31 janeiro, 2013

Revolta ou fascismo online?

por Denise Queiroz

Chegou por e-mail parte do quebra-cabeças que está sendo montado em esforço colaborativo para desvendar o grupo que, há algum tempo, espalha através das redes calúnias e banners de péssimo gosto, quando não caluniosos, contra figuras públicas de esquerda. 

O grupo parece ter muitos membros e, alguns deles, por publicarem posts em consonância com a opinião de alguns colunistas e blogueiros de direita, em sites da grande imprensa, conseguem facilmente que suas infâmias sejam referenciadas, reproduzidas ou linkadas por esses senhores. Assim a 'brincadeira' ganha ar de notícia, num evidente esquema de destruição de reputações.

A tática cheira a mofo, mas ainda consegue mover uma engrenagem que consegue adeptos. Foi o que aconteceu segunda à noite com o deputado Paulo Pimenta, conforme reportamos aqui. Mas há outros casos, já mapeados, como o reportado neste post, vindos do mesmo blogueiro que difundiu a calúnia contra o @DeputadoFederal. 

Leia o texto abaixo e, se o estômago estiver bem, acesse os links. 

 

Grupo Revoltados Online defende “ditadura”, chicotada para presos e é suspeito de desviar recursos de doações na internet

O Grupo Revoltados Online é conhecido como um dos principais grupos de extrema-direita em atividade na internet brasileira. Sob o argumento de “limpeza ética na política”, seus fundadores, na verdade, são pessoas ligadas a grupos anti-PT. Eles recrutam muitos jovens com o argumento de que é preciso transformar a política - o que todos concordam. Entretanto, por trás disso, está uma rede articulada que espalha boatos, a qualquer custo, sem qualquer comprovação, e pede doações em dinheiro.

Segundo denúncias na internet, a arrecadação de dinheiro serve para promover eventos de ligados à direita, como os R$ 100 mil gastos em uma atividade em São Paulo, na Praça Roosevelt, às vésperas do segundo turno. Dias depois, descobriu-se que o evento era pró José Serra e contra o candidato do PT, em São Paulo, Fernando Haddad. Além disso, o Revoltados Online se nega a prestar contas dos recursos que recebe.

Quando colocada à prova, a isenção do Grupo Revoltados Online cai como um castelo de areia, já que é muito difícil encontrar em suas publicações críticas a governos de direita no Brasil, especialmente ao PSDB. Quando o jornalista Amaury Jr lançou o livro “A Privataria Tucana”, internautas cobraram uma posição do Grupo Revoltados Online, mas segundo ex-simpatizantes da comunidade que se dizia combater a corrupção, os membros do Revoltados Online vetavam ou excluíam os comentários, e inclusive a página ficou sem fazer qualquer postagem durante alguns dias.

Quem é Marcello Reis, o fundador do Revoltados Online

Antes de iniciar o Revoltados OnLine, o fundador Marcello Reis criou diversos sites com oportunidades de negócio "incríeis". Desde ofertas de precatórios federais, créditos de ICMS e até mesmo vendas de apartamentos no exterior. Marcello Reis possui extensa "ficha corrida" de tentativas de golpe pela Internet.

Observando esses sites, é possível verificar diversos indícios de fraude. Em todos eles, Reis utiliza símbolos de órgãos do Governo tentando vincular sua imagem a instituições reguladoras, como Banco Central, CVM e Receita Federal. Além disso, alega fazer parte de uma organização formada por "renomados" profissionais, que jamais produziriam sites com tamanho indícios de picaretagem. Os blogs que Marcello Reis administra têm algo em comum: todos têm a palavra online, assim como o Revoltados Online.

http://precatoriosonline.blogspot.com.br

http://ativosfinanceirosonline.blogspot.com.br

http://brasilbusinessonline.blogspot.com.br

https://www.facebook.com/pages/Ativos-Financeiros-ON-LINE/134420486629575


A falta de responsabilidade de Marcello Reis em divulgar notícias falsas busca aumento de acessos em seus sites. O post “O mito Lula, A era do Fascismo” obteve cerca de 200 mil acessos. Segundo especialistas, para cada mil acessos 2 dólares são depositados na conta do proprietário do site. Portanto, estima-se que com apenas esse post, Marcello tenha faturado 400 dólares, além de lucrar ainda com os cliques nos anúncios que exibe em sua página, algo em torno de 35 centavos de dólares por clique.

Outro membro (que segundo o próprio, se afastou no ano passado, conforme informou ontem em comentário neste blog e teve seu direito de resposta assegurado nas notas
1 e 2, abaixo - NE)* , do Grupo Revoltados Online, é Bruno Toscano conhecido na rede por sua ligação com o blog União Pela Ética e Cidadania (UPEC). Nesse blog, é possível encontrar mensagens de apoio à ditadura, e imagens em que os generais Castelo Branco e Garrastazu Médici são referenciados como ídolos. Em outra foto-montagem, o blog UPEC reúne todos os generais da ditadura, com a inscrição “eu era feliz e não sabia”.

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*Nota dos Editores 1

Em comentário publicado às 20:15 (abaixo) o Sr. Bruno Toscano nega ser parte do grupo Revoltados Online, o que contradiz a página do grupo no Flickr (link e aqui). Solicitamos que mande seus esclarecimentos para que seja publicado e conforme a ética, terá o espaço de 7 linhas, que fazem referência a ele no post.

Nota 2 - Esclarecimento de Bruno Toscano

Caso a senhorita saiba ler e ver nas datas que o seu informante lhe passou, e como lhe disse, não faço parte da revoltados online desde o começo de outubro do ano passado, o conteúdo do flickr que a senhorita citou, é da época da fundação em agosto de 2010, como falei acima e no blog da revoltados, eu também escrevia, mas como já disse e volto a falar, não faço mais parte de nada com a revoltados online desde que o fundador agiu de má fé comigo e com todos os que faziam parte da mesma. Grato e espero não ver o meu nome citado por aqui.
Bruno Toscano

Depoimento de moradora da Vila Liberdade

dica da @carinbw

video de Fabiano Barnart




30 janeiro, 2013

Deputado encaminha queixa-crime por calúnias


O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) foi alvo na noite de segunda-feira (28 de janeiro) de um ataque criminoso articulado por grupos de extrema direita no país (link) . O parlamentar já encaminhou Queixa-Crime à Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de Santa Maria, solicitando abertura de inquérito para investigar e identificar autores e a origem das calúnias criminosas com conteúdo falso, que circulam na internet, responsabilizando criminalmente os autores.

Segundo o deputado, diante da Justiça, os autores dos ataques terão “oportunidade de sustentar as acusações”. Segundo informações, a ação iniciou na página do Revoltados Online no Facebook, um grupo de extrema direita, como é possível de comprovar aqui.

Ainda a tarde desta quarta-feira (30), Pimenta esteve em contato com especialistas em segurança da internet da Polícia Federal. O deputado diz que não hesitará em responsabilizar criminalmente quem reproduzir o conteúdo falso desse material.

Por fim, lamentou que, em um momento de dor e comoção nacional, haja espaço para que se use a tragédia como forma de tentativa de calúnias.



Veja aqui o texto da queixa-crime








Nota do Comando-Geral da BM sobre a tragédia

Compartilhamos aqui a nota do Comando Geral da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, sobre a tragédia de Santa Maria, onde ficam esclarecidas as competências para o funcionamento da casa noturna. 

Além deste esclarecimento oficial, em muitas entrevistas, tanto o comando dos bombeiros como o da BM, deixaram claro que se os frequentadores de locais notam irregularidades, devem comunicar o fato pelos números telefônicos gratuitos (190 da BM e 193 dos bombeiros) e a inspeção será feita. 

Que o episódio sirva pelo menos para começarmos a praticar, de fato, a responsabilidade - tanto individual quanto coletiva, pública, empresarial, etc - no que diz respeito à segurança e manutenção da vida, antes de tudo. 

