29 fevereiro, 2012

Urariano Mota: O lugar do escritor no Brasil

Do Vermelho 
por Urariano Mota




As noticias nos jornais, que fazem da história real um eterno fla-flu, não deixam dúvida: militares da reserva atacam a presidenta Dilma e a ministra Maria do Rosário, por atos e declarações sobre a ditadura. A presidenta reage, militares fingem um recuo, e o jogo segue, em aparente 1 a 1.
A presidenta reage, militares fingem um recuo, e o jogo segue, em aparente 1 a 1. Mas a notícia maior, que vem sendo construída há mais de uma geração, fala mais fundo além dos jornais: durante este ano o Brasil passa pela Comissão da Verdade, a partir do Congresso Nacional. Diante disso, o que dizem as vozes estéticas do Brasil, alheias à superfície das páginas do noticiário? E os que usam a ferramenta exclusiva do verbo, os escritores, o que temos com isso?

A julgar por suas intervenções públicas, até aqui, nada têm a ver. Entenda-se. Não se exige dos nossos criadores obras de engajamento nas questões de peso da pátria. Não, e seria abusiva e estúpida tal exigência, porque exterior à escrita mais pessoal, onde têm vez e voz o mais íntimo de cada um. Mas escritores escrevem artigos ótimos, crônicas cultas, dão palestras brilhantes, entrevistas maravilhosas, espetáculos do mais fino humor, e entre uma exposição e outra do precioso ego, bem podiam dizer, falar, sugerir, recomendar algo como, por exemplo, “olhem, tem a ver conosco esta Comissão da Verdade. Ela é do interesse de todos os artistas”. E diante do silêncio de um entrevistador, cujas perguntas vêm antes da entrevista, o escritor perguntaria mais claro: “Você não quer saber a razão?”. E o show continuaria, se não com mais graça, pelo menos com mais verdade.

Mas tal não se vê, nem mesmo nos lugares de aparência livre de suas colunas. Por quê? Certo não é covardia. Se apostamos no grau de altura moral dos nossos irmãos, poderíamos dizer que este assunto urgente, de esclarecimento dos crimes da ditadura, para eles não vem à tona por uma certa, digamos, acomodação estética. Talvez uma estética de não ferir a boa vontade do dono, não da sua pessoa, pois nosso escritor é livre, mas de não ir contra a corrente dominante no meio. Ou de respeitar o espaço, que não é gratuito por todas as justiças. Quem trabalha, recebe, é justo. Quem paga, cobra, o que também é justo. Ora vá o escritor famoso à custa do jornal, pelo que o magnânimo editor acha, ora vá o dono da folha cair na fria de pagar para o que não lhe interessa divulgar. Um absurdo. Se assim fosse, não existiria justiça na terra.

Para que exista paz nas relações materiais do espírito, passemos a terrenos mais autônomos. Se o escritor nacional se ausenta do debate sobre a memória da ditadura nas aparições onde lhe pagam, onde o tema poderia causar no público um visível desconforto, e escritor, para a maioria no auditório, ou é um palhaço, ou um pop star ou um bibelô, passemos a outro campo. Passemos, mas de passagem imaginamos o desagradável que seria lembrar assassinatos, torturas e sua impunidade numa conversa educada. Imaginem a indelicadeza. Que assunto mais fora de tema, pois a concepção reinante de literatura se dirige mais para a excelência do criador que para o valor absoluto da realidade.

Passemos ao terreno mais pessoal, de conversas, de mensagens pessoais, de manifestações de escritores entre amigos. O desencanto é grande. Causa espanto a capacidade que têm os nossos romancistas, poetas, de se ausentar da vida brasileira. A maioria de todos, digamos maioria assim, para ressalvar as exceções, estão metidos na viagem e divulgação da própria criação. Pouco se lhes dá que não só os séculos, mas o presente histórico, aquele que vai além deste minuto, lhes solte gargalhadas quanto à maravilha de suas crias. Aquela mesma gargalhada que um dia Balzac soltou, em um jantar entre seus pares, ao ouvir de um deles “nós, criadores...”. O magnífico Balzac não se aguentou:

- Nós, criadores?!

E a gargalhada soou da altura de A Comédia Humana. Assim, para os nossos criadores, pouco se lhes dá agora o riso de Balzac dos séculos. Importa mais estar na onda, numa feliz adaptação do funk, “sou feio, mas estou na moda”. Ora, quando falamos da sua ausência da vida brasileira, como se isso fosse uma qualidade extraliterária, e, acreditem, não o é (perdoem essa construção), queremos dizer: os nossos escritores se ausentam de tudo que não diga respeito à sua extraordinária pessoa. Eles não refletem como agentes sociais, como pessoas que são chamadas à liça, como homens que sentem na própria pele a dor de um semelhante. Perdão, dor de um longinquamente parecido. Mas se assim é no geral, no particular exibem uma descrença – ou ignorância – que chega à raia do absoluto em termos políticos. Aderem fácil, fácil a qualquer onda de descrença em um governo ou pessoa ou idéias de esquerda. Mas isso, essa derrocada, para eles tem o nome de ironia, pose de mais altos estudos e vivências pós-muro de Berlim.

A esta altura sinto – mas não “sinto muito” – que o título do texto deu lugar a uma crítica negativa. Em outra oportunidade, espero sobressair mais o lugar do escritor do Brasil com os exemplos mais eloquentes de Lima Barreto, Joaquim Nabuco, Drummond, Machado de Assis, Graciliano Ramos... Agora, prefiro constatar que todos escritores temos uma arma, que está empoeirada sem uso: o nosso talento e sensibilidade para o que os generais e os príncipes jamais ousarão. Pois jamais os poderosos conseguirão algo que remoto lembre um Dom Quixote, um Rosa do Povo, um levante de consciências de levar os nazistas à queima de livros, a ponto de um general de Franco gritar “Morte à Inteligência”.

No entanto agora, neste minuto, neste presente, a literatura, a poesia do futuro, vem sendo construída à margem dos escritores. Logo, logo, esperamos, ela tomará o seu lugar, o lugar dela, que é seu por todos os direitos. Não por ora, que estamos cegos e distantes desta notícia:

“Maria Auxiliadora Lara Barcellos atirou-se nos trilhos de um trem na estação de metrô Charlottenburg, em Berlim… tinha sido presa sete anos antes, em 1969, no Brasil. Nunca mais conseguiu se recuperar plenamente das profundas marcas psíquicas deixadas pelas sevícias e violências de todo tipo a que foi submetida. Durante o exílio, registrou num texto… ‘Foram intermináveis dias de Sodoma. Me pisaram, cuspiram, me despedaçaram em mil cacos. Me violentaram nos cantos mais íntimos. Foi um tempo sem sorrisos. Um tempo de esgares, de gritos sufocados, de grito no escuro…’”

Por enquanto, essa breve tragédia ainda não fura a espessa couraça de nossos literatos. É só uma nota na tela. 

O Brasil entre a ruptura e a inércia

Foto: Sebastião Salgado

por Saul Leblon

O Brasil precisa fazer na educação (e na saúde) o mesmo que Lula fez com o salário mínimo: uma ruptura em relação à inércia conservadora. Num intervalo de oito anos o presidente petista elevou o poder aquisitivo do mínimo em mais de 53% em termos reais. Rejeitou a lógica incremental. Entendeu que mudar apenas na margem seria manter à margem os que sempre viveram na soleira do país.

Deu-se então a mudança estrutural. Um novo degrau de acesso à renda passou a ordenar a vida de milhões de brasileiros beneficiando a economia e toda a sociedade. O poder de compra popular, associado às políticas de combate à fome e à miséria, revelou-se um contrapeso decisivo de demanda interna na crise mundial.

Criticado pela ortodoxia, Lula desabafou: 'foi preciso uma crise igual ou pior que a de 1929 para a elite brasileira entender o acerto histórico dessa decisão'. Os avanços registrados na educação desde 2002 não são desprezíveis. O Fundeb pavimentou o caminho a melhora do ensino básico; o Prouni alargou o acesso à educação superior; a rede de escolas técnicas dobrou. Os resultados só não são melhores porque o gargalo do ensino médio, sob guarda-chuva estadual, ainda desabona a ficha escolar da juventude pobre.

A guerra pela qualidade é uma guerra por orçamento. Os recursos fiscais destinados à educação são da ordem de R$ 85 bi; os da saúde giram em torno de R$ 90 bi. Somados, ficam muito aquém do saco sem fundo da dívida pública que consome mais de 1/3 da receita tributária federal entre juros, refinanciamentos e amortizações. A inércia se propõe a elevar a fatia da educação do equivalente a menos de 5% do PIB para 7% dele. Até 2020.

Mesmo com o aumento substantivo de 22,2%, o novo piso do professorado brasileiro não vai além de R$ 1.451,00, por 40 horas semanais, em classes com média de 30 alunos. Quem se habilita? Pesquisas indicam que a carreira do magistério tornou-se uma espécie de lotação da meia-noite: a escolha dos que não tem mais escolha, por conta das piores notas no ENEM.

