por @WillianFagiolo
Eu já sabia, mas não queria acreditar. É verdade. Nunca pensei tanto em cidades como agora que estou fora do governo há tanto tempo. É um lugar comum, porém mais que verdadeiro: nunca entenderemos o nosso presente ou prepararemos o futuro sem analisarmos o passado. Pura perspectiva histórica.
Num dia 20 de maio, anos atrás, estive na cidade de Cascavel, PR, Centro de Convenções e Eventos, representando a ITAIPU Binacional, fazendo uma palestra, por ocasião da 3ª Jornada de Engenharia e Arquitetura, Fórum de Desenvolvimento Urbano e FENARC (Feira da Engenharia, Arquitetura e Construção).
Cá comigo, acho que a maioria das cidades brasileiras, e seus dirigentes, ainda não saiu do estágio tribal. Não me levem a mal.
Vou pelejando. Uma das coisas que sempre me encantaram, neste mais de meio século de vida que tenho, foi conhecer pessoas, que, em minha lista de eventos favoritos, conseguem, nesse imenso mar de manipulações, expressar humanidade. Coisa rara.
O mundo cresceu, com ele o Brasil. Claro, o Brasil, de adolescente passou a maduro, politizou-se e, com ele, nós. Como arquiteto sei que não há política social sem uma justa política urbana. Aos “quadrados e complicados”, digo que “a coisa é muito simples”, e que sou um arquiteto e humanista, antes de ser o urbanista que sou. Agora, luto pela urbanidade. Dentro de nós, reabrem-se esperanças há muito aguardadas. Hoje tudo está claro. Daí a importância extraordinária deste momento: o Brasil esforça-se para saber o que quer. E o que não quer.
Como Keynes (John Maynard, o nobre economista), eu concordo que no longo prazo todos estaremos mortos. Alguém discorda? Esse foi o início da minha fala. Tudo por causa dos intermináveis e desenxabidos Planos Diretores, as cidades brasileiras ora estão como birutas de aeroporto, que mudam de direção todo o tempo, desorientadas, ou estão como icebergs, que seguem sempre numa mesma direção, imutáveis, inertes. A realidade é que a população não espera o tal do planejamento de longo prazo, abstrato, incompreensível. Por isso temos que mudar, urgentemente, o modelo herdado do Planejamento Modernista Ortodoxo do século 20.
Matem a rua, dizia Le Corbusier (Charles Édouard Jeanneret, arquiteto e escritor suíço, que influenciou toda uma geração, inclusive a minha, e, principalmente, o ensino de arquitetura e as leis de uso e ocupação do solo/zoneamento no Brasil). Le Corbusier acreditava piamente no mito da modernidade, na ciência e na tecnologia como soluções para todos os problemas da humanidade.
“O homem é o que ele faz”, e , portanto, deve existir uma correspondência cada vez mais estreita entre a produção, tornada mais eficaz pela ciência, a tecnologia ou a administração, a organização da sociedade, regulada pela lei da vida pessoal. Cada um por si. Isso deu certo?
O projeto da modernidade parece ter se mostrado insuficiente para solucionar os problemas que assolam a humanidade e nossas cidades. Trocando em miúdos, isto quer dizer que, além de crises políticas e econômicas em escala mundial, estamos também presenciando uma crise histórica – a crise da Era Moderna.
A Pós-modernidade tem sido vista por teóricos e intelectuais como uma condição histórica contemporânea. Calma, faço a distinção, oportunamente, entre Pós-modernismo e Pós-modernidade.
O Pós-modernismo define um movimento de origem artística, que nasceu na década de 70, com maior visibilidade no campo da arquitetura. É um movimento que se pautou por uma estética que denunciava as promessas não cumpridas pela modernidade.
A tentativa de definir a Pós-modernidade é mais recente, vem do final da década de 80 e início da década de 90, e procura conceituá-la como um período de transição histórica que poderá culminar na superação dos cânones modernos. Por isso ouvimos tanto falar na busca de novos paradigmas.
