31 maio, 2012

O senhor Gilmar Mendes não é o Supremo

Por Mauro Santayana
Do JB
Dica do @tadeu_alves 



Engana-se o senhor Gilmar Mendes, quando denuncia uma articulação conspiratória contra o Supremo Tribunal Federal, nas suspeitas correntes de que ele, Gilmar, se encontra envolvido nas penumbrosas relações do senador Demóstenes Torres com o crime organizado em Goiás.

A articulação conspiratória contra o Supremo partiu de Fernando Henrique Cardoso, quando indicou o seu nome para o mais alto tribunal da República ao Senado Federal, e usou de todo o rolo compressor do Poder Executivo, a fim de obter a aprovação. Registre-se que houve 15 manifestações contrárias, a mais elevada rejeição em votações para o STF nos anais do Senado.

Com todo o respeito pelos títulos acadêmicos que o candidato ostentava — e não eram tão numerosos, nem tão importantes assim — o senhor Gilmar Mendes não trazia, de sua experiência de vida, recomendações maiores. Servira ao senhor Fernando Collor, na Secretaria da Presidência, e talvez não tenha tido tempo, ou interesse, de advertir o presidente das previsíveis dificuldades que viriam do comportamento de auxiliares como PC Farias.

Afastado do Planalto durante o mandato de Itamar, o senhor Gilmar Mendes a ele retornou, como advogado-geral da União de Fernando Henrique Cardoso. Com a aposentadoria do ministro Néri da Silveira, Fernando Henrique o levou ao Supremo. No mesmo dia em que foi sabatinado, o jurista Dalmo Dallari advertiu que, se Gilmar chegasse ao Supremo, estariam “correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”. Pelo que estamos vendo, Dallari tinha toda a razão.O STF deve julgar, como se espera, o processo conhecido como Mensalão, como está previsto

Gilmar, como advogado-geral da União — e o fato é conhecido — recomendara aos agentes do Poder Executivo não cumprirem determinadas ordens judiciais. Como alguém que não respeita as decisões da justiça pode integrar o mais alto tribunal do país? Basta isso para concluir que Fernando Henrique, ao nomear o senhor Gilmar Mendes, demonstrou o seu desprezo pelo STF. O Supremo, pela maioria de seus membros, deveria ter o poder de veto em casos semelhantes.

Esse comportamento de desrespeito — vale lembrar — ocorreu também quando o senhor Francisco Rezek renunciou ao cargo de ministro do Supremo, a fim de se tornar ministro de Relações Exteriores, e voltou ao alto tribunal, reindicado pelo próprio Collor. O episódio, tal como a posterior indicação de Gilmar, trouxe constrangimento à República. Ressalve-se que os conhecimentos jurídicos de Rezek, na opinião dos especialistas, são muito maiores do que os de Gilmar.

Mas se Rezek não servia como chanceler, por que deveria voltar ao cargo de juiz a que renunciara? São atos como esses, praticados pelo Poder Executivo, que atentam contra a soberania da Justiça, encarnada pelo alto tribunal.

A nação deve ignorar o esperneio do senhor Gilmar Mendes. Ele busca a confusão, talvez com o propósito de desviar a atenção do país das revelações da CPI. O Congresso não se deve intimidar pela arrogância do ministro, e levar a CPMI às últimas consequências; o STF deve julgar, como se espera, o processo conhecido como Mensalão, como está previsto.

Acima dos três personagens envolvidos na conversa estranha que só o senhor Mendes confirma, lembremos o aviso latino, de que testis unus, testis nullus, está a nação, em sua perenidade. Está o povo, em seus direitos. Está a República, em suas instituições.

O senhor Gilmar Mendes não é o Supremo, ainda que dele faça parte. E se sua presença naquele tribunal for danosa à estabilidade republicana — sempre lembrando a forte advertência de Dallari — cabe ao Tribunal, em sua soberania, agir na defesa clara da Constituição, tomando todas as medidas exigidas. Para lembrar um autor alemão, Carl Schmitt, que Gilmar deve conhecer bem, soberano é aquele que pratica o ato necessário.

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30 maio, 2012

Embaixada da Venezuela repudia declarações de Mendes


Em nota oficial a Embaixada da Venezuela no Brasil  responde ao que hoje amanheceu estampado em cinco colunas na capa de o Globo. Na entrevista concedida, entre outras coisas,  Gilmar Mendes refere-se a “ações orquestradas contra o Supremo”, e afirma que o Brasil não é a Venezuela, onde Hugo Chávez “mandou até prender juiz”. (grifo meu). Isso entre outros impropérios que podem, bondosamente, ser atribuídos ao  desespero com que convive o ministro desde que teve suas informações à revista Veja desmentidas menos de 24 horas depois de publicadas. 

Imagem da capa que motivou  nota da embaixada Venezuelana

Ao que parece, tanto esse tipo de autoridade, como o ministro da mais alta corte brasileira, quanto os dirigentes de alguns veículos tradicionais de comunicação de nosso país, esquecem que as notícias não nos chegam mais em barcos à vela! 

Embora haja lentidão ou 'esquecimento' por parte do governo e do legislativo para a necessidade de um Marco Regulatório para as Comunicações, com as redes sociais a velocidade das informações e das respostas é acelerada, de forma a não permitir mais que as mentiras prosperem até o ponto de se tornarem verdades.

Leia a  Nota oficial da Embaixada da República Bolivariana da Venezuela no Brasil

As declarações do ministro do STF Gilmar Mendes ao jornal O Globo, se de fato ocorreram, constituem uma afronta à população venezuelana, e demonstram profunda ignorância sobre a realidade de nosso país.

Nossa Constituição, elaborada pela Assembleia Constituinte e referendada pelas urnas, determina a separação de poderes, estabelece direitos de cidadania e configura os instrumentos judiciais cabíveis, ou seja, o presidente da Venezuela não manda prender cidadão algum, independentemente do cargo que ocupe.

Recorrer à desinformação para envolver a Venezuela em debates que dizem respeito apenas aos brasileiros é uma atitude indecorosa – ainda mais partindo de um ministro da mais alta corte da nação irmã – e não reflete a parceria histórica entre Brasil e Venezuela.

Maximilien Arveláiz, embaixador da República Bolivariana daVenezuela no Brasil




Lula pressiona Blatter para atrasar Copa para 2015

Do The i-Piauí Herald
dica do @M100Globope
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ITAQUERÃO - Animado com a repercussão de suas habilidades políticas, o ex-presidente Lula se reuniu com Joseph Blatter, presidente da FIFA, no escritório do cartola Andrés Sánchez. "Pelo ritmo das obras da Dilma parece uma temeridade insistir em realizar a Copa em 2014", argumentou Lula. "Melhor deixar para 2015, depois das eleições", disse. E a seguir completou: "O Mano Menezes está despreparado".

Perplexo com as insinuações, Blatter fez beicinho e ameaçou tirar dois títulos mundiais da seleção brasileira. Sem se intimidar, Lula garantiu ter controle político da FIFA, do COI, da NBA e do IV Torneio de Sinuca de São Bernardo. "Você, companheiro Blatter, precisava ir bater uma sinuquinha com nós lá no boteco do Renan", disse o presidente. A seguir perguntou, pegando o interlocutor de surpresa: "Que time é teu?". Blatter não entendeu a pergunta. Mostrou-se indignado e caprichou no português: "Bateu na trave e entrou no seu".

Andrés Sánchez confirmou o encontro de Lula e Blatter, mas disse que só entendeu a última parte da conversa. Depois negou que o papo tenha descambado para a Copa do Mundo. "Não deu tempo, ficamos falando sobre as Libertadores conquistadas pelo Corinthians", argumentou o cartola.
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*A tag deste post é humor!