Os dados do Enad confirmam: predominantemente, a opção pelo magistério é feita pelos que tem renda mais baixa (até três mínimos) e são obrigados a conciliar o trabalho e estudo. Entidades representativas dos municípios brasileiros alegam que nem isso podem pagar: precisariam de um subsídio federal de R$ 7 bi/ano para viabilizar a nova folha do professorado. Compare-se esse 'déficit' com o supergasto na ponta dos juros: fica claro que o salto na educação passa por um corte graúdo no apetite rentista, caso contrário, como atrair os melhores talentos que uma revolução educacional requer?

Na Finlândia, o extremo oposto que ocupa a 3ª posição no ranking do Pisa, entre 65 países, o magistério é a opção preferencial de um em cada cinco estudantes. Cursos de pedagogia são disputados em uma seleção rigorosa: 10 candidatos por vaga; o ensino é 99% público, não há 'incentivos' de desempenho para escamotear arrocho, classes são pequenas e o salário médio se equipara ao das carreiras mais valorizadas. Um dia a Finlândia decidiu que não podia desperdiçar nenhum jovem. E o Brasil?

28 fevereiro, 2012

La publicidad, una plaga que bombardea a los usuarios

por Omar Pérez Salomón 




















El pasado 11 de febrero el líder de la Revolución Cubana, dialogó por espacio de nueve horas, con más de 100 intelectuales, escritores, pensadores y científicos cubanos y extranjeros.

Los temas fueron variados: el agotamiento de los recursos naturales, la perversión de las transnacionales mediáticas, la aparición de artefactos de guerra, la preservación del medio ambiente, la dominación cultural y la publicidad comercial.

Sobre esta última, Fidel refirió que es “una plaga que bombardea a los usuarios de los medios de comunicación en casi todo el mundo”.

Por su importancia en el debate de ideas, a continuación exponemos algunas ideas de Fidel sobre la publicidad comercial:


“Usted no ve a los medios masivos de divulgación en Cuba haciendo propaganda al juego, las drogas, o a la prostitución. Usted no ve la televisión en Cuba haciendo propaganda comercial. Cuando se hace una campaña, es una campaña a favor de la educación, a favor de la salud, la vacunación de los niños…

21-10-77. Conferencia de prensa ofrecida en el hotel Pegasus, Kingston, Jamaica

“¿Quiénes destruyen las culturas nacionales de otros pueblos a través del monopolio de los medios masivos y siembran el veneno del consumismo en todos los rincones de la Tierra? ¿Cómo juzgar el gasto de un millón de millones de dólares en publicidad comercial cada año, con los cuales podrían resolverse los principales problemas de educación, salud, falta de agua potable y techo, desempleo, hambre y desnutrición que azotan a miles de millones de personas en el mundo? ¿Se trata simplemente de un problema económico y no político y ético?

A pesar de los 800 millones de analfabetos que todavía existen, miles de millones de personas de una forma o de otra tienen acceso a determinadas informaciones y sufren a diario las calamidades del desempleo, pobreza, carencia de tierras, insalubridad, inseguridad; falta de escuelas, techos, condiciones higiénicas mínimas, autoestima y reconocimiento social. Hasta la propia publicidad comercial consumista exacerba la conciencia de sus propias carencias y desesperanzas.

14-2-2003. Discurso pronunciado en la clausura del V Encuentro sobre Globalización y Problemas del Desarrollo, en el Palacio de las Convenciones, La Habana

“Nuestra televisión, radio y prensa no practican la publicidad comercial. Cualquier promoción está dirigida a cuestiones de salud, educación, cultura, educación física, deporte, recreación sana, defensa del medio ambiente; a la lucha contra las drogas, contra los accidentes u otros problemas de carácter social. Nuestros medios de difusión masiva educan, no envenenan ni enajenan. No se rinde culto ni se exaltan los valores de las podridas sociedades de consumo.

Se educa a las nuevas generaciones y a todo el pueblo en la protección del medio ambiente. Los medios masivos de difusión se emplean en la formación de una conciencia ecológica.

1-5-2003. Discurso pronunciado en el acto por el Día Internacional de los Trabajadores efectuado en la Plaza de la Revolución, La Habana

“El sistema imperialista que hoy impera, hacia el que inevitablemente fue evolucionando la sociedad capitalista desarrollada, arribó ya a un orden económico global y neoliberal tan despiadadamente irracional e injusto, que es insostenible. Contra él los pueblos se rebelarán. Ya han comenzado a rebelarse. Son estúpidos los que afirman que esto es fruto de partidos, ideologías o agentes subversivos y desestabilizadores de Cuba y Venezuela. Entre otras cosas esta evolución trajo consigo, de forma igualmente inevitable dentro de las bases y normas que rigen el sistema imperante, las llamadas sociedades de consumo. En ellas, sus tendencias despilfarradoras e irresponsables han envenenado las mentes de gran número de personas en el mundo, las que en medio de una ignorancia política y económica generalizada son manipuladas por la publicidad comercial y política a través de los fabulosos medios masivos que la ciencia ha creado.

13-6-2004. Mensaje a la XI Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Comercio y el Desarrollo

“…. Mientras esto ocurre a los ojos del mundo, los gastos militares ascienden a un millón de millones de dólares cada año, solo comparable a otro gasto absurdo, el de la publicidad comercial, que también se eleva a un millón de millones. Cualquiera de los dos, bien invertido año tras año, sería más que suficiente para que todos los habitantes del planeta alcanzaran a vivir decorosamente ….

19-9-2005. Discurso pronunciado en el acto de constitución del Contingente Internacional de Médicos Especializados en Situaciones de Desastre y Graves Epidemias “Henry Reeve” y graduación nacional de estudiantes de medicina, en la Ciudad Deportiva

“…. Claro, cómo van a seguir creyendo en las tonterías y las basuras que les cuentan todos los días, y se las quieren hacer creer a la fuerza mediante técnicas estudiadas, convirtiendo a los seres humanos en personas que actúen por reflejo, como los animales que actúan en los circos. Eso hacen con el millón de millones de dólares que se gastan cada año en publicidad y no en educación, como puede hacer, por ejemplo, nuestro país, y lo hace hoy: cada vez existen en él más medios masivos, cada vez más televisoras, y más del 60% del tiempo de las emisiones están dedicadas a la educación y sin publicidad comercial. Por eso es muy malo para el imperio hablar con Cuba, con los cubanos.

3-2-2006. Discurso pronunciado en el acto de entrega del Premio Internacional “José Martí”, de la UNESCO, a Hugo Chávez Frías, Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, efectuado en la Plaza de la Revolución

“No es fácil la tarea de los cuadros en un mundo donde la incitación al consumismo es permanente a través de todos los medios radiales, televisivos, electrónicos y escritos, y los métodos de seducir al ser humano son extraídos de laboratorios y centros de investigación. Obsérvese lo que ocurre con lo que se ha dado en llamar publicidad, por la que los consumidores pagan más de un millón de millones cada año. Se repiten tanto los anuncios comerciales, que desesperan por su banalidad a casi todas las personas”.

19-9-2008. Reflexiones del compañero Fidel. Los vicios y las virtudes

O que aflige a Europa? (Paul Krugman)



Do Estadão
por Paul Krugman

As coisas vão muito mal por aqui, com o desemprego ultrapassando a marca dos 13%. A situação é ainda pior na Grécia, na Irlanda e também na Espanha, e a Europa como um todo parece estar escorregando de volta à recessão.

Por que a Europa se converteu no paciente doente da economia mundial? Todos sabem a resposta. Infelizmente, aquilo que a maioria das pessoas sabe a respeito do problema não é verdadeiro – e histórias falsas a respeito dos problemas europeus estão distorcendo nosso discurso econômico.

Basta lermos um artigo opinativo sobre a Europa – ou, com frequência, uma reportagem supostamente factual – para nos depararmos com uma de duas histórias, um par que eu descreveria como a narrativa republicana e a narrativa alemã. Nenhuma destas histórias corresponde aos fatos.

A versão republicana – ela consiste num dos temas centrais da campanha de Mitt Romney – diz que a Europa está em má situação porque fez demais para ajudar aos pobres e desafortunados, e que estaríamos testemunhando os últimos estertores do Estado de bem estar social. Esta versão é, por sinal, uma eterna favorita entre os políticos de direita: em 1991, quando a Suécia enfrentou uma crise bancária decorrente da desregulamentação (soa familiar?), o Cato Institute publicou um relatório triunfante mostrando como o episódio comprovava o fracasso de todo o modelo do Estado de bem estar.

Cheguei a mencionar que a Suécia, país que ainda conta com um generosíssimo Estado de bem estar, é atualmente um mercado altamente próspero, apresentando um crescimento econômico mais acelerado que o de qualquer outro país rico? Mas é melhor adotar uma abordagem sistemática. Vamos analisar os 15 países europeus que atualmente usam o euro (excluindo Malta e Chipre), e organizá-los de acordo com a proporção do seu PIB que era investida em programas sociais antes da crise. Será que os principais países problemáticos (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália) se destacam por contarem com Estados de bem estar desproporcionalmente grandes? Não, este não era o caso deles; somente a Itália figurava entre as cinco posições mais altas deste ranking e, ainda assim, seu Estado de bem estar era menor do que o alemão.

Assim, o problema não foi provocado por Estados de bem estar excessivamente grandes.

