31 julho, 2012

Emiliano José: Solidão em tela

Imagem: Scientific American


por Emiliano José
Do Viomundo

Tenho pensando na volatilidade do mundo. No tipo de sociedade que o avanço tecnológico possibilita. E me previno, ao pensar, em desenvolver uma reflexão saudosista, como se fosse possível voltar ao passado, e não é. Alguém há de desconhecer as maravilhas e possibilidades da internet? Creio que não. Tenho defendido como muita ênfase ser a internet o território da liberdade, uma assembléia onde todos podem se comunicar, um terreno que garante a transparência dos acontecimentos e que supera até mesmo as mídias tradicionais, normalmente ultrapassadas por simples cidadãos que, num canto do mundo, podem noticiar em tempo real coisas que as grandes redes midiáticas não teriam condições de fazê-lo.

Não são poucos os debates de que tenho participado sobre a internet, inclusive sobre o marco civil, projeto do governo, bom projeto, que tramita na Câmara Federal, e observo o pensamento conservador, querendo pensar antes na repressão aos internautas que nos seus direitos – estes, a principal preocupação do marco civil. Assim, deixo claro o quanto essa ágora contemporânea pode servir à humanidade. Em rede, os povos do mundo podem se conectar a todo instante, trocar experiências, desenvolver lutas, incentivar ideais de libertação, de superação dos atuais limites do homem, impostos por um modo de produção centrado no individualismo. Mas, não é apenas isso. Há outros aspectos.

O mundo virtual, que alguns teóricos já defendem não ser mais virtual, mas real, provoca impactos até pouco tempo impensáveis. Impactos profundos, observáveis no nosso cotidiano, e que merecem alguma reflexão, nem que seja como simples constatação. Às vezes, ao entrar num restaurante, me impressiona o volume de tablets. Calma, não pelos tablets, mas pelo uso deles. E não pelo uso, mas pelo fato de que são acionados sem cerimônia por casais. Às vezes, um deles observa o mundo no tablet, enquanto o outro contempla o vazio, entre melancólico ou entediado. Às vezes, os dois estão no mundo virtual, e só param quando a comida chega, e isso quando não continuam o exercício, o aparato ao lado do prato.

Outro dia, minha neta, Luiza,seis anos, ih, lá vem o avô, sentou à mesa comigo e meu filho, Teo, e começou a manipular o celular, nem bola dava pro pai ou pro avô. Tudo isso também num restaurante. Aliás, foi meu filho que me alertou para providências que ele e a galera dele tomaram para evitar a falta de comunicação quando saem. Todos são convidados, ou intimados, a colocar os celulares no centro da mesa, sem o direito de atender qualquer ligação. Aquele que ousar fazê-lo, paga a conta toda. Tem dado certo. Defesa da comunicação direta. Penso, ainda, e aí creio que há uma boa dose de nostalgia, nas cartas. As que celebram amizade. As que cantam o amor – aquelas que já foram chamadas de ridículas. Sumiram. Pra quê cartas se há o email, tão rápido e eficiente?

Esqueçam aqueles livros, são tantos, que tratam da correspondência entre pessoas, normalmente pessoas célebres, e que revelam tantos lados da personalidade dos missivistas. Não há mais a possibilidade do arquivo material dessa correspondência. Antes, dizia-se, foi Marx, que tudo que é sólido desmancha no ar. Estava certo – o email surge e desaparece num átimo. Ou não, claro, pode ficar na rede, sem muita utilidade. Uma carta de amor por email, um torpedo – estranho esse nome, não? – duram um segundo, um pouco mais a depender de quem os recebe, e depois desaparecem no ar. Amor líquido, diria o Bauman, não? Os sentimentos também sentem o impacto das novas tecnologias?

E quem disse que as respostas são fáceis? Quem disse sejam elas possíveis no turbilhão de mudanças a que estamos assistindo? As possibilidades abertas para a comunicação humana são extraordinárias, mas isso não quer dizer que não se corra o risco da solidão em meio à abundância, do homem encapsulado, tomado, seduzido pela tela, e subestimando as relações diretas. Pode ser um novo modo de viver, ao qual não chegamos, ainda, em toda a plenitude, mas do qual podemos estar muito próximos. Assim caminha a humanidade: tudo ficou mais simples e mais complexo. O sólido explode no ar.

Emiliano José jornalista, escritor e deputado federal (PT-BA).

30 julho, 2012

Baixou um Kassab no Fortunati?


Outro dia um post da Revista Bastião, no facebook, contava que "A Batalha do Mercado, evento mensal que celebra o rap freestyle no Centro de Porto Alegre, sofreu ontem (28/07) sua primeira intervenção policial. Sob a alegação de "estarem fazendo o trabalho deles", os policiais militares interromperam os duelos de rima e colocaram todos os presentes junto à parede. Após o contratempo, a Batalha continuou."

Hoje em visita ao RSurgente, a denúncia reproduzida abaixo. Pelo visto o higienismo de Kassab atravessou o Mampituba.



foto do forumzn.blogspot.com

do RSurgente

Moradora do bairro Auxiliadora, de Porto Alegre, envia relato sobre fato ocorrido na última quinta-feira, dia 19 de julho, envolvendo um grupo de moradores de rua que habitam aquela região:

“Como muitos sabem, há um grupo de moradores de rua que moram pela nossa zona. Eles têm cães e são muito apegados aos peludos. Muitas pessoas do bairro ajudam essas pessoas e seus cães com comida, roupas, calçados, cobertas, ração, vacinas, vermífugos, castrações, lonas plásticas para se abrigar da chuva e frio e até uma casinha de cachorro eles ganharam de uma protetora. Eles fizeram um abrigo de papelão e lona plástica para dormir nestas noites geladas e ali ficavam dia e noite, sem incomodar ninguém, no beco que fica entre a Felipe Neri e a 24 de Outubro.

Para surpresa e revolta de muitos moradores do bairro, no dia 19 vieram cinco viaturas da SMAM (Secretaria do Meio Ambiente) e da Guarda Municipal, fecharam o beco de um lado a outro e começaram, truculentamente, a pegar tudo e colocar nas viaturas, inclusive a casinha de cachorro bem amarrada em cima de um caminhão. Eles quase não deixaram os moradores de rua pegar nada, jogaram tijolo em cima do Luciano – morador de rua. Enquanto ele pegava seus documentos, outros pediam calma, várias pessoas que sempre ajudam saíram chorando do local. Um casal amigo pegou a cachorra Ágata e afastou deles, pois, ela ficou muito estressada com toda essa agressividade.

Os moradores de rua ganharam coisas das pessoas do bairro, não é nada roubado não. Queremos saber que fim levaram todas as coisas que demos para eles. Onde está a casinha da Ágata, por exemplo? Onde estão as cobertas , edredons, cobertores, tênis, sapatos, blusões de lã, ração para os peludos, colchão, lonas plásticas, panelas, cordas em metro para segurar as lonas, travesseiros, potes para comida e água e muito mais. Para onde levaram todo esse material?

Assim como muita gente aqui do bairro, também estou desolada, revoltada e indignada com esta atitude tão mesquinha, violenta e reprovável da SMAM e da Guarda Municipal. Não avisaram nada antes, poderiam ter falado com os moradores e dito que eles não poderiam ficar ali, dando tempo para que procurassem outro lugar. Mas não, chegaram derrubando tudo e botando as coisas nas viaturas e caminhão.

Coincidentemente, isso ocorreu no mesmo dia da inauguração de uma casa noturna bem próxima ao local, que funciona até altas horas fazendo barulho.

Estamos revoltados, pois esses moradores de rua já têm laços com essa comunidade e agora estão de novo, eles e os cães, dormindo ao relento, sem cobertas ,sem a casinha do cachorro, sem as roupas doadas, neste frio. Isso é solução? Como será na época da Copa? Vão colocar os mendigos no paredão e metralhar?”


Censura, internet e verbas publicitárias


Reproduzimos matéria da TVT em que a @Maria_fro e o @BlogdoMiro avançam um pouco mais na discussão da tentativa tucana de censura aos blogs e no tema das verbas publicitárias, já discutidas neste blog, no texto Os tucanos e os tiros no pé.



Para ir além: 


Os tucanos e os tiros no pé
Ação contra blogosfera levanta debate sobre relação entre publicidade, PSDB e mídia tradicional
A crença míope nos superpoderes de blogueiros

25 julho, 2012

Os tucanos e os tiros no pé


O velho tema da distribuição das verbas publicitárias oficiais ganha visibilidade com a ação que o PSDB resolveu impetrar contra alguns blogueiros que, por terem anúncios de órgãos oficiais em seus blogs, são acusados de fazer propaganda do governo e ‘ataques’ à oposição.

O argumento é pífio, pois a maior fatia da verba publicitária oficial continua indo para os mesmos cofres desde que a imprensa no Brasil existe. E isso não impede a crítica ferrenha - e a falta de respeito a princípios éticos básicos do jornalismo - que a velha mídia estampa diariamente nas suas páginas, ondas e telas, sobre algumas ações do governo que a sustenta.

No artigo 37, inciso 1º da Constituição está que “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos."

