Impossível esquecer aquele dia de 1989, ainda estagiária de jornal, saindo pro trampo e vendo a av. Princesa Isabel mais lotada que em dia de Grenal no Olímpico. O motivo: Brizola ia passar por ali. Levei uma boa meia hora pra chegar ao corredor de ônibus da João Pessoa, tentando abrir caminho entre as milhares de pessoas que, literalmente, entupiam a calçada. O primeiro turno passou, Brizola não venceu e toda aquela gente com esperança de algo melhor votou em Lula, imagino. Talvez alguns, apesar do Brizola ter apoiado Lula, tenham migrado seus votos para Collor, que personificava o populismo e, vendido pela propaganda política como o novo, ganhou alguns votos que, se a política e as emoções fossem lógicas, seriam de Lula.
1989, mais que em 1984, quando das diretas, foi um momento orgástico da democracia. Se tivesse internet há 25 anos, com certeza veríamos milhões de hashtags com os mais diversos desejos de um país melhor. No primeiro turno eram 22 candidatos, com viés ideológico claro, figuras que haviam apoiado, contrariado ou surgido no cenário surreal do, e pelo, golpe civil-militar de 1964. Embora convergente em análise rasa, era clara a diferença entre as propostas de Brizola (PDT), de Lula (PT), de Freire (PCB), de Covas (PSDB) e de Ulisses (PMDB), que estavam no que se poderia dizer de espectro à esquerda, naquele momento. E também se diferenciavam as de Collor (PRN), Maluf (PDS), Caiado (PSD), Chaves (PFL) e Afif (PL), do campo da direita. E todos eles tinham seus apoiadores, seguidores. Era um momento de namoro e o menino poder cortejava a menina democracia. A Constituinte tinha sido uma vitória, mas queríamos mais, precisávamos de mais.
Passados 25 anos, o que temos? Dos 200 milhões de brasileiros, mais de 106 milhões com direito a votar, eleger, a cada dois anos. Mas, deles, cerca de 20%, não comparecem às urnas na data determinada a eleger. Dos que comparecem, cerca de 8 por cento votam branco ou nulo. Então, de cara, temos, em média, 28% de cidadãos que simplesmente lavam as mãos para esse sistema político. É muito.
Quantos daqueles milhares que disputaram espaço na Av. Princesa Isabel para ver Brizola em 1989 ou dos milhões que lotaram as praças nos comícios que ainda tinham shows, hoje escrevem apressados sua insatisfação numa folha de cartolina e vão às ruas para mostrá-la? Ou, na falta de tempo ou ânimo para enfrentar transporte e uma polícia truculenta, usam redes sociais e hashtags?
Será tão difícil entender que aquela multidão que votou para presidente pela primeira vez em 1989, somada à que nasceu depois, está dizendo, "ok, mas ainda é pouco, muito pouco. Todos vocês disseram que iriam fazer, que teríamos um país justo e igualitário, nós acreditamos, fomos lá, ajudamos, votamos e as melhoras nestes 25 anos não são proporcionais ao esforço que fizemos. E não vamos mais muito às ruas, porque agora temos outros meios de dizer isso, mas ainda vamos às ruas e ainda precisamos de tudo aquilo”.
É patético, e revelador, ouvir de gente de governos, de qualquer um deles, que "foram pegos de surpresa pelas jornadas de junho”. É patético que não entendam que o “não vai ter copa” é um grito de desabafo pela exclusão – dos direitos, da participação, da decisão, do espetáculo - e não uma ameaça.
O país está mostrando a cara há anos, e não vê quem não quer. Só não tentem nos convencer de que vocês não sabem, pois nós sabemos muito bem o que é ter um amor, meu senhor, e depois encontrá-lo em um braço que nem um pedaço do meu pode ser.