02 dezembro, 2014

Da arte de mandar pastar

por Denise Queiroz
La Roue de la Fortune. Calque de Miniatures de l’Hortus Deliciarum  de Herrade de Landsberg. 
Paris: Bibliothèque Nationale de France

A vó, figuríssima, já falei dela pra muita gente, mas nunca escrevi. Filha de alemão que não sei bem o causo todo, só sei que tinha muita terra e casou com uma índia. Aí misturou umas coisas. A educação em casa, com fraulein (aquelas governantas professoras, encarregada dos 14 filhos numa época em que não havia escola lá naqueles cafundós para os urbanos e centro do mundo para quem vivia) e a cultura da vó Emília, que não conheci, mas que a mãe lembra muito e conta histórias.

Era família imensa, e como ‘de posses’ as filhas tinham casamento tratado desde cedo. Mas num baile daqueles que duravam alguns dias e as meninas bem nascidas levavam vários vestidos, minha avó, com 13 anos, conheceu meu avô. E esse conhecimento (ela descrevia com detalhes as roupas que ela e irmãs, ele e família usavam) descambou tratos e contratos.  Com 14 anos, casou. Vô Jorge era bonito, boa pinta, acho que se eu fosse ela também teria me apaixonado.  E naqueles tempos casava-se cedo porque a vida era mais curta. Ela contava que entre as obrigações de esposa e dona de casa, brincava de bonecas...

Mas a vida é feita do inesperado. Vovô morreu tomando o cafezinho digestivo do almoço e a vó ficou viúva cedo, com 6 dos dez filhos que teve, em casa. O menino mais novo tinha 3 anos. Preciso dizer que ela tinha sido deserdada por ter rompido os tratos e contratos e teve que arcar com as consequências? As quatro meninas pequenas, algumas já meio mocinhas, ajudavam a costurar, cuidar da horta e da lavoura, cozinhar. As mais velhas já casadas e com filhos levavam, em revesamento, algumas das menores para suas casas onde ajudavam nas lidas da casa e com os sobrinhos, e assim aliviavam a carga da mãe. 

Por conta da educação alemã, ela tinha um livro e sabia o mascate pra encomendar as homeopatias que ‘o autor’, como ela chamava o compêndio do Hahnemann, recomendava pra cada dolência.  A casa, perdida no meio de um nada (até hoje igual), era passagem de tropeiros que sabiam dos atalhos entre a fronteira e os campos do planalto. O campo do vovô​, além das vaquinhas pro leite do gasto e pros queijos, servia de albergue pra bichos cansados. O sótão, com ​várias camas tipo de campanha enfileirada e com escada íngreme, para os tropeiros, cansados, nas noites geladas. Nas muito quentes, a figueira era o abrigo. 

Apesar das dificuldades, nunca faltou uma sopa ou limonada pra quem ali passasse. E muitos deles encomendavam as bombachas, com os favinhos que ela fazia como ninguém, na máquina de costura à manivela, à luz do lampião quando sobrava pra querosene, ou de velas fabricadas em casa, o de sempre. Quem chegasse com dor, tosse ou febre, era socorrido pela ‘consulta ao autor’ e se a indicação estivesse em falta, o jujo da vó Emília, a índia, resolvia. Ninguém saía sem agradecimento. Se muito grave, ela não deixava que seguisse até que estivesse bom.

Por conta das necessidades, permitiu que algumas filhas casassem com ‘brasileiros’. Eram uns tropeiros que vez que outra passaram por lá e se encantaram com a beleza e destreza das filhas da dona Catulina. Um desses, meu pai que, pelos olhos azuis, até poderia passar por alemão, mas a mulher ‘não brasileira’ também não foi bem vista na família dele.

Mas enfim, essa figura que desafiou costumes naquele início de século XX (nasceu em 1897) ensinou as netas a mandar “homem pastar”. A expressão deveria ser usada para moços que vinham ‘tirar pra dançar’ em bailes e que não agradavam, ou pela pinta, ou pela fama, ou por qualquer outra coisa. Em língua destes tempos, ensinou o ‘block, porque não sou obrigada’; de quando eu era menina, a dizer não.

Quando eu tinha 15 anos minha avó já não tinha a casa dela. Passava temporadas nas casas dos filhos e filhas mas tinha um quarto reservado na casa de cada um dos filhos e os objetos de vida na do mais velho, que ficou com a casa que era dela. Nós, minha irmã e eu, saindo pra ‘noite’ da cidadezinha, que era uma discoteca onde vinha gente de todas redondezas.  E foi essa noite que ela disse: 'se não te agradar, seja educada, mas manda pastar'.

Obrigada, Catulina! Pratico muito até hoje. Gente ignorante, que vem puxar conversa com maus jeitos e olhares, “vai pastar”. Quando mais nova, chamada de ‘potranca’ na rua: “mas não pro teu potreiro”.

Contam a mãe e as tias que ela, aos quase 92 - única vez que ‘baixou hospital’, 23 dias antes de morrer – recebeu a visita de uma das netas. Indagada se solteira, ela contou que estava vivendo com o então namorado e não sabia se ia casar. “Bem que tu faz, filha, homem, tem que experimentar, nem todos são pra casar”. As filhas pularam “- Mas mamãe, quando a gente se mostrou interessada tu tratou o casamento” ... ”- Naquele tempo era assim, hoje não é mais. Que bom pras meninas”.

Fim

08 outubro, 2014

A possibilidade real de retrocesso

por Denise Queiroz

No primeiro turno a grande vedete foi a propaganda (a meu ver uma das peças mais falaciosas que o marketing político já produziu) de que a independência do Banco Central tiraria a comida dos pratos das crianças. O efeito disso foi trágico para a política brasileira. Perdeu-se a enorme oportunidade de discutir e ajudar a formar consciência crítica sobre questões relevantes para o país. O bom é que essa pólvora já foi gasta pelo ‘gênio’ estrategista da coligação PT-PMDB-PP-PRB (e um sem fim de partidos que elegeram seus representantes retrógrados para o congresso) e agora seremos poupados de tal ignomínia. Mas o estrago feito, avaliam estudiosos da política, levará muito tempo para ser revertido.

“Agora a campanha será propositiva", declarou algum dos cartolões petistas. O que se proporá? Lembremos muito que a vedete falaciosa atribuía a um presidente o poder para acabar, de uma canetaço (risos), com as conquistas sociais destes últimos anos. Como se tal poder estivesse, num país que vive regido por uma Constituição e com poderes definidos, nas mãos de uma única autoridade eleita. Agora vão esclarecer que o presidente sozinho faz quase nada? Seria bom! Pelo menos parte do enorme erro do primeiro turno poderia ser parcialmente mitigado.

A questão é: a despolitização da campanha do primeiro turno elegeu um congresso absolutamente na contramão para o aperfeiçoamento necessário de nossa democracia. Diante dessa realidade incontestável, que tipo de proposta qualquer um dos candidatos pode fazer que signifique avanço e mínimo atendimento do enorme cardápio de demandas? Podem fazer todas as que quiserem, quando chegar ao congresso, não passarão.


Nos próximos quatro anos as possibilidades dos necessários avanços, em todas as áreas que não digam respeito ao capital e patrocinadores de campanhas, estarão no freezer. Temos uma crise econômica para enfrentar e resolver. Os dois postulantes são economistas, logo supõe-se que alguma fórmula adotarão. E politicamente sabem dos riscos, para si próprios e seus partidos, caso essa fórmula signifique sacrifícios que aprendemos a rejeitar. Quando os depoimentos do ex-diretor da Petrobrás e dos doleiros, presos na operação lava-jato e que fizeram acordo, vierem à público, haverá sim crise institucional. A coisa vai ficar muito feia para figuras que desde sempre e até hoje exercem cargos importantes nas instituições.  A justiça vai na contramão das políticas que buscam diminuição das desigualdades - a auto concessão de um auxílio moradia mensal de R$ 4.300,00, valor que significa a compra e quitação de um apartamento do minha casa minha vida em um ano e meio - evidencia isso mais que tudo. 

Diante desse quadro nada entusiasmante, o mais apropriado me parece ser começar a fortalecer as pernas, comprar um par de tênis confortável, fazer estoque de vinagre, cartolina e pilot. O único caminho que nos resta para aperfeiçoar a democracia e evitar cada uma das ameaças de retrocessos - e desculpem os crédulos nesse sistema eleitoral - será estar nas ruas.    