29 maio, 2012

O contraste entre as esquerdas


Por Boaventura de Sousa Santos 

Historicamente, as esquerdas dividiram-se sobre os modelos de socialismo e as vias para os realizar. Não estando o socialismo, por agora, na agenda política — mesmo na América Latina a discussão sobre o socialismo do século XXI perde fôlego — as esquerdas parecem dividir-se sobre os modelos de capitalismo. À primeira vista, esta divisão faz pouco sentido pois, por um lado, há neste momento um modelo global de capitalismo, de longe hegemónico, dominado pela lógica do capital financeiro, assente na busca do máximo lucro no mais curto espaço de tempo, quaisquer que sejam os custos sociais ou o grau de destruição da natureza. Por outro lado, a disputa por modelos de capitalismo deveria ser mais uma disputa entre as direitas do que entre as esquerdas.

De fato, assim não é. Apesar da sua globalidade, o modelo de capitalismo agora dominante assume características distintas em diferentes países e regiões do mundo e as esquerdas têm um interesse vital em discuti-las, não só porque estão em causa as condições de vida, aqui e agora, das classes populares que são o suporte político das esquerdas, como também porque a luta por horizontes pós-capitalistas — de que algumas esquerdas ainda não desistiram, e bem — dependerá muito do capitalismo real de que se partir.

Sendo global o capitalismo, a análise dos diferentes contextos deve ter em mente que eles, apesar das suas diferenças, são parte do mesmo texto. Assim sendo, é perturbadora a disjunção atual entre as esquerdas europeias e as esquerdas de outros continentes, nomeadamente as esquerdas latino-americanas. Enquanto as esquerdas europeias parecem estar de acordo em que o crescimento é a solução para todos os males da Europa, as esquerdas latino-americanas estão profundamente divididas sobre o crescimento e o modelo de desenvolvimento em que este assenta.

Vejamos o contraste. As esquerdas europeias parecem ter descoberto que a aposta no crescimento econômico é o que as distingue das direitas, apostadas na consolidação orçamental e na austeridade. O crescimento significa emprego e este, a melhoria das condições de vida das maiorias.

Não problematizar o crescimento implica a ideia de que qualquer crescimento é bom. É uma ideia suicida para as esquerdas. Por um lado, as direitas facilmente a aceitam (como já estão a aceitar, por estarem convencidas de que será o seu tipo de crescimento a prevalecer). Por outro lado, significa um retrocesso histórico grave em relação aos avanços das lutas ecológicas das últimas décadas, em que algumas esquerdas tiveram um papel determinante. Ou seja, omite-se que o modelo de crescimento dominante é insustentável. Em pleno período preparatório da Conferência da ONU Rio+20, não se fala de sustentabilidade, não se questiona o conceito de economia verde mesmo que, para além da cor das notas de dólar, seja difícil imaginar um capitalismo verde.

Em contraste, na América Latina as esquerdas estão polarizadas como
nunca sobre o modelo de crescimento e de desenvolvimento. A voracidade da China, o consumo digital sedento de metais raros e a especulação financeira sobre a terra, as matérias-primas e os bens alimentares estão a provocar uma corrida sem precedentes aos recursos naturais: exploração mineira de larga escala e a céu aberto, exploração petrolífera, expansão da fronteira agrícola. O crescimento econômico que esta corrida propicia choca com o aumento exponencial da dívida socio-ambiental: apropriação e contaminação da água, expulsão de muitos milhares de camponeses pobres e de povos indígenas das suas terras ancestrais, deflorestação, destruição da biodiversidade, ruina de modos de vida e de economias que até agora garantiram a sustentabilidade.

Confrontadas com esta contradição, uma parte das esquerdas opta pela oportunidade extrativista desde que os rendimentos que ela gera sejam canalizados para reduzir a pobreza e construir infraestruturas. A outra parte vê no novo extrativismo a fase mais recente da condenação colonial da América Latina a ser exportadora de natureza para os centros imperiais que saqueiam as imensas riquezas e destroem os modos de vida e as culturas dos povos. A confrontação é tão intensa que põe em causa a estabilidade política de países como a Bolívia ou o Equador.

O contraste entre as esquerdas europeias e latino-americanas reside em que só as primeiras subscreveram incondicionalmente o “pacto colonial” segundo o qual os avanços do capitalismo valem por si, mesmo que tenham sido (e continuem a ser) obtidos à custa da opressão colonial dos povos extraeuropeus. Nada de novo na frente ocidental enquanto for possível fazer ooutsourcing da miséria humana e da destruição da natureza.

Para superar este contraste e iniciar a construção de alianças transcontinentais seriam necessárias duas condições. As esquerdas europeias deveriam pôr em causa o consenso do crescimento que, ou é falso, ou significa uma cumplicidade repugnante com uma demasiado longa injustiça histórica. Deveriam discutir a questão da insustentabilidade, pôr em causa o mito do crescimento infinito e a ideia da inesgotável disponibilidade da natureza em que assenta, assumir que os crescentes custos socio-ambientais do capitalismo não são superáveis com imaginárias economias verdes, defender que a prosperidade e a felicidade da sociedade depende menos do crescimento do que da justiça social e da racionalidade ambiental, ter a coragem de afirmar que a luta pela redução da pobreza é uma burla para disfarçar a luta que não se quer travar contra a concentração da riqueza.

Por sua vez, as esquerdas latino-americanas deveriam discutir as antinomias entre o curto e o longo prazo, ter em mente que o futuro das rendas diferenciais geradas atualmente pela exploração dos recursos naturais está nas mãos de umas poucas empresas multinacionais e que, no final deste ciclo extrativista, os países podem estar mais pobres e dependentes do que nunca, reconhecer que o nacionalismo extractivista garante ao Estado receitas que podem ter uma importante utilidade social se, em parte pelo menos, forem utilizadas para financiar uma política da transição, que deve começar desde já, do extrativismo predador para uma economia plural em que o extrativismo só seja útil na medida em que for indispensável.

As condições para políticas de convergência global são exigentes mas não são impossíveis e apontam para opções que não devem ser descartadas sob pretexto de serem políticas do impossível. A questão não está em ter de optar pela política do possível contra a política do impossível. Está em saber estar sempre no lado esquerdo do possível.

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Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Negócio de homens, e não de anjos (Mauro Santayana)



Por Mauro Santayana
Do ConversaAfiada

Tentemos examinar os fatos – como eles estão sendo narrados. Admitamos, como certo, por ser possível, ainda que pouco provável, o divulgado diálogo de Lula com o Ministro Gilmar Mendes, no escritório do advogado Nelson Jobim, amigo de ambos – mesmo que Jobim o tenha desmentido e de forma definitiva. A versão de Gilmar é a de que Lula lhe falou na necessidade de adiar-se o julgamento, pelo STF, do processo de que são réus, entre muitos outros, alguns membros do PT, e que tenha lembrado a Gilmar a ainda não esclarecida viagem do Ministro e do Senador Demóstenes Torres a Berlim.

Até aqui, tudo no terreno do possível, nada há de estranho, nem qualquer deslize da parte de Lula. Sendo negócio de homens, e não de anjos, a política, desde que o mundo existe, é conversa, que admite pressões e contrapressões. E o ato político se faz, para o bem e para o mal, mediante pactos. Nada se pactua sem conversa prévia, mesmo que isso desagrade a muitos cidadãos. Não houvesse pactos políticos sigilosos, a História seria sempre um rio fétido de sangue.

Nós temos, na crônica quase recente do país, o processo de redemocratização como exemplo dos pactos sigilosos. Foi necessário que, de um e de outro lado, os moderados se movessem e conversassem, quase sempre à sombra do segredo e da confiança dos interlocutores, para que se dessem os passos na direção da retomada do estado de direito. Os extremados, de um lado e do outro do espectro político, condenaram esses esforços de pacificação nacional, crendo que, se não os houvesse, a facção a que pertencem teria obtido a vitória final e construído o estado que pretendiam perfeito. Sem a ação de Tancredo e outros, por quantos anos mais teríamos que esperar pela liberdade de imprensa, pela liberdade partidária e pelo direito do voto direto para os cargos executivos?