Se é principio constitucional, que se cumpra, mas com as limitações do bom senso. O que aí se regulamenta nada mais é do que a necessidade (levando em conta a dimensão e idiossincrasias do território e cultura nacional, super justificada) de publicizar, no sentido de tornar público, disponibilizar as informações oficiais para que o povo possa acompanhar o que está sendo feito com o nada irrelevante dinheiro dos impostos. Não está escrito - e seria o cúmulo do absurdo se estivesse - que as verbas oficiais devam ser destinadas a este ou aquele veículo.

Sob a ótica exposta na ação judicial dos tucanos, que utilizam a velha mídia como aliados de consciência e contas onde governam, em troca da panfletização de suas ações nada sociais, estariam sob suspeição todos os veículos - blogs, de alcance geográfico ilimitado, TVs ou rádio comunitárias, com raio limitado – que, por terem público diário maior ou equivalente ao dos veículos de sempre, cumprem a função constitucional de tornar públicos os atos do governo.

Em 10 anos com o PT no comando do país, embora a verba publicitária já seja melhor distribuída do que nos governos anteriores, ainda não temos um canal público de TV com sinal aberto, e tramita na câmara projeto que prevê a flexibilização do horário de transmissão da Voz do Brasil. Isso beneficia tanto os propagadores (veículos) quanto os intermediários (agências de publicidade que detém as contas, boa parte das vezes as mesmas que se encarregaram da campanha eleitoral dos então candidatos).

É interessante constatar que os mesmos partidos e nomes que pregam e cobram, pela velha mídia, a austeridade nos gastos públicos, não a pratiquem e nem cobrem do governo central a instituição de canais mais diretos de comunicação, o que, certamente, aliviaria substancialmente os gastos de hoje na propagação das ações dos governos.

E muito mais interessante constatar que, quando há melhor distribuição das verbas publicitárias - em meios onde é mais barato divulgar que nos costumeiros minutos e espaços super faturados da velha imprensa - a oposição sinta-se ameaçada.

Se tentar controlar as novas mídias é uma das estratégias da direita para se aferrar à frágil hegemonia eleitoral em municípios como São Paulo, parece que os tucanos mais uma vez apontaram para o próprio pé. Ficou claro que ainda não tiveram a capacidade de avaliar e entender que a internet é maior que os blogs (a imensa maioria sem anúncios de qualquer tipo) e redes sociais. É onde os cidadãos expõem seu olhar sobre os fatos e exercem, sem intermediários, o sagrado direito à comunicação.


Leia também 

Ação contra blogosfera levanta debate sobre relação entre publicidade, PSDB e mídia tradicional



24 julho, 2012

A crença míope nos superpoderes de blogueiros



Do Viomundo
por Luiz Carlos Azenha

Confesso que, de uns tempos para cá, minha tolerância com a hipocrisia é próxima de zero.

Acho perda de tempo participar de polêmicas cuja função essencial é mascarar a realidade, além de alimentar o desejo de alguns por circo.

Circo move tráfego na rede.

A ação do PSDB relativa aos blogueiros Paulo Henrique Amorim e Luís Nassif não busca debater o essencial, ou seja, o uso do dinheiro público em publicidade ou propaganda. Se buscasse, haveria de tratar do conjunto: quais são os gastos de governos federal, estaduais e municipais com propaganda? Quanto recebem a Globo, a Veja, a Folha e o Estadão proporcionalmente ao bolo? Os governos não poderiam reduzir estes custos investindo mais na internet, por exemplo, dada a crescente capacidade de disseminação de informações através das redes sociais? É viável fazer como o agora senador Roberto Requião, que quando governador do Paraná cortou todas as verbas publicitárias, a não ser as de campanhas de utilidade pública? Cabem políticas públicas para promover a pluralidade e a diversidade de opiniões?

Há outras questões, tão interessantes quanto. Deve um partido tentar definir a pauta de um blog eminentemente pessoal? Por que o anúncio de empresas públicas supostamente compra um blogueiro mas não compra um dono de jornal? Crítica é ataque às instituições? Ao criticar o Congresso, o governo federal ou o Judiciário os colunistas dos grandes jornais estariam ‘atacando as instituições’? Mas, se o financiamento dos jornais para os quais escrevem — ou das emissoras de rádio e TV nas quais trabalham — é feito parcialmente com dinheiro público, eles podem ‘atacar as instituições’ livremente e os blogueiros não? E a liberdade de expressão e o direito ao contraditório?

Trato destes temas com tranquilidade. O Viomundo, pelo menos por enquanto, é mantido com anúncios Google. O Leandro Guedes, que nos representa comercialmente, desenvolve ferramentas para que nosso financiamento seja proporcionado pelos próprios leitores. Desde que começou a fazer isso, há dois meses, não está autorizado nem a enviar os media kits (com dados de audiência, etc) a empresas públicas ou governos federal, estaduais ou municipais. Esperamos que a grande mídia siga nosso exemplo.

[Pausa para gargalhar]

Não sei o que moveu o PSDB. Provavelmente, pela escolha dos alvos, José Serra. Tenho comigo que algum mago, daqueles que cobram fortunas para fazer campanha, tenha concluído que existe uma relação entre a altíssima taxa de rejeição de Serra e a blogosfera/mídias sociais.

Não sei se o diagnóstico está certo ou errado, mas a cura é duvidosa. Parte do pressuposto de que blogueiros sejam capazes de mover legiões de internautas. A crença nisso é uma farsa, muitas vezes alimentada por quem está chegando agora ou está “investido” na blogosfera. Quem lida com os internautas no dia a dia e respeita a diversidade de opiniões descobre que este é um meio horizontal. Não é estruturado hierarquicamente. Não obedece a comandos. O valor das opiniões não está na autoridade, nem no currículo, nem no status do autor: deriva da qualidade, da lógica, da originalidade da argumentação. Deriva da capacidade de apontar algo que outros não notaram. De desvendar conexões encobertas. De colocar fatos em perspectiva histórica. De ajudar a concatenar e, portanto, fixar ideias que circulavam desconexas no “inconsciente coletivo digital”. Simplificando, quando a piada é boa ganha o mundo.

Aquela foto de Serra sobre o skate, na capa da Folha, pode ter sido feita num momento autêntico de descontração, mas cristalizou a imagem de um candidato tentando parecer o que não é: jovem. Se dezenas de milhares de pessoas perceberam isso ao mesmo tempo e puderam conversar sobre isso nas redes sociais — o que não poderiam ter feito no passado, quando dependiam de passar pelo crivo de um repórter, de um editor e do dono de um grande jornal e de escrever carta para a coluna do leitor – é culpa dos blogueiros?

Acreditar que dois blogueiros — ou duas dúzias — sejam capazes de mover a rede é subestimar a inteligência dos internautas. Ou alguém acredita que tem um comunista escondido embaixo de cada Curtir? Com ferramentas razoavelmente simples como o twitter e o Facebook, hoje cada leitor pode exercer como nunca seu direito de escolha, de interagir e de se fazer ouvir. É natural que quem vive no mundo das hierarquias rígidas estranhe, se sinta intimidado ou frustrado. O que está em curso nas redes sociais é o equivalente a uma segunda revolução do controle remoto.

Portanto, não estamos diante de uma tentativa do PSDB de defender as instituições ou de zelar pelo dinheiro público. Pode ser uma resposta exagerada ou míope diante de um fenômeno que o partido não consegue entender ou pretendia replicar e não consegue. Quem sabe exista um desejo subjacente de controle, de um ‘choque de ordem’ que preceda a privatização da crítica e do conhecimento intelectual, colocando ambos dentro de parâmetros aceitáveis pelo mercado (sobre isso, escreveu Slavoj Zizek). Ou é tentativa de intimidação, pura e simples.

É preciso defender e expandir o Estado de Direito

AI-5/1968

por Tarso Genro*
Do Carta Maior


Leio um texto de Bia Barbosa na “Carta Maior”, cujo título é “Brasil forjado na ditadura representa estado de exceção permanente”. Ele cobre um Seminário realizado em São Paulo, com a participação de importantes personalidades da esquerda intelectual do país e ativistas dos direitos humanos. A matéria informa que ali foi consagrado que o Brasil vive um “estado de exceção permanente”, condição ensejada pela própria Constituição de 88 ; que a “elite brasileira branca” permitiu-se molhar a mão de sangue e freqüentar e financiar câmaras de tortura; que a ditadura se retirou, não porque foi derrotada, mas porque cumpriu os seus objetivos; e que paira no Brasil, sobre os mortos e desaparecidos, um grande acordo do “não esclarecimento”.

O que parece (pelo menos pela matéria que foi publicada na Carta Maior), é que o radicalismo das visões ali expostas, joga para outro lado da cerca -para a cumplicidade com a transição conciliada - todos os que defendem que não há um “estado de exceção permanente” no Brasil, logo, quem não concorda com a estratégia política que parte desta constatação original (oposição extrema aos governos Lula e Dilma) é um cúmplice da legitimação do tal “estado de exceção permanente” em nossa democracia.

