28 março, 2014

A má-fé dos narradores desse jogo


por Denise Queiroz

A divulgação da pesquisa CNI-Ibope de avaliação do time com mando de campo,  esquentou a narração do Fla-Flu. De um lado os velhos colunistas da caquética tradicional e familiar mídia, vestindo camisas engomadas, alvoroçados com a perda da popularidade da artilheira em campo. De outro, os antigos sem camisa, descontentes com os números que tendem a barrar a euforia do já ganhou. Estes passaram a induzir seus leitores a desqualificar o último estudo, postaram que seria o mesmo estudo da outra semana. E, usando velhos jargões, atribuíram aos velhos narradores uma tentativa de manipulação. Em comum, a má-fé.

Os dados das pesquisas divulgadas nos últimos dias não agradam nem cá nem lá. Numa, feita e paga pelo Ibope, divulgada semana passada , a questão principal era a eleição. Questão simples: em quem você aposta para golear? Em caso de X se lesionar, em quem você apostaria? E se o Y sair no segundo tempo, quem você acha que faz gol?

Nessa, 43 por cento declarou continuar apostando na que foi escalada há quatro anos para golear o time adversário. E que não haverá segundo tempo. E também por aquele estudo, o time adversário - com jogadores desconhecidos da torcida, mesmo colocando todos titulares e reservas - não levaria. A torcida do favorito se alvoroçou e o clima de já ganhou tomou conta do estádio.

A outra pesquisa, divulgada quinta-feira 27 de março, mas feita na mesma data da anterior, com mesma amostragem - portanto ainda sem medir o estrago que a mancha na camisa causa à centroavante do time principal - foi saudada pelos tradicionais. Nela, o alerta de que algumas condições tem que ser levadas em conta para que o time principal consiga vencer. E que o time adversário tem condições de explorar as falhas que o favorito desconsiderou desde o último jogo.

Oras, oras. Não sei se estou velha, devo estar. Primeiro que, pesquisas, embora bons indicadores de caminhos a serem seguidos, refletem parte da realidade, uma pequena parte. Segundo que, mostrar aos leitores algo que não é real, como fizeram os narradores de ambos os times, induz ao erro e chama-se desonestidade.

Uma coisa é a pesquisa simples: você aposta em quem? Outra coisa é a tentativa de entender, através de um questionário mais elaborado, o que agrada ou não de cada um dos elementos que estão em campo. Aí entra o gramado, a iluminação, as condições climáticas, as decisões do técnico ao escalar jogadores, a situação do clube, o que empolga a torcida e o juiz.

Simples, né? Não.


Pesquisas onde muitas variáveis são questionadas levam mais tempo para terem seus dados codificados e transformados em gráficos e tabelas. E por esta razão, tendem a ser melhores indicadoras de caminhos que aquelas que só perguntam qual time você acha que ganha ou qual time você quer que ganhe. Dizer que uma e outra são iguais ou estavam prontas e não refletem a realidade é má-fé elevada à última potência. E a mentira não resiste a uma olhada no site do Ibope ou do TSE.

De todas formas, a estas alturas do ano e com tantas variantes a serem consideradas (as contas dos clubes, os preços dos ingressos, quantos torcedores vão comparecer ao estádio, a acessibilidade, organização das filas, jogadores lesionados que podem estar em condições de entrar em campo até junho, outros que podem se lesionar, quem vai arbitrar etc) narradores apressados e que dão o jogo por ganho, só tendem a cair no descrédito. 
Lástima. Alguns deles eram bons antes de serem contratados pelos patrocinadores das camisas.

22 março, 2014

Rede: a mesma que bate, afaga

Encontrei o vídeo que segue hoje cedo na minha caixa de mensagens do Twitter. E no friozinho desta manhã, as lágrimas foram aquecendo um pouco! 

Desde domingo passado, quando recebi o e-mail do Alex contando a literal barbaridade que aconteceu com sua filha e solicitando ajuda para fazer uma corrente – que inicialmente foi feita por e-mail e no final do dia postando no blog, com autorização dele -, não sei quantas mensagens de agradecimento já me enviou. Também não sei quantas mensagens de solidariedade recebi e repassei, e em quantas mensagens diretas colei o número da conta bancária dele, para pessoas que queriam ajudar.