Não façamos de Lula um congregado mariano. Os homens são o que deles fazem a sua experiência. Lula foi obrigado, desde menino, a negociar a sobrevivência, e nisso se baseou para construir sua biografia política. Nesse caso particular, se fez o que lhe é atribuído, agiu, em nosso juízo, de forma equivocada, de maneira a lhe trazer, como está trazendo, mais custos do que benefícios. Gilmar não era o melhor interlocutor no STF, entre outras razões por ser uma figura controvertida na opinião pública e entre os seus pares.

Queiramos ou não queiram os puristas, é assim que se faz política.

Há, e deve ser registrada, uma diferença de personalidades, entre Gilmar e Jobim, que deve ser lembrada: Jobim conhece algumas regras de convívio político e humano, das quais o controvertido ministro do Supremo parece jejuno. Não sendo provável que Lula tenha confidenciado a alguém o encontro com Gilmar e Jobim - e tampouco que Jobim haja descurado de seus deveres de anfitrião para narrar o diálogo, ainda mais porque o negou – que fonte abasteceu a revista que o reproduziu? Não podemos cair na sedução fácil de admitir que Carlos Cachoeira tenha mandado um de seus agentes dissimular-se em poltrona, ou colocar um microfone oculto no escritório de Jobim. Ele e seu homem de confiança para tais assuntos, o famoso Dadá, já se encontravam presos. Segundo as versões correntes, Gilmar revelou a alegada conversa com Lula ao Procurador Geral da República e a outras autoridades, antes que a revista semanal a divulgasse.

Nelson Jobim desmente, de forma irrestrita, o diálogo revelado pelo Ministro Gilmar Mendes. Mais do que o desmentido, Jobim abre uma fímbria do manto que cobre as razões do Ministro do Supremo para apregoar o encontro, ao fazer a observação singela, em entrevista ontem divulgada pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre:

- É estranho que o encontro tenha acontecido há um mês e só agora Gilmar venha se dizer indignado com o que ouviu de Lula. O encontro foi cordial. Lula queria agradecer a colaboração de Gilmar com o seu governo.

Excluindo-se a possibilidade de que tudo não tenha passado de uma trama entre Gilmar e Nelson Jobim, o que faria deles dois patifes – o que não são – a quem interessou a divulgação do encontro, um mês depois? O terreno das hipóteses é movediço, mas instigante. Uma delas, que está circulando pelas esquinas excitadas da internet, é a de que Gilmar (diante de versões correntes e que o comprometem mais além de viagens à antiga capital da Prússia, e que podem surgir durante a CPI), esteja, com sua experiência rural, fazendo um aceiro, para evitar que o incêndio da CPI atinja os seus pastos. E se Gilmar se considerava grande amigo de Lula – a ponto de as duas famílias se encontrarem com freqüência, como se noticia – por que revelar uma conversa íntima, pessoal, que compromete o ex-presidente como um interessado em que o STF adie um julgamento?

Há quem veja, nas razões de Lula – a ter como verdade o que se noticia – propósito político explicável: coincidindo a realização da CPI com o julgamento do STF, todo o interesse dos meios de comunicação estaria concentrado no mensalão, desviando para um segundo plano as investigações mais amplas do sistema de corrupção do Estado, que envolve os 3 poderes republicanos. É uma tese. O que o Brasil espera é que, tanto em um caso como no outro, tanto no processo que o STF julgará, como na CPI que se instaurou, a verdade seja conhecida.

Há o propósito de transformar o episódio do encontro em uma crise política que atinja o governo – e não há crise alguma. O conhecimento público do episódio não altera o quadro político, não muda seu desenvolvimento, que vai depender das revelações a vir. O novelo é denso, e seu tamanho exato só será conhecido quando toda a trama for desfeita. É necessário que os homens de bem estejam preparados, a fim de impor o bom-senso e encontrar a salvação do Estado, depois das revelações temidas e imaginadas.


Thomaz Bastos deverá provar que dinheiro é limpo

Do Congresso em Foco
dica do @paulo_manso







O criminalista Márcio Thomaz Bastos já foi advogado do hoje ex-presidente Lula, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (1987) e ministro da Justiça entre 2003 e 2007. Hoje defende o bicheiro Carlos Augusto Ramos, pivô da CPI do Cachoeira. Se depender de uma representação feita pelo procurador Regional da República no Rio Grande do Sul Manoel Pastana, Bastos será investigado agora por supostamente ter praticado crime de lavagem de dinheiro ou receptação não intencional de recursos de atividades criminosas. Pastana ingressará com a ação contra Thomaz Bastos hoje (29). O Congresso em Foco teve acesso com exclusividade à ação movida por Pastana.

Para Pastana, o fato de Thomaz Bastos receber R$ 15 milhões em honorários para defender Cachoeira é indício de crime. Na representação à Procuradoria da República em Goiás, Pastana argumenta que o bicheiro não tem recursos de origem lícita para bancar tamanha despesa. Assim, ele quer saber de que forma ele paga os serviços do ex-ministro da Justiça. Para tanto, o procurador pede a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Thomaz Bastos e informações ao Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) sobre eventuais movimentações ilegais de dinheiro do exterior.

Na opinião de Pastana, são claros os “indícios” de que Bastos cometeu ou está prestes a cometer um crime. E poderia mesmo ser preso. “A prisão em flagrante é possível, caso o advogado seja pego recebendo os recursos oriundos de condutas ilícitas praticadas por Cachoeira”, argumentou Pastana no documento, que deve ser protocolado nesta terça-feira (29) no Ministério Público Federal.

Thomaz Bastos foi informado da representação no início da noite de ontem. Ele disse aoCongresso em Foco que poderia prestar esclarecimentos às 21h, mas, no horário combinado, não atendeu mais ao telefone e nem respondeu às mensagens de texto enviadas.

Bens bloqueados

Cachoeira está com os bens bloqueados. Assim,ele não tem como pagar R$ 15 milhões a Thomaz Bastos para defendê-lo. “A medida restritiva parece não ter sido suficiente, porquanto, se o fosse, ele não teria condições de custear o contrato advocatício”, disse Pastana na representação. Segundo noticiou no domingo (27) a coluna Radar, da revista Veja, Bastos disse que são os amigos que custeiam as despesas de clientes em situações como estas. A mesma revista informou que os R$ 15 milhões foram divididos em três parcelas, a primeira já paga.

Na representação ao Ministério Público Federal em Goiás, Pastana disse que a lei da lavagem de dinheiro impede alguém de adquirir ou receber valores provenientes de crimes contra a administração pública ou praticados por organização criminosa – caso de Cachoeira. Se não há indício de branqueamento de recursos, o procurador entende que o art. 180 do Código Penal prevê a receptação não intencional de “coisa que sabe ser produto de crime”. Na mesma situação enquadra-se quem recebe valores que, “pela condição de quem a oferece”, permitem presumir-se terem sido obtidos com crimes, diz o mesmo artigo da lei.

Este é o caso, de acordo com Pastana. “Toda sociedade brasileira sabe que Cachoeira não tem condição de pagar honorários elevados com renda lícita; logo, é de se presumir que os recursos foram obtidos por meio criminoso”, argumentou.

Assassino

Apesar de não embasar seu pedido em questões morais, o procurador disse que Bastos agiu de maneira antiética. Ele disse não ser “razoável” que Thomaz Bastos, que, como ministro da Justiça, teve a missão de “defender o Estado brasileiro da ação deletéria de infratores”, agora passe a defender um desses infratores. “Isso fere de morte a ética e a moral.”

Pastana disse na representação que, se nada for feito, Carlinhos Cachoeira vai se aproveitar dos resultados dos crimes cometidos por ele. “Permitir que o dr. Márcio Thomaz Bastos usufrua de tais recursos seria o mesmo que (…) entender lícito que o advogado receba honorários de assassino, que paga sua defesa com o dinheiro recebido para matar a vítima”, criticou.

O procurador disse ao Congresso em Foco que não é contra que os criminosos em geral tenham advogados pagos, o que seria uma limitação antidemocrática à defesa deles. Entretanto, Pastana afirmou que eles têm que pagar honorários de acordo com os recursos lícitos que possuem. Ou utilizar os serviços da Defensoria Pública.