Segue a nota: 


O Comando-Geral da Brigada Militar vem, por meio desta nota, prestar os seguintes esclarecimentos a respeito da tragédia ocorrida na casa noturna Kiss, na cidade de Santa Maria:

POPULAÇÃO DA OCUPAÇÃO (LOTAÇÃO PERMITIDA) - A população máxima calculada para o local, apresentada no Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) pelo responsável técnico contratado pela boate Kiss e considerada na emissão do último alvará, é de 691 pessoas. O ingresso de pessoas além da capacidade autorizada não tem amparo legal, expôs os usuários a riscos, sendo responsabilidade dos proprietários.

SAÍDAS DE EMERGÊNCIA - De acordo com o PPCI apresentado pelo responsável técnico contratado pela boate Kiss e aprovado pelo Corpo de Bombeiros, na boate havia duas saídas de emergência, cujas portas possuíam sentido de abertura para fora, dotadas de barras anti-pânico e devidamente sinalizadas. Suas dimensões estavam adequadas à população de 691 pessoas. A ocupação do local com público superior ao previsto no PPCI aprovado, exigiria o redimensionamento das saídas de emergência e apresentação, por parte dos proprietários, para nova apreciação pelo Corpo de Bombeiros. Também era dever do proprietário manter as rotas de fuga totalmente desobstruídas, o que não ocorreu.

EFEITOS PIROTÉCNICOS EM LOCAIS FECHADOS - No Corpo de Bombeiros não há registro de solicitação para autorização de uso de artefatos pirotécnicos na boate Kiss. Se tivesse havido solicitação para uso de fogos de artifício na boate Kiss, o Corpo de Bombeiros não teria autorizado. Os artefatos pirotécnicos utilizados na boate não têm amparo técnico para uso no local.

EXTINTORES DE INCÊNDIO - Documentação apresentada ao Corpo de Bombeiros pelos proprietários da boate Kiss, em outubro de 2012, comprova a validade dos extintores de incêndio até outubro de 2013. Eventual troca de equipamento, falha ou deficiência no seu manuseio serão questões analisadas pela perícia. É responsabilidade do proprietário manter no local funcionários treinados a manusear os extintores de incêndio.

ALVARÁ DE PREVENÇÃO E PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIO - Em setembro de 2012, o Corpo de Bombeiros havia notificado o proprietário da boate Kiss sobre o vencimento do Alvará de Prevenção e Proteção Contra Incêndio, ocorrido em agosto de 2012. Em novembro, o proprietário solicitou a inspeção para renovação do Alvará e o processo estava em tramitação no Corpo de Bombeiros. De acordo com o alvará anterior, os sistemas de prevenção de incêndio previstos na lei estavam instalados e operantes. Nessa situação, enquanto tramita o pedido de renovação do alvará, não há previsão legal para interdição imediata determinada pelo Corpo de Bombeiros, cuja competência é limitada às questões relacionadas ao sistema de prevenção de incêndio.
(Alvará de prevenção e proteção contra incêndio é o documento expedido após a inspeção do local, comprovando que os sistemas de prevenção e proteção contra incêndio foram executados, conforme legislação vigente).

ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO - O alvará de funcionamento de estabelecimentos desta natureza, tanto no que se refere a sua concessão como sua cassação, é de estrita e reservada competência do Poder Municipal.

INVESTIGAÇÃO DO SINISTRO - O Comando-Geral da Brigada Militar, em consonância com orientação do Governo do Estado, está com Comissão constituída desde o dia 27/01 (domingo) para analisar tecnicamente o ocorrido, bem como todos os fatores envolvendo o episódio. O relatório produzido servirá de base para aprimorarmos as atividades preventivas e evitar que tragédias como esta ocorram novamente. Além disso, a documentação sob posse do Corpo de Bombeiros foi encaminhada à Polícia Civil, para informar o inquérito competente que deverá apurar todas as responsabilidades em relação aos fatos que causaram a tragédia. O Comando da Brigada Militar prestará todas as informações para o referido inquérito e não eximirá antecipadamente a responsabilidade de qualquer agente público da sua estrutura de comando.

MODERNIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO - Desde 2010, uma comissão da Brigada Militar discute com diversas entidades a modernização da legislação pertinente à segurança contra incêndio e pânico. A Comissão Técnica de Prevenção de Incêndios, integrada por Oficiais do Corpo de Bombeiros, ficará a disposição para participar das discussões junto com os órgãos públicos e entidades convocadas pelo Governo do Estado.

Ao final, manifestamos nosso profundo pesar aos familiares e amigos das vítimas que foram atingidos por este evento trágico e assumimos o compromisso público de honrar a memória das vítimas e continuar trabalhando para aperfeiçoar as nossas ações, em todos os níveis, para prover a segurança ao povo gaúcho. Digna e respeitosamente,


Sérgio Roberto de Abreu - Cel QOEM
Comandante-Geral da Brigada Militar


28 janeiro, 2013

Criminosos sem escrúpulos


por @DeniseSQ 

Desde ontem chamo insistentemente a atenção das pessoas que me acompanham no twitter para cuidar muito na hora de divulgar ou retuitar informações que possam gerar sentimentos desnecessários neste momento tão sério e triste. Aconselhei vários a, antes de divulgar pedidos de ajuda ou outras coisas do gênero, que dessem uma olhada nos perfis oficiais, tanto do governo do Estado quanto da prefeitura e de rádios (três) que eu acompanhava e faziam cobertura com entrevistas de autoridades e informações sérias sobre a tragédia.

Mas nada se compara à canalhice que um blogueiro, que se diz jornalista, foi capaz de colocar no blog. Reproduzo (com nojo, mas por necessidade de ilustrar) o print.



Pelo que pude entender, alguém fez a montagem e colocou no facebook e em instantes o tal blogueiro (o nome está no print) começou a espalhar por aqui. Imediatamente entramos em contato com o Deputado Federal Paulo Pimenta, que por mensagem privada para mim no Twitter e para o Sergio Pecci no Face mostrou toda a sua indignação diante da calúnia. Reproduzimos:

Pelo Face: "Estamos imediatamente acionando a Policia Federal para identificarmos a origem desta mentira criminosa . Trata- se de um absurdo gravíssimo numa hora como essa . Não conheço nenhum dos donos desta boate. Precisamos identificar os bandidos que estão postando isso para puni- los exemplarmente . Isso é demais , revoltante e repugnante. Tenho muitos amigos e conhecidos sofrendo nesta hora e sou obrigado a me deparar com essa loucura insana."

 Pelo Twitter: "Criminosos sem escrúpulos . Já acionamos PF para identificarmos autores desta mentira criminosa e revoltante". 

A página do deputado é aberta no Facebook e mesmo os não usuários tem acesso. Para quem não sabe, ele é um cidadão santamariense e foi líder estudantil na Universidade Federal. 

Que haja punição a esses seres que nos demonstram que a sordidez humana não tem mesmo limite, é o mínimo que se espera. E que sejam punidos os irresponsáveis, se é que se pode denominar gente, como esta, assessora de imprensa do PSDB, que está espalhando na rede o link do blog. 

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Nota: O Estado de São Paulo publicou hoje, 28 de janeiro, que a boate está registrada em nome da mãe e da irmã do proprietário.


26 janeiro, 2013

Os donos do poder


Ilustração de Gustave Doré

por André Singer 

"O problema do político era o poder, só o poder, (...) sem programas para atrapalhar ou ideologias desorientadoras. O agente ideal para esta ação será o realista frio, astuto mais que culto, ondulante nos termos, sagaz na apreciação dos homens, aliciador de lealdades e pontual na entrega de favores." As palavras de Raymundo Faoro no livro cujo título encima esta coluna descrevem o que chamou de "patronato político brasileiro".

A provável ascensão de Henrique Eduardo Alves e Renan Calheiros às presidências da Câmara e do Senado, respectivamente, atesta a plasticidade desse estamento, o qual, volvido meio século da publicação do clássico estudo, foi capaz de sempre adaptar-se à modernização (precária) do Brasil sem perder a essência, a saber, o controle do poder de base local.