Mas, diante do depoimento que ele dá neste vídeo, digo: não agradeça mais Alex! Cada um aqui que leu tua carta foi capaz de se colocar no teu lugar e tenta auxiliar um pouco. Mas o grande exemplo vem de vocês. As decisões que tomam, as providências e a forma de encarar o que aconteceu são alertas do quanto temos por resgatar de nossa humanidade. Parabéns pela tua grandeza e por te manter fiel aos valores mais profundos que nossa sociedade esquece de cultivar. Parabéns pelo exemplo que, com esse proceder, dás a tuas filhas e a todos nós! E um agradecimento enorme por, em meio a tanta dor, nos lembrar desses valores e de que sim, podemos construir outra forma de convivência!

Escutem. Assistam (assim, no imperativo mesmo). Há reflexões valiosas aqui. E no textinho abaixo do vídeo, alguns links. 



Alex cita no vídeo toda ajuda que recebeu de amigos, desde os que o conhecem pessoalmente até os que só o conhecem pela @ do twitter ou pelo perfil no facebook. De minha parte, agradeço a todos que ajudaram a compartilhar o post, o replicaram em seus blogs e nos seus perfis nas redes. Que essa corrente siga e que através disto possamos praticar mais a solidariedade e fazer uma corrente de convivência mais digna. O exemplo de que as coisas podem ser modificadas está aí.  

Para os que não viram, o post está aqui (link).
E para saber mais detalhes sobre a postura da escola e o processo de bullying, leiam o post publicado ontem, com outro depoimento dele, no Fematerna, com o título "Um estranho salvou minha filha". 
Aqui o vídeo onde Giulia nos agradece.
Aqui o link sobre justiça restaurativa, uma nova perspectiva para resolver conflitos.

O arrastão

por José Miguel Wisnik
do Jornal O Globo

O porta-malas que escancarou uma realidade acostumada a existir na sombra
Estarrecedor, nefando, inominável, infame. Gasto logo os adjetivos porque eles fracassam em dizer o sentimento que os fatos impõem. Uma trabalhadora brasileira, descendente de escravos, como tantos, que cuida de quatro filhos e quatro sobrinhos, que parte para o trabalho às quatro e meia das manhãs de todas as semanas, que administra com o marido um ganho de mil e seiscentos reais, que paga pontualmente seus carnês, como milhões de trabalhadores brasileiros, é baleada em circunstâncias não esclarecidas no Morro da Congonha e, levada como carga no porta-malas de um carro policial a pretexto de ser atendida, é arrastada à morte, a céu aberto, pelo asfalto do Rio. Não vou me deter nas versões apresentadas pelos advogados dos policiais. Todas as vozes terão que ser ouvidas, e com muita atenção à voz daqueles que nunca são ouvidos. Mas, antes das versões, o fato é que esse porta-malas, ao se abrir fora do script, escancarou um real que está acostumado a existir na sombra.

O marido de Cláudia Silva Ferreira disse que, se o porta-malas não se abrisse como abriu (por obra do acaso, dos deuses, do diabo), esse seria apenas “mais um caso”. Ele está dizendo: seria uma morte anônima, aplainada pela surdez da praxe, pela invisibilidade, uma morte não questionada, como tantas outras. Noto que a família foi econômica em adjetivos, soube tratar acontecimentos tão terríveis e dolorosos como substantivos, e inspira uma dignidade que nos coloca, infelizmente através da tragédia, diante da força de alguma coisa que podemos chamar ainda, apesar de tudo que advoga em contrário, de povo brasileiro.