A seguir, a versão alemã, segundo a qual tudo não passa de uma questão de irresponsabilidade fiscal. Esta história parece se encaixar no caso grego, e só. A Itália apresentou déficits nos anos anteriores à crise, mas estes foram apenas um pouco maiores do que os apresentados pela Alemanha (a imensa dívida da Itália é um legado de políticas irresponsáveis de muitos anos atrás). Os déficits de Portugal eram significativamente menores, enquanto Espanha e Irlanda chegavam a registrar superávits.

Ah, e os países que não usam o euro parecem poder arcar com grandes déficits e grandes dívidas sem passar por crises. Grã-Bretanha e Estados Unidos conseguem empréstimos de longo prazo a juros de aproximadamente 2%; o Japão, muito mais endividado do que qualquer país europeu, incluindo a Grécia, paga juros de apenas 1%.

Em outras palavras, a helenização do nosso discurso econômico, de acordo com a qual bastaria a todos nós um ou dois anos de déficits para nos tornarmos outra Grécia, é completamente infundada.

Questão monetária. Assim sendo, o que aflige a Europa? A verdade é que se trata principalmente de uma questão monetária. Ao introduzir uma moeda única desprovida das instituições necessárias para garantir o funcionamento desta moeda, a Europa reinventou na prática os defeitos do padrão ouro – defeitos que desempenharam um papel importante ao precipitar e perpetuar a Grande Depressão.

Mais especificamente, a criação do euro fomentou uma falsa sensação de segurança entre os investidores privados, desencadeando imensos e insustentáveis fluxos de capital destinados aos países de toda a periferia europeia. Como consequência da entrada destes fluxos, os custos e os preços aumentaram, a manufatura perdeu a competitividade, e países que apresentavam uma balança comercial relativamente equilibrada em 1999 começaram, em vez disso, a acumular imensos déficits comerciais. Foi então que a música parou.

Se os países periféricos ainda tivessem suas próprias moedas, eles poderiam usar a desvalorização para restaurar rapidamente a competitividade – coisa que certamente fariam. Mas eles não podem mais contar com esta alternativa, o que significa que têm diante de si um prolongado período de desemprego maciço e deflação lenta e arrastada.

Suas crises de endividamento são principalmente um produto desta triste perspectiva, pois economias deprimidas levam a déficits orçamentários e a deflação amplia o fardo do endividamento.

Ora, compreender a natureza dos problemas que afetam a Europa é algo que proporciona um benefício limitado para os próprios europeus. Os países em pior situação, em especial, só têm opções ruins diante de si: terão de sofrer as dores da deflação ou tomar a drástica decisão de deixar o euro, algo que não será politicamente viável a não ser que (ou até que) tudo o mais fracasse – um ponto do qual a Grécia está se aproximado. A Alemanha poderia ajudar ao reverter suas próprias políticas de austeridade e ao aceitar uma inflação mais alta, mais o país se recusa a fazê-lo.

Mas, para o restante de nós, entender corretamente o problema europeu é algo que faz uma imensa diferença, pois falsas histórias a respeito da Europa estão sendo usadas para fazer avançar políticas que seriam cruéis, destrutivas, ou ambas as coisas. Da próxima vez que aparecer algum especialista evocando o exemplo europeu para exigir que os americanos destruam sua rede de assistência social ou cortem os gastos em face de uma economia profundamente deprimida, eis o que precisamos saber: tais especialistas não têm ideia do que estão dizendo.

27 fevereiro, 2012

PIG é parceiro de empresa de inteligência?



















Por @StanleyBurburin

Veja o e-mail vazado pelo WikiLeaks que mostra que existe um grande jornal brasileiro que é parceiro de uma empresa que fornece serviços de inteligência confidenciais para grandes corporações dos EUA e também para e agências governamentais, incluindo o Departamento de Segurança Interna dos EUA , os fuzileiros navais dos EUA e Agência de Inteligência de Defesa dos EUA.

Do WikiLeaks

The Global Intelligence Files

Na segunda-feira, 27 fevereiro de 2012, o WikiLeaks começou a publicar “Os Arquivos Globais de Inteligência”, mais de cinco milhões de e-mails do Texas sede da empresa de "inteligência global" Stratfor. Os e-mails datam entre julho de 2004 e final de dezembro de 2011. Eles revelam o funcionamento interno de uma empresa que atua como uma editora de inteligência, mas fornece serviços de inteligência confidenciais para grandes corporações, como a Dow Chemical Co. de Bhopal, a Lockheed Martin, Northrop Grumman, Raytheon e agências governamentais, incluindo o Departamento de Segurança Interna dos EUA , os fuzileiros navais dos EUA e Agência de Inteligência de Defesa dos EUA. Os e-mails mostram a teia de informantes da Stratfor, estrutura de pagamento, técnicas de lavagem de pagamento e métodos psicológicos.

LEMBRETE da Confederação - Lista de Anseios do Brasil E-mail ID-5502132
Data: 2011/12/05 15:33:37
De: allison.fedirka @ stratfor.com
Para: econ@stratfor.com, latam@stratfor.com
Lista de nomes-econ@stratfor.com

Estarei enviando a lista de orientações para o nosso parceiro Confederação amanhã. Obrigado a todos aqueles que responderam. Incluí e exemplifiquei uma lista de itens no final deste e-mail. Por favor, sintam-se livres para fazer alterações ou adicionar qualquer coisa ao e-mail.
-------------------------------------------------- --------------------


Oi a todos,


Ontem me encontrei com um parceiro da confederação brasileira, um grande jornal daqui. Ontem me encontrei com o POC (POC (Militar) = Point Of Contact: Ponto de Contato - http://wikileaks.org/wiki/POC_(military)) [ponto de contato] principal, bem como o cabeça do jornal para discutir como poderíamos tornar a nossa parceria mais produtiva.


Uma das coisas que o jornal solicitou de nós foi uma lista de itens específicos de nosso interesse. Nosso POC (ponto de contato) está disposto a nos colocar em contato com vários repórteres que são especialistas em nossas áreas de interesse. Essas pessoas estarão disponíveis para bate-papos em geral e também questões específicas.

Então, o que eu preciso é de uma lista de itens que nos interessam. É necessário que tenha um bom equilíbrio entre específico versus geral.

Depois de pronto, eles terão uma idéia melhor de quem colocarão em contato com a gente. Então, poderemos enviar perguntas específicas, por exemplo: como é que o derramamento de petróleo pela Chevron afeta os regras do petróleo?

Ontem eu conheci pessoas que podem ajudar com a macroeconomia / política, infra-estrutura e política brasileiras. Então, essas seriam boas áreas para se obter alguns itens de nosso interesse. Esta lista será útil tanto para a cooperação e para atualização da nossa orientação. Gostaria de obter essa lista para o nosso POC na segunda-feira da próxima semana ou terça-feira no mais tardar.

Obrigado,
Allison

ECONOMIA
- A decisão política sobre crescimento, inflação
- Disputas comerciais com a Argentina
- Relação com a China; investimentos em energia, dumping de mercadorias, concorrência no setor

INFRA-ESTRUTURA
- Modernização dos projetos portuários
- Medida a ser implementada para se certificar de que os projetos da Copa do Mundo serão concluídos dentro do prazo

DEFESA
- Os exercícios militares na fronteira
- 13 tratados com os países fronteiriços para coordenar os esforços na luta anti-droga
- Qualquer pressão sobre os orçamentos militares em face de restrições financeiras

Política brasileira
- Remodelação do gabinete em Janeiro[2012, acredito – posse de Dilma]
- Resultados e conseqüências da votação para divisão do estado do Pará.




26 fevereiro, 2012

O Neo-Realismo em Portugal

Do Esquerda.Net

O Neo-Realismo em Portugal não se esgota na sua componente literária, estando igualmente associado às artes plásticas e à história da resistência antifascista. O seu comprometimento com a transformação humana do mundo e a permanente articulação entre o individual e o coletivo são alguns dos traços que caracterizam as obras neo-realistas. Dossier coordenado por Mariana Carneiro.



Neste dossier, poderá obter informações sobre a vida e obra de Alves Redol, mediante a leitura dos artigos de João Madeira António Mota Redol, assim como sobre o papel da mulher na obra deste autor.

É também aqui reproduzido um texto sobre Manuel da Fonseca publicado pela Hemeroteca de Lisboa por ocasião do centenário do seu nascimento.

Nos artigos Ler hoje o Neo-Realismo e Uma breve abordagem ao Neo-Realismo, de Vítor Pena Viçoso e João Machado, respetivamente, é retratada a história do Neo-Realismo em Portugal e no artigo de Maria José Vitorino, a autora explica qual é, a seu ver, a importância do trabalho desenvolvido pelo Museu do Neorealismo.


Um bom motivo para respeitar o PSOL



O Conversa Afiada reproduz e-mail do professor Fábio Konder Comparato :

Caro amigo:

Há mais de 1 (um) ano, o PSOL ingressou com uma ação de inconstitucionalidade por omissão no Supremo Tribunal Federal, a respeito da falta de regulamentação legal de vários artigos da Constituição Federal sobre meios de comunicação de massa. Com efeito, após 23 anos e meio de vigência da Constituição, normas da maior importância, como a proibição do monopólio e do oligopólio no setor, ou a regulamentação do conteúdo da produção e programação das emissoras de rádio e televisão com o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, continuam submetidas à lei do mais forte e do mais inescrupuloso.