O PMDB é, hoje, a principal sigla do patronato por ser a mais velha em funcionamento. Dispõe de capilaridade inigualável. Elegeu o maior número de prefeitos em outubro passado (1.027), 750 dos quais em municípios com até 15 mil eleitores. Os espalhados diretórios peemedebistas não são só fruto da expansão que o partido sofreu a partir de 1974. Antes da abertura, parcela da estrutura montada por antigas agremiações já o engrossava.

Tome-se o caso exemplar de Aluísio Alves, patriarca do clã que deverá ocupar agora o segundo posto na linha sucessória da Presidência da República. Eleito constituinte pelo Rio Grande do Norte em 1945, Alves ficou na UDN até que desavenças regionais o levaram ao arquirrival PSD para ganhar a eleição de governador em 1960. Integrava, portanto, a base aliada a Jango, mas, consumado o golpe de 1964, apoiou os militares, indo para a Arena.

Outra vez por conflitos estaduais, foi cassado em 1969, "sob alegação de corrupção", segundo o CPDOC. Transferiu a sua influência para o MDB, por meio do qual fez do filho, Henrique, membro do legislativo federal em 1970, o que se repete desde então.

Se, além disso, considerarmos que o PSD e a UDN foram formados de estruturas coronelistas que remontam ao império, a história do peemedebismo se perde na noite dos tempos, da qual emerge para assombrar uma sociedade que teima em esquecer de onde veio.

Dois fatores garantem a sobrevivência dos mecanismos arcaicos de patronagem. O primeiro é a persistência da pobreza. A penúria material da população gera o solo de dependência sobre o qual florescem diferentes modalidades de mandonismo. O segundo é a cultura que educa os quadros do estamento. Como os descreveu Faoro, um misto de realismo e sagacidade lhes permite prever em que direção soprará o vento. Depois, é só corrigir a posição das velas.

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Publicado originalmente na Folha de São Paulo

O país dos 30 Berlusconi

do Jornalismo nas Américas

A organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) lançou nesta quinta-feira, 24 de janeiro, um relatório sobre a situação da mídia e do jornalismo brasileiros, com base em visitas feitas ao país em novembro de 2012. Com o nome "O país dos trinta Berlusconi", o título do documento faz alusão ao ex-primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi, também proprietário da maior empresa de mídia na Itália -- Mediaset -- e sobre a relação danosa entre meios de comunicação e poderes políticos que, segundo a RSF, é um dos principais entraves à diversidade dos meios de comunicação no Brasil.

O relatório inaugura sua análise no chamado coronelismo brasileiro e em sua relação com os meios de comunicação, que gera concentração de propriedades, assédio e censura tanto em nível nacional quanto regional ou local. "[Essas] são as características mais marcantes de um sistema que não chegou a ser questionado de fato desde o final da ditadura militar (1964-1985) [...]. Os generais saíram de cena, mas os 'coronéis' continuaram", alfineta a RSF no texto, que pode ser lido em PDF.

Vale lembrar que os chamados coroneis são grandes proprietários de terra ou de indústrias que ocupam também posições políticas em determinadas regiões do país e, assim, têm grande influência -- quando não controle de fato -- sobre a mídia e a opinião pública.

Não é apenas a concentração de meios de comunicação na mão de poucas empresas (dez delas controlam quase todo o mercado de comunicação do país) que chamou a atenção da equipe da organização. O governo investe fortemente em publicidade, e essa relação de dependência configura um cenário menos polarizado que a mídia nos países sul-americanos vizinhos (como a Venezuela), mas no qual os meios de comuinicação mantêm uma relação "quase incestuosa com os centros de poder político e econômico".

Censura judicial e internet

Como já alertamos no Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, a censura judicial tem se tornado um dos problemas mais graves -- e menos questionados -- da mídia brasileira. A RSF concorda. Um dos casos mais conhecidos mencionados pelo relatório foi o processo do político maranhense José Sarney contra o jornal paulista Estado de S. Paulo, que desde 2009 proíbe o jornal de fazer referência a negócios do filho do político, Fernando Sarney. "

A chamada censura togada tem atingido principalmente a internet e seus elos mais fracos, como blogs e sites. Mas os grandes da internet não ficam de fora: durante as eleições municipais de 2012, lembra o relatório da RSF, o Google Brasil teve de retirar do ar ou modificar cerca de 300 ítens relacionados às eleições. E, entre janeiro e junho de 2012, houve mais de 2.300 pedidos para remoção de conteúdo ao braço brasileiro da empresa. Um relatório da organização Artigo 19, publicado em 2012, já alertava para os perigos da censura on-line, no qual lembrava que o medo de sofrer represálias judiciais levava muitos jornalistas e blogueiros a se autocensurarem.

"É difícil pensar que a censura preventiva poderia ser capaz de conter o fluxo de notícias e informação na internet. Ainda assim, os tribunais brasileiros têm mirado em informação on-line", alerta o relatório. Para garantir a liberdade de expressão e do usuário na internet, a Repórteres sem Fronteiras considera fundamental a aprovação do Marco Civil da internet, proposta que define direitos e deveres dos usuários e das empresas que navegam na rede. Para a organização, a adoção sem demora do Marco Civil (cuja votação já foi adiada cinco vezes) garantiria a neutralidade na rede, protegeria as informações individuais de usuários e limitaria radicalmente a censura no meio.

Violência

Inaugurando o mês de janeiro com o primeiro jornalista do mundo assassinado em 2013, o Brasil não recebeu muitos elogios em relação à proteção de profissionais da imprensa no relatório da RSF. No entanto, além da óbvia crítica à impunidade desses crimes e à posiçao do país como o quinto mais perigoso para jornalistas, a organização relativizou a importância da federalização dos crimes contra profissionais da imprensa. "Embora jornalistas precisem ser mais bem protegidos, experiências anteriores mostraram que mecanismos focados apenas na segurança não necessariamente cumprem o papel de oferecer notícias e informação", comenta o relatório.

Veja o relatório completo abaixo:



25 janeiro, 2013

O mundo às avessas

Seguindo a linha deste blog, de estimular o debate, publicamos o texto do Diretor de Direitos Humanos da UNE, Diego Rabelo, onde ele aponta algumas dificuldades e desafios para que a integração latino americana se realize.





Com o aprofundamento das crises política/econômica/cultural nos centros tradicionais e a ausência de instrumentos organizativos dentro destes próprios centros que inspirem as massas populares em todo o mundo, a América Latina assume a vanguarda da luta anti-imperialista. Não foram raros os levantes, erupções políticas e mobilizações de massa que clamavam pela liberdade e pela justiça social nos últimos tempos. Interromper a hemorragia de séculos de exploração nas nossas veias abertas, superar essa agonia que atravessa gerações, desconstruindo um hábito cultural eurocentrista, é tarefa mais que atual. 

Apesar dos resquícios de feudalismo incrustados por décadas de um colonialismo usurpador e extremamente nocivo, assistimos, de maneira inusitada, o encontro da Cúpula CELAC-UE no Chile, onde é possível registrar um maior interesse por parte dos europeus que dos latinos. Sim senhoras e senhores, a região da América Latina e do Caribe desperta mais interesse entre os europeus que a União Européia para os latino-americanos, por conta da crise generalizada concentrada nos principais blocos econômicos do capital, segundo estudo elaborado pelo Instituto de Prospectiva Internacional, por ocasião da Cúpula Celac-EU que se encerrará na segunda-feira (28/01).

Desafios e agendas para uma integração social

Mas, um dos grandes desafios para o avanço no desenvolvimento regional é justamente a integração dos países abaixo da linha da Flórida nos EUA que, mesmo diversos, compartilham de muitas características peculiares. Essa sonhada unidade social latina, cantada e proseada, versada e declamada, é sinônimo de preocupação para as potências centrais que sempre se aproveitaram das nossas diferenças para nos dividir. Não à toa, os investimentos militares e em acordos bi-laterais patrocinados pelos EUA e outros países, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), ultrapassaram as cifras de US$ 153,4 bilhões apenas em maio do ano passado.