28 setembro, 2014

1989, 2014

por Denise Queiroz

Já escrevi aqui sobre 1989 e o que foi aquilo tudo de esperança de festa de democracia. Não escrevi sobre o horror da campanha suja, podre, nojenta e de baixo nível. Dias antes do segundo turno, Lula à frente nas pesquisas, frente de partidos de esquerda e centro aglutinados, aparece na propaganda de Collor a senhora Miriam Cordeiro, mãe de uma filha de Lula. Ela contava que Lula queria que ela abortasse e mais um sem fim de blás e blás. Verdade ou não, pouco importou. Foi a facada que terminou de sangrar a imagem de monstro que todos os dias vinham homeopaticamente pintando de Lula, do PT. O final todos sabem: quase tudo que Collor dizia que Lula - o analfabeto, o despreparado, o sem apoio no congresso, o pobre, o criminoso por ter proposto aborto à namorada - faria caso fosse eleito (confiscar a poupança e transformar o país num verdadeiro caos) ele o fez no dia da posse, em março de 1990.

Depois do impeachment de Collor em 1992 (ele renunciou horas antes da votação do impeachment que mesmo assim foi realizada, simbolicamente, pelo Congresso que havia encontrado um ‘verdadeiro mar de lama’ na CPI que apurou denúncias de caixa 2 na campanha) o país virou um pandemônio. Assumiu o vice, Itamar Franco que, em meio àquele caos e com as instituições em crise, conseguiu reunir um grupo de políticos de vários partidos para retomar alguma normalidade. Em junho de 1994 lança um plano econômico que anunciado e explicado, rejeitado e apoiado, conseguiu pôr fim a anos de economia descontrolada e inflação criminosa. Com isso credenciou o seu ministro da fazendo para ser o próximo presidente.

De lá até 2010, embora tenhamos vivido momentos de alguma crise e denúncias e mais denúncias de corrupção não tenham parado de aparecer, vivemos um período estável. O país cresceu, com o controle da inflação e políticas de inclusão econômica foram sendo implementadas pelos governos. Os gráficos e os critérios de medição da economia e das melhoras são vantajosos e Lula indica sua ministra da casa civil, a mãe do PAC, para sucedê-lo e continuar o trabalho que vinha desenvolvendo, só que sentando na cadeira que ele mesmo havia ocupado.

Para qualquer conhecedor e observador da política, parecia um despropósito que uma pessoa que nunca havia disputado qualquer cargo pudesse ser eleita presidente do país. Mesmo no círculo dos cartolas do PT a escolha de Lula não foi bem recebida. Mas a verdade é que o partido havia descuidado de formar novos quadros políticos e as chances de qualquer outro nome seriam mínimas. Campanha dura, mas que na verdade já havia sido iniciada com o lançamento do PAC em 2007, quando a ministra começa a aparecer mais e mais na mídia, em entrevistas etc.

Eleita, Dilma nomeia um gabinete que é recebido com narizes tortos. Com exceção de Fernando Haddad na Educação, e alguns outros nomes que trocam de pastas, como Paulo Bernardo e Miriam Melquior, muitos deles desconectados com os meandros técnicos dos ministérios que teriam de tocar.

As promessas de campanha, de continuidade e melhorias, vão sendo pouco a pouco abandonadas, notadamente na área de cultura, direitos humanos, reforma agrária. Áreas essas ‘questão de honra’ e mais que simbólicas para grande parte das pessoas que formaram o PT e elegeram a candidata do Lula. Denúncias pipocam, ministros são trocados. Denúncias pipocam, assessores são demitidos. Denúncias pipocam, novos ministros, mais desconhecidos e alheios às pastas, de partidos quase inexpressivos, vão aparecendo. Novos ministérios criados para acomodar a base aliada e garantir a 'governabilidade'.

Em abril de 2013, em Porto Alegre, movimentos sociais não alinhados aos partidos ‘da base’, de nenhuma base, tomam as ruas de Porto Alegre contra o aumento das passagens do ônibus municipais, motivados por uma ação movida no Ministério Pblico para que os cálculos das tarifas fossem públicos. O movimento se avoluma e,a cada manifestação, mais gente de aglutina. Em junho o Movimento Passe Livre toma as ruas de São Paulo, também apoiado por movimentos não alinhados aos partidos da base, a maioria não alinhada a partido nenhum, mas que viu ali a chance de reivindicar mudanças gerais. Afinal, desde o movimento pela Anistia e depois pelas Diretas, neste país só o povo em massa e nas ruas conseguiu pressionar a modificar minimente estruturas.

Esse movimento se amplifica. A brutal repressão da PM paulista, que fez nas ruas centrais das cidade, à frente das câmaras, o que faz nas periferias dia e noite, revolta movimentos, grupos, sozinhos, gente em rede ou que só fica sabendo mas sofre no dia-à-dia as conseqüências das péssimas políticas públicas, a ir também para a rua. Grandes jornadas passam a ocorrer nas principais capitais, mais concorridas e reprimidas nas que sediariam a copa das confederações.

Diante do aparente descontrole, gabinete de emergência é formado no Palácio do Planalto que não conseguia entender o que ocorria, ‘se somos tão bonzinhos’ e temos bolsa-família, pronatec, pronaf, fies, cies e não sei mais quantos programas aparentemente inclusivos. Pela primeira vez, desde que assumiu a presidência, a autoridade máxima do país se dignou a receber gente que ela nunca tinha ouvido  nem falar que existia, por não serem ‘representantes’ dos movimentos de sempre - os organizados na década de 80 e que depois foram alinhados ao governo - para dialogar. Em pronunciamento à nação, leu um discurso elaborado pelo marqueteiro João Santana, com medidas imediatas para resolver os problemas. Se eram factíveis de serem implementadas ou não, não importava. O que contava era acalmar a turba ensandecida e parar de aparecer na imprensa internacional como um país desigual, onde problemas estruturais não foram resolvidos depois de 10 anos e meio do mesmo partido presidindo.

Não deu muito certo. As ruas continuaram tendo manifestações. Na copa das confederações, os turistas que foram aos estádios construídos pelas empreiteiras que desde sempre financiam as campanhas políticas, puderam provar da melhor tecnologia nacional produzida por um dos braços da maior empreiteira do pais: o gás de pimenta.

Imagem arranhada, confiança quebrada. Os juros não baixaram. A conta de luz que havia sido reduzida voltou a subir, as creches prometidas em 2010 não foram construídas. Os projetos de mobilidade para a copa continuam, grande parte deles, sendo projetos. O maior campo testado de petróleo da camada do pré-sal foi leiloado, contrariando a lei de 2010 que previa leilões, mas de campos não testados. E mesmo assim as contas não fecharam.

Entre desastres discursivos, locais e internacionais, a balança comercial pendeu pro outro lado. A meta da inflação não foi cumprida e o crescimento do país se aproxima do zero. Embora os institutos, baseando-se em critérios internacionais de emprego e desemprego, mostrem dados a serem comemorados, eles brigam com a realidade da violência material e humana que todos vivenciamos.

E todos se perguntam o que está acontecendo? Se temos porcentagens de pleno emprego, desigualdade menor, porque tanta violência? Temos democracia...

Nos acostumamos tanto a repetir chavões de auto-engano que o enfrentamento da realidade diferente demais dos números nos assusta.

Sempre digo ao filho e amigos que a melhor maneira de avaliar um lugar é a leitura das páginas policiais. Se há furtos e brigas de vizinhos, estamos num local próximo ao paraíso. Mas se há assaltos violentos, roubos, mortes, algo está muito errado e há que prestar mais atenção.

Não é de hoje que horrores acontecem. O ser humano é horroroso, cheio de defeitos, ambições, descontroles. Assassinatos ocorrem ‘nas melhores famílias’. Mas se crimes violentos se sucedem e amontoam, é porque o estado das coisas anda mal. Não há números que sejam convincentes quando alguém querido é morto ou agredido por causa de um celular, um tênis, um carro que seja. Quando o sair a rua é arriscado.

Mas está tudo bem, na propaganda do governo que intercala mensagens edificantes e histórias de melhorias com acusações falaciosas aos adversários. Nos acostumamos a fugir da realidade aflitiva vendo novelas. A linguagem das propagandas políticas (aplausos para os marqueteiros?) captou esse gosto tão latino e transformou momento nobre da democracia em obras de ficção. Para produzi-las, os patrocinadores são os mesmos das novelas.

Dia 5 de outubro vamos lá. Votamos. Elegemos alguém para sentar na cadeira presidencial e no dia seguinte voltamos à rotina de transporte infernal, comida às pressas, trânsito na volta para casa, se conseguirmos chegar, e novela. Para esquecer!