O que é Modernidade, cuja presença é tão central em nossas idéias e práticas após mais de três séculos e que está em discussão, rejeitada ou redefinida, nos dias de hoje?
A Modernidade se caracteriza por ser a "época da história" em oposição à visão naturalista, de Rousseau, e cíclica do curso do mundo, fato que pode ser entendido a partir do processo de secularização e de autonomização do pensamento, nos domínios da ciência e da técnica. O paradigma cultural da Modernidade constituiu-se entre o século 16 e finais do século 18 coincidindo, aproximadamente, com a emergência do capitalismo enquanto modo de produção dominante nos países da Europa .
No Urbanismo Ortodoxo, a capacidade de interação entre as pessoas, de poderem se esbarrar nas ruas, o que era algo importante até o século 19, desapareceu em grande medida no século 20. Tudo de bom estava nas ruas.
Eu proclamo: Enterrem o irrealizável Plano Diretor ! Não percam tempo com o lero-lero interminável que ninguém entende.
O grande desafio de Arquitetos e Gestores Públicos, neste novo século, será encontrar soluções para erros do passado. O maior desafio do Planejamento Urbano Contemporâneo é aumentar o potencial competitivo das cidades no sentido de responder às demandas globais e atrair recursos humanos e financeiros internacionais.
Uma Nova Gestão de Cidades compreende um conjunto integrado de políticas que vão desde a habitação, o trânsito (que agora entra definitivamente na agenda principal da questão urbana, a mobilidade), o transporte, o urbanismo e ordenamento do território urbano, passando pelas políticas de ataque às "chagas sociais", características, sobretudo, das grandes áreas metropolitanas, desemprego, droga, favelas, violência urbana, etc. e que começam a atingir, de forma indiscriminada, todas as cidades brasileiras. O novo modelo de gestão procura atacar os problemas urbanísticos, sociais e de segurança preventiva das cidades e também das grandes áreas metropolitanas de uma forma coordenada, multilateral e concertada, numa palavra, de uma forma integrada.
O contexto das críticas ao Urbanismo Moderno Ortodoxo é, principalmente, à legislação existente em todos os níveis de governos, fenômeno que extrapolou todas as fronteiras, banalizando-se enquanto intervenções urbanas tardias em nossas cidades. Hoje podemos identificar no cotidiano das nossas cidades as razões da violência, da sujeira e do abandono, ou o contrário, a boa manutenção, a segurança e a qualidade de vida de lugares que constituem a cena real das metrópoles, em simetria ao esquematismo dos modos de vida que os planejadores modernistas previam em seus modelos urbanos ideais. É crescente o número de elementos carcerários presentes nas habitações. Como já escrevi, as residências se assemelham mais a presídios de segurança máxima, com sistemas sofisticados de alarmes, sensores e câmeras de vídeo.
Estamos diante de uma arquitetura que explicita, sem vergonha, o medo da violência. O espaço público não é mais o espaço das trocas, do aprendizado, dos encontros. A rua não é mais um local de socialização, ou seja, mataram a rua. O que está em jogo é o sentido de cidadania. Ao se trancafiar, a pessoa não percebe nem vivencia a cidade. Tudo isso intensifica a "privatização da vida" e, o que é pior, a privatização do espaço público, o que faz com que a relação com a cidadania seja castrada.
Lógico que pretendo formular uma crítica aos axiomas desse planejamento ortodoxo : A Separação das Funções / Zoneamento e a Autopia (a lógica da circulação individual, do automóvel, pela exaltação do sistema viário etc).
Hoje temos, como principal e duradoura lição, a necessidade da diversidade urbana, assim resumida : funções que gerem presença de pessoas em horários diferentes ("a necessidade de usos principais combinados") e em alta concentração; valorização de esquinas e percursos (a necessidade de quadras curtas); edifícios variados e de diferentes idades (a necessidade de prédios antigos); a subvenção de moradias; redução dos automóveis (ou então a erosão das cidades); ordem visual, limitações e potencialidades; projetos de revitalização etc.