Números escandalosamente grandes quando avaliamos a qualidade dos serviços essenciais às populações indígenas, afro descendentes, pardas ou de qualquer oura etnia observada nesses países. Aliás, as discrepâncias sociais continuam alarmantes se observamos os indicadores sociais, mesmo em governos ditos de centro-esquerda ou simplesmente progressistas.

O aprofundamento das relações e a integração continuada entre os povos latinos não é apenas algo central, mas estratégico, tanto pelo fato de uma proteção a qualquer medida agressora externa, ou mesmo para melhor potencializar e compartilhar as capacidades técnicas de cada país e os seus recursos naturais. Porém, uma série de disjunções se expressa neste novo cenário, sendo a principal delas o desenvolvimento das forças produtivas de cada país, sobrecarregada por anos de dependência e exploração estrangeira.

A ascensão de setores progressistas e a fragilidade organizativa

Ao passo que as contradições de distribuição de renda se acirram de forma veemente na AL, a organização da classe trabalhadora enfrenta desafios de ordem democrática, fruto de um desenvolvimento tardio e desigual. A ascensão de governos de centro-esquerda se verifica como fenômeno crescente (de um ponto vista geral) nos principais países da região (Brasil, Venezuela, Argentina, Equador, Uruguai etc.). E em outros, mesmo com governos conservadores verifica-se forte potencial eleitoral (México, Chile, Paraguai).

Contudo, a fragilidade organizativa e teórica da esquerda (ou elementos progressistas) reflete a grande dificuldade para a integração regional. Os setores conservadores desses países já demonstraram que não irão aceitar, mesmo que com as suas próprias regras, qualquer alteração no Estado que confronte com os seus próprios interesses. É o que aconteceu em Honduras e recentemente no Paraguai efetivamente, e o que se tenta, sem sucesso, na Argentina e na própria Venezuela onde a direita se assanha para golpear a vitória do projeto representado por Chávez.

Superar as fronteiras

O internacionalismo da organização dos povos latinos é uma agenda que não pode ser contornada por modelos que reivindicam uma maior “atualidade” na luta socialista, onde julgam a unidade internacional, pejorativamente, de “leninista”. Ao contrário, é na América Latina que se reedita de forma mais veemente a unidade dos povos e das nações exploradas no enfrentamento às manifestações do capitalismo estrangeiro. As diferentes expressões de cunho social confluem quase que exclusivamente contra os desmandos imperialistas arraigados em organizações políticas e instituições financiadas pelas potencias estrangeiras.

  
Contradições e reorganização de uma nova ordem e o papel protagonista do Brasil




Ainda no início do primeiro governo Lula o ex-chanceler Tilden Santiago e atualmente assessor especial da presidência da Companhia Energética de Minas Gerais, afirmava em alto e bom som que se o Brasil se libertasse toda a AL iria junto. O país é central do ponto de vista estratégico para o desenvolvimento dos potenciais regionais. O maior PIB da região e o maior parque tecnológico colocam a nação brasileira como protagonista nas pretensões de um continente soberano.

Mas as contradições parecem ser uma constante na composição da leitura conjuntural sobre os atores regionais. Ao passo que o nosso desenvolvimento econômico nacional nos alça como um elemento naturalmente dirigente de todo esse processo, é nítido que somos o país menos latino diante dos demais, seja nas diferenças lingüísticas e culturais, seja na diversidade territorial. Além disso, o Brasil deve superar imediatamente qualquer sentimento sub-imperialista impregnado nas relações comerciais que adotamos diante dos nossos vizinhos. Esse elemento é um fator de desconfiança constante.

Fechar as nossas veias, impulsionar a integração dos povos e reeditar uma nova ordem mundial capaz de virar o mapa-mundi de cabeça pra baixo é a pauta atualizada para os movimentos sociais do nosso continente.


*Diretor de Direitos Humanos da UNE

16 janeiro, 2013

Estratégia 14-18: o legado e a ruína

por Tarso Genro*
do Carta Maior

Inscrição rupestre em Xique Xique

No final do seu conto-ensaio “Barcelona, la ciudad de Pepe Carvalho”, Vásquez Montalbán encerra o texto com a seguinte sentença de sabor arqueológico, que vai mais além da sua reclamação contra as obras faraônicas preparatórias às Olimpíadas, na histórica cidade mediterrânea: “Porque cada época constrói as suas ruínas.”

Cada época constrói o seu legado arquitetônico, cultural, político, que mais tarde será objeto de uma “arqueologia”, em busca de tentar desvendar no passado as condições do presente. Isso vale para séculos e milênios, como também para análises mais curtas, temporalmente, para propor tanto projeções políticas como expectativas existenciais.

Neste momento da história nacional estamos preparando o legado que vai ser objeto de uma contundente disputa nas eleições de 2018. Seu “centro” será a anatomia da era Lula (ali já a era Lula-Dilma) ou a anatomia do legado do PT nos então quatro governos anteriores. As forças políticas do país já se movem para encravar, nos dias de hoje, os pilares da sua sustentação para o fim da década.

A agenda já é meticulosamente trabalhada, através da mídia oposicionista: a oposição, midiática e partidária, já tem como objetivo central derrotar o PT e para isso é preciso ofuscar a visão popular sobre o que era o Brasil - antes e depois dos governos de centro-esquerda com hegemonia do PT -; alternativamente começa a buscar a “reversão por dentro”, ou seja, no limite, conseguir um governo de centro-direita, com tinturas de centro-esquerda (sem o PT).

Utilizo, neste primeiro momento, a sentença sobre as “ruínas” de Montalbán, no sentido de elementos políticos, que são fixados agora, para serem desvendados nas disputas de opinião, da informação e de conceituação política no futuro. Trata-se da construção do que já será “passado”, em 2018, com o esgotamento do atual ciclo de crescimento e distribuição de renda (baseado corretamente no par “salário- consumo”) para usar este passado como fundamento de uma proposta para os próximos vinte anos.

Talvez, ali, já sejam 50 milhões que saíram da pobreza e que passarão a querer mais, com mais qualidade, mais possibilidades de lazer e formação, mais moradias. Mais felicidade... Em 2018 a estrutura de classes da sociedade brasileira será outra, as demandas sociais terão outra qualidade e o jugo do capital financeiro sobre a economia mundial será ainda mais complexo e agressivo.

Faço este exercício, a partir da convicção que a Presidenta Dilma será reeleita e que a estratégia midiático-oposicionista - que aglutina não somente os interesses mais conservadores da sociedade brasileira, mas também a velha reação política - já está trabalhando 2018, não somente 2014. Eles sabem que hoje não tem nenhum projeto convincente capaz de derrotar Lula e Dilma na próxima eleição, pois o Presidente FHC chamando Malan e Armínio Fraga para comporem o “novo” de Aécio, já declara esta impotência.

O primeiro movimento da agenda neoliberal deste período foi tentar separar Lula de Dilma, dizendo que esta seria “técnica” e moderada, e Lula incompetente e tolerante com a corrupção. O segundo movimento foi a super-exploração da Ação Penal 470, contra Lula e o PT estabelecendo um nexo entre corrupção, estado e partido. Agora, a estratégia desdobra-se no ataque às políticas de desenvolvimento, mesmo depois da virada histórica na política de juros, que era uma demanda universal da sociedade brasileira, menos das agências financeiras privadas.

O resultado não foi bom: caiu o prestígio da mídia tradicional, Dilma tem uma popularidade grandiosa e o PT, mesmo ferido, aumentou seus vereadores, prefeitos e vice-prefeitos, nas eleições municipais. A esquerda, em geral, cresceu, mas esta derrota de curto prazo vai estimular que os esforços conservadores sejam redobrados.

Preocupa apenas um efeito, já constituído por este ambiente de disputa antecipada. Circula uma clara vertente fascista nas redes, com um ódio antipetista e antilula, que num certo momento pode atravessar as barreiras da racionalidade mínima e tornar-se ação violenta. A alta classe média já tentou esta política, cujo primeiro exercício fracassado foi o “cansei”.