Cuba e a verdadeira Liberdade de Expressão

"...em uma sociedade dividida em classes, a liberdade de expressão existe para os que tem em suas mãos os meios de produção, ou seja uma minoria. Mas, da perspectiva socialista, a verdadeira liberdade de expressão é para as grandes maiorias".










do Pupila Imsone
por Omar Pérez Salomón 

Uno de los términos más utilizados para agredir a la Revolución Cubana es el de la libre expresión. A lo largo de más de 50 años se ha empleado sin tener en cuenta el contexto y las condiciones en que se ha desarrollado la Revolución.

Ahora le toca el turno a la organización no gubernamental Amnistía Internacional,que en su último informe acusa al gobierno cubano de reprimir la libertad de expresión, según da cuenta un despacho de la agencia de prensa EFE, el pasado 24 de mayo.

En este informe Amnistía Internacional declara que: “Las autoridades de Cuba, donde todos los medios de comunicación siguen bajo el control del Gobierno, continuaron limitando severamente la libertad de expresión, reunión y asociación de disidentes políticos, periodistas y activistas de derechos humanos, a los que sometieron a arrestos domiciliarios arbitrarios”.

En mi opinión, en una sociedad dividida en clases, la libertad de expresión, existe para aquellos que tienen en sus manos los medios de producción, o sea una minorìa; pero desde una perspectiva socialista, la verdadera libertad de expresión es para las grandes mayorías. Precisamente los llamados “disidentes”, pagados por sus amos imperialistas, pretenden destruir la Revolución de las grandes mayorías.

Me pregunto si la Revolución Cubana en sí misma no ha significado para jóvenes, niños, ancianos, mujeres, obreros, campesinos, intelectuales y artistas, acceso y posibilidades en todos los órdenes espirituales y también en el orden material, que hubieran sido cercenadas para la inmensa mayoría de ellos bajo el capitalismo subdesarrollado que ha sido el destino de los países que forman el entorno de Cuba. Al parecer Amnistía Internacional desconoce estas realidades y se adhiere a las falacias que se fabrican para atacar el proyecto socialista cubano.

En medio de un incremento de la lucha con el imperialismo norteamericano y sus aliados europeos, tienen un gran valor y alcance las ideas del líder de la Revolución CubanaFidel Castro, expresadas en la entrevista que le realizara entre 2003 y 2005 el intelectual y periodista francés Ignacio Ramonet, publicada en el libro Cien Horas con Fidel.

“Si usted llama libertad de prensa al derecho de la contrarrevolución y de los enemigos de Cuba a hablar y a escribir libremente contra el socialismo y contra la Revolución, calumniar, mentir y crear reflejos condicionados, yo le diría que no estamos a favor de esa ‘libertad’. Mientras Cuba sea un país bloqueado por el imperio, víctima de leyes inicuas como la Helms-Burton o la Ley de Ajuste Cubano, un país amenazado por el propio Presidente de Estados Unidos, nosotros no podemos dar esa ‘libertad’ a los aliados de nuestros enemigos cuyo objetivo es luchar contra la razón de ser del socialismo.

“En esos medios “libres”, ¿quién habla? ¿De qué se habla? ¿Quién escribe? Se habla lo que quieren los dueños de los periódicos o de las emisoras de televisión. Y escribe quien ellos deciden. Usted lo sabe bien. Se habla de “libertad de expresión”, pero en realidad lo que se defiende fundamentalmente es el derecho de propiedad privada de los medios de divulgación masiva. Aquí en Cuba, se lo digo con franqueza, no existe la propiedad privada de esos medios. Pero las distintas organizaciones de masas disponen de sus propios medios: los estudiantes tienen el suyo, los obreros, los sindicatos, los campesinos, hasta los militares. Todo el mundo tiene su órgano de información, y créame que publican con mucha libertad lo que creen conveniente publicar.

“En vez de cuestionar nuestros modos, que son el resultado, la consecuencia de más de cuarenta años de resistencia contra nuestro poderoso vecino, valdría la pena preguntarles a nuestros ciudadanos si se sienten o no se sienten libres.

“Nosotros no andamos con hipocresías de ninguna índole al hablar de la “libertad” de la prensa europea. Nosotros soñamos con otra libertad de prensa, en un país educado e informado, en un país que posea una cultura general integral y pueda comunicarse con el mundo. Porque quienes temen el pensamiento libre no educan a los pueblos, no les aportan, no tratan de que adquieran el máximo de cultura, de conocimientos históricos y políticos profundos, y aprecien las cosas por su valor en sí, y porque saquen conclusiones de sus propias cabezas. Para sacar las cosas de sus propias cabezas, deben poseer los elementos de juicio necesarios.

“¿Van a hablar de “libertad de expresión” en países que tienen un 20 o un 30 por ciento de analfabetos totales, y un 50 por ciento de analfabetos funcionales? ¿Con qué criterio, con qué elementos incluso, opinan, y dónde opinan? Si cuando mucha gente culta e inteligente quiere publicar un artículo, no hay manera de que salga a la luz, lo ignoran, lo aplastan, lo desacreditan. Se han convertido esos grandes medios en instrumentos de manipulación.”




28 maio, 2012

Nota oficial sobre reportagem da revista Veja


Sobre a reportagem da revista Veja publicada nesse final de semana, que apresenta uma versão atribuída ao ministro do STF, Gilmar Mendes, sobre um encontro com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 26 de abril, no escritório e na presença do ex-ministro Nelson Jobim, informamos o seguinte:

1. No dia 26 de abril, o ex-presidente Lula visitou o ex-ministro Nelson Jobim em seu escritório, onde também se encontrava o ministro Gilmar Mendes. A reunião existiu, mas a versão da Veja sobre o teor da conversa é inverídica. “Meu sentimento é de indignação”, disse o ex-presidente, sobre a reportagem.

2. Luiz Inácio Lula da Silva jamais interferiu ou tentou interferir nas decisões do Supremo ou da Procuradoria Geral da República em relação a ação penal do chamado Mensalão, ou a qualquer outro assunto da alçada do Judiciário ou do Ministério Público, nos oito anos em que foi presidente da República.

3. “O procurador Antonio Fernando de Souza apresentou a denúncia do chamado Mensalão ao STF e depois disso foi reconduzido ao cargo. Eu indiquei oito ministros do Supremo e nenhum deles pode registrar qualquer pressão ou injunção minha em favor de quem quer que seja”, afirmou Lula.

4. A autonomia e independência do Judiciário e do Ministério Público sempre foram rigorosamente respeitadas nos seus dois mandatos. O comportamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o mesmo, agora que não ocupa nenhum cargo público.

Assessoria de Imprensa do Instituto Lula



Internet paralela






Por Murilo Roncolato
Do Link Estadão


Isaac Wilder ligou o Occupy Wall Street ao resto do mundo em 2011. E agora quer conectar todo o planeta em uma rede alternativa

SÃO PAULO – “Facebook? Twitter? Se acham que é possível fazer a revolução usando essas ferramentas privadas de espionagem, estão redondamente enganados.” Isaac Wilder, cofundador da Free Network Foundation (FNF), tem uma proposta diferente para os ciberativistas de plantão. Em vez de lutar contra a censura corporativa e governamental sobre a internet, Wilder propõe a criação de uma outra internet, livre. Em entrevista por e-mail ao Link, ele explicou melhor o que chama de ciberespaço cidadão.


Isaac tem apenas 22 anos, já estudou Ciências da Computação e Filosofia, mas abandonou os dois cursos para se dedicar unicamente ao seu projeto. Após viajar para Cuba e se deparar com a dificuldade de acesso à internet por lá, colocou para si a meta de elaborar uma estrutura de rede que pudesse levar conexão de forma barata e segura para onde houvesse demanda.

Fora do papel, a ideia tomou corpo em forma de uma estrutura física – uma antena de quase três metros, chamada FreedomTower (torre da liberdade), e um dispositivo que funciona como roteador, servidor e armazenador de dados, o FreedomBox. (caixa da liberdade). Quando o movimento Occupy Wall Street ganhou força em 2011, os manifestantes precisavam de conexão segura e rápida, 24 horas, para se comunicar com o mundo. Era a chance de Wilder. Ele aproveitou e obteve sucesso não só em Nova York, mas no Occupy de Austin e Los Angeles.

