26 agosto, 2012

O Direito achado na rede


Do Cultura Digital e Democracia
por Alexandre Bernardino Costa, John Razen e Paulo Rená da Silva Santarém

O Facebook é a rede social virtual mais famosa do mundo atual. Seja por notícias exóticas na grande mídia, seja pelo filme hollywoodiano, seja pela variação do valor no mercado de ações, o site de Mark Zuckerberg é conhecido mesmo por quem não o utiliza. No mundo inteiro, o número de perfis registrados passa de 900 milhões. No Brasil ele conta com mais de 55 milhões, número que representa 25% na população brasileira. A rede social rapidamente ficou popular entre todas as classes sociais e faixas etárias. Mesmo quem se considera analfabeto digital o está usando.

A cada segundo um imenso volume de dados é produzido por quem usa a rede e alimenta os servidores do Facebook com informações pessoais. Esses dados geram um enorme valor tanto para o sempre animado mercado da publicidade quanto para o obscuro campo da investigação e da vigilância. Embora esses dados estejam juridicamente protegidos pela garantia da intimidade e pelodireito ao sigilo das comunicações, dados e informações pessoais, as variadas políticas empresariais e as divergências judiciais na aplicação da legislação geram um contexto de confusão e incerteza sobre a efetividade dessa proteção. Segundo uma pesquisa recente, muitas pessoas que usam o Facebook e declaram saber como Mark Zuckerberg ganha dinheiro são as mesmas pessoas a dizer que jamais venderiam seus dados pessoais pra fins de propaganda. Esse resultado reforça a percepção de que em geral a gente simplesmente não liga para os termos das licenças que assina.

Todos os acessos e movimentações de Internautas no Facebook podem, em tese, ser acessados e monitorados secretamente pelas agências de segurança do governo dos EUA. O amparo legal estaria no Ato Patriótico, assinado por George Bush em 2001, logo após a queda das Torres Gêmeas, como parte de uma política de segurança voltada ao combate ao terrorismo. E há declarações recentes do próprio FBI que indicam uma vivência prática dessa tese. Portanto, se você usa os serviços do Facebook, você têm pouco ou nenhum controle real sobre as informações referentes à sua identidade: todos os dados são pertencentes à rede social virtual. Essa “evasão” de privacidade não combina com o contexto ocidental de democracia que alimenta a tradição da privacidade individual como valor central.

Pensando nos diferentes níveis de privacidade que cada pessoa gostaria de ter, nas diversas opções que cada indivíduo da crescente população do Facebook tomaria ao preservar ou não uma informação pessoal, a noção de falta de controle sobre o que pode ser feito com nossos dados é de arrepiar mesmo quem não tem receio sobre sua intimidade. Mas quando o assunto são liberdades individuais e privacidade pessoal, o discurso de segurança hegemônico segue reproduzindo a falsa ideia do “quem não deve não teme”. A falácia sustenta o universo das medidas repressivas, defendidas como urgentes para deter criminosos e inofensivas para o cidadão de bem. Tudo sem nenhum amparo em números confiáveis, e sempre esquecendo de olhar as incontáveis violações contra direitos de inocentes.

Pela perspectiva do direito, independente de o ente ser público ou privado, esse golpe contra à identidade e à privacidade das pessoas configura abuso e prejudica o ambiente democrático. Naperspectiva expressa do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da OEA e daConstituição Federal do Brasil de 1988, a proteção das liberdades individuais é essencial para o exercício da democracia. E o problema do acesso abusivo às informações gera prejuízo à liberdade e à igualdade.

Não se trata de uma mera questão de “alfabetização digital”, de educar as pessoas que não entendem de tecnologia. Não há liberdade para que uma pessoa se veja obrigada a escolher se vai ser monitorada ou não em troca de usar um serviço virtual. Assim como não há igualdade de forças no contexto do chamado efeito de rede. Se todo mundo que você conhece usa o Facebook para marcar compromissos, comentar fotos e trocar vídeos, ao também passar a usar você ganha cumpre quase que uma obrigação social, mas para o número total de perfis você é insignificante. Enquanto seu perfil é só mais um, o Facebook é “A Rede Social”. Afinal, quem quer estar no Orkut?

É muito grande o desequilíbrio entre as empresas de tecnologia e as pessoas no controle sobre os fluxos informação e dados armazenados. As redes sociais de hoje tem uma relação com as pessoas que lembra a relação entre indivíduo e estado no séc XVIII. A disparidade de forças no contrato social, ou virtual, permite pensar em um consenso dos conectados (em alusão ao conceito iluminista do consenso dos cidadãos) que acaba admitindo as diárias violações contra a liberdade, antes de indivíduos, de novo de Internautas.

Pode demorar muito, pode demorar pouco, mas o Facebook será substituído por outra rede social. Mas aqui a discussão é sobre democracia e direito, o que impõe uma pergunta: deveria existir um controle? O Estado deve se ocupar em criar uma lei e limitar a disponibilidade que as pessoas têm sobre seus dados pessoais? A tecnologia é nova, mas os conceitos envolvidos no debate são antigos: ditadura, democracia, espaço público, privacidade, liberdade, igualdade e fraternidade.

É impossível fazer previsões acuradas, mas há movimentações que apontam para o surgimento de atores organizados resistentes a essa situação de controle exercido por Estados e corporações sobre a rede. Se as pessoas se opuserem ao abuso no uso comercial e mesmo político de suas informações, é possível que essas instâncias respondam com mais repressão, respaldadas pela mídia tradicional e por uma doutrina de segurança, para manter seu controle; mas pode ser também que a situação se altere em direção a um contexto de maior respeito pelo direito à privacidade.

O certo é que se as pessoas aceitarem essa situação, ela não vai mudar tão somente em decorrência do desenvolvimento tecnológico. O exemplo da “Grande Firewall da China” chega a ser caricato. Mas mesmo nações que se dizem democráticas como EUA, Reino Unido, Suécia, França e Austrália, oferecem cada vez mais casos de violações sistemáticas de direitos fundamentais. E essas violações se tornam mais severas como uma resposta à difusão do uso da internet como espaço de interação social.

É em face dessas tendências que o Brasil pode ser o exemplo mundial de um modelo de regulação que respeite e fomente um desenvolvimento mais democrático da internet. O Marco Civil da Internet vem sendo construído com essa promessa há pelo menos três anos, mas até hoje nunca foi votado pelo Congresso Nacional. E uma legislação específica de dados pessoais não foi sequer encaminhada ao Poder Legislativo.

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