Pois bem, no próximo dia 25 de março completar-se-á 1 (um) ano da remessa dos autos da citada ação de inconstitucionalidade por omissão ao Procurador-Geral da República, para que ele dê o seu devido parecer, quando, pela lei que regula tais ações, a Procuradoria-Geral da República tem o prazo de 15 (quinze) dias para fazê-lo!

Ou seja, neste “Brasil, florão da América”, como proclama o hino nacional, todos são obrigados a cumprir a Constituição e as leis, salvo evidentemente os “donos do poder”.

E vamos nos queixar a quem? Antigamente, segundo o ditado popular, aconselhava-se a vítima a se queixar ao bispo. Agora, nem este recurso subsiste. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal não respondem perante o Conselho Nacional de Justiça, assim como o Procurador-Geral da República não responde perante o Conselho Nacional do Ministério Público.

Quem sabe, você poderia ajudar o povo, dito soberano (…), a se revoltar contra sua posição de permanente incapacidade na vida política, social e econômica.

Receba meu abraço,

Fábio Konder Comparato



Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber, Digníssima Relatora da Ação de Inconstitucionalidade por Omissão nº 10:

O PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE, autor da ação em referência, vem expor e a final requerer o que segue:

1.– No próximo dia 25 de março, completar-se-á um ano da remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República, a fim de que ela emita o devido parecer no presente processo.

Segundo o disposto no art. 8º da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República tem o prazo de 15 (quinze) dias para se manifestar sobre a ação proposta.


2.– A Constituição Federal, logo no primeiro de seus artigos, declara que “a República Federativa do Brasil [...] é um Estado Democrático de Direito”.

Em um autêntico Estado de Direito, escusa lembrar, é absoluta-mente inadmissível que alguém, sobretudo um agente público, possa sobrepor sua vontade ou seu interesse particular à ordem jurídica, ou justificar-se do não cumprimento da lei por razões de ordem particular.

Escusa lembrar, ainda, que, de acordo com o disposto no art. 127 da Constituição Federal, “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica”. O que significa, a todas as luzes, que o Ministério Público não goza nem pode gozar de nenhum privilégio em matéria processual, devendo, como qualquer parte ou interveniente no processo, cumprir rigorosamente os prazos legais.

3.– Nessas condições, é a presente para pedir a Vossa Excelência:

1. que mande intimar o Exmo. Sr. Procurador-Geral da República a apresentar incontinente nestes autos o seu parecer;
2. que determine seja o Conselho Nacional do Ministério Público informado do fato, para as providências cabíveis.


Termos em que,
PEDE DEFERIMENTO.
De São Paulo para Brasília,

_______________________________
p.p. FÁBIO KONDER COMPARATO
OAB-SP nº 11.118

25 fevereiro, 2012

Síria: por que Assad não cai (por I.Wallerstein )

















Do OutrasPalavras
por Immanuel Wallerstein
Tradução: Antonio Martins


Guerra civil recrudesce, e ONU condena tirania, mas Immanuel Wallerstein analisa: pressão internacional por sua derrubada não passa de retórica


O presidente sírio, Bachar al-Assad suporta o peso de ser um dos homens menos populares no mundo. É apontado como tirano – um tirano muito sangrento – por quase todos. Mesmos os governos que se recusam a denunciá-lo parecem aconselhá-lo a conter a repressão e fazer algum tipo de concessão política a seus oponentes internos.

Mas como ele pode ignorar todos estes conselhos e continuar a aplicar força máxima para manter o controle político de seu país? Por que não há nenhuma intervenção externa, para provocar sua derrubada? Para responder a estas questões, vamos começar reconhecendo suas forças. Primeiro, ele tem um exército razoavelmente poderoso; e até agora, com poucas exceções, o exército e outras estruturas de força na Síria permanecem leais ao regime. Além disso, ele ainda parece ter o apoio de ao menos metade da população, naquilo que está sendo descrito, cada vez mais, como uma guerra civil.

Os postos-chaves do governo e nos quadros do exército estão em mãos dos alawitas, uma ala do Islã xiita. São uma minoria entre a população e certamente temem o que pode lhes suceder se as forças de oposição, largamente sunitas, tomarem o poder. Além disso, as outras forças de minoria significativas – cristãos, drusos e curdos – também parecem temer um governo sunita. Por fim, a ampla burguesia mercantil ainda não se voltou contra o regime do Partido Baath.

Mas isso é suficiente? Se fosse tudo, duvido que Assad pudesse manter-se por muito tempo. O regime está sendo pressionado economicamente. O Exército Sírio Livre, na oposição, está sendo abastecido de armamentos pelos sunitas iraquianos e provavelmente pelo Qatar. O coro de denúncias na imprensa mundial, e em grupos políticos de múltiplas tendências, cresce a cada dia.

Ainda assim, não creio que encontremos, em um ano ou dois, Assad fora do poder, ou o regime substancialmente mudado. A razão é que aqueles que mais o denunciam não desejam de fato que ele vá. Vamos analisá-los um por um.

Arábia Saudita: o ministro do Exterior disse ao New York Times que “a violência tem de ser interrompida e o governo sírio não merece mais nenhuma chance”. Parece de fato duro, até que se leia o adendo: “a intervenção internacional deve ser descartada”. O fato é que a Arábia Saudita quer o crédito por se opor a Assad mas teme muito o que poderá sucedê-lo. Sabe que numa Síria pós-Assad (provavelmente, muito caótica), a Al Qaeda encontraria uma base; e que o objetivo número um da Al Qaeda é derrubar o regime saudita. Logo, “sem intervenção internacional”.

Israel: sim, os israelenses continuam obcecados com o Irã. E sim, a Síria baathista continua sendo um poder favorável ao Irã. Mas no frigir dos ovos, a Síria tem sido um vizinho árabe relativamente tranquilo, uma ilha de estabilidade para os israelenses. Sim, os sírios ajudam o Hezbollah, mas o Hezbollah também tem se mantido quieto. Por que os israelenses desejariam correr o risco de uma Síria pós-baathista turbulenta? Quem assumiria o poder? Seja quem for, não teria que reforçar suas credenciais ampliando a jihadcontra Israel? E a queda de Assad não abalaria a estabilidade relativa que o Líbano parece agora desfrutar? Isso não terminaria reforçando e renovando o radicalismo do Hezbollah? Israel teria muito a perder, e não muito a ganhar, se Assad caísse.

Estados Unidos: a Casa Branca fala grosso. Mas você percebeu como ela é cautelosa, na prática? O Washington Post deu, a um artigo de 11/2, o título: “Massacre consuma-se, mas EUA não veem ‘nenhuma opção’ na Síria”. O texto frisa que Washington “não tem apetite para uma intervenção militar”. Nenhum apetite, apesar da pressão de intelectuais neocons como Charles Krauthammer – suficientemente honesto para admitir que “não se trata apenas de liberdade”. Trata-se, ele diz, de desconstruir o regime iraniano.

Mas não é exatamente por isso que Obama e seus conselheiros não veem alternativas?Eles foram pressionados para aderir à operação na Líbia. Os EUA não perderam muitas vidas, mas será que obtiveram alguma vantagem geopolítica? O novo regime líbio – se é que há um novo regime líbio – será melhor que o anterior? Ou é o começo de uma longa instabilidade interna, como a que abalou o Iraque?

Posso imaginar o suspiro de alívio em Washington, quando a Rússia vetou a resolução da ONU sobre a Síria. A pressão para iniciar uma intervenção de estilo líbio foi suspensa. Obama foi protegido, pelo veto russo, da pressão republicana em torno do tema. E Susan Rice, a embaixadora dos EUA junto à ONU, pôde jogar toda a culpa em Moscou. Eles foram “repugnantes”, disse ela, oh, tão diplomática.

França: Sempre nostálgico do papel outrora dominante de seu país na Síria, o ministro do Exterior, Alain Juppé, grita e denuncia. Mas tropas? Você só pode estar brincando. Há uma eleição à vista, e enviar soldados não renderia voto algum – especialmente porque, ao contrário da Líbia, não seria um passeio.

Turquia: o país ampliou de forma inacreditável suas relações com o mundo árabe, na última década. Ele está de fato descontente com uma guerra civil em suas fronteiras. Adoraria algum tipo de acordo político. Mas o ministro do Exterior, Ahmet Davutoglu teria garantido que “a Turquia não provê armas nem apoia desertores do exército”. Os turcos desejam, basicamente, ter boas relações com todas as partes. Além disso, a Turquia tem sua própria questão curda e a Síria poderia oferecer apoio ativo a esta minoria – o que, até agora, ela se absteve de fazer.

Portanto, quem quer intervir na Síria? Talvez, o Qatar. Mas o país, embora rico, está longe de ser uma potência militar. O ponto de partida é que, ainda que a retórica seja dura; e a guerra civil, feia, ninguém quer de fato que Assad vá. Por isso, tudo indica que ele ficará.


24 fevereiro, 2012

O enigmático Dragão Vermelho e o Brasil

por Milton Pomar

Uma das causas para a rápida ascensão do Brasil no ranking das economias mundiais é a relação comercial com a China, que evoluiu de US$ 2,3 bilhões em 2001, para US$77 bilhões no ano passado. Cresceu tanto o ingresso de capitais chineses no Brasil, que além de maior parceiro comercial e maior comprador de produtos agropecuários, a China tornou-se também o maior investidor no setor produtivo brasileiro. No curto prazo, as compras e investimentos chineses são bem-vindos, mas será que eles resistem a uma análise de caráter estratégico? 