O suposto radicalismo desta análise levou - pelo menos alguns dos seus destacados representantes - a jogarem água no moinho da direita autoritária e neoliberal durante a chamada “crise do mensalão”, cujo objetivo, como se vê pelo destino de um dos seus mais destacados jacobinos da moral (o Senador Demóstenes), não era combater a corrupção, mas inviabilizar o governo democrático reformista do Presidente Lula. Certamente os que participaram daquele movimento fizeram-no pela concepção, ora esclarecida, de que vivemos numa “exceção permanente” e, assim, Lula encarnaria (como Líder no sentido schmittiano), a plena soberania estatal. Por isso poderia ditar reformas e mudanças profundas, inclusive expressamente de natureza anticapitalista, usando as prerrogativas da “exceção” para realizá-las.

Felizmente, a cobertura que a mídia lhes deu naquele momento, não somou a ponto de potencializar a derrota do Presidente. O resultado é que quase 40 milhões de brasileiros saíram da pobreza, começaram a comer e a estudar, o que aparentemente não sensibiliza os nossos teóricos da exceção.

Pretendo problematizar algumas das premissas ou conclusões, que aparecem na matéria para, logo após, deter-me um pouco mais na tese de que vivemos um “estado de exceção permanente”. Atento mais para este ponto, porque desta concepção medular podem partir conclusões graves para a não aceitação de uma estratégia democrática, no difícil processo de construção da democracia no país, tendo como referência a Constituição de 88. Validada a ideia de que estamos num “estado de exceção permanente” nos restaria, como estratégia central, buscar a quebra do atual Estado Democrático de Direito, pois -segundo os referidos críticos- este Estado é em si mesmo um “estado de exceção”.

Entendo que se isso acontecesse, estaríamos perante um tremendo retrocesso da democracia política no Brasil, que assim transitaria de mais liberdades políticas para menos liberdades políticas, de menos elitismo para mais elitismo, de mais coesão social e combate às desigualdades dentro do capitalismo para mais desigualdade e fragmentação social dentro do mesmo sistema do capital.

Parto, na minha análise, das seguintes convicções: é preciso defender e expandir o Estado de Direito no Brasil, mesmo que ele só garanta avanços lentos e moderados para reduzir as desigualdades; não vivemos nenhum “estado de exceção” no Brasil, mas um Estado Democrático de Direito, com democracia política limitada, como em todas as democracias, pela força que o poder do capital exerce sobre as instituições do Estado e sobre a própria política em quaisquer sistemas democráticos do mundo; a democracia atual permite a inclusão de milhões de pessoas na vida produtiva, na sociedade formal, na educação e na política, criando sujeitos sociais novos e novas demandas, que tendem a alargar a democracia econômica e social e bloquear as reformas neoliberais ainda em curso no mundo; finalmente, além de termos sido derrotados na luta pela derrubada da ditadura (o que ocorreu foi uma transição negociada), nosso processo de mudanças institucionais e econômicas é mais difícil, porque enfrentamos um ambiente internacional de derrota das idéias libertárias da esquerda socialista, “queimadas” pela nossa escassa capacidade de renovação e também pelo fracasso das ditaduras burocráticas dos partidos comunistas tradicionais.

Esta transição, que teve como conseqüência altamente negativa as “salvaguardas” para os criminosos civis e militares dos aparatos clandestinos ou institucionalizados da repressão, por outro lado teve o mérito de evitar uma guerra civil de conseqüências certamente brutais para o nosso país e que jogaria, na sua base, brasileiros contra brasileiros, já que as pessoas do povo –de ambos lados- são sempre a “bucha-de canhão” de qualquer guerra ou revolução.

Passo a dar uma outra versão das premissas que sustentam a conclusão da “exceção permanente” em nosso país. Não é verdadeira a tese de que a “elite brasileira branca” permitiu-se molhar a mão de sangue e freqüentar-financiar câmaras de tortura. A “elite brasileira branca” (categoria política e sociológica tipicamente populista, engendrada para cortejar emoções insanas), enquanto a ditadura lhe servia foi majoritariamente indiferente às câmaras de tortura, como foram a classe operária e as camadas médias da sociedade. Parte minoritária da elite branca, empresarial ou não, inclusive não apoiava a ditadura nem a tortura, mas preferia uma oposição acordada, por dentro do regime ou a oposição através do partido consentido, o MDB. Uma minúscula parte da burguesia brasileira (elite branca) financiou ou frequentou câmaras de tortura.

Não é verdadeiro, também, que a ditadura retirou-se porque foi vitoriosa. Ela, na verdade, foi acuada e desenvolveu uma bem estruturada retirada em ordem, sem ser vitoriosa, apoiada por amplos setores da burguesia (a tal “elite branca”), porque o seu projeto não tinha mais condições de ser sustentado social e politicamente. A ditadura recebia uma forte oposição no plano internacional e os cofres começavam a esvaziar-se em função da primeira e da segunda crise do petróleo. Um certo “estatismo” de Geisel -embalado por uma ideologia nacionalista de direita- só poderia ser fulminado pelo empresariado liberal, dentro da democracia, não por dentro de uma ditadura.

A ditadura também sofreu severos golpes, com fortes reflexos internacionais, tanto da esquerda armada como da esquerda que militava dentro do MDB, com grandes repercussões internacionais e no plano interno. O consenso que ela conquistara, com o desenvolvimento industrial e o emprego, dissolveu-se confrontado com uma dura luta política e a resistência armada.

Não há, no Brasil, finalmente, nenhum acordo de “não esclarecimento”. Pelo contrário, dentro da transição conciliada este tema tem sido tratado com arrojo e seriedade, sem fazer provocações às corporações da Forças Armadas. Não só pelas organizações que defendem os direitos dos familiares dos mortos e desaparecidos e militam na defesa dos Direitos Humanos, mas também pelo Estado. Este, com as Caravanas da Anistia, que instituímos no Ministério da Justiça (interpretando a Lei da Anistia), anistiou os guerrilheiros do PC do B, Lamarca e Mariguela, além de outras centenas de resistentes ou revolucionários.

Posso testemunhar, como orientador destas políticas de governo naquele período, que isso foi feito com o estímulo e o apoio do Presidente Lula e com a sustentação de parte da base do governo no Congresso. O STF é que, numa decisão lamentável, interpretou a Lei de Anistia como aplicável aos torturadores, acolhendo o sentido que o regime militar em recuo, emprestou à Lei na época da sua aprovação.

Esta interpretação trouxe, sim, para dentro da transição democrática, até agora, a imunização penal dos assassinos e torturadores, fato que não caracteriza um regime de “exceção permanente”, mas uma limitação das democracias que sucedem ditaduras militares e não emergiram de revoluções. Através da Comissão da Verdade e das centenas de comissões que deverão se abrir no país, reabrir-se-á o tema da impunidade dos assassinatos e das torturas, que a ditadura promoveu inclusive fora da sua própria legalidade arbitrária. A continuidade desta luta seria impossível num regime de “exceção permanente”.

Passo a analisar a tese da “exceção permanente”.

Carl Schmitt, jurista e filósofo alemão de formação católica que deu sustentação às teses do nazismo, foi o grande inspirador da teoria do “estado de exceção permanente”. Schmitt, embora não admitisse de forma expressa, deu um estatuto histórico ao “estado da natureza”, de Hobbes. Para Schmitt, a soberania do Estado não consiste no monopólio da coerção ou da dominação - fundamentado e organizado artificialmente pelo Constituinte - mas na capacidade de decidir acima do artifício das instituições criadas pela política. Na sua época, a política liberal-democrática, segundo ele, degradada durante a República de Wheimar.

A soberania é identificada por Schmitt diretamente com a força indiscriminada, ou seja, ela, a soberania, reside na força que permite agir para suspender a própria validade das leis, o que faz do ordenamento uma pendência da própria vontade do soberano que, para Schmitt, está presente no Poder Executivo: através do Presidente, do Ditador, do Líder, o sistema de direito instaurado (o ordenamento), está sempre “à disposição” de quem decide. A exceção, portanto, a capacidade de declarar a exceção, é a regra que define a própria soberania: o uso da exceção é o seu verdadeiro conteúdo e a garantia ou a suspensão do Direito, tanto na normalidade política e na estabilidade social, como na crise e na instabilidade.

No seu famoso e brilhante texto “O Fuhrer protege o Direito” - sobre o discurso de Adolf Hitler no Reichstag em 13 de julho de 1934 - Carl Schmitt, citando o próprio Hitler, faz um esclarecimento lapidar da sua teoria da normalidade e da exceção e, ao mesmo tempo, mostra como promove a exceção à condição de regra e fundamento do Estado soberano: “ O Fuhrer protege o direito do pior abuso, quando ele no instante do perigo cria o direito sem mediações, por força da sua liderança (Fhurertum) e enquanto Juiz Supremo: (e Schmitt cita Hitler) – “Nessa hora fui responsável pelo destino da nação alemã e com isso juiz supremo do povo alemão. O verdadeiro líder (Fuhrer) sempre é também juiz. Da liderança (Fuhrertum) emana a judicatura (Richtertum). Quem quiser separar ambas ou mesmo opô-las ou transforma o juiz no contra-lider (Gegenfuhrer) ou em instrumento do contra-líder e procurar paralisar (aus den Angeln heben) o Estado com a ajuda do Judiciário. Eis um método muitas vezes experimentado, da destruição não apenas do Estado, mas também do Direito.”

