22 outubro, 2012

Vai te queixar prá quem?

Por Denise Queiroz

Manifestação em Brasília pelas Diretas Já/ Fonte Wikipedia

Em abril de 1984 perdemos por alguns votos a chance de eleger no ano seguinte um presidente. Quem tinha nascido antes ou depois de 1950 esteve nas ruas. Participei da primeira grande passeata pela Diretas, no Rio, em 16 de fevereiro daquele ano, com mais 59.999 pessoas, pelos números assumidos e publicados à época. Tinha passado no vestibular e começava a faculdade de comunicação. A ida ao Rio foi presente do meu irmão, que morava lá.

De volta à Porto Alegre, fui no primeiro dia de aula com minha linda camiseta azul com letras pretas e amarelas "Brasil urgente, Diretas pra presidente" . Os 119 colegas olharam, alguns simpatizaram, outros me trataram como um vidro. Fui a todas as passeatas, fiz cartazes e faixas e acompanhei, ao vivo, pelo telão no largo da Epatur com milhares de pessoas - e potencializadas lágrimas - a derrota.

Nesse ano eu morava no Ceupa, Centro Evangélico Universitário de Porto Alegre, uma casa de estudantes que havia sido fundada por alguma igreja evangélica, mas que, a essas alturas, de evangélica só conservava o nome. São 3 casas. Uma na Sarmento Leite, onde eu morava, outra na José do Patrocínio e outra na Luis Afonso. Sistema de auto-gestão, pagávamos quase nada e tínhamos muitíssimas obrigações com manutenção, convivência, ordem, formação e discussão de grandes temas. Éramos 89 estudantes, dos 18 aos 30 ou mais anos. Todos universitários. Dali saíram pessoas que em algum momento dirigiram (dirigem) partidos, sindicatos, centrais sindicais, empresas estatais, secretarias. Muitos avanços sociais que celebramos hoje têm parte de seu DNA nesses endereços.

Numa noite de agosto de 1984, voltava para a Sarmento depois de uma reunião na casa dois, a da José do Patrocínio. Tinha saído de um trabalho em grupo para a faculdade e ido direto para lá. Num braço a pasta, na mão livre um cigarro, a bolsa, um embornal de couro chileno que foi presente desse meu irmão, atravessada da esquerda para a direita. Vejo um fusca da polícia passando e escuto porta de carro batendo na rua deserta e silenciosa da terça-feira fria às onze da noite. Em seguida uma voz me manda levantar os braços e abrir as pernas, era uma "revista" . Falo que eles não poderiam me revistar, que chamassem uma policial feminina. Me olham com desprezo e me perguntam "vai te queixar prá quem?" Com a coragem que os 19 anos te dão, falo "se encostarem um dedo, grito" . Estava em frente a um desses prédios, acho que de uns 8 andares, com comércio no térreo e moradia em cima.

Desistiram da revista ao corpo, mas não aos pertences. Procuravam drogas. Abri a bolsa, joguei tudo no chão, o mesmo com a pasta. Olharam tudo aquilo, roubaram o isqueiro, a caixa de fósforos e o pacote de cigarros, entraram no carro e se foram.

Fiquei ali chorando de raiva, juntando tudo meio molhado, pois tinha chovido mais cedo, e fui prá casa. Os que ainda estavam acordados quando cheguei, choraram comigo. No dia seguinte outros diziam, "tu deu sorte, esses ratos - assim eram chamados os policiais civis que eram os mesmos que prendiam e arrebentavam poucos, bem poucos anos antes - poderiam ter te levado e ninguém mais ia saber de ti".

Não sei como é passar por violência física, mas acho que a dor da impotência diante da força bruta deve ser mais ou menos como a que senti essa noite, quando nem maioridade plena tinha. É a que sinto hoje.

E lembro do "rato" dizendo, "vai te queixar pra quem?"


 

3 comentários:

  1. É Muito triste, aconteceu no passado e hoje é super atual... as vezes vou as lagrimas com essas coisas!
    Vai te queixar pra quem? Deus quem sabe!
    Em mundo vivemos da certeza da impunidade...

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  2. Só há uma saída quando os juízes estão vendidos: mobilizar e organizar a sociedade para derrotar a elite. Só a força do movimento popular organizado pode derrotar Joaquim Batman e seu circo de horrores.