De infraestrutura para protestos, a antena da internet livre deveria tomar o mundo. Esse era e ainda é o plano. Wilder vê à frente o mundo inteiro interligado por uma rede privada (VPN) criada graças à presença de FreedomTowers e Boxes espalhadas em domicílios do mundo todo.

“Em cinco anos, a maioria das metrópoles do mundo terão porções significativas de sua população conectada a uma rede comunitária”, prevê. “Chegamos a um ponto de inflexão tecnológica, e este momento está finalmente chegando ao público geral.”

Wilder acredita que sua ideia tem bastante chance de ser difundida, principalmente por causa do baixo custo da estrutura (US$ 1.240 a antena e US$ 100 o box) e da redução posterior de gastos com internet, já que a rede “cidadã” tende a ser mais barata do que a conexão vendida pelas operadoras. “Usamos o que temos à disposição para criar coisas melhores para o futuro. O sistema atual proporciona as condições necessárias para a sua própria obsolescência. Não é um paradoxo que usemos os equipamentos dessas empresas de hoje – é uma estratégia.”

Segundo Wilder, há no mundo movimentos com o mesmo propósito. “De Atenas a Berlim, de Cabul a Nairóbi. Isto só tende a se expandir conforme as tecnologias melhoram”, acredita.

A FNF está hoje em Kansas, no Missouri, onde fará uma grande demonstração da sua rede e sobrevivendo de doações. A organização ganhou mais evidência quando Richard Stallman, fundador da Free Software Foundation, passou a fazer parte do Conselho. “Ele está empolgado em ver que uma nova geração de hackers pensando de maneira ética sobre a tecnologia.”

“A Veja deve explicações ao país”

Em entrevista ao Jornal Sul21, o presidente da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) Celso Schröder, fala sobre a CPI e salienta a necessidade do Marco Regulatório das Comunicações.  
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por Samir Oliveira
do @Sul21

"Os jornalistas não estão acima da lei e não podem estar acima dos princípios republicanos" 


| Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21



Sul21 – O que a CPI do Cachoeira pode nos dizer sobre a mídia brasileira?

Celso Schröder – 
A CPI está nos mostrando que a mídia é uma instituição como qualquer outra e precisa estar submetida a princípios públicos, na medida em que a matéria-prima do seu trabalho é pública: a informação. Quanto menos pública essa instituição for e mais submetida aos interesses privados dos seus gestores ela estiver, mais comprometida ficará a natureza do jornalismo. Como qualquer instituição, a mídia não está acima do bem e do mal, dos preceitos republicanos do Estado de Direito e do interesse público. Do ponto de vista político, a Veja confundiu o público com o privado. Do ponto de vista jornalístico, comete um pecado inaceitável: estabelecer uma relação promíscua entre o jornalista e a fonte. Não é só um repórter, mas é a organização, a chefia da empresa, que conduz e encaminha uma atividade tecnicamente reprovável e eticamente inaceitável. Todo jornalista sabe, desde o primeiro semestre da faculdade, que a fonte é um elemento constituidor da notícia na medida em que ela for tratada como fonte. A fonte tem interesses e, para que eles não contaminem a natureza da informação, precisam ser filtrados pelo mediador, que é o jornalista. A fonte, ao mesmo tempo em que dá credibilidade e constitui elemento de pluralidade na matéria, por outro lado, se não for mediada e relativizada pelo jornalista, pode contaminar o conteúdo.

Sul21 – Em que pontos a relação entre Policarpo Júnior e Cachoeira extrapolaram uma relação saudável entre repórter e fonte?

Schroder – 
Ele não tratou o Cachoeira como fonte. O problema é um jornalista ou uma empresa jornalística atribuir a alguém uma dimensão de fonte única, negociando com ela o conteúdo e a dimensão da matéria e, principalmente, conduzindo a Veja para uma atuação de partido político. Esse é um pecado que a Veja vem cometendo há algum tempo. A oposição no Brasil é muito frágil. Por não existir uma oposição forte, a imprensa assume esse papel, o que é uma distorção absoluta. A imprensa não tem que assumir essa função, a sociedade não atribui a ela uma dimensão político-partidária, como a Veja se propõe. A Veja acaba de nos produzir um dos piores momentos do jornalismo. Quando houve o episódio da tentativa de invasão do apartamento do ex-ministro José Dirceu (PT) por um repórter da Veja, eu escrevi um artigo dizendo que, assim como Watergate tinha sido o grande momento do jornalismo no mundo, a atuação da Veja no quarto de Dirceu foi um anti-Watergate. Mal sabia eu que teríamos um momento ainda pior. Não foi a ação individual de um repórter sem capacidade de avaliação. Foi uma ação premeditada e sistêmica de uma empresa de comunicação, de um chefe que conduzia seu repórter para uma ação imoral, tangenciando perigosamente a ilegalidade.

Sul21 – O mesmo pode ser dito para o episódio recente entre Policarpo Júnior e Cachoeira?

Schröder - Neste momento, isso se consolida. É uma revista que coloca em jogo a matéria-prima básica da sua existência: a credibilidade. Parece-me um suicídio, inclusive do ponto de vista de um negócio jornalístico. A não ser que a Veja esteja contando com um outro tipo de financiamento, ou já esteja sendo subsidiada por outro mecanismo que não seja decorrente da credibilidade e da inserção no público. Não temos dados concretos sobre isso, mas tudo leva a crer que, nesse momento, o financiamento da Veja esteja se dando por outro caminho. O comprometimento e o alinhamento inescrupuloso da revista a uma determinada visão de mundo conduz à ideia de que a Veja possa ter aberto mão de ser um veículo de comunicação para ser um instrumento político com financiamento deste campo.

Sul21 – Mas a revista já passou por períodos em que era mais comprometida com o jornalismo. Como ocorreu essa mudança?

Schroder – 
Não é de agora que a Veja vem dando indícios de que abre mão de um papel de referência jornalística. A Veja foi fundamental para a redemocratização do país, foi referência para jornalistas de várias gerações e teve em sua direção homens como Mino Carta e Alberto Dines. Depois de um certo tempo, a revista começa a alinhar-se a um determinado grupo social brasileiro. É claro que os editores da revista têm opiniões e cumprem um papel conservador no país. Tudo bem que isso aconteça nas dimensões editoriais. Agora, que se reserve ao jornalismo informativo um espaço de discussão com contrapontos. Princípios elementares do jornalismo foram sendo abandonados e essa revista, que foi importante para a democracia e para o jornalismo, passa a ser um exemplo ruim que precisa ser enfrentado.

Sul21 – Como o senhor vê a possibilidade de Policarpo Júnior ser convocado para depor na CPI?

Schroder – 
Tenho visto declarações de alguns políticos, como da senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que diz que o envolvimento do Policarpo nisso representa um ataque à imprensa. Os jornalistas não estão acima da lei e não podem estar acima dos princípios republicanos. Se ele for convocado pela CPI, tem o direito de não ir. Se ele for, tem o direito de exercer a prerrogativa do sigilo de fonte. Mas a convocação não representa uma ameaça. A Veja tem que dar explicações ao Brasil. É preciso explicar como ela exerce a atividade jornalística com essas veleidades, com descompromisso e irresponsabilidade em relação a princípios éticos e técnicos consagrados pelo jornalismo. Questionar isso é fundamental. Os jornalistas e a academia têm obrigação de fazer esse questionamento.

Sul21 – Nesse sentido, não seria válido também convocar o presidente do Grupo Abril, Roberto Civita?

Schroder – Parece que seria deslocar o problema. Na CPI, a Veja é um dos pontos. O problema é a corrupção entre o Cachoeira e o Parlamento brasileiro. Um depoimento do Civita geraria um debate que desviaria os trabalhos da CPI. Não há dúvida de que a Veja praticou um mal jornalismo e deve prestar contas. A CPI tem gravações de integrantes da revista com o bicheiro. Que eles sejam convocados, então. Não é pouca coisa trazer o chefe da sucursal da Veja em Brasília para depor.