Existe Plano B?

Dentro de mais alguns anos, o Brasil deverá entrar para o clube das cinco maiores economias do mundo, do qual fazem parte hoje os Estados Unidos, China, Alemanha, Japão e França. Seremos então o país com o 5º maior PIB. Provavelmente na época já não teremos a maior taxa de juros do mundo, nem estaremos mais na companhia dos quatro países com a pior concentração de renda, mas o Brasil continuará sendo o maior em exportações de soja, açúcar, carnes, celulose, café, suco de laranja, etanol de cana-de-açúcar, minério de ferro etc. Como o único critério para ser aceito nesse clube é a grandeza do PIB, o Brasil fará parte dele, mesmo distante dos demais sócios em aspectos decisivos: nível educacional da população; dimensão do mercado consumidor; participação na indústria mundial; transporte de cargas por ferrovia e hidrovia; taxa de investimento em relação ao PIB; participação do comércio exterior na formação do PIB; e investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação.

Uma das causas para essa rápida ascensão do Brasil no ranking das economias mundiais (era a 12ª maior, há apenas dez anos), é a relação comercial com a China, que evoluiu de US$ 2,3 bilhões em 2001, para US$77 bilhões no ano passado. As exportações brasileiras para a China batem recordes, ano após ano: US$ 44,3 bilhões em 2011, quase o dobro das vendas para os EUA (US$ 25,9 bilhões). Mantido esse ritmo de crescimento, superior a 40% anuais, o comércio com a China deverá atingir US$300 bilhões em 2015. E há os investimentos no Brasil, cada vez maiores, em indústrias de diversos setores, de vários estados. Cresceu tanto o ingresso de capitais chineses no Brasil, que além de maior parceiro comercial e maior comprador de produtos agropecuários, a China tornou-se também o maior investidor no setor produtivo brasileiro.

A sociedade brasileira assiste atônita a essa ofensiva comercial chinesa. As quantias crescentes tendem a ofuscar a análise qualitativa do que é comprado e do que é vendido pela China, e se diz assim porque a iniciativa é muito mais dela. Diversas lideranças industriais têm protestado, alertando sobre os riscos da desindustrialização que já estaria ocorrendo no Brasil. Alguns intelectuais, em geral economistas, escrevem com freqüência sobre os possíveis impactos dessa relação desigual – o Brasil comprando manufaturados da China e ela comprando commodities, ambos em quantidades crescentes. Até agora, o resultado das trocas comerciais com a China tem sido positivo para o Brasil, tendo inclusive mais do que dobrado em 2011, em relação a 2010, a ponto de responder por quase 40% do superávit total da balança comercial brasileira. No curto prazo, as compras e investimentos chineses são bem-vindos, mas será que eles resistem a uma análise de caráter estratégico?

O movimento de lá para cá segue claramente uma estratégia, perceptível nos discursos e ações dos dirigentes políticos e das empresas chinesas – apesar de serem de setores diferentes, revelam sintonia entre si, como se cada qual soubesse a sua parte no jogo. Enquanto isso, do lado de cá, há divergências em relação ao que fazer com a China nos governos, legislativos, universidades, entidades empresariais e sindicais, mídia etc. O meio empresarial brasileiro está visivelmente “rachado” no tema China, entre os setores que estão ganhando muito dinheiro – agronegócio, mineração e comércio –, e os segmentos do setor industrial que estão perdendo. Sindicalistas, intelectuais, empresários e integrantes dos governos falam da possibilidade do ressurgimento do desemprego, caso as importações de manufaturados da China continuem crescendo, e muitos temem, em relação a empresas chinesas, a concessão de áreas de exploração de petróleo e a venda de terras agrícolas e minas, entre outros perigos para a economia e a soberania nacionais.

Quem analisa a situação do ponto de vista estratégico para o Brasil, leva em consideração o que ocorreu com os Estados Unidos na relação com a China, desde que esta iniciou seu programa de reformas e abertura, em 1980, após o fim do bloqueio norte-americano (que durou de 1949 a 1979). Naquele ano, a China não estava entre as dez maiores economias do mundo; até 2020, será a maior economia mundial. Durante as décadas de 1980 e 90, a China realizou uma proeza impensável: conseguiu a transferência de milhares de indústrias dos EUA para o território chinês, onde elas respondem hoje por mais de 60% das exportações “made in China”. Esse fenômeno resultou na redução significativa da participação dos EUA na indústria mundial, no período 1980/2010, e na multiplicação por dez da participação da China (de 1,5% para 15%). Outro indicador impressionante dessa inversão do peso dos dois países no mundo é revelado pela Organização Mundial do Comércio (OMC): no período 1948/2010, a China saiu de 0,9% de participação nas exportações mundiais para 10,6%, e os EUA caíram de 21,7% para 13,2%. No mesmo período, os EUA mantiveram a sua fatia nas importações mundiais em 13%, enquanto a China saltou de 0,6% para 9,3%.

Perdendo parte considerável da sua importância na indústria e comércio mundiais para a China, restou aos EUA fincar pé nas exportações agrícolas e cortar fundo nas despesas militares, reduzindo centenas de bilhões de dólares do orçamento do Pentágono, diminuindo os efetivos das bases que ainda mantêm em quase todo o mundo e retirando-se do Iraque. A prioridade militar dos EUA agora é o Pacífico, onde precisam manter presença ostensiva por causa justamente da China. Registre-se que o encolhimento militar dos EUA é inversamente proporcional à modernização das forças armadas chinesas, que tem realizado expressivos investimentos em equipamentos bélicos, treinamentos etc. Mas nada é mais simbólico da transformação radical promovida pela China na relação com os EUA, do que o fato dela ser hoje a sua maior credora, com quase um trilhão e meio de dólares em títulos do Tesouro norte-americano.

Como tudo isso ocorreu muito rápido, e a situação chinesa de hoje é infinitamente superior à de 1980, causa arrepio na espinha pensar no que pode acontecer com o Brasil na relação com a China, se deixarmos o barco correr para ver aonde a correnteza vai nos levar. Daí o medo (quase pânico) de muitos que acompanham o assunto, de que as coisas cheguem a um ponto sem volta, que se traduziria, em termos práticos, no Brasil tão-somente grande exportador de commodities para o mundo, particularmente para a China, e dependente da importação de manufaturados, em especial chineses, com perdas econômicas gigantescas, resultando em desemprego, queda da arrecadação e tudo o mais que os EUA enfrentam hoje. Situação agravada pelo peso chinês em setores estratégicos da economia nacional, como mineração e energia.

Diferenças importantes a considerar

Ainda que esse quadro assustador baseie-se no exemplo norte-americano, há aspectos diferenciais no caso brasileiro que devem ser considerados, para que se possa estabelecer a relação com a China em outras bases, de maneira a assegurar ao Brasil os recursos necessários ao desenvolvimento do país e melhor participação no maior mercado consumidor do mundo.


Sabemos da realidade brasileira, do potencial e das debilidades estruturais das diferentes regiões. Mas o que se sabe realmente sobre a China no Brasil – nas universidades, entidades empresariais e sindicais, governos federal, estaduais e das maiores cidades, empresas internacionalizadas e na mídia? Mesmo onde os ganhos são mais expressivos, sob todos os aspectos, como é o caso do agronegócio (ainda que o lucro das mineradoras esteja nas alturas), pouco se investe para conhecer as características do mercado, as tendências das demandas alimentares chinesas e as possíveis iniciativas do governo e empresários do país para lucrarem com o setor, sem abrirem mão da soberania alimentar, algo vital para a China.

Chega a ser perturbador constatar a leviandade com que o país é tratado por gente importante, expressa na utilização de informações erradas e em uma dose considerável de preconceitos. É inegável que estamos despreparados para lidar em pé de igualdade política e comercial com a segunda maior economia do mundo. Felizmente, essa situação está mudando para melhor, há mais pessoas no Brasil se preocupando em aprofundar o conhecimento e as relações com a China, buscando oportunidades não apenas comerciais, mas também de intercâmbios em áreas diversas.

A soja é um bom exemplo dos benefícios da entrada decisiva da China no mercado mundial. O Brasil atingiu a produção de 1 milhão de toneladas em 1969; dez anos depois, chegou a 15 milhões de toneladas. Foram necessários mais 20 anos para a produção dobrar. Com a China comprando, em dez anos a produção brasileira dobrou novamente, atingindo 70 milhões de toneladas. Significa que não apenas houve aumento da produção, mas também da produtividade – resultado de ciência e tecnologia e da utilização de insumos industriais. Essa mesma lógica serve para a celulose; etanol de cana-de-açúcar; carnes suína, bovina e de frango; fumo; suco de laranja; algodão; e outros produtos agrícolas.

