Plátano no outono de 2019 (foto minha) |
por Denise Queiroz
A gente nasce já
perdendo, né? Perdemos o calor e proteção do útero quando recém encontramos a
luz e vamos perdendo os segundos que teremos de vida até que o corpo mesmo
deixe de existir. Nosso primeiro choro já é um lamento pela perda, pelo susto
do inesperado, pela saída do local que nos mantinha seguros.
Depois vamos perdendo
lápis, cadernos, livros, professores, bichos, colegas que mudam de escola, brinquedos,
calçados e roupas que ficam pequenas, escola, data de prova, concursos,
namorados, maridos, avós, pais, mães, carteira, documentos, o boteco preferido
que fecha, a casa ou o carro por algum infortúnio ou por opção de vida e
mudança.
Cada vez mais tenho
pra mim que o que diferencia as pessoas é tão basicamente a maneira como elas
lidam com a imensa raiva que uma perda pode trazer.
O choro, desde o
primeiro, é uma demonstração de lamento por perda. Só que, bem, somos quase uns
sapinhos ainda, então não podemos fazer nada. Nem consciência disso temos. E
podemos passar a vida sem ter. Mas daí vamos perdendo aquelas coisas lá de cima
e, se somos minimamente saudáveis, sempre choramos quando isso acontece.
Mas há os que não
choram. Quem não se lembra do colega que enfiou a mão em outro quando perdeu um
jogo ou uma piada? E de outro que simplesmente baixou a cabeça e foi pra casa
esquadrinhar a razão de ter perdido?
Aí começa a
diferenciação. O que enfiou a mão com certeza transformou a raiva em violência,
em culpabilidade e responsabilização do outro e, com o ato, aliviou sua
responsabilidade. Serviu de que essa raiva? Uma mão inchada e um olho roxo são
recompensas fugazes para não mais deglutir a razão da perda.
Há ainda aquele que
não tem uma reação violenta imediata, nem chorar chora. Só fica ali,
praguejando, apostando na lei do retorno. Como o segundo, é incapaz de avaliar
(e transformar em tentativa de não ter novamente) sua parte de
responsabilidade nessa perda específica.
E há aquele que também
ficou praguejando mas, em vez de apostar na lei do retorno, engendra maneiras
de ajudar para que ela aja mais rápido.
Vivemos um tempo em
que os tipos dois, três e quatro estão em evidência. O dois e o quatro são
os extremamente perigosos.
Entender a irracionalidade da reação violenta e a
extrema racionalidade incapaz do lamento - mas capaz de programar passo a passo
ações que causem mal ao outro ou outros - e de processar o mal sentido para que
algumas coisas não se repitam, é parte importante de se colocar no mundo e
escolher, a partir da definição desses perfis, qual tipo de companhias e mundo queremos.
Seja a vingança do ou
da namorada pela perda do parceiro, seja a impossibilidade de verbalizar um
pedido de desculpas quando tratamos mal a alguém, seja a (tentativa de) violência
física, são várias as faces mostradas quando há incapacidade de transformar as pequenas ou
grandes raivas e perdas em reflexão, e posteriores ações, que possam trazer evolução. É gente que
prefere ser hamster.
Não sei qual o sentido da vida, mas certeza que ser minúscula ao ponto de causar tristeza e dor, intencional ou descuidadamente, e com
isso abdicar de evoluir, em definitivo, não é um sentido que valha a pena.