Sul21 – As críticas à Veja costumam ser rebatidas com argumentos que valorizam o trabalho supostamente investigativo feito pela revista, com diversas denúncias de corrupção. Entretanto, as gravações entre Policarpo e Cachoeira revelam como funcionava a engenharia que movia algumas dessas denúncias.

Schroder – 
Há uma certa sensação de que estamos vivendo um momento de corrupção absoluta no país. E isso está longe de ser verdade. Basta olhar a história e ver que agora temos instituições democráticas funcionando. A imprensa cumpre um papel democrático e fiscalizador importante com a denúncia. O problema é que alguns setores, ao fazerem denúncias, atribuem um papel absoluto à ideia da corrupção. No caso da Veja, o pior de tudo é que a própria revista estava envolvida. Não é só um mau jornalismo sendo praticado. Há indícios perigosos de uma locupletação – que não precisa ser necessariamente financeira. Pode ser uma troca de favores, onde o que a Veja ganhou foi a constituição de argumentos para uma atuação política, não jornalística. Como se fosse o partido político que a oposição não consegue ser. Se a imprensa se propõe a esse tipo de coisa, volta a um patamar de atuação do século XVIII.  Se é para ser assim, que a revista mude de nome e assuma o alinhamento a determinado partido. Agora, ao se apresentar como um espaço informativo, a Veja precisa refletir a complexidade do espaço político brasileiro. Se ela não faz isso, está comprometendo o jornalismo e tangenciando uma possibilidade de ilegalidade que, se houver, precisa ser esclarecida. A Fenaj não vai proteger jornalistas criminosos.

Sul21 – A revelação desse modus-operandi da Veja está gerando uma discussão quase inédita no país: a mídia está debatendo a mídia. A revista Carta Capital tem dedicado diversas capas ao tema e a Record já fez uma reportagem sobre o assunto. É um fenômeno comum em outros países, mas até então não ocorria no Brasil.

Schroder – 
Nos anos 1980, quando a Fenaj propôs uma linha para a democratização da comunicação, partimos da compreensão de que a democratização do país não havia conseguido chegar à mídia. O sistema midiático brasileiro, ao contrário de todas as outras instituições, não havia sido democratizado. Temos cinco artigos da Constituição nessa área que não estão regulamentados. Durante 30 anos tivemos diversas iniciativas de tentar construir  esse debate. A lógica da regulamentação existe em todos os países do mundo. Mas, no Brasil, isso enfrenta resistências de uma mídia poderosa, que fez os dois primeiros presidentes da República após a democratização. Sarney e Collor são dois políticos que saíram dos quadros da Rede Globo. Na presidência do Congresso tivemos outros afilhados da Rede Globo, como Antonio Carlos Magalhães, que também foi ministro das Comunicações. A mídia não só está concentrada, no sentido de ter monopólios, como está desprovida de qualquer controle público. Está absolutamente entregue à ideia de que a liberdade de expressão é a liberdade de expressão dos donos da mídia. Enquanto que o preceito constitucional diz que a liberdade de expressão é do povo, e o papel da mídia é assegurar isso.

Sul21 – Quanto se conseguiu avançar nesse debate desde então?

Schroder – Estamos há 30 anos pautando esse debate até chegarmos a Confecom (Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009). A Fenaj consegue constituir a ideia de que esse debate precisa ser público, já que ele é omitido pela mídia, que atribui à essa discussão uma tentativa de censura. A Confecom, no início, teve a anuência das empresas. Eu fui junto com os representantes da RBS e da Globo aos ministros Helio Costa (Comunicações),  Tarso Genro (Justiça) e Luiz Dulci (Secretaria-Geral da Presidência) propor a conferência. As empresas compreendiam que, naquele momento, a telefonia estava chegando e ameaçava um modelo de negócios. Mas, durante a Confecom, a Rede Globo e todos os seus aliados se retiraram, tentando sabotar mais uma vez o debate. O espírito conservador está no DNA da Rede Globo. Ela acostumou-se à ideia de que para o seu negócio não deve existir nenhuma regra. Acostumou-se a impor seus interesses ao país e, portanto, é ontológicamente contra qualquer regra. Naquele momento em que a Globo se retirou da Confecom ficou claro que não é possível contar com esses empresários para qualquer tipo de tentativa de atribuir à comunicação no Brasil uma dimensão pública, humana e nacional, regida por princípios culturais, democráticos e educacionais, não simplesmente pelo lucro fácil e rápido.

Sul21 – O editorial do jornal O Globo defendendo a revista Veja é um indício de que há um corporativismo muito grande entre os donos da mídia tradicional?

Schroder – 
O princípio que os une é aquele verbalizado pela Sociedade Interamericana de Imprensa: Lei melhor é lei nenhuma. As empresas alinhadas à ideia de que não podem estar submetidas à lei protegem-se. Abrigadas no manto de uma liberdade de expressão apropriada por elas, protegem seus interesses e seus negócios, atuando de uma maneira corporativa e antipública.  O jornalismo é fruto de uma atividade profissional, não é fruto de um negócio. Jornalismo não é venda de anúncios. Jornalismo é, essencialmente, o resultado do trabalho dos jornalistas. Portanto, a obrigação dos jornalistas é denunciar sempre que o jornalismo for maculado, como ocorreu com a Veja. Seria, também, uma obrigação das empresas jornalísticas, na medida em que elas não estejam envolvidas com esse tipo de prática. Ao tornarem-se cúmplice e acobertarem esse tipo de prática, as empresas aliam-se a elas. Essas empresas disputam o mercado, mas protegem-se no que consideram essencial, no sentido de inviabilizar a ideia de que exercem uma atividade submetida aos interesses públicos, como qualquer outra.
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Sugerimos também a leitura de Parlamentares da CPMI estão cautelosos quanto à convocação da mídia


27 maio, 2012

Marco Regulatório, nada além da Constituição


Mas se está tudo na Constituição, por que precisamos do Marco Regulatório, certamente alguns vão perguntar. Oras, porque não basta estar lá, precisa de uma lei que regulamente para agilizar o cumprimento.

Imagine que você é vítima de um crime de imprensa (calúnia, injúria, difamação). Aí, em vez de ser automático o direito de se defender em igual espaço, você tem que entrar com uma ação e o juiz vai julgar de acordo com o entendimento dele. A parte que ofendeu tem o direito de recorrer, e lá vai para segunda instância, recorrer de novo, e assim infinitamente. Quando finalmente sair a sentença da ação iniciada anos atrás, porque sem lei ela vai acabar nos entupidos tribunais superiores, você pode já ter tido sua honra manchada, destruída. Exemplo clássico é o do jornalista Luis Nassif que agora, no início de maio, ganhou direito de resposta contra a Veja. Depois de 4 anos! E ainda cabe recurso.

Isso sem falar na bagunça que as concessionárias de sinal público de TV fazem com as concessões. Aluguel de tempo para venda de produtos por telefone, para igrejas. Senadores e deputados, que pela Constituição não poderiam deter concessões e as detém...e assim vai.

Então, por favor não entrem na cantilena da velha mídia que rotula o marco regulatório como cerceamento à liberdade de Imprensa. É tudo ao contrário. O que necessitamos é nada menos do que a regulamentação do que está na Carta de 88, exatamente para podermos exercer em plenitude a livre expressão!
Abaixo alguns títulos e capítulos da Constituição









TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I

DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;



CAPÍTULO V


DA COMUNICAÇÃO SOCIAL


Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.


§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.


§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.


§ 3º - Compete à lei federal: 


I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;


II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.


§ 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.


§ 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.


§ 6º - A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.


Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:


I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;


II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;


III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;


IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.


Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.


§ 1º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.


§ 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social.


§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantira a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 28/05/2002)




§ 4º Lei disciplinará a participação de capital estrangeiro nas empresas de que trata o § 1º. (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 28/05/2002)


§ 5º As alterações de controle societário das empresas de que trata o § 1º serão comunicadas ao Congresso Nacional. (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 36, de 28/05/2002)


Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.