Maior compradora de produtos agropecuários do Brasil, tudo indica que a China seguirá importando em velocidade muito superior ao do crescimento da sua economia: tem 20% da população mundial e há cada vez mais pessoas com maior poder aquisitivo; dispõe de pouca água (6% da existente no mundo), mal distribuída e com risco de contaminação; seu estoque de terras disponíveis para agricultura está no “limite vermelho”; o esforço permanente para aumentar a produtividade agrícola tem um custo muito alto, que requer subsídios cada vez maiores; e a produção de grãos tem se mantido em 550 milhões de toneladas. O detalhe aparentemente contraditório é que a China não só exporta produtos agrícolas, como tende a transformar-se rapidamente em um grande pólo agroindustrial, utilizando matérias-primas próprias e importadas para a industrialização em larga escala de alimentos e outros produtos.

Passar de maior importadora agrícola, para maior exportadora de alimentos industrializados, papel, tecidos de algodão e outras fibras naturais, móveis de madeira etc para a Ásia (2,5 bilhões de pessoas), será o grande “pulo do gato” do dragão chinês. Vendedora por natureza, altamente capitalizada, com 800 milhões de pessoas economicamente ativas, localização central, fronteiras terrestres e ligação ferroviária atual ou futura com 15 países, a China revolucionará a logística de transporte mundial de uma maneira fantástica, porque construirá ferrovias entre países da Ásia Central, na sua região oeste, e o Oceano Pacífico, onde possui os maiores portos do mundo e gigantesca frota mercante. Esse plano foi anunciado por autoridades do governo central chinês em 2008, na cidade de Chengdu, capital de Sichuan, durante evento reunindo 12 províncias e regiões autônomas e representantes dos países vizinhos. Quando estiver concretizada essa “Rota da Seda sobre trilhos”, as trocas comerciais da Ásia com o restante do mundo atingirão volumes impensáveis hoje.

A capacidade de transporte por ferrovia é uma das razões da competitividade imbatível chinesa: mais de 80 mil km, ligação entre todas as municipalidades, capitais de províncias e de regiões autônomas, velocidade média de 80 km/h para carga (os trens de passageiros vão de 100 km/h a 350 km/h), com um movimento tão grande que só perde para o dos Estados Unidos. Após construir a ligação ferroviária entre Qinghai e Lhasa (capital do Tibet), a última entre capitais que faltava, e as ferrovias de alta velocidade, entre Beijing e Shanghai, o próximo objetivo é aumentar a malha para 100 mil km.

Uma ferrovia ligando o Oeste brasileiro ao Pacífico aumentará a competitividade da exportação de soja para a Ásia, tornando o preço do produto brasileiro imbatível. Essa possibilidade, mais o potencial agrícola, florestal e mineral da região, tornam o investimento na construção muito atraente para empresas chinesas, que também se interessarão em vender locomotivas, vagões e trilhos. Considerando os cenários possíveis do setor agropecuário mundial para os próximos dez anos, essa ferrovia adquire uma importância extraordinária para o agronegócio brasileiro, cujo crescimento internacional (exportou US$94,6 bilhões ano passado, 24% a mais em relação a 2010) incomoda muito a concorrência, principalmente a norte-americana, que será a mais afetada por essa ferrovia na disputa pelo mercado asiático. Apesar disso, até aonde se sabe, não há nenhum trabalho da região ou do governo federal sendo desenvolvido com o objetivo de atrair investimentos do país com a maior liquidez do mundo.

As oportunidades do crescimento chinês

Crescer tanto, com dezenas de milhões de pessoas migrando o tempo todo das áreas rurais e demandando infra-estruturas e empregos nas cidades, gera várias contradições e desigualdades. Trata-se de construir, nos próximos 30 anos, o equivalente a dois “brasis”. Calcular as quantidades necessárias de energia, cimento, aço, alumínio, vidro, madeira, plástico, e tudo o mais, para tantos edifícios residenciais e comerciais, indústrias, escolas, hospitais etc, chega a ser surreal. Além disso, durante o processo contínuo de migração e construção, deverá continuar ocorrendo aumento da renda, e por conseqüência, aumento do consumo, como tem sido desde 1980, efetivando um ingresso na classe média chinesa de mais 300 milhões, ou 400 milhões, elevando o seu mercado consumidor para inacreditáveis 700 ou até 800 milhões de pessoas.


Ainda que muitos analistas não acreditem que o fenômeno chinês vá continuar por muito tempo mais, é bom considerar essa possibilidade, e se preparar para aproveitar as oportunidades em todas as áreas, porque a China precisará importar mais, seu parque industrial não dá conta de atender a demanda doméstica, muito menos o crescimento dela decorrente da decisão governamental de continuar o crescimento via consumo interno. Mas de onde ela vai importar mais, se os custos de produção europeus, norte-americanos, japoneses e brasileiros são muito maiores dos que os seus? Por isso, a China precisará investir muito, na própria China e no restante do mundo, para aumentar a capacidade de produção e reduzir custos. Ano passado, ela recebeu 103 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros, e teria investido no exterior pouco mais de US$60 bilhões.

Esse movimento simultâneo (atrair investimentos e investir em outros países) continuará em grande escala, porque ao mesmo tempo em que é “obrigada” a investir em ativos em outros países, precisa obter capital alheio, porque o seu superávit na balança comercial está caindo (ano passado foi US$28 bilhões menor, em relação a 2010), e a tendência é continuar assim, conforme aumentem as suas importações. Prova da sua disposição de continuar atraindo capital estrangeiro é a decisão do governo, anunciada dia 30 de dezembro de 2011, e em vigor a partir de 30 de janeiro de 2012, de abrir mais setores da economia ao investimento estrangeiro. O objetivo declarado pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China e o Ministério do Comércio é atrair investimentos em “indústrias emergentes estratégicas”: economia de energia, energias alternativas, veículos de combustíveis alternativos, despoluição, tecnologias de informação de nova geração, biotecnologia, produção de equipamentos modernos e materiais avançados.

Ao mesmo tempo, permitirá aumento do capital estrangeiro em alguns setores, velha reivindicação dos investidores, que se recusavam a ficar minoritários nas sociedades. O comunicado conjunto dá conta ainda que o governo “continuará dando as boas-vindas aos investidores estrangeiros em indústrias de ponta e de serviços modernos”, e também os incentivará a investir nas indústrias de reciclados.

As novas diretrizes do governo chinês reforçam a atração de investimentos e indicam por onde caminhará a política industrial do país nos próximos anos: o governo retirará o apoio ao capital estrangeiro na produção de automóveis, devido à necessidade de obter “um saudável desenvolvimento da produção nacional nesse setor” e tampouco apoiará o investimento estrangeiro nos setores de silício poli-cristalino e química de hulha, devido ao receio de excesso de oferta industrial e excesso de capacidade instalada. Por fim, o governo chinês anunciou que produzirá “uma política detalhada para as regiões central e oeste do país, levando em consideração as diferenças de desenvolvimento regional”.

Atrair investimentos da China para o Brasil

A Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX), conta com escritório na China, em Beijing. Sua congênere chinesa, a Ccpit, com a qual possui acordo de cooperação, está estruturada a nível central, setorial, provincial e municipal. Enquanto o Brasil possui uma APEX, a China possui 700 Ccpit. Quando o Brasil se dispuser a atrair investimentos chineses, precisará de escritórios e equipes da APEX também em Shanghai, Guangzhou e outras grandes cidades chinesas. Tem que estar perto, tem que conviver, conhecer, estabelecer relações. Essa lógica vale também para a representação diplomática brasileira na China. Além da embaixada e consulado em Beijing, há consulados também em Shanghai, Guangzhou e Hong Kong. A equipe brasileira é hoje bem maior do que era há dez anos, mas ainda assim, não chega a 10% do efetivo norte-americano e é menos de um terço da representação do Canadá. Com um agravante: muda a cada quatro anos. Ou seja, quando o diplomata começa a conhecer a China, ele vai embora.

O Banco do Brasil tem um escritório em Shanghai, onde está a maioria das empresas brasileiras na China. Mas falta Banco do Brasil em Guangzhou, no sul da China, e em Beijing, no norte. Aumentar a presença institucional do Brasil na China é fundamental para todos que queiram se relacionar com o país: estudantes, empresários, governos, artistas, esportistas. Enquanto o programa do governo federal de envio de estudantes para o exterior quer “exportar” 75 mil jovens para o mundo, o governo Obama anunciou sua disposição de mandar 100 mil estudantes somente para a China (contrapondo-se assim aos 130 mil estudantes chineses nos EUA), para aprenderem a língua e conhecerem a cultura do principal adversário dos EUA.

Competição e competitividade

O panorama mundial é deveras preocupante, mas para muitos no Brasil a relação comercial com a China é mais preocupante ainda pelos riscos que implica, até porque algumas das empresas que querem vir para o Brasil são estatais. Ainda está vivo na memória o ocorrido na segunda metade do século passado, quando o Brasil foi “invadido” e “dominado” por empresas norte-americanas, alemãs, japonesas, francesas, italianas etc, que tornaram-se donas de minas, fazendas e indústrias. De mais a mais, competir com as empresas chinesas parece ser impossível, elas trabalham com juro de 5%, quase metade da carga tributária brasileira, custos de produção e de transportes muito menores e margens de lucro inferiores às praticadas no Brasil.