27 setembro, 2014

Brasil: a rua e as presidentas, por Manuel Castells

tradução de Denise Queiroz

O que está em jogo é um modelo de desenvolvimento que serve mais ao 
Estado que à economia, e um tipo de política para benefício dos políticos

O amplo movimento de protestos que balançou a sociedade brasileira de junho a setembro de 2013 parece ter se diluído com o passar do tempo, ao ter enfrentado o repúdio dos políticos, a brutal repressão da polícia militar e a manipulação da extrema-direita. A tentativa de boicote à copa do mundo foi um fracasso. Muitas reivindicações locais foram satisfeitas como resultado deles. E a presidenta Dilma Rousseff do PT prometeu mais investimentos públicos em educação e saúde. O efeito político do movimento pode ter sido fundamental: a presidenta declarou “ouvir a voz das ruas”, legitimou suas reivindicações e assumiu as críticas à corrupção política e à partidocracia. Propôs uma assembléia constituinte para uma nova constituição que controle o poder dos partidos. Mas a classe política se opôs. Apesar do apoio de Lula, inclusive o PT manobrou com o PMDB para bloquear qualquer reforma no Congresso. Com a copa e as eleições à vista, Rousseff deixou o tema de lado, ainda que recentemente, diante de suas dificuldades eleitorais, tenha ressuscitado a ideia de reforma política.

Acontece que, o que parecia uma eleição fácil se tornou incerta pelo surgimento da única líder política que apoiou o movimento e foi respeitada por ele. Marina Silva declarou em setembro de 2013 que os protestos constituíam “um movimento de beleza e majestade com o potencial de mudar o país”. E há dez dias insistiu: “não são os partidos ou líderes políticos que vão trazer a mudança. É o movimento que nos muda”. De fato, as pesquisas comprovam que sua popularidade atual está ligada ao apoio de quem concordava com o movimento e suas críticas à política tradicional. A personalidade e a biografia de Marina Silva (a quem conheci em Berkeley), junto à sua valentia em defensa de suas convicções, fascinaram o Brasil e o mundo, e poderão transformá-la na presidenta do Brasil em 26 de outubro. As pesquisas dão agora um empate com Rousseff. 
O simbolismo não poderia ser maior. Mulher, negra, nascida no estado amazônico do Acre, numa família de trabalhadores em um seringal, vivendo na extrema pobreza e gravemente doente em toda sua infância, ficou órfã aos 15 anos. Foi acolhida por irmãs católicas num convento onde aprendeu a ler e escrever e aos 16 anos trabalhou como empregada, mas estudou à noite e conseguiu o diploma de Historia. Ao lado de Chico Mendes organizou o sindicato dos trabalhadores da floresta, exemplo mundial de defesa simultânea dos direitos dos trabalhadores e do desenvolvimento sustentável. Chico Mendes foi assassinado por grileiros, mas seu legado levou à políticas de proteção da Amazônia, em cuja defesa o trabalho de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente se destacou, no primeiro governo de Lula da Silva, em 2003.

Logo Marina Silva descobriu a dificuldade de enfrentar não somente o agronegócio, senão a ideologia desenvolvimentista da esquerda brasileira, de colocar o crescimento econômico a qualquer custo e por cima da conservação do meio ambiente e da qualidade de vida. Foi precisamente Dilma Rousseff, como ministra das Minas e Energia a que deu prioridade às políticas energéticas da Petrobrás, a gigante petroleira, sobre qualquer outra consideração. Desenvolvimento energético e produtivo para gerar recursos que permitiriam remediar a pobreza. Silva, vindo de onde veio, fez parte da luta contra a pobreza apoiando o programa bolsa família de Lula/Rousseff, que tirou 40 milhões dessa condição. Mas propôs conciliar valores diversos frente ao produtivismo unidimensional do Estado desenvolvimentista. Por isso, o que se enfrenta nesta eleição não são duas pessoas que se opõem, mas duas concepções de desenvolvimento.  

A defesa da sustentabilidade levou Silva a abandonar o governo e criar uma Rede de Sustentabilidade, com a qual obteve 19% dos votos, como candidata verde, nas eleições presidenciais de 2010. Em 2014 não pode superar entraves legais para registrar sua candidatura e se incorporou, como vice-presidenta, na candidatura do pequeno Partido Socialista Brasileiro, liderado por Eduardo Campos. Em 13 de agosto Campos morreu num acidente de avião. Silva o substituiu como candidata presidencial e rapidamente apareceu à frente nas pesquisas para segundo turno.

A campanha de Marina Silva reflete sua complexa biografia. Sua oposição ao estatismo do PT e à corrupção dos partidos, que sangra empresas públicas como a Petrobrás (obrigada a comissões de 3% dos contratos) a leva a propor a independência do Banco Central e uma economia menos condicionada pela política. Com isso conseguiu o apoio de instituições financeiras como o banco Santander. Ainda assim, Dilma recebeu cinco vezes mais em doações do que Marina. As convicções cristãs pentecostais de Silva lhe aportam o apoio dos evangélicos que são mais ou menos 22% da população. Coerente com sua fé, se opõe ao aborto  e ao matrimônio gay, mas defende a união civil, o que gera críticas. A campanha do PT contra ela está sendo feroz, mentindo sobre suas posições em várias questões de impacto social, segundo consegui me informar. 
Ocorre que o que esta em jogo é um modelo de desenvolvimento que serve ao Estado mais que à economia, e um tipo de política para benefício dos políticos, de esquerda ou direita. Demasiados interesses criados. Diante dessa máquina uma mulher que nunca renunciou aos seus princípios e que se conecta com um Brasil jovem que disse não nas ruas e agora tem a oportunidade nas urnas. Marina Silva é a esperança de um novo Brasil capaz de abrir vias inovadoras de vida e política, para além de ideologias obsoletas.  


18 agosto, 2014

Elas, as imagens










por Denise Queiroz

Durante um curso de especialização em jornalismo que fiz nos 90, uma das disciplinas que gerou ensaio era sobre literatura e jornalismo. Analisava-se o uso, benefícios e prejuízos para o profissional e para o leitor, dos recursos da literatura no jornalismo. Comecei o trabalho usando o exemplo da frase:  ‘o presidente fechou o guarda-chuvas’ e colocava algumas situações em que ela poderia estar. Se numa legenda de foto na capa de um jornal uma conotação, factual, por necessidade do ofício. Se no início de uma novela ou romance, a que o escritor quisesse, conseguisse.

Lembrei dela agora porque não param de pipocar nas redes, desde ontem, posts onde uma foto – e o tempo de uma foto quase todos sabem que é um tempo ínfimo na vida de qualquer pessoa, mais ínfimo ainda torna-se no das pessoas públicas – é usada para tentar passar aos incautos a ideia de que a possível candidata Marina Silva não é digna de dirigir a república, pois a flagraram sorrindo durante o velório  do Eduardo Campos.

Tenho várias razões para não votar na Marina, muito semelhantes às que tenho para não votar em outros e outras, mas obviamente a decisão não se baseia numa fração de segundo da vida de nenhuma delas.

Nestes tempos em que a famosa frase de Glauber Rocha “uma câmera na mão, uma ideia na cabeça” deixou de ser uma possibilidade sonhada, quando cada um é capaz de produzir seu conteúdo e passar sua mensagem através de um aparelho que cabe na palma da mão, a distinção a ser feita entre os bons e maus comunicadores é a mesma de sempre: quem contextualiza e procura abordar os vários sempre existentes ângulos de qualquer fato e os que agem movidos pela tentativa de disseminar e impor seu ponto de vista. 


Aos últimos minha lástima. Estão mal utilizando seu tempo, seu conhecimento, sua auto-função como propositores do ‘fazer diferença’ neste vasto e cada vez mais aberto, mundo da comunicação. E um recado: as palavras e conteúdos de seus posts, se eles não pretendem ser um romance, podem fazer mais estragos na sua imagem do que a foto de uma pessoa pública. O momento da foto, aliás, foi explicado ontem, por um dos clicados

21 abril, 2014

Petróleo movediço

Pangea. Imagem original de @korelmis
por Ildo Sauer*
do Estadão

As disputas que envolvem a Petrobrás transcendem os argumentos e motivações até agora enunciados. Estão vinculadas ao papel da apropriação social da natureza, particularmente da energia, para garantir a existência humana. Recursos com caraterísticas especiais, como o petróleo, têm permitido incrementar de forma extraordinária a produtividade do trabalho socialmente incorporado no processo de produção e, dessa forma, gerar excedente econômico. A partir do início do século passado o petróleo ocupou espaço central nas relações geopolíticas e nos conflitos, tendo como protagonistas as Sete Irmãs (as grandes do petróleo) e a disputa pelo acesso e controle dos recursos. A disputa do excedente está no foco das guerras, disputas, traições, invasões, golpes (Irã, Iraque, Líbia, etc.).

