitas e sunitas e o Ocidente não estará a salvo de um governo xiita alinhado com o Irã, nem de um governo sunita radical alinhado com a Al Qaeda e os terroristas. Em Bahrein o cenário não será muito diferente do Iraque, onde a maioria oprimida conseguirá o controle e se revoltará contra a minoria governante anterior e seus amigos estrangeiros.
Em segundo lugar, é evidente que os atos do Ocidente, personificados nos acordos de armas mencionados, juntamente com um plano recém revelado pelo governo Obama de fornecer a vários outros países árabes — como Kuwait, Jordânia e Marrocos — um acordo de armas de US$ 10 bilhões, estão criando uma corrida armamentista na região, a qual não beneficiará ninguém. Ao fornecer bilhões de dólares em armas para os países árabes, o Ocidente, e especificamente os EUA, pensam erroneamente que poderão gerar um equilíbrio e um contrapeso para a ameaça percebida do Irã. Isto por sua vez vai motivar os iranianos a adquirir mais armas e reforçar suas capacidades defensivas e ofensivas apenas para poder continuar à altura de seus vizinhos. E não devemos esquecer Israel, que já está recebendo cerca de US$ 2,4 bilhões em ajuda militar dos EUA.
Os atos do Ocidente ajudarão a criar e alimentar um ciclo vicioso e interminável. E no caso de uma calamidade imprevista todas as armas colocadas nesses países, no quintal dos fundos de Israel, serão muito mais perigosas do que qualquer ameaça antes representada pelo Irã. E mais uma vez, como a história mostrou na guerra do golfo Pérsico em 1991, os mísseis iraquianos que Saddam havia adquirido da Europa e dos EUA acabaram caindo sobre Israel.
Uma coisa que o Ocidente precisa entender e aprender com os casos da Líbia e do Egito é que, diferentemente do Irã, onde o governo fundamentalista se opõe ao Ocidente, a maioria da população é favorável e amigável ao Ocidente, enquanto em muitos dos mesmos países árabes aliados da região a situação é inversa, onde a elite dominante governante se alinha com o Ocidente, mas a população, mais fundamentalista, considera seu governo corrupto e próximo demais do Ocidente. Portanto, qualquer venda de armas, especialmente nesta junção da vida política no Oriente Médio, deveria ser seriamente reconsiderada nas capitais ocidentais.
S. Hesam Houryaband é analista político
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