O Planejamento Modernista trouxe como resultado um efeito desvitalizante e desurbanizador promovido pelos projetos que desconheciam o real funcionamento das cidades. O convívio (não a separação) entre as distintas funções urbanas (o primevo) — Morar, Trabalhar, Passear, Comprar, Conviver, Circular — e tantos outros, é a base da Vitalidade Urbana, matéria-prima da Urbanidade. Além da Monofuncionalidade, isto é, a Ausência da Diversidade Funcional, ruas mal iluminadas, calçadas desprovidas de qualidades mínimas, parques urbanos (quando existentes) segregados, quarteirões muito longos, a falta de definição precisa entre espaços públicos e privados, o excesso de espaços imprecisos ou residuais, mau equacionamento do convívio automóvel/pedestre, são alguns dos elementos físicos e espaciais que corroem a Urbanidade.
A gestão das cidades brasileiras resultou da mais absoluta ausência de planos ou da consciência de sua necessidade. Aqui, a erosão permanente da urbanidade instalou-se não apenas pela ausência de planos, mas, acima de tudo, pela incapacidade do poder público de entender o papel contemporâneo e histórico das cidades.
A preocupação que deve imperar nas cidades é com a qualidade de vida. Rumo a esse objetivo, sobretudo, os (futuros) prefeitos têm desafios enormes pela frente.
Como acolher os cidadãos, e suas novas atividades, sem jogar no lixo, sob a demolição, a arquitetura de tempos passados, o genius locci, as marcas da história?
A busca da maior parte destas respostas é a razão de viver dos urbanistas de todo mundo. O Urbanismo Utópico vai ceder lugar ao Urbanismo Corretivo, de modo a corrigir os erros cometidos e preparar as cidades para as necessidades futuras.
Retomar o crescimento econômico com melhor distribuição de renda é a primeira grande e vital válvula de segurança para as tensões sociais. Mas, outra providência é ampliar a abrangência e a eficiência das políticas sociais e urbanas que incentivam a sociedade civil a resgatar sua cidadania decidindo prioridades e envolvendo-se na operação de criativos programas públicos. Fica a sugestão aos candidatos. Ora, pois, pois. Mas entendo que é difícil. PQP!
Cá comigo, acho que a maioria das cidades brasileiras, e seus dirigentes, ainda não saiu do estágio tribal. Não me levem a mal.
Vou pelejando. Uma das coisas que sempre me encantaram, neste mais de meio século de vida que tenho, foi conhecer pessoas, que, em minha lista de eventos favoritos, conseguem, nesse imenso mar de manipulações, expressar humanidade. Coisa rara.
O mundo cresceu, com ele o Brasil. Claro, o Brasil, de adolescente passou a maduro, politizou-se e, com ele, nós. Como arquiteto sei que não há política social sem uma justa política urbana. Aos “quadrados e complicados”, digo que “a coisa é muito simples”, e que sou um arquiteto e humanista, antes de ser o urbanista que sou. Agora, luto pela urbanidade. Dentro de nós, reabrem-se esperanças há muito aguardadas. Hoje tudo está claro. Daí a importância extraordinária deste momento: o Brasil esforça-se para saber o que quer. E o que não quer.
Sou da geração do silêncio imposto pela crueldade da censura e do regime militar. Por isso, aprendi a observar muito e a pensar cuidadosamente, passo a passo.
Fui lá em Cascavel falar sobre Um Novo Modelo de Gestão de Cidades. Escolhi o tema. Para os atentos leitores o assunto não é novidade.
Como Keynes (John Maynard, o nobre economista), eu concordo que no longo prazo todos estaremos mortos. Alguém discorda? Esse foi o início da minha fala. Tudo por causa dos intermináveis e desenxabidos Planos Diretores, as cidades brasileiras ora estão como birutas de aeroporto, que mudam de direção todo o tempo, desorientadas, ou estão como icebergs, que seguem sempre numa mesma direção, imutáveis, inertes. A realidade é que a população não espera o tal do planejamento de longo prazo, abstrato, incompreensível. Por isso temos que mudar, urgentemente, o modelo herdado do Planejamento Modernista Ortodoxo do século 20.