No pós-guerra, com a descolonização, os países centrais abriram mão dos territórios ocupados, mas não do controle sobre o petróleo e de outros recursos essenciais para a acumulação. A criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), em 1960, quando as petrolíferas internacionais ainda controlavam mais de 80% das reservas, abriu a disputa entre os países detentores dos recursos e as empresas e governos centrais que controlam a produção e consumo, e assim, o excedente. Os choques de 1973 e 1979 foram as primeiras tentativas, frustradas, dos países da Opep de se apropriarem de fatia da renda petrolífera. Esse quadro se alterou a partir de 2005 pela articulação entre a Opep e a Rússia, que já controlavam mais de 90% das reservas de petróleo. Lograram impor o preço acima de US$ 100 por barril, que é o custo de produção de líquidos com carvão, a única fonte alternativa com potencial de atender a toda a demanda.

Hoje os custos diretos de produção do petróleo, apenas capital e trabalho, sem transferências, impostos, taxas, situam-se entre US$ 1 (Arábia Saudita) e US$ 15 (pré-sal no Brasil e xisto, um petróleo não convencional, nos Estados Unidos) por barril. Com preços acima de US$ 100, emerge a renda petroleira de cerca de US$ 2,5 trilhões a US$ 3 trilhões, para uma produção bruta mundial de US$ 80 trilhões. Essa é a raiz da feroz disputa geopolítica. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, formada por 34 países para promover a democracia e o livre mercado) e a China buscam, via difusão dos recursos não convencionais (xisto), biocombustíveis, aceleração de novas fronteiras como pré-sal, Golfo do México e África, promover uma oferta capaz de afetar a coesão da Opep e Rússia para manter o equilíbrio entre produção e demanda e, com isso, os preços elevados.

Nesse contexto, a Petrobrás, com uma trajetória cinquentenária de avanços tecnológicos e com uma nova visão estratégica implantada a partir de 2003 (quando valia US$ 15 bilhões), ascendeu aos holofotes globais. Passou a priorizar a pesquisa e exploração no País e no exterior, a promover o uso do gás natural como substituto local do petróleo e a promover o desenvolvimento de fontes renováveis: biocombustíveis, eólica, solar. A descoberta do pré-sal foi resultado dessa estratégia, assim como a trajetória de valorização, superior à das demais petrolíferas, no mesmo ambiente de preços. Em fim de 2007, valia mais de US$ 250 bilhões. Os planos de investimento acompanharam a expansão, superando dezenas de bilhões por ano. Com os altos preços do petróleo, a renda petroleira, minúscula até 2005, aproximou-se dos US$ 70 bilhões anuais, sendo desperdiçada, sem objetivo estratégico, em royalties, participações, lucros e gastos correntes.

A renda petroleira poderá chegar a cifras monumentais, dependendo da confirmação das reservas do pré-sal, de US$ 200 bilhões a US$ 500 bilhões anuais, capazes de propiciar transformações radicais nas condições de vida do País. Porém, a exuberância de recursos, contratos e escolhas enseja desafios e armadilhas.

A Petrobrás, mais que antes, tornou-se objeto de interesse agudo da base política e econômica de sustentação do governo, dos acionistas e dos consumidores. As antigas práticas dos governos de coalizão de conceder franquias a grupos políticos nomeando despachantes de interesse em estatais e órgãos públicos avançam. Ocupando os cargos, privilegiam as empresas e empresários simpáticos aos partidos e políticos patrocinadores em detrimento dos legítimos interesses e obrigações, com abandono de projetos essenciais e implantação de outros inadequados.

A democracia, que prometia o resgate da dívida social, metamorfoseia-se com características de cleptocracia. Acirra-se a disputa pelo butim. Os acionistas buscam a valorização das ações, os consumidores, especialmente os de insumos industriais e do transporte individual, querem preços mais baixos. O governo atropela a lei para controlar o índice inflacionário, impondo preços subsidiados. O povo, pelo artigo 20 da Constituição é proprietário do petróleo e dos potenciais hidráulicos, e pelo artigo sexto tem assegurados direitos sociais à educação, saúde, moradia e outros, mas continua excluído.

Surgem, na esteira de Pasadena, investigações, debates e a CPI para tratar de problemas de vulto muito maior, sumidouros de riqueza pública. A Petrobrás precisa explicar os custos fora do padrão em Abreu e Lima, no Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), no gasoduto Urucu-Manaus, SBM e assemelhadas. Também os processos e valores obscuros da venda dos campos de petróleo, já em produção, na África e no Golfo do México, da venda de ativos e de reservas no Brasil. Há ainda o danoso leilão de Libra e as tergiversações sobre as responsabilidades do Conselho de Administração e dos dirigentes. Se as investigações e debates elucidarem os conflitos e abrirem espaço para o povo se assenhorar do petróleo e da Petrobrás, para construir sua autonomia e resgatar seus direitos, com o mínimo da democracia, o País terá avançado.
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*Ildo Sauer é PhD pelo MIT,
professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP
e ex-diretor de gás e energia da Petrobrás, de 2003 a 2007.


09 abril, 2014

Espelhos

por Denise Queiroz

setembro de 2012, arquivo pessoal
Meu pai nasceu em 1913. Trigêmeo e de parto normal lá naquele lugar que era só um povoado, no interior do Rio Grande do Sul. Revezavam-se ele e as irmãs para mamar, ora na vó, ora na ama de leite, a mãe do seu Euzébio, que jurava ser mais velho que o pai. Conheci os dois já quando estavam com os cabelos esbranquiçando. Seu Euzébio ensinou, a quem quis aprender, os sinais que os passarinhos nos dão. ‘Pica-pau bicou no telhado’ ele já ligava o radinho de pilha pra saber quem tinha falecido. Além da natureza e de terem mamado na mesma mãe, sabiam da cidade quem ‘prestava’ e de quem deveriam manter distância.

Numa tarde, quando já morávamos na cidade - os irmãos mais velhos já em cidades maiores para estudar - pára um carro na frente. Cidade pequena, todos sabiam quem tinha que carro. O pai lá nos fundos, cuidando da lenha. Fomos, minha irmã e eu avisar que o seu fulano, um vizinho lá de fora que só conhecíamos pelo nome, estava lá. O pai arregalou bem arregalados os olhos azuis, escorou com cuidado o machado e foi andando até a pia para lavar as mãos, que não usava para cumprimentar aquela pessoa.

Na frente da casa soltou um 'buenas' seco e depois um 'pois não'. O outro anunciou a que veio. Alguma rês ferida ou morta, alguma cerca rompida, não lembro. “Vamos, te levo”, disse o vizinho. “lhe agradeço, vou no meu auto”. E o pronome lhe deixava claro o tipo de proximidade que tinha ou queria com o outro. Foram, cada um no seu veículo, acho que resolveram o problema.

E a outra cena que tenho lembrado muito nestes dias é do meu irmão, moleque, chegando correndo em casa num final de tarde, anunciando que o Brasil tinha ganho a copa. Acho que era a de 70. Pulava faceiro na área dos fundos e contava que lá no café e no hotel, lugares que tinha TV e onde todos se reuniam para ‘ver o mundo’, estava a maior festa. O pai olhou pra ele e disse “Muito bem, que comemorem. A vaca ta lá esperando o pasto” (era uma das tarefas desse irmão, cortar o pasto para a vaca que a mãe ordenhava toda manhã).

Conto estas passagens só para esclarecer que não vejo defesa possível para alguém usar favores de pessoas sabidamente desonestas. Assim como não vejo defesa possível para que um evento bilhardário e midiático seja merecedor de tanta atenção e despesa. E nem é a vaca que está esperando o pasto.


02 abril, 2014

O limite para o escárnio virá das urnas?

por Denise Queiroz



Em meio à averiguação de um crime bárbaro, um dos investigadores é visto mandando uma mensagem para um dos suspeitos. A mensagem tranquiliza o destinatário, a investigação dá em nada, o crime hediondo fica sem punição, assim como o investigador.

A situação é absurda, mas, no entanto, real. Só não soube dela quem não quis, pois ocorreu à vista de todos e os protagonistas são figuras públicas. A ilicitude foi pauta nos noticiários por dias, em 2012. 

E nesta semana, às vésperas da instalação de outra CPI, fomos informados de que o atual vice-presidente da Câmara dos Deputados viajou com a família, para férias de verão, num jatinho do doleiro Alberto Youssef, preso desta vez pela operação lava-jato, da Polícia Federal.  Ele justificou o uso do jatinho : “As passagens aéreas estavam muito caras, ele tinha um jatinho e eu paguei o combustível”.