Que a pessoa agonizante seja colocada num porta-malas, e que esse porta-malas, por ironia, por um lapso analítico, por incompetência cósmica, se abra com o carro em movimento, que ainda assim essa pessoa tombada fique presa por um fio de roupa, por um trapo que não se rompe pela força do atrito nem pela velocidade do veículo, que nesse lapso de tempo haja alguém que filma esse filme surreal exposto às nossas retinas fatigadas — toda essa cadeia de acasos produz um espetáculo sinistro que nos diz respeito pelo que tem de não familiar e de profundamente familiar. É uma imagem verdadeiramente surreal, não porque esteja fora da realidade, mas porque destampa, por um “acaso objetivo” (a expressão era usada pelos surrealistas), uma cena recalcada da consciência nacional, com tudo o que tem de violência naturalizada e corriqueira, tratamento degradante dado aos pobres, estupidez elevada ao cúmulo, ignorância bruta transformada em trapalhada transcendental, além de um índice grotesco de métodos de camuflagem e desaparição de pessoas. Pois assim como Amarildo é aquele que desapareceu das vistas, e não faz muito tempo, Claudia é aquela que subitamente salta à vista, e ambos soam, queira-se ou não, como o verso e o reverso do mesmo. O acaso da queda de Claudia dá a ver algo do que não pudemos ver no caso do desaparecimento de Amarildo. A sua passagem meteórica pela tela é um desfile do carnaval de horror que escondemos. Aquele carro é o carro alegórico de um Brasil, de um certo Brasil que temos que lutar para que não se transforme no carro alegórico do Brasil.

O deputado Iranildo Campos, do PSD, relator da proposta do novo código disciplinar para a PM e o Corpo de Bombeiros, afirma, comentando o ocorrido, que “presídio foi feito para bandido, não para policial”. Seria bom se a frase significasse que policial foi feito para ser policial, não para ser bandido. Mas ao desconhecer, ou ocultar, o fato de que esses polos opostos se cruzam numa zona de sombra, que é preciso identificar, esclarecer, erradicar, então a frase passa a significar que a lei é só para uns, e não para outros. Sendo que a lei é, por definição, a instância impessoal que se aplica a todos, a começar por aqueles que a efetuam como representantes do monopólio da violência pelo Estado, violência regulada pela lei. “Sou pobre, no particular. Mas eu quero é a lei...”, diz um personagem de Guimarães Rosa, em “Primeiras estórias”. É o que eu sinto na família de Claudia, firme e não movida pelo ódio. No Brasil, a aplicação da lei, por si só, já seria revolucionária.

A cena filmada no último domingo sinaliza uma espécie de situação-limite. É preciso refundir a instituição, é preciso desmilitarizar a polícia. Muitas são as forças capazes de contribuir para isso, de forçar o sistema político a sair dos seus mecanismos crônicos de autorreferência, e de lançar luz na confusão fusional brasileira.

16 março, 2014

Contra a violência, solidariedade

Imagine abrir a porta da sua casa e dar de cara com um desconhecido ao lado de sua filha de 12 anos que está machucada, sangrando, chorando e tentando entender o que fez de errado. Essa foi a cena que um grande companheiro das redes sociais viveu semana passada. Sua filha lhe foi entregue em casa por uma pessoa que ele nunca havia visto antes, mas que a salvou da agressão brutal que sofria.

O crime ocorreu numa rua de um bairro da zona norte de Porto Alegre, na saída da escola pública onde as três filhas dele estudam. Os agressores são colegas que, além de espancá-la, gravaram tudo em celular e espalharam nas redes sociais.

Abaixo reproduzo o relato que o @oalex_henrique enviou por e-mail. Não vamos reproduzir o vídeo no blog, pois o mesmo contém imagens de menores de idade, que pela lei devem ter sua imagem protegida.

Fica aqui nosso apelo enorme por solidariedade no que for possível. Pedimos também a quem trabalha no Estado, Secretaria de Educação e outros órgãos, para que atentem com muita urgência e dedicação, pois embora desta vez nos sensibilize muito mais por tratarem-se de pessoa que conhecemos, não são raras as notícias de fatos do tipo em todas as partes. 

Contatos podem ser feitos a partir da caixa de comentários do blog, na página dele do facebook e pelo e-mail slargher@gmail.com .