Matem a rua, dizia Le Corbusier (Charles Édouard Jeanneret, arquiteto e escritor suíço, que influenciou toda uma geração, inclusive a minha, e, principalmente, o ensino de arquitetura e as leis de uso e ocupação do solo/zoneamento no Brasil). Le Corbusier acreditava piamente no mito da modernidade, na ciência e na tecnologia como soluções para todos os problemas da humanidade.
“O homem é o que ele faz”, e , portanto, deve existir uma correspondência cada vez mais estreita entre a produção, tornada mais eficaz pela ciência, a tecnologia ou a administração, a organização da sociedade, regulada pela lei da vida pessoal. Cada um por si. Isso deu certo?
O projeto da modernidade parece ter se mostrado insuficiente para solucionar os problemas que assolam a humanidade e nossas cidades. Trocando em miúdos, isto quer dizer que, além de crises políticas e econômicas em escala mundial, estamos também presenciando uma crise histórica – a crise da Era Moderna.
A Pós-modernidade tem sido vista por teóricos e intelectuais como uma condição histórica contemporânea. Calma, faço a distinção, oportunamente, entre Pós-modernismo e Pós-modernidade.
O Pós-modernismo define um movimento de origem artística, que nasceu na década de 70, com maior visibilidade no campo da arquitetura. É um movimento que se pautou por uma estética que denunciava as promessas não cumpridas pela modernidade.
A tentativa de definir a Pós-modernidade é mais recente, vem do final da década de 80 e início da década de 90, e procura conceituá-la como um período de transição histórica que poderá culminar na superação dos cânones modernos. Por isso ouvimos tanto falar na busca de novos paradigmas.
O que é Modernidade, cuja presença é tão central em nossas idéias e práticas após mais de três séculos e que está em discussão, rejeitada ou redefinida, nos dias de hoje?
A Modernidade se caracteriza por ser a "época da história" em oposição à visão naturalista, de Rousseau, e cíclica do curso do mundo, fato que pode ser entendido a partir do processo de secularização e de autonomização do pensamento, nos domínios da ciência e da técnica. O paradigma cultural da Modernidade constituiu-se entre o século 16 e finais do século 18 coincidindo, aproximadamente, com a emergência do capitalismo enquanto modo de produção dominante nos países da Europa .
Neste processo distinguimos três períodos:
Capitalismo Liberal (século 19);
Capitalismo Organizado (fim do século 19 até 2ª guerra mundial);
Capitalismo Financeiro, também designado de capitalismo desorganizado, selvagem (inicio na década de 60).
A Modernidade construiu um ambicioso e revolucionário projeto , que buscou transformar a face da Terra pela fé na ciência e na técnica aplicadas às forças produtivas; nas relações liberais de mercado como capazes de implementar um estado justo e próspero; na positividade do progresso e na sua constante renovação e superação. No entanto, o que se observou é que, ao invés dos princípios coexistirem harmoniosamente, sinergicamente, eles se sobrepuseram uns aos outros, levando o processo a um desequilíbrio. Por exemplo, no período do capitalismo liberal, houve um desenvolvimento sem precedentes do princípio do mercado, atrofiando o princípio da comunidade e pressionando o estado a uma ressignificação de seu papel.
A Modernidade é um paradoxo, uma unidade de desunidade, pois ao mesmo tempo em que une as pessoas no mundo, destruindo as fronteiras geográficas, raciais e de classes, coloca-as num ambiente conflitante, contraditório.
Capitalismo Liberal (século 19);
Capitalismo Organizado (fim do século 19 até 2ª guerra mundial);
Capitalismo Financeiro, também designado de capitalismo desorganizado, selvagem (inicio na década de 60).