Pobre deputado, não? Será que temos que rever os salários destes dedicados servidores, eleitos para cumprir a Constituição do país (que prevê punição para favorecimentos e trocas de favores)? Com estes salários baixíssimos que recebem, é afinal plenamente justificável aliar-se e receber favores de conhecidos criminosos, não é Sr. André Vargas? Óbvio também que é mais barato pagar o combustível do avião do desinteressado amigo do que comprar uma passagem para viajar nos apertados assentos das companhias aéreas, onde teria que dividir espaço com gente 'normal'.

Estou com pena do deputado. Sério. Seguramente as verbas de gabinete também são tão baixas que ele nunca teve acesso aos jornais na época da CPI do Banestado, onde o seu querido amigo de 20 anos, que ele não sabia como ganhava o pão, ficou conhecido para além dos gabinetes.

Qual pessoa minimamente informada não ouviu falar do escândalo do Banestado? E dos nomes envolvidos? E também: que pessoa se relaciona com outra por 20 anos e não tem a mínima ideia da fonte do pão dessa pessoa? 

Talvez mais grave que pegar carona em jatinho de contraventor, seja tentar fazer todos de bobos. Ou isso escancara afinal o que pensam, lá dos gabinetes, com sua aura refrigerada, os que são alçados à categoria de condutores dos destinos de milhões de brasileiros?
 
Escárnio. Foi isto que vimos na CPI do Cachoeira, quando Cândido Vaccarezza, também petista, garantiu ao governador do PMDB do Rio que ele não seria investigado, naquela mensagem digna do submundo, “você é nosso, nós somos teu” . E escárnio é o que lemos nas declarações primárias do vice-presidente da câmara.

Infelizmente nós, que pagamos do próprio bolso para ler jornais ou assistir TV, sabemos que eles não são os únicos e que, também nos outros partidos, vários tem as mãos sujas. A diferença, para mim, é que nunca votei num deles nem participei ou fiz campanha para eleger qualquer de seus filiados.  

Mas, além de Vargas e Vaccarezza, me envergonham todos os outros membros e militantes dos diretórios do PT que tentam justificar com algo semelhante a ele fez, mas os outros também fazem, em vez de exigir a saída imediata deles do partido e dos cargos que ocupam - os quais, está claro, não têm a grandeza necessária para ocupar. 

Era outra a proposta, pois não?
  
Curar a raiz que atitudes como as desses dois senhores ajudaram a danificar, já não se pode mais. Mas não custa podar. 

28 março, 2014

A má-fé dos narradores desse jogo


por Denise Queiroz

A divulgação da pesquisa CNI-Ibope de avaliação do time com mando de campo,  esquentou a narração do Fla-Flu. De um lado os velhos colunistas da caquética tradicional e familiar mídia, vestindo camisas engomadas, alvoroçados com a perda da popularidade da artilheira em campo. De outro, os antigos sem camisa, descontentes com os números que tendem a barrar a euforia do já ganhou. Estes passaram a induzir seus leitores a desqualificar o último estudo, postaram que seria o mesmo estudo da outra semana. E, usando velhos jargões, atribuíram aos velhos narradores uma tentativa de manipulação. Em comum, a má-fé.

Os dados das pesquisas divulgadas nos últimos dias não agradam nem cá nem lá. Numa, feita e paga pelo Ibope, divulgada semana passada , a questão principal era a eleição. Questão simples: em quem você aposta para golear? Em caso de X se lesionar, em quem você apostaria? E se o Y sair no segundo tempo, quem você acha que faz gol?

Nessa, 43 por cento declarou continuar apostando na que foi escalada há quatro anos para golear o time adversário. E que não haverá segundo tempo. E também por aquele estudo, o time adversário - com jogadores desconhecidos da torcida, mesmo colocando todos titulares e reservas - não levaria. A torcida do favorito se alvoroçou e o clima de já ganhou tomou conta do estádio.

A outra pesquisa, divulgada quinta-feira 27 de março, mas feita na mesma data da anterior, com mesma amostragem - portanto ainda sem medir o estrago que a mancha na camisa causa à centroavante do time principal - foi saudada pelos tradicionais. Nela, o alerta de que algumas condições tem que ser levadas em conta para que o time principal consiga vencer. E que o time adversário tem condições de explorar as falhas que o favorito desconsiderou desde o último jogo.

Oras, oras. Não sei se estou velha, devo estar. Primeiro que, pesquisas, embora bons indicadores de caminhos a serem seguidos, refletem parte da realidade, uma pequena parte. Segundo que, mostrar aos leitores algo que não é real, como fizeram os narradores de ambos os times, induz ao erro e chama-se desonestidade.

Uma coisa é a pesquisa simples: você aposta em quem? Outra coisa é a tentativa de entender, através de um questionário mais elaborado, o que agrada ou não de cada um dos elementos que estão em campo. Aí entra o gramado, a iluminação, as condições climáticas, as decisões do técnico ao escalar jogadores, a situação do clube, o que empolga a torcida e o juiz.

Simples, né? Não.


Pesquisas onde muitas variáveis são questionadas levam mais tempo para terem seus dados codificados e transformados em gráficos e tabelas. E por esta razão, tendem a ser melhores indicadoras de caminhos que aquelas que só perguntam qual time você acha que ganha ou qual time você quer que ganhe. Dizer que uma e outra são iguais ou estavam prontas e não refletem a realidade é má-fé elevada à última potência. E a mentira não resiste a uma olhada no site do Ibope ou do TSE.

De todas formas, a estas alturas do ano e com tantas variantes a serem consideradas (as contas dos clubes, os preços dos ingressos, quantos torcedores vão comparecer ao estádio, a acessibilidade, organização das filas, jogadores lesionados que podem estar em condições de entrar em campo até junho, outros que podem se lesionar, quem vai arbitrar etc) narradores apressados e que dão o jogo por ganho, só tendem a cair no descrédito. 
Lástima. Alguns deles eram bons antes de serem contratados pelos patrocinadores das camisas.

22 março, 2014

Rede: a mesma que bate, afaga

Encontrei o vídeo que segue hoje cedo na minha caixa de mensagens do Twitter. E no friozinho desta manhã, as lágrimas foram aquecendo um pouco! 

Desde domingo passado, quando recebi o e-mail do Alex contando a literal barbaridade que aconteceu com sua filha e solicitando ajuda para fazer uma corrente – que inicialmente foi feita por e-mail e no final do dia postando no blog, com autorização dele -, não sei quantas mensagens de agradecimento já me enviou. Também não sei quantas mensagens de solidariedade recebi e repassei, e em quantas mensagens diretas colei o número da conta bancária dele, para pessoas que queriam ajudar.

Mas, diante do depoimento que ele dá neste vídeo, digo: não agradeça mais Alex! Cada um aqui que leu tua carta foi capaz de se colocar no teu lugar e tenta auxiliar um pouco. Mas o grande exemplo vem de vocês. As decisões que tomam, as providências e a forma de encarar o que aconteceu são alertas do quanto temos por resgatar de nossa humanidade. Parabéns pela tua grandeza e por te manter fiel aos valores mais profundos que nossa sociedade esquece de cultivar. Parabéns pelo exemplo que, com esse proceder, dás a tuas filhas e a todos nós! E um agradecimento enorme por, em meio a tanta dor, nos lembrar desses valores e de que sim, podemos construir outra forma de convivência!

Escutem. Assistam (assim, no imperativo mesmo). Há reflexões valiosas aqui. E no textinho abaixo do vídeo, alguns links. 



Alex cita no vídeo toda ajuda que recebeu de amigos, desde os que o conhecem pessoalmente até os que só o conhecem pela @ do twitter ou pelo perfil no facebook. De minha parte, agradeço a todos que ajudaram a compartilhar o post, o replicaram em seus blogs e nos seus perfis nas redes. Que essa corrente siga e que através disto possamos praticar mais a solidariedade e fazer uma corrente de convivência mais digna. O exemplo de que as coisas podem ser modificadas está aí.  

Para os que não viram, o post está aqui (link).
E para saber mais detalhes sobre a postura da escola e o processo de bullying, leiam o post publicado ontem, com outro depoimento dele, no Fematerna, com o título "Um estranho salvou minha filha". 
Aqui o vídeo onde Giulia nos agradece.
Aqui o link sobre justiça restaurativa, uma nova perspectiva para resolver conflitos.