Mais adiante, Schmitt assevera dois fundamentos importantes da definição da exceção, como base da soberania estatal, ao criticar os juristas democráticos de Wheimar. Primeiro argumento: “Do mesmo modo o Direito Constitucional tornou-se, nessa corrente de pensamento, a Magna Carta dos que cometem alta traição e traem a pátria. Com isso o Judiciário se transforma em uma engrenagem de imputações (Zurechnungsbetrib), sobre cujo funcionamento previsível e por ele calculável o criminoso tem um direito subjetivo adquirido.” (Neste argumento, Schmitt fundamenta que a exceção deve estar disponível à vontade do líder, porque as garantias constitucionais do Estado de Direito Liberal Democrático, permitem que os criminosos contra o Estado -os revolucionários ou sociais-democratas, que apoiavam as conquistas de Wheimar - teriam a proteção do Judiciário, como guardião da Constituição, pois só ele poderia definir a “exceção”, segundo aquele ordenamento “artificial” do Estado de Direito).

Segundo argumento: “Todo o direito tem a sua origem no direito do povo à vida. Toda a lei do Estado, toda a sentença judicial contém apenas tanto direito quanto lhe aflue dessa fonte (o Líder, o Fuhrer). O resto não é direito, mas ‘um tecido de normas coercitivas, do qual um criminoso hábil zomba’.” (Neste argumento, ele identifica sem mediações o Líder com o Povo, depois de mostrar que esta vigilância dos interesses do povo –que é uma “comunidade concreta” como teorizava Schmitt- está na soberania do Estado, que , por seu turno é realizada pelo Líder (“fonte superior” do Direito).

Schmitt deixa claro, nesta parte do seu discurso teórico - sem nenhuma sofisticação diga-se de passagem - porquê o “Fuhrer protege o direito” e, principalmente, de quem ele protege: daquele povo concreto em movimento contra o Estado e contra o seu Líder. Assim, o “estado de exceção permanente” é a regra do ditador unipessoal, como executivo que comanda o Estado e como Juiz que decide sobre a suspensão das leis e do Direito – do ordenamento.

Dizer que no Brasil vivemos num estado de “exceção permanente” é um arroubo esquerdista e não uma formulação teórica séria. Tanto pode ser uma idealização de um regime democrático, que está num horizonte improvável, como uma abstração dos seus ideais de origem, plebeus e revolucionários. Também pode ser uma provocação à margem da História, para estimular que não se faça política dentro da democracia, pois num regime de exceção o que se deve perseguir, conscientemente, é a sua derrubada. Sim, a sua derrubada, pois a “exceção permanente” extingue a política e o crime, absorvendo ambos, internalizando-os no Estado, monopolizando, tanto a fabricação das leis como a sua violação impune.

A “exceção permanente” é, pois, a supressão radical das condições do Estado minimamente público, pois este se torna um grande ente privado, propriedade de um Líder, cuja força está na transformação do poder de polícia e do poder do sistema repressivo em força política, capaz de promover a sua aparente legitimação pelo terror e pelo silêncio.

O sucedâneo da Constituição de 88 é a democracia política, a inclusão social e educacional massiva. É o início da revolução democrática no Brasil, que tanto pode retroceder como avançar, aí restaurando a idéia do socialismo, conjugada com a democracia, a pluralidade política e a inserção soberana do país num mundo hostil e globalizado. A “exceção permanente” faria todos os democratas, socialistas ou não, comunistas ou não, esquerdistas ou não, encontrarem-se no fundo dos cárceres, para novamente revisar as concepções que lhes levaram à divisão ou à impotência.

(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul


22 julho, 2012

Montenegro e os pedágios invisíveis


Em tempo de infovia, além dos pedágios físicos, outros menos visíveis são cobrados. Como eles vem de negócios que só quem vê é quem se beneficia, acabamos pagando, e caro, pela informação que não deveria nunca ter sido vendida!
O @ddantaslemos dá dica da possível origem da abertura desse pedágio, denunciado pela Record.
  


No De Olho no Discurso


Operação Sinal Fechado e Carlos Augusto Montenegro


Alcides Barbosa diz, em sua delação premiada, o que ouviu de George Olímpio acerca da votação que tirou dos cartórios o registro obrigatório de veículos. Segundo Barbosa, Olímpio e outros presidentes de Associações Cartoriais foram a Brasília levando R$ 500 mil em dinheiro vivo preso ao corpo. Para negociar com os senadores. A votação estava ganha até que o representante da Febraban foi recebido pelo então líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB). Viraram os votos e os cartórios venceram.
A raiz do esquema fraudulento que tem enriquecido Carlos Augusto Montenegro está nesse negócio que foi fechado em Brasília anos atrás.

No R7

Reportagem exclusiva do Domingo Espetacular, apresentou neste domingo (22), matéria com o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, mostrando que ele ficou bilionário comandando negócios suspeitos com o método de envio de dinheiro para paraísos fiscais.

Montenegro é um dos homens mais ricos do Brasil. Ele é dono do Ibope, o instituto que mede a audiência na TV e faz pesquisas eleitorais. Montenegro ganhou bilhões ao operar um serviço que deveria ser público.

O Domingo Espetacular investigou os negócios sombrios do bilionário. Veja a seguir.

Esses negócios têm tentáculos no comércio ilegal no centro de São Paulo. A reportagem flagrou transações no centro de São Paulo. A mercadoria à venda: dados pessoais de brasileiros, que deveriam ser mantidos em segredo absoluto. Essas informações podem render milhões no mercado negro. Elas são gravadas em CDs, que contêm dados como nomes, CPFs, endereços e números de telefone.

Como esses dados foram parar nas mãos de criminosos? No início de 2011, o Ministério das Cidades e o Departamento Nacional de Trânsito começaram a investigar o vazamento dessas informações.

A investigação confirmou que foram realizados acessos indevidos à base de dados do sistema de registro nacional de veículos automotores, o RENAVAM.

Veja vídeo com todos os detalhes da matéria exclusiva do Domingo Espetacular.





20 julho, 2012

A volta da bolinha de papel

Em evento de campanha, o eterno candidato José Serra voltou a chamar os blogueiros de "sujos" e chegou ao cúmulo de comparar blogueiros e tuiteiros à tropa nazista. Diz que em 2010 sofreu pancadaria no interior do Ceará e no Rio de Janeiro. 
Para quem não lembra, aqui o video da 'pancadaria' no Rio e aqui o do Ceará! Também acusou os adversários de copiar suas idéias. Mas aqui está a prova de quem muito recentemente copiou o quê! E não foram idéias, foi projeto. 



do Estadão

O candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, José Serra, comparou a ação de petistas na internet a estratégias de tropas nazistas que auxiliaram a implantação do regime por Adolf Hitler (1934-1945). O tucano afirmou que pessoas ligadas ao PT fazem campanhas difamatórias na web e comparou essas atividades a operações da SA nazista, milícia paramilitar conhecida por sua organização como uma tropa de assalto.

"Basta olhar o jogo sujo (do PT) na internet, a tropa organizada, uma verdadeira tropa de assalto na internet. A SA nazista hoje tem outra configuração no Brasil atual, e é via internet, uma tropa de assalto na internet", disse Serra.

Serra afirmou que recebe centenas de mensagens agressivas em perfis nas redes sociais e acusou os petistas de manterem "blogs sujos" na internet para difundir informações contra sua candidatura. "Os blogs sujos, essa tropa toda veio dizer que eu era contra ônibus", disse.

Na última quinta-feira, 19, o presidente municipal do PT havia classificado como "fascista" um protesto de jovens tucanos contra o candidato do partido, Fernando Haddad. Serra defendeu a atitude dos manifestantes. "O sujeito botar uma cartolina e expressar aquilo que pensa não tem nada demais. Não tem orientação partidária, mas também não tem nada de errado chegar e protestar", disse.

Em um discurso dirigido a candidatos a vereador de sua coligação e cabos eleitorais, Serra subiu o tom de suas críticas contra os petistas. Trata-se de uma estratégia do tucano para reforçar o engajamento da militância e a polarização da disputa eleitoral entre PSDB e PT. "O PT é um partido da máquina (do governo). Tirou o governo, acabou. Porque está inteiramente na máquina", disse.

Um dos focos de sua fala foi a violência física que atribuiu aos petistas. "Outra questão é a questão da violência e da baixaria. Eles têm tradição nisso. Em 2002, fizeram espionagem no Banco do Brasil. Em 2006, o dossiê dos aloprados. Em 2010, violação de sigilos e pancadaria. Eu sofri pancadaria no interior do Ceará, no Rio de Janeiro e aqui em São Paulo", afirmou.

O tucano acusou militantes do PT pela criação de "factóides" contra sua candidatura e também criticou o partido rival de ceder a pressões de laboratórios farmacêuticos depois que chegou ao governo federal. "Essa história de que o PT é um partido de esquerda, progressista, isso é conversa. Eles fazem o jogo dos laboratórios", disse Serra.

Apesar das críticas direcionadas ao partido que é considerado seu principal adversário, Serra disse que a campanha deve ser marcada pelo debate sobre São Paulo. O tucano também acusou seus rivais de copiarem suas propostas.