Devemos manter a atenção no espectro político real do país. O Brasil tem um “centro” democrático e progressista, espalhado nos diversos partidos, que tem necessidade de compartilhar do poder. Este centro representa segmentos de classes, distribuídos regionalmente, que não podem ser deixados de lado, disponíveis para a cooptação da direita conservadora.

Estes setores centristas devem ser chamados a continuar conosco, no próximo período, a partir de um programa que - fazendo a transição entre 14 e 18 - possa mostrar-se renovado, viável, coerente: com capacidade de seduzir os milhões de brasileiros que saíram da invisibilidade e da irrelevância social para o espaço iluminado da política e da inclusão.

Alguém vai “ganhar” estas pessoas no próximo período, pois elas comporão os novos movimentos sociais e movimentarão, eleitoralmente, o transatlântico que, em 2018, já terá dado a volta completa. Os ataques aos políticos e aos partidos tradicionais que apoiam Lula não podem nos tirar a clareza de que é necessário ter alianças, embora reformatadas política e programaticamente.

O que o PT e a esquerda precisam constituir, agora, é uma clara agenda da esquerda, para ser implementada dentro da ordem constitucional, que integre dois movimentos distintos (em esferas de participação política diferentes) e configure um novo modo de fazer política: uma agenda de reformas institucionais de democratização do Estado, de eficientização das políticas públicas e de reforma política, combinada com uma agenda de promoção de participação cidadã, nas grandes decisões sobre as políticas sociais, trazendo os movimentos sociais para uma “co-gestão” das políticas sociais do Governo.

Quebrar as barreiras burocráticas que separam o cidadão comum das fontes de decisão estatal é uma forma de combinar a representação, derivada das eleições, com a democracia direta de participação voluntária.

Há um segundo bloco de políticas estratégicas de direita, em curso no país: a fraude informativa de que a “higienização” da política é de competência do Poder Judiciário. A desmoralização dos políticos em geral e especialmente dos espaços parlamentares de atuação política, é uma estratégia que tem o apoio ostensivo da chamada extrema-esquerda. Esta, não tendo um projeto viável para o país, dentro do Estado Democrático de Direito, faz a aposta suicida na desmoralização das instituições “burguesas” da democracia, como se tivéssemos alguma coisa nova para colocar no lugar delas, de forma imediata.

Estas construções políticas de hoje que visam aniquilar o espaço da política, sim, podem ser chamadas de “ruínas” no sentido literal. É o que a direita conservadora quer legar para o futuro para montar sua volta ao poder em 2018: desmoralizar a política e as instituições democráticas; desmontar as frestas que as revoluções do século passado legaram para democratizar a vida política; acabar com as políticas de combate à pobreza e reinaugurar a desesperança. Ceticismo e desesperança fazem a estrada que leva ao fascismo e ao autoritarismo. Esta é a “solução final” que hoje a direita brasileira cultiva.


(*) Governador do Rio Grande do Sul

14 janeiro, 2013

A democracia partidária e o debate

por Denise Queiroz

Cena do filme A Revolução dos Bichos

Li neste final de semana, por indicação de amigos com quem conversava, a entrevista que o procurador geral da república, Roberto Gurgel, concedeu à Folha de São Paulo, aquele jornal, na semana passada. Hoje, também por indicação de amigos, li a entrevista de Tarso Genro ao mesmo jornal. O que essas duas pessoas têm em comum, além da formação acadêmica em Direito, foi o meio que usaram para mandar suas mensagens.

Um explicita que considera o julgamento da ação 470 um divisor de águas na forma como de ora em diante serão investigados e julgados os crimes de colarinho branco. O outro pensa, e quem acompanha suas análises não estranha, que o julgamento da ação pode servir para fechar um ciclo e abrir o caminho para que o partido que governa o país - com a ajuda dele em dois ministérios e agora no governo do estado do Rio Grande do Sul - repense a opção tomada antes da chegada ao poder em 2002.

Independente de concordar ou discordar das teses desta ou de outra corrente ideológica, a lição mais interessante que a leitura dessas duas entrevistas gera é a de constatar o quanto somos reféns da combatida e caquética velha mídia. Não se estranha a publicação por eles de uma entrevista com pessoas de direita. Mas se critica com unhas, dentes e milhões de letras que alguém de uma corrente - para os padrões do PT nacional - da esquerda do partido conceda e deixe publicar sua análise. A mesma virulência, no entanto não se nota quando as linhas do jornal criticam, pelas mãos de algum colunista, a direita oposicionista ou mesmo quando nas raras vezes em que algum deles elogia, publica, fotografa e cobre ações de setores majoritários do próprio partido.

Acredito que muita gente admire e acompanhe Tarso Genro desde a década de 80 pelo menos, quando seus artigos começaram a ser publicados no caderno Tendências-Debate da Folha - à época considerado um jornal menos conservador que seus pares do sudeste – e na mesma edição que outros que se tornaram grandes e incontestes líderes planejadores do país nestes últimos anos. Por que o estranhamento então de que conceda a entrevista? Não vi a mesma reação na TL do twitter quando, na semana passada, o até bem pouco tempo desconhecido deputado André Vargas, agora Secretário de Comunicações do PT – e nem por isso mais conhecido - concedeu entrevista ao sempre conservador Estadão, na qual fez ilações bem ao gosto de algumas lideranças donas das cartolas tanto da esquerda quanto da direita, sobre a honestidade do ex-ministro e ex-governador (para agradar alguns setores posso citar que foi preso político, fundador do Partido do Trabalhadores, da CUT e até hoje militante incansável) Olívio Dutra, por causa de uma crítica que fez, ao vivo pela rádio, em debate, ao não menos valoroso Deputado, seu querido companheiro, e militante José Genoíno.

Estranho também que a crítica a Tarso Genro venha de alguns militantes que uma das causas em comum é a da democratização dos meios de comunicação. Essas pessoas estão cientes de que no Rio Grande do Sul, sob a batuta de Tarso há neste momento um amplo debate com a sociedade, em reuniões e via o horizontalíssimo Gabinete Digital para implementação do Projeto de Lei criando o Conselho Estadual de Comunicações? Lembremos que em nível nacional existe um conselho com esse nome, o tal que foi tirado das sombras e da gaveta há poucos meses pelo ex-presidente Sarney (e com isso creio poder dispensar maiores detalhes sobre o quão democrático e representativo se configura).

Que se debatam as idéias e opiniões de Tarso Genro, as de Lula e as de Fernando Henrique, as de Dilma, as de Serra e as de José Dirceu. Isso queremos, não? Espaço para debate. Se em 10 anos o governo do PT não foi capaz de produzir um meio alternativo e de massas - internet ainda não o é, apesar do crescimento estrondoso - que se faça este mea-culpa também. Mas por favor, se não concordamos com o que pensa este ou outro pensador ou dirigente histórico ou neófito, não entremos na água rasa da crítica pessoal, repetindo nos 140 caracteres do twitter, nos menos limitados do face ou nos blogs o que fazem justamente quem (teoricamente?) combatemos.

Discutamos amplamente o PT, a oposição, a oposição dentro do PT, a fora dela, as novas e as velhas idéias. Mas não pensemos que pessoas que já arriscavam a vida pela democracia enquanto a maioria de nós engatinhávamos, querem incendiar a casa. Precisamos do bom e velho debate das idéias.

Alias, imagino que se essa prática tivesse sido realizada anos atrás, como pregavam e pregam alguns setores minoritários e, portanto, com infinitas vezes menos espaço tanto nas instâncias decisórias internas quanto nas que saem a público, certamente não estaríamos gastando tempo agora com tags como a que defende a permanência de um espaço como o Museu do Índio num local, em vez de uma franquia importada qualquer e um estacionamento. Talvez os aliados fisiológicos de hoje estivessem no lugar que ideológica e na realidade representam: a oposição.

Se, por falta de outro meio, o que suscita o bom debate está nas páginas do jornalão infectado, tomemos vacina, usemos e depois lavemos as mãos, mas sem deixar que o cérebro seja afetado. Não sejamos mais uns a dar razão ao dito de que ‘todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros’.