O relato:

 “Meu nome é Alexsandro, sou pai de três lindas filhas, de 17, de 12 e de 10 anos, e o que vou relatar a seguir após três noites sem dormir passa por cima do pouco orgulho que me resta, devido ao desespero.
Tenho 36 anos e sou estudante de graduação de História (licenciatura) graças ao FIES (financiamento estudantil) e a ajuda de poucos amigos amados que me incentivaram e me ajudaram a realizar esse sonho, que foi entrar na faculdade. Escolhi história por achar o mundo injusto, por discordar de um sistema que oprime os seres humanos e que algo deveria ser feito, nenhum lugar melhor que a sala de aula ao meu entender, quero ser professor.
Estou desempregado, não por escolha, mas por sofrer de uma doença que tenho a mais de 10 anos, que é a depressão e a síndrome do pânico, o que dificulta muito a permanência em empregos, pois cada vez que o ciclo da doença volta, acabo faltando, logo, não há empresa que compreenda isso e em muitas, por vergonha, nunca expus minha real condição. Estudar é outra tarefa penosa, não fosse a compreensão de meus mestres professores da faculdade já teria sido reprovado em muitas cadeiras por faltas. Estou no 5º semestre e com o fato recente que aconteceu com minha filha Giulia pretendo trancar a faculdade, ao menos por enquanto, explico no texto a seguir:
Minha filha é uma criança especial, nasceu prematuramente, pois a bolsa da mãe rompeu muito antes do tempo, o que acarretou em problemas pulmonares, ela sofre de asma. Desde a infância percebemos que ela precisaria de cuidados especiais, e sempre que pudemos estivemos ao lado dela. Sua vida escolar não é fácil, ela tem um ritmo diferenciado de outras crianças, tem muita dificuldade em aprender e tem um ritmo mais lento que outras crianças, o que resulta sempre em frustrações para ela e reprovações. Ela tem 12 anos e está no 5º ano a antiga 4ª série. É uma criança, que para os padrões estéticos atuais, está acima do peso, e por isso sempre sofreu bullying na escola desde as primeiras séries. Adjetivos como gorda, baleia e etc. fizeram parte da sua rotina e, como conseqüência, a autoestima dela foi cada vez ficando mais baixa. Com isso desenvolveu a timidez e uma grande dificuldade de relacionamento com outras crianças, além de uma dermatite crônica emocional, que ataca principalmente suas mãos e pés, que viram em feridas graves, se não tratadas.
Ano passado, ela foi agredida na escola por colegas na cidade onde morava e na tentativa de socorrer minha filha, trouxe ela pra morar comigo e a transferi para uma escola em Porto Alegre, perto da minha casa, até que a mãe dela conseguisse alugar uma casa aqui perto de onde eu moro com minha filha mais velha. Passaram-se alguns meses, a mãe dela conseguiu vir pra cá e trouxe a nossa filha menor também, e hoje, as três estudam na mesma escola.
Infelizmente, desde o ano passado, na escola em que minhas filhas estão estudando, ela vinha sendo ameaçada, zombada e etc. e por ter apenas 12 anos, mais as dificuldades que relatei acima, nunca soube se defender ou ficar imune a estas “perseguições”. Por mais que tentássemos ajudar e aconselhar, em seu pensamento ela é burra, feia e gorda, como todos os colegas dizem pra ela todos os dias. E desde então, foi perdendo a alegria de viver.
O motivo de meu apelo vem a partir dos fatos que ocorreram esta semana, pois minha filha na saída da escola, nesta quinta-feira, foi cercada por 8 meninas e alguns meninos, onde uma delas a agrediu violentamente, com socos, pontapés no rosto e foi arrastada pelos cabelos na rua ao lado de sua escola, foi salva por um cidadão que estava passando quando estava prestes a desmaiar, que a trouxe pra casa e me relatou o ocorrido, pois segundo ele, que agora é meu herói, ela estava sendo linchada em via pública e ninguém fazia nada.
Não desejo que nenhum pai ou mãe passe pelo que passei ao ver minha filha naquele estado, é de se perder a racionalidade.
Não bastasse a violência, um menino gravou em vídeo, e esse vídeo foi publicado nas redes sociais e compartilhado em toda escola via bluetooth e wathsapp. Minha filha virou motivo de deboche e cyberbullying. Crianças dos 9 aos 16 anos assistem ao vídeo e continuam compartilhando.
Foi assim que uma coleguinha de sala, de 11 anos me adicionou no Facebook e disse que tinha visto vídeo, pois passaram pra ela também, e que estava chorando preocupada com o estado da Giulia. Conversei com ela, acalmando-a e a mãe dela, foi assim que consegui uma cópia e ter acesso ao viral que está na internet e na escola. Vi e ainda não tenho palavras pra descrever o que fizeram com minha filha.