"Tudo o que eu quero é que o debate fique centrado nos problemas da cidade - no diagnóstico e no balanço do que foi feito. Isso é o mais importante de tudo, e isso é o que alguns dos outros candidatos, evidentemente, vão resistir até o final", afirmou. "Temos adversários que não têm muitas ideias - a maioria deles. Ficam lendo tudo o que eu falo, copiam e mudam o nome."


19 julho, 2012

Greves: do silêncio à cobertura manca

por Joana Tavares

Perseu Abramo já dizia, no seu clássico “Padrões de manipulação da grande imprensa”, que a mídia comercial lança mão de diversos artifícios para divulgar uma versão distorcida da realidade. Ele adverte que “não é todo o material que toda a imprensa manipula sempre”, mas que há padrões observáveis no conjunto da produção jornalística que demonstram que a maioria incorre em algum grau de manipulação. E nem é preciso dizer que toda manipulação tem objetivos e interesses.




O primeiro dos padrões levantados pelo jornalista é o da ocultação. Não se trata de falta de conhecimento, mas de um “deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade”. Não nos faltam exemplos desse simples artefato de seleção de temas. Privatizações, terceirizações, acidentes de trabalho são comumente relegados a espaços mínimos – isso quando merecem – nos jornais. Denúncias envolvendo colegas da própria mídia patronal então, não entram nem entre míseras aspas. Esse pacto de silêncio cúmplice mostrou toda sua força com o caso Veja-Carlinhos Cachoeira.

Mas esse Filha da Pauta trata de outro aspecto da realidade que não costuma merecer o status de pauta: as greves. Um direito legítimo dos trabalhadores e previsto constitucionalmente, com um amplo leque de abordagens possíveis, não costuma receber relevância nas coberturas. Recentemente, ganhou destaque nas redes sociais a crítica ao silêncio da mídia frente à paralisação dos docentes e funcionários das universidades e institutos federais.

O rico debate possível de ser aberto com esse fato – a situação da universidade pública, o modelo de educação para o país, a visão dos estudantes, funcionários e a opinião dos especialistas no tema, os próprios professores, o impacto da proliferação das faculdades privadas e tantos outros aspectos – foi negado aos leitores. Cinquenta e sete dias depois, vira manchete.

O foco não está nos trabalhadores, mas na proposta do patrão, nesse caso, o governo. No sábado, dia 14, repercutindo a proposta oficial os jornais finalmente trataram do tema. “União propõe aumento de 45% aos professores”, coloca o Estado de Minas em chamada de capa, sem destaque. “Governo propõe salário de R$ 17 mil”, estampa O Tempo, no pé da página, sob o chapéu “Professores”. O Hoje em Dia não dá destaque de capa, nem os populares Extra e Aqui. A Folha de São Paulo dá manchete: “Governo propõe reajuste de até 40% a docentes” e o Estado de S. Paulo dá chamada de capa: “Governo cede e dá reajuste a professores”.

As matérias são parecidas, e repercutem a coletiva de imprensa da ministra Miriam Belchior. O aumento será escalonado, mas não se explica como. O principal reajuste será para os doutores, e não se explica como ficam os outros trabalhadores em greve, principalmente os funcionários. A Folha e o Estado de Minas frisam que o impacto desse reajuste na folha de pagamento chegará a R$ 3,9 bilhões “aos cofres públicos” ao fim de três anos.

Como se não bastasse essa crítica mal disfarçada sobre o impacto da decisão “aos cofres públicos”, Elaine Cantanhêde, que assina retranca do tema na Folha, coloca que o governo não teme que a proposta de aumento – “bem acima do padrão”, nas palavras da jornalista – sirva de estímulo às demais categorias. Os dois jornais omitem o fato de que 56 das 59 universidades federais aderiram à greve, assim como 34 dos 38 institutos de educação federais.

Os sindicalistas até são ouvidos – seguindo o protocolo de “ouvir os dois lados” – mas sem espaço para aprofundarem suas visões. Em suas falas, podemos perceber que estão insatisfeitos com as propostas, aquém das reivindicações da categoria, mas não é possível saber porque.
Assim, a grande mídia opera o segundo padrão de manipulação analisado por Perseu Abramo: a fragmentação dos fatos. Sem fazer ligações claras entre os dados, sem apresentar com profundidade as propostas dos grevistas, descontextualiza a greve como evento social e foca sua cobertura sob um aspecto da realidade. Cai assim em cheio no terceiro padrão de manipulação: a inversão.

Ao trocar a importância dos atores – colocando o governo no papel de organizar a realidade – inverte a versão pelo fato. Privilegia o anúncio oficial e ajuda a forjar a ideia de que os professores foram privilegiados por um reajuste acima da média, e que essa conquista não deve servir de exemplo pra ninguém, pois foi uma concessão com o objetivo de “valorizar a educação”.

Como já demonstrou a greve de 112 dias dos professores em Minas Gerais, o papel pedagógico das lutas se faz nas ruas, e a luta em si é uma forma de educação. Pena que a imprensa não tem olhos para ver esse “outro lado” do fato, e achincalha a mobilização de uma categoria tão importante para o país, como se fossem apenas interesseiros atrás de reajustes maiores que a média.


16 julho, 2012

Governo de SP reproduz política de extermínio

Rota de extermínio


Do Carta Maior
Dica Camille H. Claudel

A criminalização da pobreza, o descaso com o sistema prisional, a conivência com a corrupção policial e o incentivo à violência da Polícia Militar são os pilares da política de extermínio que o Governo do Estado de São Paulo reproduz há décadas, avalia o advogado Rodolfo de Almeida Valente, assessor jurídico da Pastoral Carcerária. Leia e entrevista exclusiva.

por Ana Paula Salviatti e Isabel Harari

Carta Maior - Há relação entre a onda de violência por que passa a cidade de São Paulo e a crescente população carcerária?


Rodolfo de Almeida Valente – São Paulo detém um terço da população prisional do Brasil, com cerca de 190 mil pessoas presas. São aproximadamente 450 pessoas presas por cem mil habitantes, o que coloca São Paulo como o nono estado que mais encarcera no mundo. Aqui, uma a cada 171 pessoas adultas está presa. Apenas nesse ano, temos média próxima a 3.000 pessoas presas a mais por mês no sistema prisional paulista. Essa população crescente é amontoada em um sistema prisional cada vez mais superlotado e degradante, onde campeiam as mais diversas violações de direitos. Nesse cenário, pode-se afirmar que a população carcerária está literalmente acuada. É preciso notar que as pessoas que povoam o sistema prisional são aquelas mesmas pessoas historicamente alijadas do exercício de direitos básicos nesse estado. São jovens, pobres e negras, geralmente oriundas das regiões periféricas. O sistema prisional está claramente voltado não ao combate da criminalidade, mas à neutralização daquelas pessoas que não interessam ao sistema de cidadania de consumo e de acumulação de riqueza capitaneado pelos poucos de sempre. Não apenas são neutralizadas, como também já são alvo de interesse da iniciativa privada, ávida por receber dinheiro público pela administração de presídios e, principalmente, por auferir grandes lucros com a exploração de mão-de-obra disciplinada e barata. Essa é a lógica material do sistema, apesar do discurso falacioso de combate à criminalidade e de ressocialização. Obviamente, essa manifesta política de encarceramento em massa dos pobres acaba por multiplicar sentimentos de revolta, de segregação e, por conseqüência, reproduz continuamente uma sociedade crescentemente desigual e violenta.

CM – Há alguma motivação específica para o atual cenário de violência e a onda de assassinatos?


RAV – É difícil apontar, sem correr o risco de ser leviano, uma motivação específica. Os ataques de 2006 que culminaram nos ainda não esclarecidos crimes de maio, quando mais de 500 pessoas foram executadas em menos de 10 dias, tiveram como um dos seus principais estopins um achaque praticado pela polícia civil, como evidenciou uma pesquisa da Justiça Global e da Universidade de Harvard. Não surpreenderia se um escândalo similar fosse revelado agora. Certo mesmo é que a política de segurança pública adotada pelo governo de São Paulo, longe de debelar esses massacres, na verdade acaba por fomentá-los. A criminalização da pobreza, o descaso com o sistema prisional, a conivência com a corrupção policial e o incentivo à violência da polícia militar são os pilares dessa política de extermínio que o governo reproduz há décadas.

CM – O número de homicídios praticados pela Rota, grupo de elite da polícia militar paulista, tem aumentado. O novo comandante do grupo é o tenente-coronel Salvador Modesto Madia, nomeado em novembro do ano passado e que foi um dos comandantes do chamado Massacre do Carandiru. Em recente declaração a Folha de S. Paulo, Madia afirmou que não se importa com o número de mortes, mas sim com a legalidade delas. É possível estabelecer um paralelo entre o aumento do número de mortes praticadas pela Rota e uma cultura de extermínio existente na mesma?


