18 outubro, 2012

Chomsky: há 50 anos “o mundo esteve para acabar”


Do Outras Palavras

Uma análise (e uma advertência) sobre a “Crise dos Mísseis” — que teve Cuba como pivô e quase levou EUA e União Soviética a provocarem a catástrofe nuclear

Por Antonio Martins

O episódio mais tenso da Guerra Fria e provavelmente a maior ameaça já vivida pela humanidade completará 50 anos, no próximo dia 28. Nas duas últimas semanas de outubro de 1962, Estados Unidos e a então União Soviética (URSS) estiveram muito próximos de deflagrarem, entre si, uma guerra atômica que teria arrasado boa parte do planeta.

Muitas análises serão publicadas a respeito do episódio, nos próximos dias — mas vale a pena ler com atenção uma delas, escrita pelo pensador norte-americano Noam Chomsky e recém-publicada (em inglês). Apoiado numa vasta análise de documentos secretos desclassificados, Chomsky sustenta entre outras coisas que: No lado norte-americano, a crise foi manejada por um comitê extraordinário (o ExComm) formando na Casa Branca, sob presidência de John F. Kennedy. Boa parte de seus integrantes acreditava que a guerra total contra a URSS era inevitável. O próprio Kennedy avaliou, depois, que os riscos chegaram a ser de 50%. O secretário de Defesa, Robert McNamara, indagava-se, no momento mais tenso, se teria a chance de “viver outra noite de sábado”.

Riquíssimo tanto na análise geral quanto nas minúcias, Chomsky descreve, por exemplo, os dois momentos mais tensos nas semanas decisivas. O mundo pode ter sido salvo, mostra o relato, pela frieza do capitão de submarino nuclear soviético Vasili Akhipov, em 27 de outubro. Ou, um dia antes, pelo major Don Clawson, piloto de bombardeiro B-52 norte-americano armado de ogivas atômicas. “Tivemos muita sorte por não explodir o mundo”, diria ele depois.

As raízes da crise estão na tentativa de invasão de Cuba por mercenários treinados pela CIA, em 1961. Mais ou menos à mesma época, na escalada de ameaças da Guerra Fria, os EUA instalaram mísseis nucleares, dirigidos contra a URSS, na Grã-Bretanha, Itália e Turquia. Em resposta, e com autorização de Havana, Moscou instalou na ilha mísseis nucleares apontados para os Estados Unidos. Washington considerou o fato inaceitável.

O conflito ocorreu no momento em que poder global norte-americano estava no auge. Ao final de duas semanas, durante as quais um mero acidente poderia ter desencadeado a catástrofe nuclear. Moscou cedeu. O líder soviético, Nikita Kruschev, anunciou publicamente a retirada dos mísseis de Cuba. Os EUA aceitaram, como contrapartida secreta, retirar foguetes da Turquia. Mas não o admitiram de modo aberto e se tratava, de qualquer forma, de armas obsoletas, prestes a serem substituídas. A atitude de URSS enfureceu a liderança cubana. Durante todo o tempo que duraram as negociações, extremamente tensas, Washington rejeitou qualquer acordo que significasse sua sujeição ao direito internacional. Buscava (e alcançou, à época), estabelecer-se como um poder supremo, livre de qualquer outro controle.

Chomsky lembra que a ameaça de catástrofes nucleares permanece aberta, mesmo após o fim da Guerra Fria. Muito mais países desenvolveram capacidade e arsenais atômicos. Índia e Paquistão estiveram à beira de um conflito. Os EUA insistem em manter Israel como única potência nuclear do Oriente Médio. Chomsky tem feito constantes advertências sobre os riscos persistentes de um conflito atômico (no vídeo acima, uma conferência a respeito do tema em Nova York, em 2011). O artigo sobre a Crise dos Mísseis termina com uma citação de Albert Einstein e Bertrand Russel. Dez anos antes da crise, eles haviam advertido que a humanidade está diante de um dilema “cru, terrível e inescapável: vamos acabar com a espécie humana, ou seremos capazes de renunciar à guerra”?

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