09 janeiro, 2013

A mídia e o lobo

por @DeniseSQ

Pedro e o Lobo 


Tem sido especialmente divertido acompanhar nestes dias tanto o noticiário oficial quanto o oficialista. Por oficial, entenda-se o que vem do governo, por oficialista aquele que vem pela grande mídia e seus especialistas – os mesmos de sempre e poucos com isenção ideológica suficiente para serem considerados. 

Entre a torcida pela seca, que comprometeria ainda mais os níveis dos reservatórios, e poderia deslanchar num racionamento de energia aos moldes do apagão tucano do início da década passada - alimentado dia e noite como salvação para tentar colocar por terra a imagem de gestora eficiente da presidenta – e a de que o Procurador Geral aceite e mande investigar Lula, a partir da denúncia tardia de Marcos Valério, de que o então presidente deu aval para o que ocorreu depois, a grande mídia vai cavando um buraco quase tão profundo quanto o pré-sal, na sua credibilidade.

Pesquisas de dezembro já apontavam que a credibilidade da mídia vem decaindo e é preocupante que milhões de pessoas não tenham meios confiáveis de adquirir informações confiáveis sobre os destinos do país, a não ser os oficiais NBR e Voz do Brasil (de baixíssima audiência, lembremos sempre).

A manchete do Estadão de hoje, 09 de janeiro, divulgada pelo tuíter à uma da manhã, foi desmentida apenas algumas poucas horas depois. Anunciava que Lula seria indiciado pelo “mensalão”.

Poucos devem saber o que de fato ocorreu entre essa hora e o desmentido divulgado pela PGR ainda pela manhã. Já tivemos casos de erros absurdos nas capas dos jornais, mas poucos tão perniciosos quanto este. Se a decisão de iniciar um processo contra o ex-presidente Lula havia sido tomada e em seguida houve decisão contrária, só membros do MPF poderão informar, com o passar do tempo. Se houve má-fé do jornal (embora assumidamente de direita e oposição, não é do feitio dos Mesquita levar barriga à manchete), também poucos sabem. O fato é que a manchete não se confirmou e serve agora como argumento para se dizer de boca cheia – e nem sempre é verdade - que não se pode levar a sério o que eles publicam.

A alardeada possibilidade de um apagão energético, de falta de gás natural para mover a indústria, e de que não haveria mais o desconto anunciado de 20% nas contas de luz, também foram desmentidas depois da reunião ordinária (e não extraordinária como havia manchetado a Folha de São Paulo) no Ministério das Minas e Energia. As informações foram prestadas e transmitidas ao vivo em entrevista coletiva, do qual participaram as pessoas que tem nas mãos os números e decisões sobre a matriz energética que move o país.

Ou seja, tanto política quanto tecnicamente, o governo, e seus dados e ações, vem desmentindo diariamente a oposição albergada na grande mídia e em outros poderes da república. Não seria o caso de que os serviços prestados ao país pela oposição e por esses meios, alguns concessões públicas, fossem o da crítica onde realmente há problemas? E não precisa ser Sherlock Holmes para encontrar vários.

A história de Pedro e o lobo deveria ter sido lida mais vezes pelos genitores dos dirigentes do Instituto Millenium. Talvez esteja na hora dos meninos saberem que quem grita pelo perigo que não existe, acaba correndo o risco de não ser auxiliado quando o perigo for real. Nunca é tarde, afinal para que os ensinamentos da infância sejam apreendidos.


06 janeiro, 2013

Chomsky e as alternativas midiáticas



do Blog Centro do Socialismo

Nesta entrevista a Tiempo Argentino, Chomsky reflete sobre o problema da concentração de mídia na América Latina, sobre os movimentos (Occupy e outros) que vêm dando sinais de potencial mudança na sociedade dos EUA, sobre a importância relativa das “redes sociais”.


Até que ponto terá o desenvolvimento dos países da América Latina a ver com os Estados Unidos terem estado concentrados noutros temas?

– Quanto menor atenção prestem os EUA ao continente, melhor para este último. Mas não deve dar-se por assente que seja isso que tem ocorrido. De fato, creio que têm estado a prestar bastante atenção. Quando alguma coisa sucede na América Latina, os EUA estão lá. Nos anos ‘80 estiveram muito ativos na América Central. Nos primeiros anos das ditaduras sul-americanas, os EUA apoiavam todas. Na Argentina, por exemplo. Nos anos ‘90, a América Latina estava bastante sob controlo com a estrutura dos programas de ajustamento, pelo que os EUA não tiveram que se empenhar muito. Mas na última década os EUA têm sido afastados e têm tratado com muito afinco de reconstruir a sua posição. Creio, definitivamente, que tratam de aplicar mais ou menos a mesma política que antes, mas têm menos capacidade para a implementar.


Vários dos governos de América Latina que têm assumido uma posição mais dura na sua relação com os Estados Unidos também se têm defrontado com as corporações midiáticas e têm promovido novas medidas para regular o poder da mídia. Como analisa isso?

– A situação dos mídia na América Latina é praticamente um escândalo. Estão enormemente centralizados, sob controlo privado, são muito reacionários e muito danosos para os países. Dão uma imagem muito distorcida do mundo. Entretanto, não creio que a resposta correta seja que os governos os constranjam, mas sim que ajudem o surgimento de alternativas comunitárias. Em certo ponto isso começou a fazer-se na Venezuela. Por outro lado, quando ocorreu ali o caso do canal RCTV, que não foi encerrado mas sim remetido para a difusão por cabo, escrevi que estava de acordo com os protestos ocidentais e também com o facto de que algo semelhante não podia suceder nos EUA. Mas acrescentei algo que tornou impublicável aqui a minha opinião. Não poderia suceder neste país por uma boa razão: se algo semelhante acontecesse cá, se a CBS, por exemplo, apoiasse um golpe de Estado contra o governo e passados alguns dias esse golpe tivesse sido derrotado, não haveria nenhum julgamento dos diretores e a cadeia não continuaria a transmitir. Simplesmente, os donos e os diretores dessa estação seriam assassinados sem julgamento prévio por um esquadrão especial.


Crê que o confronto aberto entre os governos e a mídia concentrados ajuda a consciencializar as pessoas acerca dos interesses que estão por detrás da mídia?

– Na maior parte dos países, os governos apoiam os mídia concentrados. E nos casos em que não é assim, creio que a melhor forma de responder não é pressionando mas desenvolvendo alternativas, que é algo que o governo pode fazer. Alguma coisa de semelhante está querendo desenvolver-se aqui, em pequena escala. Por exemplo, quando o sistema de cabo apareceu nos EUA no início dos anos ‘70, o Congresso aprovou uma lei que impedia as companhias de cabo de deter monopólios em algumas áreas particulares. Por exemplo na zona onde estamos, Cambridge. Qualquer rede de cabo que quisesse operar aqui devia incluir um sinal comunitário. É uma grande falha da esquerda nos EUA que esta oportunidade não seja aproveitada. Há aqui uma estação da comunidade e se lá fores terás a surpresa de verificar que o equipamento é bastante bom. Não é a CBS, mas é melhor que outros que são propriedade de movimentos políticos. E muitas vezes são dirigidos por lunáticos porque a esquerda não os usa. Chegam a muita gente e poderiam ser usados como uma base alternativa de media.


O que é que falta aos grupos de esquerda para tirar partido dessa possibilidade?

– Isso é o que eu venho discutindo há 40 anos. Têm muitas críticas sobre os media que são justificadas, mas há muito pouco trabalho em tratar de criar alternativas. E pode ser feito, como sucedeu com Democracy Now, que funciona. Mas se os grupos de esquerda utilizassem estas possibilidades que estão ao seu alcance poderiam fazer mais. Há muito para fazer.