RAV – A Rota é o destacamento mais letal da PM, e isso não é uma casualidade. A Rota recebeu esse nome na Ditadura Militar, quando foi reorganizada exatamente para aniquilar militantes contrários ao regime de exceção. Os militares saíram do governo, o Brasil, ao menos formalmente, se redemocratizou, mas a Rota não apenas subsistiu com a sua cultura de exceção, como foi fortalecida pelo governador Alckmin, responsável pela nomeação de Salvador Modesto Madia para o comando desse destacamento. Bom lembrar que Madia carrega nas costas 78 execuções no Massacre do Carandiru, cuja infeliz ocorrência completa, em outubro próximo, 20 anos sem nenhuma responsabilização. Não há mera coincidência aí. Nomear um dos principais responsáveis pelo Massacre do Carandiru para o destacamento mais letal da PM é legitimar esse e tantos outros massacres ocorridos desde a "redemocratização". A lamentável declaração de Madia, por sua vez, é claramente uma carta branca para que os policiais sob o seu comando sigam com os massacres perpetrados contra a população periférica, jovem, pobre e negra. Há nisso tudo mais do que uma cultura de extermínio; trata-se de verdadeira política de extermínio adotada pelo governador Alckmin, que também não tem maiores pudores em legitimar as execuções cometidas por seus policiais. Basta lembrar que esse mesmo governador declarou que em São Paulo "bandido tem duas opções: ou é prisão ou é caixão" e, recentemente, afirmou que quem atacar a polícia "vai se dar mal" e que "não recua um milímetro". Enquanto não desmantelarmos essa estrutura de guerra contra as periferias, contra os pobres, que vigora desde que o Brasil é Brasil e, sobretudo, desde que São Paulo é São Paulo, e que muito se conjuga com o sistema de produção capitalista, em que poucos se fartam com a exploração do trabalho e da miséria da maioria, os massacres contra nossa juventude negra e pobre tendem a continuar.

15 julho, 2012

A greve contra o descaso na área social

Embora a cena da foto abaixo não seja compatível com o esperado no governo do partido que cresceu na luta pela valorização dos trabalhadores, ela está presente hoje, e coloca em xeque a política adotada por quem está com a chave do cofre. Será a constatação de que somente a mudança de dirigentes, sem mobilização popular, não muda a natureza do poder e o caráter do Estado, conforme bem coloca Frei Betto no artigo "Democracia Falsificada" ?

Foto de Antonio Lima em A Crítica

Por Pedro Rafael Ferreira

O atual movimento grevista no serviço público brasileiro é particularmente dramático nas instituições que lidam com a problemática da terra. Além das condições salariais e trabalhistas reprimidas frente às outras categorias, servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da estatal Embrapa cobram do governo a efetiva execução de políticas públicas consideradas estratégicas para o desenvolvimento social do país, como a reforma agrária, a demarcação de terras indígenas e a pesquisa agropecuária.

Alguns sindicalistas avaliam como erro político a postura “intransigente” do governo em relação aos servidores federais. “Há uma contradição. De um lado, abre-se mão de um alto volume de arrecadação, liberando empresários do pagamento de impostos, como é o caso IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), enquanto de outro se promove uma política de contenção de salários e até de retração”, comenta Vicente Almeida, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf).

Segundo o Ministério do Planejamento, o volume de reajuste salarial pedido pelas categorias em greve pode superar os R$ 90 bilhões, o que afetaria as contas do Estado. “Há um discurso de austeridade por parte do governo comprado pela própria mídia. Mas qual o recurso destinado ao setor público? Já se sabe que a relação entre servidor e população, no Brasil, ainda está aquém das necessidades reais. Especialistas já demonstraram que temos um Estado ‘raquítico’. Além disso, como explicar que gastamos algo como 40% do nosso PIB (Produto Interno Bruto) em pagamento de dívida, uma bolsa-banqueiro que só remunera o capital rentista?”, critica Marcius Crispim, da Associação Nacional dos Servidores do MDA.

No cálculo de Vicente Almeida, para combater os efeitos da crise econômica, o crescimento da massa salarial do trabalhadores deveria ser estratégia, não o contrário. “A gente já sente um certo esgotamento da política de transferência sem que haja um enfrentamento de questões estruturais, como a concentração de renda, a necessidade de um imposto sobre grandes fortunas, a democratização dos meios de comunicação, a reforma agrária, entre outras”, diz.

No campo

Na maior paralisação dos últimos cinco anos, servidores do Incra estão em greve desde o dia 16 de junho. No total, 27 das 30 superintendências regionais tem adesão média de 80% dos funcionários. “A gente tinha muita esperança [no governo Dilma] de que as coisas andariam e nada se concretizou. A reforma agrária continua parada, não houve nenhuma mudança institucional e o Incra permanece na periferia do Poder Executivo”, afirma Acácio Leite, perito federal agrário e membro do comando de greve na autarquia.

O servidor exemplifica a situação lembrando que, até agora, a presidenta publicou somente 60 decretos de desapropriação de terras, tudo no fim do ano passado. O resultado pífio pôde ser percebido no número de famílias assentadas – cerca de 21 mil – , o pior rendimento ao longo dos últimos 16 anos. Para piorar, este ano nenhuma área foi decretada até agora. “Vai ser o pior ano para o assentamento de famílias, além de ser um dos intervalos mais longos da história do Incra sem a emissão de um único decreto de desapropriação de terras”, lamenta Acácio.

Retrocesso

Para um órgão que tem sob sua responsabilidade o atendimento direto de cerca de dez milhões de pessoas que vivem nas cerca de nove mil áreas de assentamento da reforma agrária por todo o país, os números da atual estrutura são alarmantes. Segundo a Confederação Nacional dos Servidores do Incra (Cnasi), o corte no orçamento do instituto, em 2012, chegou a R$ 540 milhões de um total de R$ 1,7 bilhão reservados, inicialmente, justamente os recursos para aquisição de novas áreas.

No MDA, a questão começa na própria estrutura do órgão. Apenas 17% dos funcionários da pasta são servidores de carreira, que somam 127 funções. Desde sua criação, em 1999, o ministério só realizou um único concurso público. Não há plano de carreira e a massa funcional é composta, na sua imensa maioria, por profissionais de vínculo provisório. “Há um perda de conhecimento institucional, porque esses funcionários deixam o órgão e levam as experiências de execução das políticas públicas”, adverte Marcius Crispim, da Associação Nacional dos Servidores do MDA.

O quadro de servidores do Incra também está ameaçado. Dos atuais 5,5 mil funcionários de carreira, cerca de dois mil devem se aposentar até 2014. O último concurso público, realizado há dois anos, até agora não convocou os 400 aprovados.

Em relação à Embrapa, a luta dos trabalhadores da estatal tem se fortalecido após a deflagração da greve, em 25 de junho. A categoria rejeitou por 98% dos votos a proposta de Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) apresentado pela empresa para 2012-2013. A negociação já dura quatro meses, sem sucesso. “Os trabalhadores se uniram para expressar sua insatisfação em relação à tentativa de retirada, por parte da empresa, de direitos conquistados com a luta da categoria, além da inexpressiva proposta de reajuste salarial sem ganho real”, confirma Vicente Almeida, do Sinpaf*.

Outra preocupação é a prioridade que a Embrapa confere ao agronegócio em detrimento da agricultura camponesa. Apenas 4% dos recursos de pesquisa são canalizados para esse segmento, responsável pela produção de 70% dos alimentos consumidos no país. “A leitura política de tudo isso é que o governo tem seu projeto estratégico definido, que não aposta na reforma agrária, nos investimentos em tecnologia para o pequeno agricultor. Por causa disso, os movimentos sociais se juntam à pauta dos servidores cuja finalidade é a mesma”, avalia Rosângela Piovizani, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e Via Campesina Brasil.

Indígenas

Na Funai, o problema de quadro funcional reduzido é parecido, mas esconde uma realidade ainda mais grave. Para Fernando Schiavini, indigenista com 37 anos de carreira, a recente reestruturação sofrida pelo órgão, em 2009, parece ter sido pensada para atender tão somente a sanha desenvolvimentista que hegemoniza o centro decisório do Poder Executivo. “O governo promoveu essa falsa reestruturação apenas para facilitar os licenciamentos e autorizações da Funai para realização de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em terras indígenas”, critica. Dos 3,1 mil novos servidores prometidos após a remodelação do órgão, apenas 700 foram contratados. “Boa parte desse novos servidores foi lotada na sede da Funai, em Brasília, especificamente no setor que trata de licenciamento”, acrescenta.

Em contrapartida, o atendimento na ponta continua precarizado. Mônica Carneiro, indigenista especializada da Funai em Palmas (TO), unidade que atende 22 etnias em seis estados, é uma das servidoras que entrou no último concurso público de 2010. “Nunca recebemos qualquer tipo de qualificação para exercer as funções do órgão”, observa. O Regimento Interno também não foi aprovado, denuncia a servidora, que ainda critica a inexistência de “participação efetiva de servidores e indígenas nas decisões sobre as atribuições” da autarquia.

Na reestruturação, as unidades da Funai localizadas em terras indígenas seriam extintas e reinstaladas em cidades próximas. “O argumento era bom, prestar atendimento sem interferir na cultura. O problema é que essas unidades, na maioria, ainda não foram criadas e os indígenas ficaram completamente desassistidos pelo Estado”, afirma Schiavini. Segundo o Comando Nacional de greve, pelo menos 22 das 36 Coordenações Regionais da Funai, mais a sede, em Brasília, estão paradas. A adesão atinge em torno de 70% dos servidores, informa a categoria.
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*Nota: Antes da atuação da costumeira patrulha, veja, no link inserido no texto, que o Sinpaf é filiado à CUT.