§ 1º - O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, § 2º e § 4º, a contar do recebimento da mensagem.


§ 2º - A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.


§ 3º - O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.


§ 4º - O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial.


§ 5º - O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras de rádio e de quinze para as de televisão.


Art. 224. Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.


Seção V
DOS DEPUTADOS E DOS SENADORES




Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:
I - desde a expedição do diploma:

a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;



Argentinos desconfiam dos bancos e da moeda

Foto: BBC Brasil

Por Eric Nepomuceno - Buenos Aires
Do Carta Maior


Nas últimas semanas, uma das perguntas mais ouvidas na Argentina é a seguinte: Qué pasa con el dólar? Comprar dólares se tornou algo praticamente impossível. Pois bem: mais do que perguntar o que anda acontecendo com o dólar, talvez o mais correto seja perguntar o que acontece com a própria Argentina.

Numa escalada que começou em novembro e atingiu seu auge agora em meados de maio, o governo de Cristina Fernández de Kirchner fechou radicalmente a torneira da moeda norte-americana. É praticamente impossível, para os mortais comuns, comprar um mísero dólar. E para os não tão comuns, também.

O primeiro resultado foi o ressurgimento do câmbio negro. Enquanto o câmbio oficial está na casa dos 4,40 pesos, no paralelo a cotação ronda os seis pesos por dólar. Trata-se, é verdade, de um mercado residual, que movimenta cerca de vinte milhões de dólares por dia, contra os quase 400 milhões do mercado oficial e legal. Mas não deixa de ser um dado palpável no cotidiano de um país acostumado, há décadas, a poupar em dólar. É um fenômeno singular: todas as classes sociais, sem exceção, poupam em moeda norte-americana. Há desde os grandes poupadores até os assalariados de renda mais baixa que transformam cada tostão sobrante em dólares. Índices oficiais mostram que 66% das vendas de moeda norte-americana nos últimos dois anos significaram quantias inferiores a dez mil dólares. E mais: do total vendido no mercado legal e oficial, 44% se referem a somas inferiores a três mil dólares.

Pois as barreiras impostas aos argentinos que pretendem comprar moeda norte-americana se tornaram tão rígidas que hoje são quase intransponíveis.

Há vários aspectos a serem analisados nesse novo cenário. O mercado imobiliário, por exemplo. Os imóveis, tanto urbanos como rurais, são anunciados e vendidos em dólar, e em dinheiro vivo.

Conheço pessoas que, para finalizar uma transação imobiliária que envolvia somas consideráveis, recorriam a carros-fortes para levar o dinheiro.

Outro aspecto importante do uso da moeda norte-americana como poupança é a profunda e irremediável desconfiança dos argentinos diante do sistema bancário. Desde o ‘corralito’, que há doze anos limitou as retiradas de saldos bancários e congelou os depósitos em dólar num câmbio artificial, a poupança da população avançou sobre terrenos insólitos.

Calcula-se que cerca de 20 bilhões de dólares, quase a metade das reservas oficiais do país, estejam guardados em colchões, caixas de segurança alugadas pelos bancos, latas de biscoito, rodapés ocos em casas e apartamentos, enfim, em qualquer lugar. O argentino desconfia dos bancos e desconfia da própria moeda. Conheço gente que guarda quantidades consideráveis de dólares em casa, enterrados em vasos de planta, por exemplo, ou em pacotes disfarçados no congelador, como se fosse manteiga.

Tudo isso pode parecer muito pitoresco. Talvez seja efetivamente pitoresco. Mas quando um país de tal maneira dolarizado bloqueia o acesso ao dólar, a inquietação generalizada torna-se assunto sério.

Desde que, no segundo semestre de 2011, a economia argentina passou a dar sinais cada vez mais palpáveis de desaceleração, dispararam vários alarmas no governo. A Argentina tem problemas sérios na hora de conseguir financiamento externo. Depende basicamente de sua balança comercial para obter um superávit em dólares que permita fazer frente aos compromissos externos.

Com a economia se retraindo – no ano passado o PIB cresceu 9%, conforme diz o governo, ou 7%, como dizem os céticos, e em 2012 dificilmente irá muito além dos 3% – de maneira drástica, com as exportações encolhendo (agora, em abril, houve uma queda de 6% em comparação com abril do ano passado), a moeda norte-americana passa a se tornar alvo preferencial do governo.

Assim, além de secar a fonte onde era fácil encontrar moeda norte-americana, o governo restringiu de maneira radical as importações. Que ninguém gaste dólares que possam ir para os compromissos externos.

Desapareceram de lojas e supermercados geleias francesas, azeites espanhóis, facas brasileiras e massas italianas, da mesma forma que começam a escassear ferros de passar roupa, motores de geladeira, computadores ou peças de veículos. Além de bens de consumo, há queixas das dificuldades cada vez maiores de se importar insumos para a indústria e a agricultura.

A balança comercial deixou, em abril, um superávit robusto, de quase dois bilhões de dólares – apesar da retração nas exportações. A razão é simples é óbvia: as importações foram reduzidas ainda mais, e de forma brusca. O governo não esconde seu objetivo: alcançar, do jeito que for, um superávit de dez bilhões de dólares este ano.

Se vai conseguir ou não, ninguém se arrisca a assegurar. Mas que as medidas adotadas para isso estão sendo especialmente duras, ninguém se atreve a negar.

Neste outono frio e chuvoso, o dólar é tema de profunda nostalgia entre os argentinos – muito mais do que o sol.


26 maio, 2012

Denúncia de Veja não durou nem 24 horas







Não há meio termo nesta história. Ou Gilmar Mendes mentiu, ou foi Nelson Jobim quem faltou com a verdade. Neste sábado, Veja publicou uma notícia gravíssima: a de que o ex-presidente Lula teria se encontrado com Gilmar Mendes em abril deste ano, no escritório do advogado Nelson Jobim, e pedido a ele que postergasse o julgamento do mensalão para não prejudicar o PT nas eleições municipais. A denúncia, qualificada como “bombástica” por Ricardo Noblat e apontada por Reinaldo Azevedo como a prova cabal de que Lula degrada as instituições da República, despertou reações extremadas. Já há internautas sugerindo que Gilmar Mendes deveria ter dado voz de prisão a Lula no momento em que o ex-presidente teria tentado pressioná-lo.

A denúncia de Veja, no entanto, não durou nem 24 horas. E a questão agora consiste em saber quem mentiu: Gilmar ou Jobim? De acordo com o relato da revista Veja, Lula e Gilmar teriam conversado reservadamente, na cozinha do escritório de Jobim, sem que o ex-ministro da Justiça tivesse presenciado o diálogo. Jobim, no entanto, foi enfático. Disse que Lula chegou quando ele e Mendes já conversavam, garantiu que presenciou todo o encontro e afirmou ainda que não houve nenhum instante de privacidade entre o ex-presidente e o ministro do STF. Mais: disse ainda não saber por que Gilmar Mendes fez as declarações que fez à revista Veja (leia mais aqui).

Nelson Jobim tinha à disposição uma saída diplomática para o caso. Poderia dizer que não se recordava do teor da conversa, que saíra da sala para atender um cliente ou ter dado qualquer outra desculpa para não se indispor nem com Lula, seu ex-chefe, nem com Gilmar Mendes, um ministro que julga suas causas no Supremo. Preferiu jogar a batata quente para o próprio ministro do STF, que agora terá que provar que um ex-presidente da República realmente tentou chantageá-lo – segundo Gilmar, em troca do adiamento do julgamento do mensalão, Lula estaria oferecendo uma blindagem na CPI do Cachoeira.

Ainda há juízes em Berlim?

Dada a ênfase de Jobim, não se pode descartar a hipótese de que Gilmar Mendes tenha tentado obter na revista Veja o que os advogados chamam de habeas corpus preventivo. Ciente de que será citado na CPI do caso Cachoeira no futuro, o ministro do STF teria se vacinado.