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  3. Concordo com os dois comentários acima, e digo que podem contar comigo para a mobilização (seja qual for) porque cansei. Estou sentindo na garganta e no peito esse grito que não consegue sair e essa raiva surda da impotência.
    Senti esse aperto a primeira vez quando o "Gilmar Mente" falou aquela vez para o "Engavetador Geral da República" que "ficasse frio e tranquilo" e que considerasse que "eles são intocáveis" (quando ele teve que responder ao questionário da CPI, e temeu, e acabou deixando par o último dia, lembram?). E... não parei mais de sentir esse aperto no coração e na garganta e continua e isso não vai passar tão já.
    Agora mesmo acabo de ler no Adital uma matéria de Natasha Pitts / Adital (http://www.revistasina.com.br/portal/questao-indigena/item/6979) sobre os índios (leiam por favor pra entender ainda em maior grau o desespero dos índios nessa questão de "se queixar para quem?")) tão desesperadora a situação deles, que se puseram dispostos a morrer pra recuperar suas terras que já haviam sido autorizadas e demarcadas pelo Lula (lembram?).
    Pois bem, pasmem! Por trás de tudo, está Gilmar Mente que, "intocavelmente" desobedeceu a ordem "LIBEROU" dessa demarcação as fazendas de Polegar, São Judas Tadeu, Porto Domingos e Potreiro-Corá. Agora me digam: a troco de quê Dr. Gilmar fez isso "só para essas fazendas" Quem são os donos dessas 4 fazendas? Amigos? "Co-la--bo-ra-res" e Intocáveis, também? Quem ganhou o quê com isso? Será que ele pensou que por ser uma contra-ordem para uma das tribos indígenas, ia passar desapercebido? E o "displante" que ele teve essa semana - de participar "espalhafatosamente" do Lançamento do Livro do Reinaldo Azevedo (A Era dos Petralhas - II)!!!
    E não acredito que ele "perdeu a noção" até porquê ele foi o primeiro a chegar no local e foi o primeiro a receber o autógrafo e estava "tão feliz" que estava às gargalhadas pelo salão como se tivesse visto "passarinho" (que deve ter sido um urubu, lógico!) e isso foi visto e comentado por um blogueiro que por lá estava. Foi para provocar mesmo e para DEMONSTRAR que ele é um "intocável" mesmo e pronto!
    Esses dois "incidentes" é só o começo de uma "BAITA MEADA", que, se puxarmos, talvez tenhamos como mandar prender "certas gentes" me menos de um ano - que acham?
    Acredito que mesmo alguns "intocáveis" estariam prontinhos pra ir para a cadeia, pois, JUSTAMENTE devido a acharem que têm mesmo "tudo isso de intocabilidade" devem ter enfiado os pés pelas mãos Brasil afora (principalmente o Gilmar Mente, pois o "apetite" dele por certas coisas parece muito voraz mesmo!
    Pois é, baseada nisso é que eu acho que agora temos mesmo que nos "debruçar" sobre tudo o que pudermos encontrar e nos organizarmos e a gente vai conseguir pegar todos esses "especiais": tenho fé em Deus e no nosso trabalho de pesquisa e mobilização.
    Não sossegarei um só dia a partir dessa semana em tentar juntar esses fatos do meu Brasil querido!
    Ao trabalho então, todos nós, e vamos juntar as peças que formaremos esse quebra-cabeças muito mais rápido do que podemos imaginar! Se quiserem contar comigo, juntarei forças! Tenho o meu trabalho mas posso me programar para reuniões. E vamos lá!
    Se quiserem ver tb o meu humilde blog é http://solta-a-guela-maria-ruela.blogspot.com.br/ (é o espaço que uso de vez em quando para tentar sanar meus "apertos de garganta")...
    Twitter: @IedaDonato
    Não tenho tido muito tempo nos últimos três meses pois estou ajudando voluntariamente na campanha do Haddad e isso tem me consumido o tempo que poderia estar escrevendo, mas Deus é pai e tem valido a pena cada minuto, pois agora no segundo turno (que o "PIG" não pode mais esconder qual a porcentagem real das pesquisas do Haddad) - está valendo a pena poder soltar o coração.
    Abraço a todos. Contem comigo!

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