E não seria importante apenas o conteúdo, mas também a forma como se concretiza…

– Estive uma vez no Brasil, antes de Lula ser eleito presidente, e uma tarde ele levou-me aos subúrbios do Rio, onde vi algo muito interessante dos media populares que não sei se ainda funciona. O que acontecia era que um grupo de profissionais dos media do Rio ia a uma praça no meio de uma cidade às nove da noite, prime-time, e punha um camião com um ecrã. Aí passavam programas que eram apenas para as pessoas que estavam sentadas na praça ou nos bares em redor. Os conteúdos tinham sido escritos por pessoas da zona, apresentados por eles e eram interessantes. Não podia entender tudo o que diziam, mas dei-me conta de que alguns eram comedia, outros eram mais sérios e falavam sobre a crise da dívida ou sobre o VIH, por exemplo. Depois dos programas, uma das atrizes ia com o microfone e uma câmara pedir um comentário às pessoas que tinham assistido. Essas opiniões eram passadas no ecrã gigante e outras pessoas vinham juntar-se. Gerava interação comunitária e essas pessoas não viam a televisão prime-time, e em vez disso preferiam estes programas. Tudo era feito pela comunidade salvo o equipamento, que vinha da cidade. Coisas como essas podem ser feitas.


Processos políticos como a Primavera Árabe, o movimento Occupy ou o dos indignados comoveram sociedades com as suas posições. Crê que estes grupos têm potencial revolucionário?

– Creio que são importantes, mas há muitas outras coisas também revolucionarias que estão a suceder. Por exemplo, os desenvolvimentos comunitários e o trabalho em empresas. Alguma coisa dessa iniciativa, de fato, veio da Argentina post colapso. Gar Alperovitz trabalha sobre isso e informa sobre lugares como Cleveland, onde há uma rede de empresas cujos proprietários são os seus próprios trabalhadores. Cooperativas que começam a estabelecer ligações a nível internacional com outras empresas em Espanha. Hoje isso existe em vários lugares do país e é revolucionário. Não sei se alcançará uma escala capaz de mudar a sociedade, mas é uma das coisas mais importantes que estão a acontecer.


Uma jovem espanhola que participou no movimento de indignados em Espanha dizia que admirava a experiência de Occupy Wall Street porque no seu país reclamavam direitos que tinham perdido e nos EUA por direitos que nunca tiveram…

– É que aqui luta-se pelos direitos de outras pessoas. Nenhum dos que está no movimento Occupy e passa o tempo no parque Zuccotti é pobre. Todos têm, pelo menos, um prato de comida na mesa e não vêm dos bairros mais desprovidos. Essa gente não tem tempo para estas coisas. No entanto, creio que estão a conseguir chamar a atenção dos media em muitos aspectos. Os elementos que Occupy trouxe colocaram-se no centro da agenda nacional. Antes falava-se muito pouco da desigualdade, da fraude bancária, da compra das eleições. Estas coisas agora estão a ser discutidas. De facto, o slogan de “somos os 99% vs. o 1%” pode ler-se na imprensa de negócios e todos falam dele. Para além disso, estão a fazer coisas. Por exemplo, com o furacão Sandy de há um par de semanas, os primeiros a sair para ajudar foram os jovens de Occupy. Também estão a ajudar as pessoas que estão a ser desalojadas das suas casas pelos bancos: apoiam-nos para resistir ao desalojamento ou vão ao tribunal protestar. Por isso, pode transformar-se em algo muito construtivo. De facto, creio que o más importante que fizeram, que a maioria da imprensa não reconhece e de que ninguém fala, é que romperam a atomização da sociedade. Esta é uma sociedade em que as pessoas estão sós. É quase sociopático. As pessoas não se juntam para falar, ficam presos na televisão, no consumo de bens. Mas Occupy reuniu pessoas, pô-las a fazer algo de forma cooperativa. Abriu um espaço de discussão, interação. As pessoas estão a aprender a fazer coisas juntos e isso é muito importante, em especial numa sociedade como esta. Se durar, pode ser importante para inspirar mais grupos.


Pensa que deste movimento pode decorrer uma mudança mais profunda na sociedade?

– É um elemento entre outros. Há muitas coisas a acontecer no país. Este foi uma espécie de faísca e isso é visível. Foi visível no facto de que no dia seguinte a Zuccoti havia movimentos Occupy em todo o país e, na realidade, em outras partes do mundo. E passou apenas um ano, não pode dizer-se mais, mas foi muito bem sucedido. E se puderem associar-se a outros movimentos, como o das empresas recuperadas, pode ser muito interessante.


Um olhar sobre as redes sociais

O gabinete de trabalho de Noam Chomsky está repleto de livros. Entre duas estantes em forma da letra L que ocupam dois dos lados do compartimento, há apenas um espaço livre para alguns porta-retratos familiares. Não surpreende que Chomsky admita não ver muita televisão e que se informa a partir de “toneladas de leitura”. “Leio a imprensa nacional, a imprensa de negócios, a internacional. Um sem-fim de periódicos com um amplo espectro de perspectivas, inclusivamente conservadoras”, descreve. O cronista confessa então que antes deste encontro reviu os seus dados biográficos na Wikipedia.


“Eu uso a Wikipedia para algumas coisas. Se queres saber sobre matemática ou história medieval, está bem. Mas se se trata de algum tema contemporâneo e controverso, então há que ser muito cauteloso.”


E as redes sociais?

- Não tenho uma opinião porque estou fora de moda. Dizem-me que tenho uma conta de Facebook, mas não fui eu que a abri.


Atribuem-lhes um papel importante na Primavera Árabe.

– Aqui também têm um papel importante. Qualquer grupo ativista anuncia o que faz nas redes sociais para atrair pessoas para as suas atividades. Acho bem, não tenho nenhuma objecção contra isso. Mas o máximo que faço é ler ocasionalmente blogues. Creio que é uma grande coisa que qualquer possa dizer o que quiser na Internet, mas significa que 99% são coisas sem importância.


Costuma fazer-se a crítica de que afeta o jornalismo acelerando os processos e contribuindo para a perda de análises e de verificação de dados…

Por isso leio os diários e não as redes sociais. Mas na Primavera Árabe sucedeu algo de interessante. Em dada altura (o presidente do Egipto Hosni) Mubarak encerrou a Internet. A interacção cresceu porque em vez de twittear as pessoas falavam entre si e a organização avançou mais rapidamente. Quer dizer, acelera as coisas mas não tanto.


04 janeiro, 2013

Presidente do Equador é alvo da CIA


Julian Assange, atualmente asilado na Embaixada do Equador, entrevistando Correa para RT