O arrastão

por José Miguel Wisnik
do Jornal O Globo

O porta-malas que escancarou uma realidade acostumada a existir na sombra
Estarrecedor, nefando, inominável, infame. Gasto logo os adjetivos porque eles fracassam em dizer o sentimento que os fatos impõem. Uma trabalhadora brasileira, descendente de escravos, como tantos, que cuida de quatro filhos e quatro sobrinhos, que parte para o trabalho às quatro e meia das manhãs de todas as semanas, que administra com o marido um ganho de mil e seiscentos reais, que paga pontualmente seus carnês, como milhões de trabalhadores brasileiros, é baleada em circunstâncias não esclarecidas no Morro da Congonha e, levada como carga no porta-malas de um carro policial a pretexto de ser atendida, é arrastada à morte, a céu aberto, pelo asfalto do Rio. Não vou me deter nas versões apresentadas pelos advogados dos policiais. Todas as vozes terão que ser ouvidas, e com muita atenção à voz daqueles que nunca são ouvidos. Mas, antes das versões, o fato é que esse porta-malas, ao se abrir fora do script, escancarou um real que está acostumado a existir na sombra.

O marido de Cláudia Silva Ferreira disse que, se o porta-malas não se abrisse como abriu (por obra do acaso, dos deuses, do diabo), esse seria apenas “mais um caso”. Ele está dizendo: seria uma morte anônima, aplainada pela surdez da praxe, pela invisibilidade, uma morte não questionada, como tantas outras. Noto que a família foi econômica em adjetivos, soube tratar acontecimentos tão terríveis e dolorosos como substantivos, e inspira uma dignidade que nos coloca, infelizmente através da tragédia, diante da força de alguma coisa que podemos chamar ainda, apesar de tudo que advoga em contrário, de povo brasileiro.

Que a pessoa agonizante seja colocada num porta-malas, e que esse porta-malas, por ironia, por um lapso analítico, por incompetência cósmica, se abra com o carro em movimento, que ainda assim essa pessoa tombada fique presa por um fio de roupa, por um trapo que não se rompe pela força do atrito nem pela velocidade do veículo, que nesse lapso de tempo haja alguém que filma esse filme surreal exposto às nossas retinas fatigadas — toda essa cadeia de acasos produz um espetáculo sinistro que nos diz respeito pelo que tem de não familiar e de profundamente familiar. É uma imagem verdadeiramente surreal, não porque esteja fora da realidade, mas porque destampa, por um “acaso objetivo” (a expressão era usada pelos surrealistas), uma cena recalcada da consciência nacional, com tudo o que tem de violência naturalizada e corriqueira, tratamento degradante dado aos pobres, estupidez elevada ao cúmulo, ignorância bruta transformada em trapalhada transcendental, além de um índice grotesco de métodos de camuflagem e desaparição de pessoas. Pois assim como Amarildo é aquele que desapareceu das vistas, e não faz muito tempo, Claudia é aquela que subitamente salta à vista, e ambos soam, queira-se ou não, como o verso e o reverso do mesmo. O acaso da queda de Claudia dá a ver algo do que não pudemos ver no caso do desaparecimento de Amarildo. A sua passagem meteórica pela tela é um desfile do carnaval de horror que escondemos. Aquele carro é o carro alegórico de um Brasil, de um certo Brasil que temos que lutar para que não se transforme no carro alegórico do Brasil.

O deputado Iranildo Campos, do PSD, relator da proposta do novo código disciplinar para a PM e o Corpo de Bombeiros, afirma, comentando o ocorrido, que “presídio foi feito para bandido, não para policial”. Seria bom se a frase significasse que policial foi feito para ser policial, não para ser bandido. Mas ao desconhecer, ou ocultar, o fato de que esses polos opostos se cruzam numa zona de sombra, que é preciso identificar, esclarecer, erradicar, então a frase passa a significar que a lei é só para uns, e não para outros. Sendo que a lei é, por definição, a instância impessoal que se aplica a todos, a começar por aqueles que a efetuam como representantes do monopólio da violência pelo Estado, violência regulada pela lei. “Sou pobre, no particular. Mas eu quero é a lei...”, diz um personagem de Guimarães Rosa, em “Primeiras estórias”. É o que eu sinto na família de Claudia, firme e não movida pelo ódio. No Brasil, a aplicação da lei, por si só, já seria revolucionária.

A cena filmada no último domingo sinaliza uma espécie de situação-limite. É preciso refundir a instituição, é preciso desmilitarizar a polícia. Muitas são as forças capazes de contribuir para isso, de forçar o sistema político a sair dos seus mecanismos crônicos de autorreferência, e de lançar luz na confusão fusional brasileira.

16 março, 2014

Contra a violência, solidariedade

Imagine abrir a porta da sua casa e dar de cara com um desconhecido ao lado de sua filha de 12 anos que está machucada, sangrando, chorando e tentando entender o que fez de errado. Essa foi a cena que um grande companheiro das redes sociais viveu semana passada. Sua filha lhe foi entregue em casa por uma pessoa que ele nunca havia visto antes, mas que a salvou da agressão brutal que sofria.

O crime ocorreu numa rua de um bairro da zona norte de Porto Alegre, na saída da escola pública onde as três filhas dele estudam. Os agressores são colegas que, além de espancá-la, gravaram tudo em celular e espalharam nas redes sociais.

Abaixo reproduzo o relato que o @oalex_henrique enviou por e-mail. Não vamos reproduzir o vídeo no blog, pois o mesmo contém imagens de menores de idade, que pela lei devem ter sua imagem protegida.

Fica aqui nosso apelo enorme por solidariedade no que for possível. Pedimos também a quem trabalha no Estado, Secretaria de Educação e outros órgãos, para que atentem com muita urgência e dedicação, pois embora desta vez nos sensibilize muito mais por tratarem-se de pessoa que conhecemos, não são raras as notícias de fatos do tipo em todas as partes. 

Contatos podem ser feitos a partir da caixa de comentários do blog, na página dele do facebook e pelo e-mail slargher@gmail.com .

O relato:

 “Meu nome é Alexsandro, sou pai de três lindas filhas, de 17, de 12 e de 10 anos, e o que vou relatar a seguir após três noites sem dormir passa por cima do pouco orgulho que me resta, devido ao desespero.
Tenho 36 anos e sou estudante de graduação de História (licenciatura) graças ao FIES (financiamento estudantil) e a ajuda de poucos amigos amados que me incentivaram e me ajudaram a realizar esse sonho, que foi entrar na faculdade. Escolhi história por achar o mundo injusto, por discordar de um sistema que oprime os seres humanos e que algo deveria ser feito, nenhum lugar melhor que a sala de aula ao meu entender, quero ser professor.
Estou desempregado, não por escolha, mas por sofrer de uma doença que tenho a mais de 10 anos, que é a depressão e a síndrome do pânico, o que dificulta muito a permanência em empregos, pois cada vez que o ciclo da doença volta, acabo faltando, logo, não há empresa que compreenda isso e em muitas, por vergonha, nunca expus minha real condição. Estudar é outra tarefa penosa, não fosse a compreensão de meus mestres professores da faculdade já teria sido reprovado em muitas cadeiras por faltas. Estou no 5º semestre e com o fato recente que aconteceu com minha filha Giulia pretendo trancar a faculdade, ao menos por enquanto, explico no texto a seguir:
Minha filha é uma criança especial, nasceu prematuramente, pois a bolsa da mãe rompeu muito antes do tempo, o que acarretou em problemas pulmonares, ela sofre de asma. Desde a infância percebemos que ela precisaria de cuidados especiais, e sempre que pudemos estivemos ao lado dela. Sua vida escolar não é fácil, ela tem um ritmo diferenciado de outras crianças, tem muita dificuldade em aprender e tem um ritmo mais lento que outras crianças, o que resulta sempre em frustrações para ela e reprovações. Ela tem 12 anos e está no 5º ano a antiga 4ª série. É uma criança, que para os padrões estéticos atuais, está acima do peso, e por isso sempre sofreu bullying na escola desde as primeiras séries. Adjetivos como gorda, baleia e etc. fizeram parte da sua rotina e, como conseqüência, a autoestima dela foi cada vez ficando mais baixa. Com isso desenvolveu a timidez e uma grande dificuldade de relacionamento com outras crianças, além de uma dermatite crônica emocional, que ataca principalmente suas mãos e pés, que viram em feridas graves, se não tratadas.
Ano passado, ela foi agredida na escola por colegas na cidade onde morava e na tentativa de socorrer minha filha, trouxe ela pra morar comigo e a transferi para uma escola em Porto Alegre, perto da minha casa, até que a mãe dela conseguisse alugar uma casa aqui perto de onde eu moro com minha filha mais velha. Passaram-se alguns meses, a mãe dela conseguiu vir pra cá e trouxe a nossa filha menor também, e hoje, as três estudam na mesma escola.
Infelizmente, desde o ano passado, na escola em que minhas filhas estão estudando, ela vinha sendo ameaçada, zombada e etc. e por ter apenas 12 anos, mais as dificuldades que relatei acima, nunca soube se defender ou ficar imune a estas “perseguições”. Por mais que tentássemos ajudar e aconselhar, em seu pensamento ela é burra, feia e gorda, como todos os colegas dizem pra ela todos os dias. E desde então, foi perdendo a alegria de viver.
O motivo de meu apelo vem a partir dos fatos que ocorreram esta semana, pois minha filha na saída da escola, nesta quinta-feira, foi cercada por 8 meninas e alguns meninos, onde uma delas a agrediu violentamente, com socos, pontapés no rosto e foi arrastada pelos cabelos na rua ao lado de sua escola, foi salva por um cidadão que estava passando quando estava prestes a desmaiar, que a trouxe pra casa e me relatou o ocorrido, pois segundo ele, que agora é meu herói, ela estava sendo linchada em via pública e ninguém fazia nada.
Não desejo que nenhum pai ou mãe passe pelo que passei ao ver minha filha naquele estado, é de se perder a racionalidade.
Não bastasse a violência, um menino gravou em vídeo, e esse vídeo foi publicado nas redes sociais e compartilhado em toda escola via bluetooth e wathsapp. Minha filha virou motivo de deboche e cyberbullying. Crianças dos 9 aos 16 anos assistem ao vídeo e continuam compartilhando.
Foi assim que uma coleguinha de sala, de 11 anos me adicionou no Facebook e disse que tinha visto vídeo, pois passaram pra ela também, e que estava chorando preocupada com o estado da Giulia. Conversei com ela, acalmando-a e a mãe dela, foi assim que consegui uma cópia e ter acesso ao viral que está na internet e na escola. Vi e ainda não tenho palavras pra descrever o que fizeram com minha filha.
Minha filha agora está com medo de sair na rua, não quer ir à escola, chora aos soluços toda vez que se lembra do ato e que todos na escola estão vendo o vídeo onde ela foi surrada e arrastada na rua, só pensa em morrer. Chegou a pensar que tudo é culpa dela, pois não deveria ter nascido, e do jeito que é a vida dela, prefere morrer. (nas crises de choro ameaça tirar a própria vida). Com isto, não deixamos ela sozinha um minuto sequer, tentando confortá-la e dar todo amor que sempre sentimos por ela.
O meu desespero é tamanho, que estou apelando através desta carta por qualquer ajuda. A mãe dela, uma batalhadora, trabalha como temporária em uma loja de roupas em Porto Alegre quase 10 horas por dia, ganha 800,00 de salário e paga 540,00 só de aluguel para morar aqui com as nossas duas outras filhas. Veio para Porto Alegre por achar que aqui sua filha estaria segura. Está com o aluguel atrasado e o proprietário está cobrando 17,00 por dia de atraso, ameaçando expulsá-la até o fim deste mês caso não quite o débito.
Não bastasse eu estar doente, e ter gastado todas minhas economias tentando sobreviver sem emprego há quase um ano, as ameaças à minha filha continuam, pois segundo relatos que chegam até nós pelas redes sociais, estas meninas e meninos ainda querem pegar a minha filha novamente, pois não as deixaram “terminar o serviço”!
Preciso urgentemente arrumar um lugar seguro para elas morarem, percebemos que onde moramos não é mais seguro pra elas. Hoje estou juntando elementos para mover um processo crime contra estes agressores e um cível também, já tenho o vídeo e as mensagens postadas nas redes sociais, e duas testemunhas que presenciaram a cena (estou tentando convencê-los a testemunhar). Já registramos o BO no DECA e ela realizou exame de lesão corporal.
Nosso maior problema agora, é que nem eu, nem a mãe dela temos condições financeiras para fazer isso com urgência, estou procurando tratamento psicoterápico para minha filha, e o mais em conta que encontrei custa R$80,00/mês. Os remédios para tratar as feridas dela estão em falta na farmácia do SUS e segundo o posto de saúde aqui perto de casa, está em falta em Porto Alegre. E segundo o médico do posto, minha filha quando em crise de dermatite atópica emocional (acho que é esse o nome) não pode tocar em nenhum produto químico, nem suas roupas podem ser lavadas com sabão em pó, somente sabão neutro e, meias, só de algodão. Ela foi encaminhada ao dermatologista, pois no posto aqui do bairro só tem clínico e o tratamento por ele indicado não está dando resultado.
Enfim, estamos procurando casas ou apartamentos que aluguem direto com o proprietário, pois infelizmente não temos como alugar de imobiliária por estarmos registrados em órgãos restritivos. Tudo que tínhamos de limites de crédito acabou. E aqueles imóveis que estamos encontrando em meio a esse caos todo, pedem dois ou três meses de “caução”.
Por isto, no desespero, apesar de toda vergonha e culpa que carrego pela minha incapacidade de prover segurança às minhas filhas, peço aos amigos e amigas que puderem me ajudar, seria de grande esperança. Se souberem de alguma psicoterapeuta que faça algum trabalho voluntário com criança, algum dermatologista, pois temo que o SUS demore demais e, se puderem, uma ajuda financeira de qualquer valor.  A nossa situação está tão crítica neste momento que 1 REAL faz toda diferença. Qualquer sugestão será de grande ajuda!
Peço de coração aos amigos e amigas que assistirem ao vídeo que não culpem a agressora, apesar de toda a violência que ela usou contra a minha filha, sabemos que ela também é uma vítima desse sistema que vivemos e que destrói seres humanos e os transforma nisso que verão. Ninguém nasce odiando outro ser humano, aprende a odiar. Ela, assim com outras com o mesmo perfil violento, tenho certeza que cruzarão meu caminho na escola pública, e pretendo ajudar daqui alguns anos, formado e na sala de aula como professor de história, pois essa é minha causa de vida, é no que acredito. Só que agora, infelizmente, eu mal consigo ajudar as minhas filhas.
E se me permitirem a ousadia, peço também de coração, que conversem com seus filhos, irmãos, sobrinhos, enteados, afilhados e crianças que estudam em escola pública ou privada. Instrua-os a, sempre que puderem, que lhes contem o que está acontecendo nas escolas deles, que se virem um briga na escola que chamem os professores responsáveis, que ajudem a separar, que jamais filmem ou postem em redes sociais, que se receber por celular, que apaguem e não compartilhem mais, pois gestos como esse, podem salvar uma vida, e quem sabe até mais. Precisamos construir uma cultura de paz, de diálogo e de coexistência.
Sintam-se livres para compartilhar essa corrente que pensei no improviso e no desespero”.



PS através do envio deste mail durante a manhã para conhecidos e amigos, algumas pessoas já se comprometeram. Algumas com pequenas contribuições financeiras, uma pessoa se dispôs a pagar as sessões de psicoterapia e uma psicopedagoga se ofereceu para ajudar no tratamento das dificuldades de aprendizado e de inserção social. Ampliemos a corrente.

12 março, 2014

Facebook: um mapa das redes de ódio

O estudo com mapa dos grupos que usam as redes para disseminar a violência pode ajudar a entender por que alguns que pregam explicitamente contra os direitos humanos ainda recebem apoio de parcelas da sociedade e tem espaço na grande mídia. 


do Outras palavras 
por Patrícia Cornils, entrevistando Fábio Malini  

No dia 5 de março o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo, publicou um mapa de redes de admiradores das Polícias Militares no Facebook. São páginas dedicadas a defender o uso de violência contra o que chamam de “bandidos”, “vagabundos”, “assaltantes”, fazer apologia a linchamentos e ao assassinato, defender policiais, publicar fotos de pessoas “justiçadas” ou mortas violentamente, vender equipamentos bélicos e combater os direitos humanos.

Para centenas de milhares de seguidores dessas páginas, a violência é a única mediadora das relações sociais, a paz só existe se a sociedade se armar e fizer justiça com as próprias mãos, a obediência seria o valor supremo da democracia. Dentro dessa lógica, a relação com os movimentos populares só poderia ser feita através da força policial. Qualquer ato que escape à ordem ou qualquer luta por direitos é lido como um desacato à sociedade disciplinada. Um exemplo: no sábado, dia 8 de março, a página “Faca na Caveira” publicou um texto sobre o Dia Internacional das Mulheres no qual manda as feministas “se foderem”. Em uma hora, recebeu 300 likes. Até a tarde de domingo, 1473 pessoas haviam curtido o texto.