14 julho, 2012

Os factóides e o 'medo, medo, medo'


A rede globo anuncia que o fantástico deste domingo vai exibir uma entrevista na qual Rosane Collor revela detalhes da época em que foi primeira dama. Como diria Mino Carta, é do conhecimento do mundo mineral que tanto a Veja quanto a Globo foram os principais cabos eleitorais de Fernando Collor nas eleições de 1989. E, depois, os principais alimentadores e disseminadores da série de denúncias paralelas à CPI, que acabou resultando no impeachment, em 1992.

Algumas carreiras políticas terminaram ali, outras começaram.

A CPMI do Cachoeira avança. Além de Demóstenes, outros frequentadores de tribunas e vociferantes políticos podem ter sua carreira terminada até o final do processo.

E a mídia?

A revista veja (não sei com o que saiu neste final de semana) viu sua fonte de escândalos secar com a prisão do bicheiro. E o resto da velha imprensa também teve sua pauta minguada, pois passava a semana 'repercutindo' as sempre 'graves denúncias' da revista.

A exibição de uma entrevista, que supostamente vai revelar detalhes da vida palaciana de quem foi apeado do poder há mais de 20 anos, não é nada além de mais uma tentativa da revista eletrônica dominical de criar factóides para serem comentados nos salões de beleza e assim desviar o foco do esgoto onde eles se abasteciam.

E não é casual que isso seja exibido um mês depois deste pronunciamento de Collor na CPMI.





Classe média, que significa?





da CartaCapital
por Claudio Bernabucci

O compromisso silencioso entre o operário eleito presidente da República e a chamada elite brasileira – criar um mercado interno significativo e promover o crescimento de uma nova classe média – representa a autêntica obra-prima deste líder político indiscutível. Há quem diga que tal compromisso tenha premiado mais os ricos do que os pobres. Fato é que o processo desencadeado por Lula abriu uma dinâmica socioeconômica de baixo para cima que parece irresistível e, talvez, irreversível.

Desde então, fala-se e escreve-se muito no Brasil sobre classe média. A meu ver – salvo raras exceções – em termos ainda inadequados ou instrumentais.

Não importa aqui analisar a questão de um ponto de vista sociológico ou estatístico, nem rodar a faca da polêmica em torno da medida governamental que estabelece ex-púlpito – a partir de maio 2012 – que a classe média no Brasil é formada por pessoas com renda per capita entre 291 reais e 1.019 reais. O que nos interessa é focalizar a urgência de um debate amplo e de maior conteúdo. Para esse fim, o método comparativo poderia ser útil. Não para copiar modelos alheios, mas para, eventualmente, identificar um modelo original de classe média à brasileira, que faça tesouro das experiências já realizadas em outros países. Infelizmente, não observo nada disso. Ao contrário, me parece que se fala desta nova realidade de maneira distorcida: para exaltá-la em tom de propaganda ou para atraí-la em perspectiva eleitoral.

Aprofundar hoje no Brasil um debate sobre classe média equivale a abrir uma reflexão sobre o País que queremos. Na atual fase de decadência mundial da democracia, quando a política vai atrás da realidade para depois definir as próprias escolhas, o Brasil poderia ter a ambição de inverter o rumo: identificar o caminho a ser percorrido para depois aplicar políticas consequentes, evitando assim submeter-se às dinâmicas ditadas pelos “mercados”.

É verdade que no Brasil também a economia e a finança detêm a hegemonia sobre a política, mas – diferentemente do resto dos países democráticos – as escolhas iluminadas dos últimos tempos construíram uma solidez financeira pública que permitiria à política espaço de manobra mais amplo do que em outras latitudes.

Navegador seguro é o que conhece os mapas e depois decide a rota. No início da longa tempestade econômica que se vislumbra no horizonte, seria sábio estabelecer tal rota com a participação da tripulação, para poder chamá-la a dar o melhor de si nos momentos difíceis que inevitavelmente virão. Mas essa classe trabalhadora ampliada, agora chamada de classe média, não conhece suficientemente a arte de navegar: sua despolitização é patente. Além disso, ela não tem sido adequadamente informada pelo comandante do navio sobre os mares a serem navegados: o Estado não vem oferecendo a necessária educação.

Abre-se então a discussão sobre os (diferentes) papéis da política e do Estado na construção do Brasil futuro. Resulta evidente como a responsabilidade de governo tenha inibido a plena mobilização do PT, do sindicato e das associações aliadas. O que é mais grave, há sintomas de que esta renúncia pode ter-se transformado em perda de efetiva participação social, fundamental alimento de sustentação das organizações progressistas. Os adeptos do neoliberalismo po­dem facilmente abrir mão desses fatores; as forças de esquerda não, pena a perda de identidade (e segura derrota eleitoral).

Na Europa do pensamento único das décadas passadas, caracterizado pelo consenso neoliberal, os partidos progressistas perderam o senso da própria missão, e suas diferenças em relação aos adversários pareceram ser quase inexistentes. No cidadão fixou-se a convicção de que “são todos iguais”. Resultado: a classe média e os setores populares deram-lhes as costas e preferiram os originais às cópias.

Na dificuldade dessa conjuntura, seria a hora de redescobrir o partido – qualquer partido – como aquela livre associação que não somente organiza, mas elabora e transmite cultura, forja a prática da cidadania, trabalha na sociedade. Esse seria o momento de voar alto novamente e valorizar o papel irrenunciável dos sindicatos independentes e das organizações da sociedade civil. Quanto ao Estado, seria decisivo considerar que o investimento em educação é o que faz a diferença entre cidadão e consumidor.

Não pode ser esquecido que o Brasil se esforça para superar imensos atrasos herdados do passado, mas seria pecar de grave omissão deixar de lembrar que a política atrelada à contingência, não consegue criar uma nova proposta de Estado e um novo projeto-país. Permanecerá, inevitavelmente, portanto, e subalterna às tradicionais classes dominantes.
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Educação: O que quebrará o País?
A 'nova' classe trabalhadora brasileira
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12 julho, 2012

Direitos humanos em debate, com a presença de Garzón


Na próxima terça-feira, dia 17 de julho, o jurista espanhol Baltasar Garzón - que ficou conhecido ao emitir ordem de prisão contra o ex-presidente do Chile, Augusto Pinochet, pela morte e tortura de cidadãos espanhóis e tem destaque internacional na luta pelos direitos Humanos - estará em Porto Alegre para a Conferência Direitos Humanos, Desenvolvimento e Criminalidade. O evento contará com a presença do governador Tarso Genro, da ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário, do ministro de Defesa do Uruguay Eleutério Huidobro, do ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp e do procurador do Estado Jacques Alfonsin.

Além de se destacar pelo pioneirismo no princípio da jurisdição internacional e pela luta contra a impunidade em crimes contra os direitos humanos, Baltasar Garzón também se distinguiu pelo rigor no combate à corrupção, ao crime organizado e aos delitos dos serviços secretos em suas relações com grupos terroristas.

Em 1998, devido ao desaparecimento e morte de espanhois presentes no Chile durante os 17 anos da ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990), solicitou e obteve da Grã-Bretanha a prisão do ex-general, que se encontrava em Londres. Em fevereiro de 2012, foi proibido pelo Supremo Tribunal da Espanha de exercer sua profissão por ter autorizado, a pedido das autoridades policiais, escutas telefônicas em investigações sobre corrupção envolvendo altas autoridades da administração pública espanhola.

Manifestação a favor de Garzon, na Espanha, em fevereiro

Mas Garzón foi absolvido, ainda naquele mês, pela mesma corte da acusação de violar a Lei da Anistia de 1977 na investigação de crimes cometidos pela ditadura do general Fancisco Franco. O jurista alegou que fora impulsionado pelo desamparo em que se encontram as vítimas da guerra civil e do franquismo. Segundo ele, 114 mil pessoas permanecem desaparecidas desde o período da guerra e da ditadura de Franco.

Atualmente com 56 anos, ocupa a função de procurador-adjunto do Ministério Público no Tribunal Penal Internacional (TPI), que julga crimes contra a humanidade. Desde 2010, sua função é auxiliar o TPI, por meio de ação penal, na responsabilização de indivíduos por atrocidades como genocídios, crimes de guerra e os crimes de agressão.

Para o governador Tarso Genro, Baltasar Garzón é um humanista que merece o reconhecimento dos cidadãos gaúchos pelo seu empenho na defesa da transparência e dos direitos humanos. “Trata-se de uma grande personalidade mundial que se notabilizou por ser um juiz totalmente intolerante com a corrupção e que desmantelou, ao longo de sua vida como magistrado, inúmeras quadrilhas que assaltavam os cofres públicos”.

Comenda

Após a conferência, Garzón receberá a Comenda da Ordem do Ponche Verde, mais alta condecoração oficial do RS, de caráter honorífico e tradicionalmente dirigida a personalidades brasileiras ou estrangeiras merecedoras de gratidão e reconhecimento do Estado e da comunidade gaúcha.