O jornalista chileno Patricio Mery alertou às autoridades equatorianas, nesta sexta-feira, para um plano da Agência Central de Inteligência norte-americana (CIA, na sigla em inglês) para assassinar o presidente do Equador, Rafael Correa. A medida seria em retaliação ao fechamento de uma base dos EUA naquele país, que existiu até 2009, e por dar asilo ao jornalista australiano Julian Assange, diretor do sítio WikiLeaks, na internet.
O repórter apresentou suas pesquisas ao ministro das Relações Exteriores do Equador, Ricardo Patiño, e promoveu uma conferência com jornalistas nesta capital. À agência latino-americana de notícias Andes, Mery revelou detalhes do trabalho de apuração realizado ao longo dos últimos cinco anos.
Sua pesquisa abre várias frentes de investigação e detalha as relações de autoridades chilenas com a CIA. Ele organizou um roteiro que se repete em vários países da região. A agência norte-americana, com o apoio de autoridades do governo chileno, promove a entrada de drogas produzidas no Equador, cerca de 200 quilos de cocaína por mês, a fim de gerar dinheiro sujo: chega no Chile segue para a Europa e os Estados Unidos. Do dinheiro gerado, uma parte permanece no Chile “e me disseram as fontes que este dinheiro é destinado a desestabilizar o governo do presidente Correa”, afirma o jornalista.
Mery comprova as informações passadas ao governo equatoriano com uma denúncia, feita no Chile, pelo inspetor Fernando Ulloa, após reunião com ministro do Interior da época, Rodrigo Hinzpeter, ao qual apresentou um dossiê com todos os fatos e nomes dos líderes do PDIs (Polícia de Investigações, na sigla em espanhol) envolvidos com o tráfico de drogas, incluindo Luis Carreno, “que aponto como um agente da CIA e que agora trabalha como inspetor área de Arica e integra o alto comando do PDI. Após a denúncia, a única medida tomada foi afastar o denunciante, Fernando Ulloa, de suas funções.
A apuração do jornalista começou quando ele suspeitou da corrupção nos meandros policiais de seu país e um agente da Agência Nacional de Inteligência (ANI) confirmou-lhe que a droga serviria para abastecer financeiramente um plano de desestabilização do presidente Correa, por dois motivos: o líder equatoriano havia fechado a base de Manta e concedido asilo a Julian Assange, que pode ser condenado a morte se for extraditado de Londres, onde se encontra, para os EUA, por vazar informações de segurança nacional sobre os norte-americanos. A partir dessa perspectiva Correa tornou-se também um alvo da CIA. A agência, com base em Langley, no Estado da Virgínia, atua em paralelo ao governo dos EUA e aplica suas próprias regras nas ações daquele país em território estrangeiro.
No relatório entregue ao governo equatoriano, Mery afirma que algumas fontes lhe permitiram revelar seus nomes:
– Minhas fontes são: Hector Guzman, Fernando Ulloa, um terceiro membro da Polícia de Investigações que prefiro não revelar ainda seu nome porque sua vida está em perigo no Chile e há uma quarta fonte, que é o agente da ANI. Reúno também documentos histórico e fatos devidamente checados, como a reunião com o ministro Rodrigo Hinzpeter, que atualmente é o ministro da Defesa no meu país – relatou.
O ministro Hinzpeter esteve envolvido em quatro “armações” no Chile: no primeiro caso, que o liga diretamente com a CIA, um paquistanês chamado Saif Khan é chamado à embaixada dos EUA e dizem que vão lhe arranjar um emprego. Eles o deixaram trancado em um quarto e, ato seguinte, entra Grupo de Operações Especiais da Polícia (OGPE, na sigla chilena) e o levam preso.
– O homem não sabia de nada, é paquistanês e espero que saiba falar Inglês. Ele é acusado de ter traços de TNT (explosivos), ou seja, como se tivesse entrado com uma bomba na embaixada. A operação foi coordenada por um agente da CIA chamado Stanley Stoy, que ordena à polícia de investigações para que faça uma incursão na casa de Saif Khan, o que é irônico, porque a Polícia Nacional não pode receber ordens de um policial estrangeiro. Em seguida, descobriu-se que o jovem Saif Khan não tinha nada a ver com o que o estavam acusando, mas a parafernália serviu para mostrar como o país auxilia os EUA na luta contra o terrorismo no mundo. No Chile, temos um quadro onde podemos ver que as autoridades mais altas estão ligadas à CIA e à extrema-direita norte-americana – disse.
Um outro escândalo denunciado a Portiño mostra que Rubén Ballesteros, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), foi o juiz que participou dos conselhos de guerra da ditadura de Augusto Pinochet e ordenou o fuzilamento de prisioneiros.
– Ele é acusado de violação dos Direitos Humanos e mantém ligações estreitas com a direita dos EUA – acusa o jornalista.
Ainda segundo o relatório de Mary, Sabas Chahuán, procurador-geral da República (PGR), quem deve investigar os crimes no país, “tem uma relação estreita com o FBI através de um acordo firmado com os EUA, depois da prisão de Saif Khan”. De acordo com documentos apresentandos pelo jornalista, com base na prisão arbitrária foi criado um programa chamado LEO, o qual permite que os norte-americanos obtenham qualquer informação acerca dos cidadãos chilenos.
– E tudo o que o FBI sabe, a CIA sabe também – presume.
Chahuán teria recebido ordens da Embaixada dos EUA no Chile para criar essas “armações”, denuncia Mary.
– Com tudo o que eu disse, mais o que disseram as fontes e provam os documentos e fatos, há uma estrutura que nos permite dizer que a CIA coordena as políticas daquele país com o exterior – garantiu.
Drogas contra o socialismo
As ligações entre a CIA e o governo chileno, segundo as denúncias, permitem que a agência norte-americana monitore a situação política no pais vizinho. No Equador, o presidente é socialista e tem um dos mais altos índices de aprovação popular.
– Nossas fontes afirmam que a droga traficada para fora do Chile destina-se a desestabilizar ou até matar o presidente Correa. Por quê? Porque quando um presidente passa em um mês de 60% de aprovação pública para 80%, de acordo com pesquisas divulgadas nesta quinta-feira, e reúne todas as condições para vencer as eleição no Equador, a única maneira de tirá-lo do caminho é por meio de um assassinato – afirmou.
Embora não acuse diretamente o governo do presidente Barack Obama de participar do plano para matar um colega sul-americano, “parece uma atitude muito suspeita da CIA e temos as provas que definem as relações entre a CIA e o governo do meu país. O presidente Sebastián Piñera é filho de José Piñera, que foi embaixador do Chile nos Estados Unidos. Ele também é irmão de José Piñera, que foi ministro do (ditador Augusto) Pinochet”.
Em 1980, lembrou, “o presidente Piñera faliu o Banco de Talca. Ele era gerente e promoveu um imenso desfalque. Devia estar preso. Nada foi investigado sobre a participação da CIA neste episódio, mas a informação que temos é que o presidente Piñera foi retirado do país por quase um ano, para que não precisasse enfrentar a Justiça. O pai do presidente sempre teve laços estreitos com os EUA e com a CIA”.
– Temos agora todos os elementos que mostram pelo menos 90% de possibilidade da existência de um processo de desestabilização permanente contra o presidente Correa, por ele fechar a base de Manta e dar asilo a Julian Assange. Mas isso, na realidade, não é uma questão política, e sim, comercial, porque a CIA tráfica de drogas, e faz isso através do PDI chileno, e você diz um nome, Luis Carreno, quando se chega ao bolso de um empresário, um empreendedor, mesmo ilegal, ele fica chateado e busca vingança – esclarece.
Mery acredita que haja um esquema em que CIA desestabiliza os governos, uma semana antes de tomarem posse.
– Foi o caso do presidente Salvador Allende. Eles mataram o comandante-em-chefe, René Schneider. Este crime foi perpetrado pela CIA, segundo telegramas revelados, nos quais há uma conversa entre Richard Nixon e Henry Kissinger, que assume total responsabilidade pela morte de Schneider – disse Mery à agência de notícias.
Mídia corrompida
No relatório do jornalista consta também a entrega de US$ 3 milhões ao jornal El Mercurio, do empresário Agustín Edwards Eastman, como pagamento pela cobertura favorável às “armações” realizadas pela agência de inteligência norte-americana.
– Durante a ditadura, o jornal disse que não havia desaparecidos, negou que os direitos humanos tenham sido violados e agora, todos os dias publica notas e matérias contra os presidentes Correa e Hugo Chávez, da Venezuela – constata.
Mery também aponta o fato de o ex-chefe do PDI, Arturo Herrera estar ligado a um caso de pedofilia, como um cliente de uma rede de exploração sexual infantil.
– Posteriormente, ele foi nomeado vice-chefe da Interpol. Como uma pessoa acaba de ser acusado de pedofilia e assume como vice-diretor da Interpol? – questiona.
Herrera, segundo o dossiê entregue ao governo equatoriano, “foi contratado para desestabilizar o governo de Hugo Chávez. Como fez isso? Armando uma série de histórias para vincular Chávez às FARC. Em seguida, ligam Correa às Farc para, finalmente, envolver o Partido Comunista do Chile, especialmente Guillermo Teillier e Lautaro Carmona, os deputados chilenos que disseram ter ligações com membros das FARC. Esse é o mesmo roteiro utilizado na Venezuela, Equador e Chile”.
Mery convidado pelo ministro Ricardo Patiño, em uma visita oficial, para a entrega do relatório.
– O que ele vai fazer com essa informação é uma atribuição do governo equatoriano. Eu confio no julgamento do chanceler. Depois de nos conhecermos, ele lançou uma nota no Twitter para dar maior peso ao que lhe havia dito. Então, eu entendo que é uma questão sensível e levada a sério – concluiu. 
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