Abaixo o professor Fábio Malini explica como fez a pesquisa e analisa o discurso compartilhado por esses internautas. “O que estamos vendo é só a cultura do medo midiático passando a ter os seus próprios veículos”, diz ele. Explore as redes neste link.



Como você chegou a esse desenho das redes? O que ele representa?

É um procedimento simples em termos de pesquisa. O pesquisador cria uma fanpage no Facebook e passa a dar “like” num conjunto de fanpages ligada à propagação da violência. Em seguida, usamos uma ferramenta que identifica quais os sites que essas fanpages curtem. E, entre elas, quais estão conectadas entre si. Se há conexão entre uma página com outra, haverá uma linha. Se “Faca na Caveira” curte “Fardado e Armados˜há um laço, uma linha que as interliga. Quando fazemos isso para todas as fanpages, conseguimos identificar quais são as fanpages da violência (bolinhas, nós) mais conectadas e populares. Isso gera um grafo, que é uma representação gráfica de uma rede interativa. Quanto maior é o nó, mais seguida é a página para aquela turma. No grafo, “Polícia Unida Jamais será vencida” é a página mais seguida pela rede. Não significa que ela tem mais fãs. Significa que ela é mais relevante para essa rede da violência. Mas a ferramenta de análise me permite ver mais: quem são as páginas mais populares no Facebook, o que elas publicam, o universo vocabular dos comentários, a tipologia de imagens que circula etc.

O que você queria ver quando pesquisou esse tema? E o que achou de mais interessante?

Pesquisei durante apenas uma semana para testar o método de extração de dados. Descobri que o Labic, laboratório que coordeno, pode ajudar na construção da cultura de paz nesse país, desvelando os ditos dessas redes, que estão aí, lotadas de fãs e públicas no Facebook. Assustei-me em saber a ecologia midiática da repressão no Facebook, em função da agenda que esses sites estabelecem.

Primeiro há um horror ao pensamento de esquerda no país. Isso aparece com inúmeros textos e imagens que satirizam qualquer política de direitos humanos ou ligadas aos movimentos sociais. Essas páginas funcionam como revides à popularização de temas como a desmilitarização da Polícia Militar ou textos de valorização dos direitos humanos. Atualmente, muitas dessas páginas se articulam em função da “Marcha pela Intervenção Militar”. Um de seus maiores ídolos é o deputado Jair Bolsonaro.

Após os protestos no Brasil, a estrutura de atenção dos veículos de comunicação de massa se pulverizou, muito tráfego da televisão está escoando para a internet, o que faz a internet brasileira se tornar ainda mais “multicanal”, com a valorização de experiências como Mídia Ninja, Rio na Rua, A Nova Democracia, Outras Palavras, Revista Fórum, Anonymous, Black Blocs. São páginas muito populares. Mas não estão sozinhas. Há uma guerra em rede. E o pensamento do “bandido bom, bandido morto” hoje se conformou em votos. Esse pensamento foi capaz de construir redes sociais em torno dele.

A despolitização, a corrupção, os abusos de poder, a impunidade, estão na raiz da força alcançada por essas redes da violência e da justiça com as próprias mãos. E não tenho dúvida: essas redes, fortes, vão conseguir ampliar seu lastro eleitoral. Vão ajudar na eleição de vários políticos “linha dura”. Em parte, o crescimento dessas redes se explica também em função de forças da esquerda que passaram a criminalizar os movimentos de rua e ficaram omissas a um conjunto de violações de direitos humanos. O silêncio, nas redes, é resignação. O que estamos vendo é só a cultura do medo midiática passando a ter os seus próprios veículos de comunicação na rede.

Você escreveu que “é bom conhecer e começar a minerar todos os conteúdos que são publicadas nelas.” Por que?

Porque é preciso compreender a política dessas redes e seus temas prioritários. Instituir um debate por lá e não apenas ficar no nosso mundo. É preciso dialogar afirmando que uma sociedade justa é a que produz a paz, e não uma sociedade que só obedece ordens. Estamos numa fase de mídia em que se calar para não dar mais “ibope” é uma estratégia que não funciona. É a fala franca, o dito corajoso, que é capaz de alterar (ou pelo menos chacoalhar) o discurso repressor.

É interessante, ao coletarmos e minerarmos os dados, notar que muitas dessas páginas articulam um discurso de Ode à Repressão com um outro pensamento: o religioso, cujo Deus perdoa os justiceiros. Isso se explica porque ambos são pensamentos em que o dogma, a obediência, constituem valores amplamente difundidos. Para essas redes, a defesa moral de uma paz, de um cuidado de si, viria da capacidade de os indivíduos manterem o estado das coisas sem qualquer questionamento, qualquer desobediência.

No lugar da Política enfrentar essas redes, para torná-las minoritárias e rechaçadas, o que vemos? Governantes que passam a construir seus discursos e práticas em função dessa cultura militarizada, dando vazão a projetos que associam movimentos sociais a terrorismo. Daí há uma inversão de valores: a obediência torna-se o valor supremo de uma democracia. E a política acaba constituindo-se naquilo que vemos nas ruas: o único agente do Estado em relação com os movimentos é a polícia.

O grafo mostra as relações entre os diversos nós dessa rede. Mas e se a gente quiser saber o que essas redes conversam? As PMs estão no centro de vários debates importantes hoje: o tema da desmilitarização. A repressão às manifestações. O assassinato de jovens pobres, pretos, periféricos. Esses nós conversam sobre essas coisas? Em que termos?

Sim, esses nós se republicam. Tal como páginas ativistas se republicam, tais como páginas de esporte se republicam. Todo ente na internet está constituindo numa rede para formar uma perspectiva comum. As ferramentas para coletar essas informaçoes públicas estão muito simplificadas e na mão de todos. Na tenho dúvida que as abordagens científicas das Humanidades serão cada vez mais centrais, pois a partir de agora o campo das Humanidades lidará com milhões de dados. É uma nova natureza que estamos vendo emergir com a circulação de tantos textos, imagens, comportamentos etc.

Você escreveu que “os posts das páginas, em geral, demonstram o processo de construção da identidade policial embasada no conceito de segurança, em que a paz se alcança não mediante a justiça, mas mediante a ordem, a louvação de armamentos e a morte do outro.” Pode dar exemplos de como isso aparece? E por que isso é grave? Afinal, na visão dos defensores e admiradores da polícia, as posições que defendem dariam mais “paz” à sociedade.

Sábado, 8 de março, foi o Dia Internacional da Mulher. Uma das páginas, a Faca na Caveira, deu parabéns às mulheres guerreiras. Mas mandaram as feministas se foderem. O post teve 300 likes em menos de meia hora e na tarde de domingo tinha 1473 likes. A paz só será alcançada com ordem e obediência, dizem. No fundo, essas redes revelam-se como repressoras de qualquer subjetividade inventiva. Por isso, são homofóbicas e profundamente etnocêntricas de classes. É uma espécie de decalque do que pensa a classe média conectada no Brasil, que postula que boné de “aba reta” em shopping é coisa da bandidagem.

Em Vitória, onde resido, em dezembro de 2013, centenas de jovens que curtiam uma roda de funk nas proximidade de um shopping tiveram que entrar nesse recinto para fugir da repressão da polícia, que criminaliza essa cultura musical. Imediatamente foi um “corre-corre” no centro comercial. Os jovens foram todos colocados sentados, sem camisa, no centro da Praça de Alimentação. Em seguida, foram expulsos em fila indiana pela polícia, sob os aplausos da população. Depois, ao se investigar o fato, nenhum deles tinha qualquer indício de estar cometendo crime. Essa cultura do aplauso está na rede e é forte. É um ódio à invenção, à diferença, à multiplicidade. É por isso que a morte é o elemento subjetivo que comove essa rede. Mostrar possíveis criminosos mortos, no chão, com face, tórax ou qualquer outro parte do corpo destruída pelos tiros, é um modo de reforçar a negação da vida.

Essas redes conversam com outras redes não dedicadas especificamente à questão das PMs? Vi, por exemplo, que tem um “Dilma Rousseff Não”, um “Caos na Saúde Pública” e um “Movimento Contra Corrupção”. Que ligações as pessoas ali estabelecem entre esses temas?

Sim, são páginas que se colocam no campo da direita mais reacionária do país. Mas isso também é um índice da transmutação do conservadorismo no Brasil. Infelizmente, o controle da corrupção se tornou um fracasso. Essa condição fracassada alimenta a despolitização. E a despolitização é o combustível para essas páginas. Mas a despolitização não é apenas um processo produzidos pelos “repressores”, mas por sucessivos governos mergulhados em escândalos e que são tecidos por relações políticas absolutamente cínicas em nome de alguma governabilidade.

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