Minha filha agora está com medo de sair na rua, não quer ir à escola, chora aos soluços toda vez que se lembra do ato e que todos na escola estão vendo o vídeo onde ela foi surrada e arrastada na rua, só pensa em morrer. Chegou a pensar que tudo é culpa dela, pois não deveria ter nascido, e do jeito que é a vida dela, prefere morrer. (nas crises de choro ameaça tirar a própria vida). Com isto, não deixamos ela sozinha um minuto sequer, tentando confortá-la e dar todo amor que sempre sentimos por ela.
O meu desespero é tamanho, que estou apelando através desta carta por qualquer ajuda. A mãe dela, uma batalhadora, trabalha como temporária em uma loja de roupas em Porto Alegre quase 10 horas por dia, ganha 800,00 de salário e paga 540,00 só de aluguel para morar aqui com as nossas duas outras filhas. Veio para Porto Alegre por achar que aqui sua filha estaria segura. Está com o aluguel atrasado e o proprietário está cobrando 17,00 por dia de atraso, ameaçando expulsá-la até o fim deste mês caso não quite o débito.
Não bastasse eu estar doente, e ter gastado todas minhas economias tentando sobreviver sem emprego há quase um ano, as ameaças à minha filha continuam, pois segundo relatos que chegam até nós pelas redes sociais, estas meninas e meninos ainda querem pegar a minha filha novamente, pois não as deixaram “terminar o serviço”!
Preciso urgentemente arrumar um lugar seguro para elas morarem, percebemos que onde moramos não é mais seguro pra elas. Hoje estou juntando elementos para mover um processo crime contra estes agressores e um cível também, já tenho o vídeo e as mensagens postadas nas redes sociais, e duas testemunhas que presenciaram a cena (estou tentando convencê-los a testemunhar). Já registramos o BO no DECA e ela realizou exame de lesão corporal.
Nosso maior problema agora, é que nem eu, nem a mãe dela temos condições financeiras para fazer isso com urgência, estou procurando tratamento psicoterápico para minha filha, e o mais em conta que encontrei custa R$80,00/mês. Os remédios para tratar as feridas dela estão em falta na farmácia do SUS e segundo o posto de saúde aqui perto de casa, está em falta em Porto Alegre. E segundo o médico do posto, minha filha quando em crise de dermatite atópica emocional (acho que é esse o nome) não pode tocar em nenhum produto químico, nem suas roupas podem ser lavadas com sabão em pó, somente sabão neutro e, meias, só de algodão. Ela foi encaminhada ao dermatologista, pois no posto aqui do bairro só tem clínico e o tratamento por ele indicado não está dando resultado.
Enfim, estamos procurando casas ou apartamentos que aluguem direto com o proprietário, pois infelizmente não temos como alugar de imobiliária por estarmos registrados em órgãos restritivos. Tudo que tínhamos de limites de crédito acabou. E aqueles imóveis que estamos encontrando em meio a esse caos todo, pedem dois ou três meses de “caução”.
Por isto, no desespero, apesar de toda vergonha e culpa que carrego pela minha incapacidade de prover segurança às minhas filhas, peço aos amigos e amigas que puderem me ajudar, seria de grande esperança. Se souberem de alguma psicoterapeuta que faça algum trabalho voluntário com criança, algum dermatologista, pois temo que o SUS demore demais e, se puderem, uma ajuda financeira de qualquer valor.  A nossa situação está tão crítica neste momento que 1 REAL faz toda diferença. Qualquer sugestão será de grande ajuda!
Peço de coração aos amigos e amigas que assistirem ao vídeo que não culpem a agressora, apesar de toda a violência que ela usou contra a minha filha, sabemos que ela também é uma vítima desse sistema que vivemos e que destrói seres humanos e os transforma nisso que verão. Ninguém nasce odiando outro ser humano, aprende a odiar. Ela, assim com outras com o mesmo perfil violento, tenho certeza que cruzarão meu caminho na escola pública, e pretendo ajudar daqui alguns anos, formado e na sala de aula como professor de história, pois essa é minha causa de vida, é no que acredito. Só que agora, infelizmente, eu mal consigo ajudar as minhas filhas.
E se me permitirem a ousadia, peço também de coração, que conversem com seus filhos, irmãos, sobrinhos, enteados, afilhados e crianças que estudam em escola pública ou privada. Instrua-os a, sempre que puderem, que lhes contem o que está acontecendo nas escolas deles, que se virem um briga na escola que chamem os professores responsáveis, que ajudem a separar, que jamais filmem ou postem em redes sociais, que se receber por celular, que apaguem e não compartilhem mais, pois gestos como esse, podem salvar uma vida, e quem sabe até mais. Precisamos construir uma cultura de paz, de diálogo e de coexistência.
Sintam-se livres para compartilhar essa corrente que pensei no improviso e no desespero”.