A Conferência tem entrada livre e será às 18h no Auditório do Ministério Público Estadual, na Av. Aureliano de Figueiredo Pinto, 80, Porto Alegre.
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10 julho, 2012

Os robôs em cólera contra Cuba


Agora há pouco recebi do companheiro Iroel Sanchez a nota oficial de 2 de julho, publicada pelo jornal Granma, onde o Ministério da Saúde Pública de Cuba alertava a população para a "tendência ao aumento de doenças diarréicas agudas, influenciadas pelas altas temperaturas e intensas chuvas", a partir da detecção de alguns casos na província de Granma, no município de Manzanillo. A nota informa que dos 1.000 pacientes atendidos, 53 deram positivo para cólera e, três deles, com antecedentes de doenças crônicas, morreram. Um com 95, outro com 70 e outro ainda com 66 anos. 
              
Ainda na nota, o ministério da Saúde assegura que o surto está controlado e que a tendência é de redução de casos, pelas medidas sanitárias que foram tomadas.

               
Essa informação chegou porque, ontem, no início da noite, publiquei aqui no blog, notícia divulgada pelo Cuba Debate e pelo Opera Mundi, a respeito de um remédio desenvolvido em Cuba, para diabetes, que será testado na Europa. Mal o link do post saiu na timeline do twitter, minha coluna de menções foi literalmente invadida por cerca de 30 perfis com a hashtag #Cuba. Entre eles alguns avatares e nicks, que o conteúdo denunciava serem fakes, mas aparentemente de blogueiros e tuiteiros com quem me comunico sempre. Denunciavam uma epidemia de cólera na ilha, que estaria sendo escondida pelo governo. 







Imediatamente dei o alerta na TL, mandei as @s por DM para alguns companheiros e reportamos spam, em conjunto. O mais estranho é que, entrando na tag de #Cuba essas tuitadas não apareciam. Sou quase analfabeta em informática, mas a coisa toda era muito esquisita. Alguns dos avatares tinham seguidos e seguidores, outros apareciam como perfil inexistente.
                   
Não olhei ainda os jornalões de hoje, mas não estranharia se, em algum deles, houvesse notícia de que há epidemia de cólera na ilha, conforme alardeavam os robôs.
             Lembremos que em outubro, além do Brasil, haverá eleições na Venezuela e em Cuba, que a direita não dorme e os mesmos robôs que tuitam “epidemia” são os que espalham outras mentiras coléricas aqui e ali.

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Cólera en Cuba....Cual és la bola

A ascensão do “anti-intelectualismo” nos EUA


Livros "semitas" sendo queimados em Berlin


Professores são o principal alvo de ofensiva da extrema-direita norte-americana contra "ideias subversivas e comunistas"

A classe intelectual está mais uma vez sob ataque nos Estados Unidos. Por trás dessa recente ofensiva ronda o fantasma do “Macartismo”, período de intensa patrulha anticomunista que começou de forma bastante semelhante nos anos 1950. Os alvos preferenciais também eram integrantes da sociedade com ideias “subversivas”.

Hoje, o “anti-intelectualismo” é uma prática em ascensão na sociedade norte-americana, particularmente em estados onde a extrema-direita é maioria. O exemplo mais recente aconteceu em Tucson, no Arizona, possivelmente o mais intolerante em relação aos imigrantes, quando uma junta escolar baniu das bibliotecas escolares os livros da escritora chilena Isabel Allende – mesmo ela vivendo há mais de 40 anos na Califórnia e naturalizada norte-americana.

Segundo Michael Hicks, membro da junta escolar, os livros da escritora foram banidos porque não são “compatíveis com os valores da sociedade”. Ele confessa que nunca leu a obra de Allende. “Não me interessa o que dizem [os livros]. Mas sei que não são bons para os nossos alunos”, disse Hicks recentemente em entrevista ao programa “The Daily Show”.

Allende não está sozinha. Escritores e editores como Junot Díaz, Jonathan Kozol, Rudolfo Anaya, Sandra Cisneros, James Baldwin, Howard Zinn, Rodolfo Acuña, Ronald Takaki, Jerome Skolnick e Gloria Anzaldúa também viram seus livros banidos. Até, A Tempestade, de William Shakespeare, desapareceu das estantes escolares.

A decisão em Tucson obedece a uma lei aprovada pelo congresso estadual do Arizona, que proíbe o ensino de estudos que “promovam a derrubada do governo dos Estados Unidos, o ressentimento contra raças ou classes sociais, estejam orientados para alunos de um determinado grupo étnico e alimentem a solidariedade entre raças em vez do tratamento dos estudantes como indivíduos”. O curioso neste caso é que Tucson, uma cidade com forte imigração latina, proibiu justamente autores da região.

Outra vítima foi a professora Brooke Harris, do Michigan, demitida após pedir autorização para uma campanha em favor da família de Trayvon Martin, jovem negro assassinado por um latino na Flórida em fevereiro – o caso teve repercussão internacional. O diretor do sistema escolar justificou a demissão com o argumento de que Harris era paga para ensinar, “não para realizar atividades políticas”.

Em 2010, um tribunal de apelações em Cincinnati, Ohio, confirmou o desligamento de uma professora do ensino secundário. Shelley Evans Marshall recomendou aos alunos para que estudassem a lista da Associação Norte-americana de Bibliotecas com os “100 livros Banidos e mais questionados” (pelos extremistas), e escrevessem um ensaio sobre a censura.

Wikicommons
Ela foi despedida depois que alguns pais protestaram, em particular porque ela recomendou a leitura de livros como Siddhartha, de Hermann Hes,s e Como matar um rouxinol, de Harper Lee. Também causou furor Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, que descreve uma sociedade futura onde uma polícia intelectual se dedica a queimar livros “proibidos”, como nas fogueiras da Idade Média ou da Alemanha Nazista.

Explicações

Desde a chegada de Barack Obama à Casa Branca, membros dessas elites reacionárias e extremistas políticos decretaram o fim de uma “pureza” ideológica que, até então, controlava os EUA. Muitos vêem Obama como um símbolo dessa ameaça e o “antiintelectualismo” transformou-se, de repente, em uma espécie de “antiobamismo”.

A reforma do sistema de saúde, de repente, virou um “ato antiamericano”, pois teria um verniz“socialista” por favorecer as classes mais pobres e limitar o enriquecimento das companhias de seguros.

“Deus fez o mundo à sua semelhança. Devemos acabar com aqueles quem se opõem a Ele banindo todos esses livros e estudos maltrapilhos que atentam contra a pureza da família”, disse recentemente o pastor evangelista Mattew Simmons, conhecido animador dos comícios do “Tea Party”.

O deputado pela Flórida, Allen West, "acusou" os colegas de serem comunistas. “Há uma rede de membros do Partido Comunista, infiltrada em todos os comitês. Eles não querem o retorno de valores da América; preferem nos levar em direção ao socialismo e a um mundo ateu”, disse West.

Os EUA “têm uma longa historia de antiintelectualismo, é algo que faz parte da nossa cultura e vida política. Somos experts em difundir mensagens contra todos aspectos da vida política e social dos EUA que não nos agradam”, comentou no Huffington Post o escritor e professor de antropologia da Universidade de West Chester, Paul Stoller.

"Vivemos em um país que suspeita dos ‘nerd’, dos sonhadores e dos intelectuais inovadores que guiam Volvos, gostam de comida francesa e bebem cappuccinos. Mas no fundo, são noções artificiais que nos levam a uma ignorância muito perigosa”, acrescentou o intelectual.

09 julho, 2012

Europa vai testar remédio cubano para diabetes


Testado em mais de 70 mil pacientes, 
o remédio diminui índices de amputação

Do Cubadebate
via Operamundi
Dica da @maramandrea, no Face
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Cuba se prepara para iniciar no ano que vem testes em vários hospitais da União Europeia com o medicamento Heberprot-P, que cura a úlcera que surge nos pés de diabéticos.

Será a primera vez que a ilha chega nessa fase de pesquisa em países do chamado "Primeiro Mundo", disse o diretor do CIGB (Centro de Engenharia Genética e Biotecnología), Ernesto López, citado pela AIN (Agência de Informação Nacional).

López afirmou que os ensaios serão realizados em centenas de hospitais de países da União Europeia. Cerca de 700 pacientes devem participar do projeto. Segundo especialistas, essa é a maior pesquisa já feita sobre as úlceras em pés diabéticos.

No momento, Cuba prepara as condições para produzir quantidade suficiente do remédio, para depois colocar o estudo em prática com outras empresas, explicou o diretor do CIGB, instituição que desenvolveu o remédio, único no planeta, em conjunto com o Instituto de Angiologia e Cirurgia Vascular.

O Heberprot-P, que diminui sensivelmente o número de amputações, se tornou o medicamento líder do CIGB. É esperado para esse ano um lucro de 100 milhões de dólares. Com patentes outorgadas em mais de 40 países, o remédio obteve até agora 17 registros sanitários, permissão de uso concedida pelos ministérios ou secretarias de Saúde Pública.

Mais de 70 mil pacientes de diversas nações já foram beneficiados con o Heberprot P. Em Cuba, o programa é levado a cabo em 192 policlínicas e 43 hospitais.
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Além deste, há vários outros medicamentos desenvolvidos na ilha que tratam de maneira eficaz doenças graves. O mais conhecido é o do vitiligo, mas há tratamentos alternativos para câncer, com índice altíssimo de recuperação. A falta de conexão Brasil-Cuba na área de saúde é uma deficiência que o governo poderia corrigir, com benefício para ambos povos.  


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