Foto: Metropolis
A Modernidade construiu um ambicioso e revolucionário projeto , que buscou transformar a face da Terra pela fé na ciência e na técnica aplicadas às forças produtivas; nas relações liberais de mercado como capazes de implementar um estado justo e próspero; na positividade do progresso e na sua constante renovação e superação. No entanto, o que se observou é que, ao invés dos princípios coexistirem harmoniosamente, sinergicamente, eles se sobrepuseram uns aos outros, levando o processo a um desequilíbrio. Por exemplo, no período do capitalismo liberal, houve um desenvolvimento sem precedentes do princípio do mercado, atrofiando o princípio da comunidade e pressionando o estado a uma ressignificação de seu papel.
A Modernidade é um paradoxo, uma unidade de desunidade, pois ao mesmo tempo em que une as pessoas no mundo, destruindo as fronteiras geográficas, raciais e de classes, coloca-as num ambiente conflitante, contraditório.
No Urbanismo Ortodoxo, a capacidade de interação entre as pessoas, de poderem se esbarrar nas ruas, o que era algo importante até o século 19, desapareceu em grande medida no século 20. Tudo de bom estava nas ruas.
Hoje muita gente já valoriza isso, mas durante 50 anos ou mais predominaram as idéias de Le Corbusier, cujo lema era: ''Matem a rua''. E ele teve muitos discípulos ao redor do mundo, como escrevi acima.
Eu proclamo: Enterrem o irrealizável Plano Diretor ! Não percam tempo com o lero-lero interminável que ninguém entende.
O grande desafio de Arquitetos e Gestores Públicos, neste novo século, será encontrar soluções para erros do passado. O maior desafio do Planejamento Urbano Contemporâneo é aumentar o potencial competitivo das cidades no sentido de responder às demandas globais e atrair recursos humanos e financeiros internacionais.
Uma Nova Gestão de Cidades compreende um conjunto integrado de políticas que vão desde a habitação, o trânsito (que agora entra definitivamente na agenda principal da questão urbana, a mobilidade), o transporte, o urbanismo e ordenamento do território urbano, passando pelas políticas de ataque às "chagas sociais", características, sobretudo, das grandes áreas metropolitanas, desemprego, droga, favelas, violência urbana, etc. e que começam a atingir, de forma indiscriminada, todas as cidades brasileiras. O novo modelo de gestão procura atacar os problemas urbanísticos, sociais e de segurança preventiva das cidades e também das grandes áreas metropolitanas de uma forma coordenada, multilateral e concertada, numa palavra, de uma forma integrada.
O contexto das críticas ao Urbanismo Moderno Ortodoxo é, principalmente, à legislação existente em todos os níveis de governos, fenômeno que extrapolou todas as fronteiras, banalizando-se enquanto intervenções urbanas tardias em nossas cidades. Hoje podemos identificar no cotidiano das nossas cidades as razões da violência, da sujeira e do abandono, ou o contrário, a boa manutenção, a segurança e a qualidade de vida de lugares que constituem a cena real das metrópoles, em simetria ao esquematismo dos modos de vida que os planejadores modernistas previam em seus modelos urbanos ideais. É crescente o número de elementos carcerários presentes nas habitações. Como já escrevi, as residências se assemelham mais a presídios de segurança máxima, com sistemas sofisticados de alarmes, sensores e câmeras de vídeo.
Estamos diante de uma arquitetura que explicita, sem vergonha, o medo da violência. O espaço público não é mais o espaço das trocas, do aprendizado, dos encontros. A rua não é mais um local de socialização, ou seja, mataram a rua. O que está em jogo é o sentido de cidadania. Ao se trancafiar, a pessoa não percebe nem vivencia a cidade. Tudo isso intensifica a "privatização da vida" e, o que é pior, a privatização do espaço público, o que faz com que a relação com a cidadania seja castrada.
Lógico que pretendo formular uma crítica aos axiomas desse planejamento ortodoxo : A Separação das Funções / Zoneamento e a Autopia (a lógica da circulação individual, do automóvel, pela exaltação do sistema viário etc).