PS através do envio deste mail durante a manhã para conhecidos e amigos, algumas pessoas já se comprometeram. Algumas com pequenas contribuições financeiras, uma pessoa se dispôs a pagar as sessões de psicoterapia e uma psicopedagoga se ofereceu para ajudar no tratamento das dificuldades de aprendizado e de inserção social. Ampliemos a corrente.

12 março, 2014

Facebook: um mapa das redes de ódio

O estudo com mapa dos grupos que usam as redes para disseminar a violência pode ajudar a entender por que alguns que pregam explicitamente contra os direitos humanos ainda recebem apoio de parcelas da sociedade e tem espaço na grande mídia. 


do Outras palavras 
por Patrícia Cornils, entrevistando Fábio Malini  

No dia 5 de março o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo, publicou um mapa de redes de admiradores das Polícias Militares no Facebook. São páginas dedicadas a defender o uso de violência contra o que chamam de “bandidos”, “vagabundos”, “assaltantes”, fazer apologia a linchamentos e ao assassinato, defender policiais, publicar fotos de pessoas “justiçadas” ou mortas violentamente, vender equipamentos bélicos e combater os direitos humanos.

Para centenas de milhares de seguidores dessas páginas, a violência é a única mediadora das relações sociais, a paz só existe se a sociedade se armar e fizer justiça com as próprias mãos, a obediência seria o valor supremo da democracia. Dentro dessa lógica, a relação com os movimentos populares só poderia ser feita através da força policial. Qualquer ato que escape à ordem ou qualquer luta por direitos é lido como um desacato à sociedade disciplinada. Um exemplo: no sábado, dia 8 de março, a página “Faca na Caveira” publicou um texto sobre o Dia Internacional das Mulheres no qual manda as feministas “se foderem”. Em uma hora, recebeu 300 likes. Até a tarde de domingo, 1473 pessoas haviam curtido o texto.

Abaixo o professor Fábio Malini explica como fez a pesquisa e analisa o discurso compartilhado por esses internautas. “O que estamos vendo é só a cultura do medo midiático passando a ter os seus próprios veículos”, diz ele. Explore as redes neste link.



Como você chegou a esse desenho das redes? O que ele representa?