Mas por que Gilmar seria citado? De que poderia ter medo? O fato é que o ministro do STF fez uma viagem a Berlim, capital alemã, onde se encontrou com o senador Demóstenes Torres (sem partido/GO). Até aí, nada demais. Um ministro do STF pode se encontrar com um senador da República, dentro ou fora do País.

Na mesma viagem, no entanto, Carlos Cachoeira acompanhava Demóstenes. Não se sabe, no entanto, se o bicheiro teria tido algum encontro com o ministro do STF. Mas a agressividade da revista Veja contra o ex-presidente Lula pode indicar, como dizem os mineiros, que há algum caroço nesse angu.

No dia 9 de abril deste ano, reportagem do 247 revelou que Gilmar chamou para si uma ação estratégica para os interesses de Cachoeira (leia mais aqui). Depois da notícia, o ministro devolveu o processo.

Outra história enigmática diz respeito à atuação na denúncia orquestrada por Carlos Cachoeira contra Waldomiro Diniz, ainda em 2004, que contou com a participação do promotor José Roberto Santoro e do ex-senador Antero Paes de Barros, que é amigo do ministro Gilmar Mendes.

Finalmente, há ainda a história do grampo entre o senador Demóstenes Torres e o ministro do STF, publicado por Policarpo Júnior, em Veja, e que derrubou a cúpula da Agência Brasileira de Inteligência, a quem foi atribuída a gravação.

Ao que tudo indica, o grampo entre o senador e o ministro do STF também foi produzido pelos estúdios Cachoeira, com a participação dos arapongas Jairo Martins e Idalberto Matias.

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Recomendamos ler também matéria do Correio do Brasil de 28 de abril que explicita a ligação entre Gilmar, Demóstenes e Cachoeira.  

Código Florestal: o discurso vazio dos ruralistas

Do OutrasPalavras
Via Antonio Martins





Números do IBGE atestam: para preservar natureza ampliando produção agropecuária, basta combater mau-uso da terra e apoiar pequeno produtor
Por Ladislau Dowbor

O drama do Código Florestal mexe frequentemente mais com o fígado do que com a cabeça, e vale a pena examinar alguns dados básicos. Nada melhor do que ir à fonte primária dos dados, que têm origem essencialmente no Censo Agropecuário do IBGE.

A superfície do Brasil, como todos aprendemos na escola, é de cerca de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Em hectares, isto representa 850 milhões. Desta superfície total, descontando a Amazônia distante, regiões demasiado secas do Nordeste ou alagadas do Pantanal, temos uma parte apenas em estabelecimentos agrícolas, representando um total de 334 milhões de hectares. Descontando as áreas paradas dos estabelecimentos agrícolas, temos 225 milhões de hectares de terras classificadas como “em uso”.

Muito interessante ver o que está contido neste “em uso”. Basicamente, temos, como atividade relativamente intensiva, a lavoura temporária, que ocupa 48 milhões de hectares, e a lavoura permanente que ocupa 12 milhões. Incluindo matas plantadas, que ocupam 5 milhões, temos um total de 65 milhões de hectares dedicados à lavoura, sobre um uso total de 225 milhões. O que acontece com os 160 milhões restantes? Trata-se de pasto, natural ou melhorado, mas consistindo essencialmente no que se chama de pecuária extensiva. Ocupa 71% do solo agrícola em uso. Quase duas vezes e meio a superfície da França.

A tabela abaixo mostra as proporções de uso do solo nas últimas décadas [1].



No documento do Censo Agropecuário de 2006, publicado em 2009, encontramos os dados complementares seguintes [2]. Primeiro, a pecuária ocupa o solo de maneira pouco produtiva ao extremo: “A taxa de lotação em 1996 era de 0,86 animais/ha e foi de 1,08 animais/ha em 2006”. (p.8) Disto resulta que a atividade que ocupa 71% do solo em uso do país participe com apenas 10% do valor da produção agropecuária. (p.2) Trata-se de uma gigantesca subutilização do solo agrícola já desmatado.

O Censo também mostra que, entre 1996 e 2006, “houve uma redução de 12,1 milhões de hectares (-11%) nas áreas com matas e florestas contidas em estabelecimentos agropecuários“ (p.2). É interessante cruzar este desmatamento com o fato que “os maiores aumentos dos efetivos bovinos entre os censos foram nas Regiões Norte (81,4%) e Centro-Oeste (13,3%).

As reduções do número de estabelecimentos com bovinos e dos rebanhos do Sul e do Sudeste mostram que a bovinocultura deslocou-se do Sul para o Norte do país, destacando-se, no período, o crescimento dos rebanhos do Pará, Rondônia, Acre e Mato Grosso. Nestes três estados da região Norte, o rebanho mais que dobrou, enquanto que em Mato Grosso o aumento foi de 37,2%” (p.8).

A pecuária extensiva emprega muito pouco. Em 2006, foram recenseados 17 milhões pessoas ocupadas em estabelecimentos agropecuários, 19% do total (p.9). São os pequenos estabelecimentos que geram mais empregos: “Embora a soma de suas áreas represente apenas 30% do total, os pequenos estabelecimentos (área inferior a 200 ha) responderam por 84,36% das pessoas ocupadas em estabelecimentos agropecuários. Mesmo que cada um deles gere poucos postos de trabalho, os pequenos estabelecimentos utilizam 12,6 vezes mais trabalhadores por hectare que os médios (área entre 200 e 2000 ha) e 45,6 vezes mais que os grandes estabelecimentos (área superior a 2.000 ha)” (p.10)

Outro ponto importante, a concentração do controle da terra continua absurda: “Os resultados do Censo Agropecuário 2006 mostram que a estrutura agrária brasileira, caracterizada pela concentração de terras em grandes propriedades rurais, não se alterou nos últimos 20 anos”. (p. 3). Basicamente, 50 mil estabelecimentos com mais de 1.000 hectares — ou seja, 1% do total de estabelecimentos – concentram 43% da área (146,6 milhões de hectares). São os que mais subutilizam a terra. E como os grandes empregam pouco, gera-se a pressão sobre as cidades. A questão do uso do solo e a contenção do desmatamento fazem parte do mesmo problema da racionalidade do uso dos nossos recursos naturais e da estabilidade dos trabalhadores da terra. Tem a ver com todos nós, e não apenas com ruralistas.



As conclusões são relativamente óbvias. Dada a imensa subutilização das terras já desmatadas, é simplesmente absurdo exigir mais desmatamento. O desmatamento está se dando em áreas vulneráveis (a maior expansão da pecuária está nas bordas da Amazônia), e mantém o ciclo destrutivo. O ciclo agrícola deve conjugar os objetivos de produção, emprego e preservação do capital-solo e dos recursos naturais. Claramente, o caminho é o da intensificação tecnológica, capacitação e apoio ao pequeno e médio agricultor, levando a um aproveitamento melhor e mais limpo do solo agrícola já usado; e apropriação maior de terras já desmatadas e subutilizadas pela pecuária extensiva.

Os dados do Censo mostram elevado nível de analfabetismo. Mais de 80% dos produtores rurais têm baixa escolaridade. Mais da metade dos estabelecimentos onde houve utilização de agrotóxicos não recebeu orientação técnica (pp 1 e 4). Não é de mais química e de mais desmatamento que a agricultura precisa, e sim de um salto formação, de eficiência tecnológica, social e ambiental. Temos os conhecimentos e recursos necessários. É um novo século. Produzir não é apenas expandir, é melhorar. Meio ambiente não é entrave, é oportunidade para um novo ciclo. E francamente, quando os grandes do agronegócio se colocam em defesa do pequeno, devemos olhar melhor os argumentos.

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* Ladislau Dowbor é professor titular da PUC de São Paulo, e consultor de várias agências das Nações Unidas. Os seus textos estão disponíveis em http://dowbor.org
NOTAS

[1] IBGE – Indicadores de Desenvolvimento sustentável 2010, p.65 - http://bit.ly/JGrG4e

[2] IBGE, Censo Agro 2006: IBGE Revela retrato do Brasil Agrário

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