Hoje temos, como principal e duradoura lição, a necessidade da diversidade urbana, assim resumida : funções que gerem presença de pessoas em horários diferentes ("a necessidade de usos principais combinados") e em alta concentração; valorização de esquinas e percursos (a necessidade de quadras curtas); edifícios variados e de diferentes idades (a necessidade de prédios antigos); a subvenção de moradias; redução dos automóveis (ou então a erosão das cidades); ordem visual, limitações e potencialidades; projetos de revitalização etc.
O Planejamento Modernista trouxe como resultado um efeito desvitalizante e desurbanizador promovido pelos projetos que desconheciam o real funcionamento das cidades. O convívio (não a separação) entre as distintas funções urbanas (o primevo) — Morar, Trabalhar, Passear, Comprar, Conviver, Circular — e tantos outros, é a base da Vitalidade Urbana, matéria-prima da Urbanidade. Além da Monofuncionalidade, isto é, a Ausência da Diversidade Funcional, ruas mal iluminadas, calçadas desprovidas de qualidades mínimas, parques urbanos (quando existentes) segregados, quarteirões muito longos, a falta de definição precisa entre espaços públicos e privados, o excesso de espaços imprecisos ou residuais, mau equacionamento do convívio automóvel/pedestre, são alguns dos elementos físicos e espaciais que corroem a Urbanidade.
A gestão das cidades brasileiras resultou da mais absoluta ausência de planos ou da consciência de sua necessidade. Aqui, a erosão permanente da urbanidade instalou-se não apenas pela ausência de planos, mas, acima de tudo, pela incapacidade do poder público de entender o papel contemporâneo e histórico das cidades.
A preocupação que deve imperar nas cidades é com a qualidade de vida. Rumo a esse objetivo, sobretudo, os (futuros) prefeitos têm desafios enormes pela frente.
Como, por exemplo, garantir o deslocamento das pessoas de tal modo que possam morar, trabalhar e se divertir sem perder quatro, cinco horas de seu dia em péssimos traslados.
Como acolher os cidadãos, e suas novas atividades, sem jogar no lixo, sob a demolição, a arquitetura de tempos passados, o genius locci, as marcas da história?
A busca da maior parte destas respostas é a razão de viver dos urbanistas de todo mundo. O Urbanismo Utópico vai ceder lugar ao Urbanismo Corretivo, de modo a corrigir os erros cometidos e preparar as cidades para as necessidades futuras.
Retomar o crescimento econômico com melhor distribuição de renda é a primeira grande e vital válvula de segurança para as tensões sociais. Mas, outra providência é ampliar a abrangência e a eficiência das políticas sociais e urbanas que incentivam a sociedade civil a resgatar sua cidadania decidindo prioridades e envolvendo-se na operação de criativos programas públicos. Fica a sugestão aos candidatos. Ora, pois, pois. Mas entendo que é difícil. PQP!
Magnífico, Willian.
ResponderExcluirUma aula de arquitetura da cidade. Vou colar o link no twitter do Professor José Lemos, candidato 13 à Prefeitura.
E vou apresentar a matéria para nossos amigos.
É maravilhoso saber todas essas coisas, e saber que vocë, e quem sabe quantos mais arquitetos pensam assim, "... O Urbanismo Utópico vai ceder lugar ao Urbanismo Corretivo, de modo a corrigir os erros cometidos e preparar as cidades para as necessidades futuras.
Retomar o crescimento econômico com melhor distribuição de renda é a primeira grande e vital válvula de segurança para as tensões sociais. Mas, outra providência é ampliar a abrangência e a eficiência das políticas sociais e urbanas que incentivam a sociedade civil a resgatar sua cidadania decidindo prioridades e envolvendo-se na operação de criativos programas públicos." Estou certa de que Professor José Lemos pensa como vocë. Tomara que ele seja eleito, eu acredito em sua visão humanística. Muito agradecida pela honra de estarmos aqui, em teus escritos. E por vocë ter estado tão intimamente entre nós. Deixo meu abraço carinhoso. Carmen R Dias