É um procedimento simples em termos de pesquisa. O pesquisador cria uma fanpage no Facebook e passa a dar “like” num conjunto de fanpages ligada à propagação da violência. Em seguida, usamos uma ferramenta que identifica quais os sites que essas fanpages curtem. E, entre elas, quais estão conectadas entre si. Se há conexão entre uma página com outra, haverá uma linha. Se “Faca na Caveira” curte “Fardado e Armados˜há um laço, uma linha que as interliga. Quando fazemos isso para todas as fanpages, conseguimos identificar quais são as fanpages da violência (bolinhas, nós) mais conectadas e populares. Isso gera um grafo, que é uma representação gráfica de uma rede interativa. Quanto maior é o nó, mais seguida é a página para aquela turma. No grafo, “Polícia Unida Jamais será vencida” é a página mais seguida pela rede. Não significa que ela tem mais fãs. Significa que ela é mais relevante para essa rede da violência. Mas a ferramenta de análise me permite ver mais: quem são as páginas mais populares no Facebook, o que elas publicam, o universo vocabular dos comentários, a tipologia de imagens que circula etc.

O que você queria ver quando pesquisou esse tema? E o que achou de mais interessante?

Pesquisei durante apenas uma semana para testar o método de extração de dados. Descobri que o Labic, laboratório que coordeno, pode ajudar na construção da cultura de paz nesse país, desvelando os ditos dessas redes, que estão aí, lotadas de fãs e públicas no Facebook. Assustei-me em saber a ecologia midiática da repressão no Facebook, em função da agenda que esses sites estabelecem.

Primeiro há um horror ao pensamento de esquerda no país. Isso aparece com inúmeros textos e imagens que satirizam qualquer política de direitos humanos ou ligadas aos movimentos sociais. Essas páginas funcionam como revides à popularização de temas como a desmilitarização da Polícia Militar ou textos de valorização dos direitos humanos. Atualmente, muitas dessas páginas se articulam em função da “Marcha pela Intervenção Militar”. Um de seus maiores ídolos é o deputado Jair Bolsonaro.

Após os protestos no Brasil, a estrutura de atenção dos veículos de comunicação de massa se pulverizou, muito tráfego da televisão está escoando para a internet, o que faz a internet brasileira se tornar ainda mais “multicanal”, com a valorização de experiências como Mídia Ninja, Rio na Rua, A Nova Democracia, Outras Palavras, Revista Fórum, Anonymous, Black Blocs. São páginas muito populares. Mas não estão sozinhas. Há uma guerra em rede. E o pensamento do “bandido bom, bandido morto” hoje se conformou em votos. Esse pensamento foi capaz de construir redes sociais em torno dele.

A despolitização, a corrupção, os abusos de poder, a impunidade, estão na raiz da força alcançada por essas redes da violência e da justiça com as próprias mãos. E não tenho dúvida: essas redes, fortes, vão conseguir ampliar seu lastro eleitoral. Vão ajudar na eleição de vários políticos “linha dura”. Em parte, o crescimento dessas redes se explica também em função de forças da esquerda que passaram a criminalizar os movimentos de rua e ficaram omissas a um conjunto de violações de direitos humanos. O silêncio, nas redes, é resignação. O que estamos vendo é só a cultura do medo midiática passando a ter os seus próprios veículos de comunicação na rede.

Você escreveu que “é bom conhecer e começar a minerar todos os conteúdos que são publicadas nelas.” Por que?

Porque é preciso compreender a política dessas redes e seus temas prioritários. Instituir um debate por lá e não apenas ficar no nosso mundo. É preciso dialogar afirmando que uma sociedade justa é a que produz a paz, e não uma sociedade que só obedece ordens. Estamos numa fase de mídia em que se calar para não dar mais “ibope” é uma estratégia que não funciona. É a fala franca, o dito corajoso, que é capaz de alterar (ou pelo menos chacoalhar) o discurso repressor.

É interessante, ao coletarmos e minerarmos os dados, notar que muitas dessas páginas articulam um discurso de Ode à Repressão com um outro pensamento: o religioso, cujo Deus perdoa os justiceiros. Isso se explica porque ambos são pensamentos em que o dogma, a obediência, constituem valores amplamente difundidos. Para essas redes, a defesa moral de uma paz, de um cuidado de si, viria da capacidade de os indivíduos manterem o estado das coisas sem qualquer questionamento, qualquer desobediência.