Competindo com todos os países, o Brasil comprou e vendeu um total de US$482 bilhões em 2011, quase o mesmo, em termos populacionais, que os US$3,6 trilhões obtidos pela China. Mais do que a competitividade das chinesas, a maior dificuldade comercial das empresas brasileiras naquele mercado é a competição com empresas do mundo inteiro, que já estão lá há vários anos. Existem algumas dezenas de empresas do Brasil na China, e dezenas de milhares dos outros países. Enquanto uma empresa do setor lácteo nacional reluta em investir no mercado chinês, empresas da China importam anualmente 100 mil vacas leiteiras do Uruguai, Nova Zelândia e Austrália, com o objetivo de formar um rebanho leiteiro de alta qualidade. Hoje a China já produz mais leite de vaca do que o Brasil, e importa leite em pó a preços inferiores aos praticados por nossas empresas no mercado internacional.

O aumento da entrada de produtos chineses no Brasil é resultado exclusivo da ação de empresas brasileiras, dos setores industrial e do agronegócio, que vão até lá comprar, visando obter redução de custos e a elevação das margens do que produzem, e do setor comercial, que busca preços que permitam margens elevadas na revenda. Entidades empresariais desses setores organizam e levam comitivas para comprar na China, e esse movimento cresceu demais nos últimos cinco anos, resultando em aumento da quantidade de empresas que importam da China e em US$33 bilhões de compras em 2011.

Esse quadro complexo, contraditório e volátil, requer da sociedade e do governo brasileiros definições de como lidar com a China, de maneira a permitir realizar uma ofensiva articulada, visando estreitar relações nas áreas cultural, esportiva, educacional e de ciência e tecnologia; aumentar a presença institucional do Brasil no país; e estimular ações dos governos e das empresas, de atração de investimentos e de penetração no mercado chinês, inclusive através de instalação de indústrias lá. Temos necessidade e condições de fazer tudo isso, nós só não temos um “Plano B”.


(*) Milton Pomar é empresário, editor da revista em chinês “Negócios com o Brasil”

Artigo publicado originalmente na revista Amanhã (edição de Fevereiro/2012).

Racista é a PQP, não PHA!


Do Brasilia, eu vi
Por Leandro Fortes
_____________


Paulo Henrique Amorim, assim como eu e muitos blogueiros e jornalistas brasileiros, nos empenhamos há muito tempo numa guerra sem trégua a combater o racismo, a homofobia e a injustiça social no Brasil. Fazemos isso com as poderosas armas que nos couberam, a internet, a blogosfera, as redes sociais. Foi por meio de pessoas como PHA, lá no início desse processo de abertura da internet, que o brasileiro descobriu que poderia, finalmente, quebrar o monopólio da informação mantido, por décadas a fio, pelos poderosos grupos de comunicação que ainda tanto fazem políticos e autoridades do governo se urinar nas calças. PHA consolidou o termo PIG (Partido da Imprensa Golpista) e muitos outros com humor, inteligência e sarcasmo, características cada vez mais raras entre os jornalistas brasileiros. Tem sido ele que, diuturnamente, denuncia essa farsa que é a democracia racial no Brasil, farsa burlesca exposta em obras como o livro “Não somos racistas”, do jornalista Ali Kamel, da TV Globo.

Por isso, classificar Paulo Henrique Amorim de racista vai além de qualquer piada de mau gosto. É, por assim dizer, a inversão absoluta de valores e opiniões que tem como base a interpretação rasa de um acordo judicial, e não uma condenação. Como se fosse possível condenar PHA por racismo a partir de outra acusação, esta, feita por ele, e coberta de fel: a de que Heraldo Pereira, repórter da TV Globo, é um “negro de alma branca”.

O termo é pejorativo, disso não há dúvida. Mas nada tem a ver com racismo. A expressão “negro de alma branca”, por mais cruel que possa ser, é a expressão, justamente, do anti-racismo, é a expressão angustiada de muitos que militam nos movimentos negros contra aqueles pares que, ao longo dos séculos, têm abaixado a cabeça aos desmandos das elites brancas que os espancaram, violentaram e humilharam. O “negro de alma branca” é o negro que renega sua cor, sua raça, em nome dessa falsa democracia racial tão cara a quem dela usufrui. É o negro que se finge de branco para branco ser, mas que nunca será, não neste Brasil de agora, não nesta nação ainda dominada por essa elite abominável, iletrada e predatória – e branca. O “negro de alma branca” é o negro que foge de si mesmo na esperança de ser aceito onde jamais será. Quem finge não saber disso, finge também que não há racismo no Brasil.

Recentemente, fui chamado de racista por um idiota do PCdoB, partido do qual sou, eventualmente, eleitor, e onde tenho muitos amigos. Meu crime foi lembrar ao mundo que o vereador Netinho de Paula, pagodeiro recentemente convertido ao marxismo, havia espancado a esposa, em tempos recentes. E que havia dado um soco na cara do repórter Vesgo, do Pânico na TV. Assim como PHA agora, fui vítima de uma tentativa primária de psicologia reversa cujo objetivo era o de anular a questão essencial da discussão: a de que Netinho de Paula era um espancador, não um negro, informação esta que sequer citei no meu texto, por absolutamente irrelevante. Da mesma forma, Paulo Henrique Amorim se referiu a Heraldo Pereira como negro não para desmerecer-lhe a cor e a raça, mas para opinar sobre aquilo que lhe pareceu um defeito: o de que o repórter da TV Globo tinha “a alma branca”, ou seja, vivia alheio às necessidades e lutas dos demais negros do país, como se da elite branca fosse.

Não concordo com a expressão usada por PHA. Mas não posso deixar de me posicionar nesse momento em que um jornalista militante contra o racismo é acusado, levianamente, de ser racista, apenas porque se viu na obrigação de fazer um acordo judicial ruim. Não houve crime, sequer insinuação, de racismo nessa pendenga. Porque se pode falar muita coisa sobre Paulo Henrique Amorim, menos, definitivamente, que ele é racista. Qualquer outra interpretação é falsa ou movida por ma fé e vingança pessoal de quem passou a ser obrigado, desde o surgimento do blog “Conversa Afiada”, a conviver com a crítica e os textos adoravelmente sacanas desse grande jornalista brasileiro.

O Terceiro Reich inventa a programação da TV

Dica da @CarinBW
Vídeo com legendas em inglês
____________




O Século do Ego

Sigmund Freud



Documentário da BBC "The Century of the Self" (2002) descreve a irônica jornada de como a revolução de psicoterapeutas e filósofos nos anos 60 e 70 contra as idéias de Freud sobre o inconsciente (acusadas de terem se tornado instrumentos do mundo do Markenting, Publicidade e Propaganda Política para fins de manipulação) resultou no oposto: o surgimento do sujeito fractal, vulnerável, isolado e, acima de tudo, ganancioso.





Em postagens anterioras viemos desenvolvendo o conceito de cartografia e topografia da mente como uma tendência dentro da agenda tecnognóstica que, a partir da confluência das neurociências, ciências cognitivas, cibernética e Inteligência Artificial, procura fazer um mapeamento do funcionamento do cérebro para desvendar o enigma da mente e da consciência. Em termos práticos, criar modelos simulados do cérebro para sua virtualização, monitoramento e controle para fins mercadológicos e políticos.

Partindo da constatação que o cinema hollywoodiano reflete a agenda tecnocientífica das últimas décadas, em nossos estudos sobre os filmes gnósticos na produção cinematográfica norte-americana recente percebemos uma tendência introspectiva dos protagonistas: narrativas em que se descreve como o protagonista torna-se prisioneiro do seu próprio mundo mental (memórias, traumas, sonhos, projeções, etc.) e como ele realiza um mapeamento desse território onírico para encontrar o caminho de saída de conspirações e tramas.

De filmes como “Vanilla Sky” (talvez o primeiro nessa linha) até o recente “Alice no País das Maravilhas” de Tim Burton, vemos estórias com geografias alegóricas de mundos mentais, cartografias da mente coletiva (como a série “O Prisioneiro”, 2009) e elaboradas topografias da mente por meio de sonhos dentro de sonhos ("A Origem", 2010).

Tendo essa discussão como contexto, o documentário da BBC “O Século do Ego” (The Century of the Self, 2002) trás preciosas informações históricas sobre as origens desse verdadeira tendência de endocolonização dos indivíduos pela Ciência, Publicidade e Marketing. A série é dividida em quatro episódios: episódio 1: “Máquinas da Felicidade”; episódio 2: “Engenharia do Consenso”; episódio 3: “Há um Policial Dentro da Sua Cabeça e Devemos Destruí-lo”; episódio 4: “Oito Pessoas Bebericando Vinho em Kettering”.

A série (240 minutos no total) inicia descrevendo como as ideias de Freud foram traduzidas nos EUA através de sua filha, Anna Freud, e pelo seu sobrinho, Edward Bernays (o inventor da profissão de Relações Públicas) como técnicas para controle das massas na era da democracia: a teoria do inconsciente trazida para o cerne do mundo da propaganda e do marketing. É a era da produção em massa e do conformismo em uma sociedade de consumo cujo leque de opções para o mercado era limitado.

O terceiro episódio é o mais importante por abordar o ponto de viragem decisivo dentro da engenharia do controle social nos anos 60 e 70: o momento em que as ideias de Freud são acusadas de serem as responsáveis por governos e corporações manipularem os sentimentos das pessoas e transformá-las em consumidores ideais. Filósofos como Wilhelm Reich e Hebert Marcuse e ativistas estudantis começaram questionar o pressuposto da teoria do inconsciente de que havia um Eu irracional, oculto, que deveria ser controlado pelos indivíduos para o bem da sociedade. Os oponentes diziam que Freud estava errado sobre a natureza humana: o eu interior não precisaria ser reprimido e controlado, mas, ao contrário, deveria ser encorajado a se expressar. Em consequência, teríamos uma sociedade melhor fundamentada num novo ser humano.