No lugar da Política enfrentar essas redes, para torná-las minoritárias e rechaçadas, o que vemos? Governantes que passam a construir seus discursos e práticas em função dessa cultura militarizada, dando vazão a projetos que associam movimentos sociais a terrorismo. Daí há uma inversão de valores: a obediência torna-se o valor supremo de uma democracia. E a política acaba constituindo-se naquilo que vemos nas ruas: o único agente do Estado em relação com os movimentos é a polícia.

O grafo mostra as relações entre os diversos nós dessa rede. Mas e se a gente quiser saber o que essas redes conversam? As PMs estão no centro de vários debates importantes hoje: o tema da desmilitarização. A repressão às manifestações. O assassinato de jovens pobres, pretos, periféricos. Esses nós conversam sobre essas coisas? Em que termos?

Sim, esses nós se republicam. Tal como páginas ativistas se republicam, tais como páginas de esporte se republicam. Todo ente na internet está constituindo numa rede para formar uma perspectiva comum. As ferramentas para coletar essas informaçoes públicas estão muito simplificadas e na mão de todos. Na tenho dúvida que as abordagens científicas das Humanidades serão cada vez mais centrais, pois a partir de agora o campo das Humanidades lidará com milhões de dados. É uma nova natureza que estamos vendo emergir com a circulação de tantos textos, imagens, comportamentos etc.

Você escreveu que “os posts das páginas, em geral, demonstram o processo de construção da identidade policial embasada no conceito de segurança, em que a paz se alcança não mediante a justiça, mas mediante a ordem, a louvação de armamentos e a morte do outro.” Pode dar exemplos de como isso aparece? E por que isso é grave? Afinal, na visão dos defensores e admiradores da polícia, as posições que defendem dariam mais “paz” à sociedade.

Sábado, 8 de março, foi o Dia Internacional da Mulher. Uma das páginas, a Faca na Caveira, deu parabéns às mulheres guerreiras. Mas mandaram as feministas se foderem. O post teve 300 likes em menos de meia hora e na tarde de domingo tinha 1473 likes. A paz só será alcançada com ordem e obediência, dizem. No fundo, essas redes revelam-se como repressoras de qualquer subjetividade inventiva. Por isso, são homofóbicas e profundamente etnocêntricas de classes. É uma espécie de decalque do que pensa a classe média conectada no Brasil, que postula que boné de “aba reta” em shopping é coisa da bandidagem.

Em Vitória, onde resido, em dezembro de 2013, centenas de jovens que curtiam uma roda de funk nas proximidade de um shopping tiveram que entrar nesse recinto para fugir da repressão da polícia, que criminaliza essa cultura musical. Imediatamente foi um “corre-corre” no centro comercial. Os jovens foram todos colocados sentados, sem camisa, no centro da Praça de Alimentação. Em seguida, foram expulsos em fila indiana pela polícia, sob os aplausos da população. Depois, ao se investigar o fato, nenhum deles tinha qualquer indício de estar cometendo crime. Essa cultura do aplauso está na rede e é forte. É um ódio à invenção, à diferença, à multiplicidade. É por isso que a morte é o elemento subjetivo que comove essa rede. Mostrar possíveis criminosos mortos, no chão, com face, tórax ou qualquer outro parte do corpo destruída pelos tiros, é um modo de reforçar a negação da vida.

Essas redes conversam com outras redes não dedicadas especificamente à questão das PMs? Vi, por exemplo, que tem um “Dilma Rousseff Não”, um “Caos na Saúde Pública” e um “Movimento Contra Corrupção”. Que ligações as pessoas ali estabelecem entre esses temas?

Sim, são páginas que se colocam no campo da direita mais reacionária do país. Mas isso também é um índice da transmutação do conservadorismo no Brasil. Infelizmente, o controle da corrupção se tornou um fracasso. Essa condição fracassada alimenta a despolitização. E a despolitização é o combustível para essas páginas. Mas a despolitização não é apenas um processo produzidos pelos “repressores”, mas por sucessivos governos mergulhados em escândalos e que são tecidos por relações políticas absolutamente cínicas em nome de alguma governabilidade.

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