O documentário demonstra que o resultado dessa revolução foi o oposto: um indivíduo vulnerável, isolado e acima de tudo ganancioso, mais aberto à manipulação pelo mundo dos negócios e governos.

Topografia da Mente: retirando as camadas

O que chama a atenção no terceiro episódio do “Século do Ego”, são os depoimentos dos primeiros psicoterapeutas norte-americanos dos anos 60 e 70 que inventaram técnicas para permitir aos indivíduos se libertarem dos controles da sociedade. Eles relatam o conceito de retirada de camadas de formações mentais. Como fala o psicoterapeuta Werner Erhard, fundador do Curso de Treinamento Erhard nos anos 70: “ Se você retirar todas as camadas você acaba descobrindo um núcleo, uma coisa naturalmente autoexpressiva . Isso seria o verdadeiro Eu”.



Mais tarde essa mesma técnica é aplicada nas pesquisas de marketing da Universidade de Stanford nos anos 80 sobre Valores e Estilos de Vida (VALS) com métodos de perguntas sucessivas onde camadas de defesas, pensamento e crenças são retiradas para se chegar o núcleo do verdadeiro desejo do consumidor a ser agregado ao produto.

Freud pretendia entender a dinâmica psíquica através da interpretação dos sonhos. E essa interpretação somente poderia ser simbólica (condensações e deslocamentos da linguagem onírica) como forma de entender o porquê das dinâmicas do psiquismo. Em outras palavras, entender a essência última que permitiria explicar a conexão entre a alma e o corpo.

Ao contrário, a preocupação cartográfica e topográfica já presente nas primeiras abordagens dos psicoterapeutas demonstra uma abordagem não mais metafísica como em Freud, mas agora funcional para fins de manipulação direta: nada de descobrir simbolismos ocultos, mas, agora, mapear funções e camadas.

O documentário vai fundo nessa irônica jornada de busca de autoconhecimento: quanto mais os psicoterapeutas empreendiam técnicas de mapeamento profundo da vida mental, mais as camadas de defesa do ego eram retiradas, tornando-o vulnerável as instâncias de controle sociais e políticas. Chamaram isso de “autoexpressividade”.

A Emergência do Sujeito Fractal

Outro ponto importante desse episódio é a narração dos primórdios do desenvolvimento das técnicas de VALS (Valores e Estilo de Vida) pela Universidade de Stanford, Califórnia, no início dos anos 80. As corporações procuravam entender esse novo consumidor não mais conformista, mas que buscava a “autoexpressividade” e a liberdade de transformar-se em novas personas. Pela primeira vez, os pesquisadores começaram a formular questões que não mais envolviam prospecção de dados sobre nível de renda, faixa etária ou nível de escolaridade, mas perguntas profundas sobre como as pessoas se sentem, hábitos e escolhas.


As redes sociais potencializam o impulso confessional do sujeito fractal: a necessidade de
expor seus sentimentos,motivações e temores



O retorno dos questionários pelo correio foi surpreendente (86%). As pessoas simplesmente adoraram preencher os questionários e muitos foram devolvidos com bilhetes do tipo “vocês têm outros questionários que eu possa preencher?”

Dessa maneira, o documentário apresenta o momento em que surge esse verdadeiro impulso confessional que mobiliza as pessoas na atualidade.

A cultura crescente do autoconhecimento e autoexpressividade dos anos 70 resultou num impulso narcísico em expressar publicamente seus desejos mais íntimos, pensamentos, incertezas e motivações. Um impulso confessional potencializado na atualidade pelo ciberespaço por meio de redes sociais como Orkut, Facebook e Twitter.

Autores como Richard Sennet chamam esse fenômeno de “ascetismo mundano” derivado da ética protestante tal qual descrita por Weber. Enquanto na ética cristã o ascetismo de um monge é um impulso voltado para o interior (“um monge que se flagela a si mesmo diante de Deus, na privacidade da sua cela, não pensa na sua aparência diante dos outros” – SENNETT, Richard. O Declínio do Homem Público. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 406.), ao contrário, na ética protestante há um componente mundano no ascetismo pela necessidade de demonstrar não somente a Deus mas aos outros a sua renúncia e sacrifício, provando a todos ser um merecedor das graças divinas. Isso se insere na cultura narcísica atual como um impulso confessional como uma performance do eu interior diante dos outros:
“Ou seja, o narcisismo é o princípio psicológico para a forma de comunicação que chamamos de representação da emoção para outrem, ao invés de uma apresentação corporificada da emoção. O narcisismo cria a ilusão de que uma vez que se tenha sentimento ele precisa ser manifestado – poque no final das contas, o ‘interior’ é uma realidade absoluta” (SENNETT, Richard. O Declínio do Homem Público. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 408.)
Podemos definir esse indivíduo compulsivo em representar sua intimidade para os outros como um “sujeito fractal”. Tal qual o fracta da geometria (objeto geométrico que pode ser dividido em partes, cada uma das quais semelhantes ao objeto original), é um sujeito que se torna um nódulo que apenas ratifica o que lhe é externo. A aparência narcísica de um ego grandioso encobre um esvaziamento da própria subjetividade que, sitiado, adapta-se e reproduz mimeticamente o entorno para sobreviver. É o sujeito fractal, como um fragmento que reproduz dentro de si, infinitamente, o padrão do todo.

Vulnerável e sem defesas, reproduz ideias e sentimentos como fossem originais e verdadeiros, mas não passam de reprodução repetitiva de padrões.

O Círculo vicioso produção/mal estar/consumo

Outro ponto importante focado neste terceiro episódio do “Século do Ego” foram as profundas transformações ocorridas na organização do trabalho e da produção industrial com a descoberta dos sujeitos “autoexpressivos” pelas pesquisas da Universidade de Stanford. A descoberta de um “ego infinito” que quer experimentar diversas identidades e estilos de vida obrigava a produção de um vasto leque de produtos costumizados, voltados a uma segmentação de mercado cada vez mais crescente. Isso confrontava as velhas restrições da produção em massa que disponibilizava pouca variedade de produtos para indivíduos conformados.

Como desafiar uma estrutura industrial que se acostumara a gerar lucros à base da padronização e repetição? A solução estava nos computadores que permitiram aos fabricantes produzir economicamente pequenos lotes de bens de consumo até chegar às formas on demand atuais.

As consequências foram mudanças radicais das plantas de fábricas, das organizações de trabalho e das relações trabalhistas. Diante da necessidade de produtos e serviços que atendam a infinitas formas de desejos e identidades, a produção flexível e a flexibilidade das relações trabalhistas impõem-se: organogramas com funções novas e outras que desaparecem da noite para o dia, contratos temporários, estagiários, autônomos, terceirização, fragilização sindical e do espírito de classe profissional, precarização do trabalho etc.

O clima organizacional resultante é de instabilidade, insegurança e medo. Se no passado, na tradicional produção em massa, a loucura do trabalho se manifestava em neuroses e alienação (devido ao trabalho repetitivo e monótono), agora na produção flexível impera a paranóia, psicose, esquizofrenia e depressão. Principalmente porque com a fragmentação profissional, o indivíduo introjeta a culpa, considerando-se um “perdedor”, “incompetente” ou “não focado ao sucesso”.
O narcisismo e a autoexpressividade confessional são as formações reativas diante desse mal estar do cotidiano de trabalho. A necessidade em confessar-se para outros em redes sociais demonstra esta busca por grupos de apoio, formação de comunidades de autoajuda que, ironicamente, produzem um efeito contrário: a repetição fractal de padrões e clichês quando se achava estar expressando uma “verdade” interior.

Quanto mais os relatos de fragmentos emocionais e de mal estares se disponibilizam nas redes, mais se transformam em dados brutos para o desenho de verdadeiras cartografias mentais realizadas pelos analistas de redes sociais das grandes corporações. E mais essas cartografias serão as bases para o lançamento de novos produtos, identidades e estilos de vida cujos consumidores acreditam serem formas de autoexpressividade que dê algum significado a uma vida insegura e imprevisível. E dessa forma fecha-se o círculo perverso produção/mal estar/consumo.

Portanto, o título desse documentário “O Século do Ego” é irônico: na verdade os espectadores veem a história do assalto ideológico ao ego. Sob a promessa de liberação do indivíduo das restrições sociais por psicoterapeutas e filósofos, vemos as corporações encorajarem as pessoas a se sentirem pessoas especiais ao oferecê-las maneiras de expressar essa individualidade. Mais o marketing e publicidade encorajam as pessoas, mais o ego torna-se fractal: fragmentos de padrões idênticos ao todo.

Ficha Técnica

Título: O Século do Eu (The Century of the Self)
Direção: Adam Curtis
Elenco (entrevistados): Werner Erhard, Martin Bergman, Robert Reich, Hebert Marcuse, Tony Blair, Bill Clinton entre outros
Produção: BBC, RDF Media
Distribuição: Independent Feature Project
Ano: 2002
País: Reino Unido

Web Analytics