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Por H. Moysés Nussenzveig, da UFRJ
“Você, suas alegrias e tristezas, suas memórias e ambições, seu senso de identidade pessoal e livre-arbítrio, são na verdade nada mais que o comportamento de um vasto conjunto de células nervosas e suas moléculas associadas.”
É o que dizia o biólogo inglês Francis Crick (1916-2004) em seu livro A hipótese espantosa, de 1994. Em Muito além do nosso eu, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis descreve sua trajetória científica, dedicada a desvendar como o cérebro humano realiza essa tarefa miraculosa de criar a nossa realidade.
No seu trabalho de pós-doutorado com John Chapin, como bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Nicolelis deu uma contribuição fundamental para uma mudança de paradigma na neurofisiologia.
Pela primeira vez, sua equipe conseguiu o registro simultâneo da atividade elétrica de múltiplos neurônios cerebrais em ratos despertos. O resultado mostrava que a realização de uma tarefa específica pelo animal estava associada a impulsos elétricos distribuídos por todo esse conjunto de neurônios.
A neurofisiologia tradicional tendia a ser ‘localizacionista’, associando a realização de funções cerebrais específicas a regiões especiais muito bem localizadas no sistema nervoso. Exemplo extremo seria o ‘neurônio da vovó’, especializado no reconhecimento da fisionomia dessa antepassada.
Em contraste, a visão ‘distribucionista’ diz que “qualquer tipo de informação processado pelo cérebro envolve o recrutamento altamente distribuído de populações de neurônios”.
Contradizer o paradigma tradicional naturalmente provocou reações. Argumentou-se que os experimentadores não podiam saber o que o roedor sentia ou experimentava em associação à atividade elétrica detectada.
Para responder a essa objeção, resolveram procurar um meio de ligar diretamente um cérebro, não mais de rato, mas de um primata, a uma máquina que revelasse o que desejava fazer. Essa parece ter sido a origem do projeto das ICMs, as Interfaces Cérebro-máquina.
Nicolelis descreve com requintes de suspense hitchcockiano o primeiro experimento bem-sucedido, em que uma macaca movimentou um braço robótico apenas por meio do pensamento.
A partir desse êxito, que teve grande repercussão na mídia, foram vencidos outros desafios, como a transmissão em tempo real do pensamento de um macaco nos Estados Unidos para comandar a marcha ereta de um robô humanoide no Japão.
Repercussões médicas
Aplicações médicas de ICMs à reabilitação de pacientes com funções neurológicas perdidas em consequência de doenças ou traumas estão sendo desenvolvidas. O Projeto Andar Novamente ambiciona montar uma veste robótica de corpo inteiro para restaurar a mobilidade de pacientes paralisados, em tempo para que um deles dê o chute inicial na Copa do Mundo de 2014.
Outro projeto visa criar uma nova terapia para pacientes com a doença de Parkinson.
Em seu livro fascinante de 1998, Fantasmas no cérebro, o neurocientista indiano Vilayanur S. Ramachandran descreve como conseguiu curar a síndrome da dor no ‘braço fantasma’ de um amputado iludindo o seu cérebro com a projeção da imagem do braço bom no lugar do amputado, usando uma caixa de espelhos.
Nicolelis comenta experimentos recentes, utilizando aparatos de realidade virtual, em que uma pessoa experimenta a sensação de trocar de corpo com outra, até de sexo diferente.
A plasticidade do cérebro, permitindo incorporar à imagem do próprio corpo ferramentas externas, como um braço robótico, seria uma das razões do sucesso de ICMs. Ao longo de seu livro, Nicolelis, com base em seus estudos, propõe uma dezena de novos princípios neurofisiológicos.
Muito além do nosso eu é um registro precioso de como foram realizadas descobertas revolucionárias, com impacto profundo nos fundamentos da neurociência e repercussões médicas importantes. Não é um livro de leitura fácil, apesar do apelo frequente a imagens do futebol.
Algumas ressalvas
Como físico, porém, tenho sérias reservas quanto à nomenclatura empregada pelo autor ao descrever seu modelo como ‘cérebro relativista’.
A constatação de que campos receptivos e mapas cerebrais variam não só espacialmente, mas também no tempo, significa apenas que o cérebro deve ser classificado como um sistema dinâmico, termo matemático de ampla abrangência.
É, conforme Nicolelis menciona, um sistema complexo, mais precisamente, um ‘sistema complexo adaptativo’, que se modifica no decorrer de sua própria evolução.
Restrições ao funcionamento cerebral decorrentes da conservação da energia e da velocidade limitada do disparo de um neurônio nada têm a ver com a teoria da relatividade de Einstein.
Nicolelis também se deixa contaminar em parte pela frequente confusão dos filósofos entre relatividade e relativismo.
Também devo objetar à caracterização como “arqui-inimigo de Newton” de Albert Einstein, o qual tinha verdadeira veneração por seu grande antecessor. Isso também era válido para Thomas Young, que usou as medições feitas por Newton dos comprimentos de onda (sim, tratando luz como onda) associados às cores do espectro, desmentindo o mito de que “Young demonstrou que Newton estava errado”.
Nicolelis traduziu o próprio livro da versão original inglesa. A meu ver, optou por uma versão infeliz de binding problem, o problema da ligação (como o cérebro associa os diferentes estímulos sensoriais que recebe), como ‘problema da encadernação’, termo só aplicado a livros no dicionário.
A tradução corrente de binding energy é ‘energia de ligação’. Essas restrições semânticas e de física em nada afetam meu juízo global: recomendo fortemente esta obra, um livro a meu ver imperdível.
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Para saber mais, clique aqui e aqui
O PAPEL DO TRABALHO NA TRANSFORMAÇÃO DO MACACO EM HOMEM [ * ]
ResponderExcluirFriedrich Engels
Ver: http://www.moreira.pro.br/textose12.ht
O gradativo desenvolvimento da mão do homem e a correspondente adaptação dos seus pés ao andar em posição ereta acarretaram, inegavelmente, por força da lei da correlação do crescimento, conseqüências para outras partes do organismo. Dada a insuficiência dos conhecimentos atuais a respeito destes processos, só nos cabe aqui acenar para eles em termos muito vagos.
...O trabalho, primeiro, depois a palavra articulada, constituíram-se nos dois principais fatores que atuaram na transformação gradual do cérebro do macaco em cérebro humano...O sentido do tato, que no macaco é extremamente rudimentar, evolui enormemente no homem ao se desenvolver sua mão através do trabalho.
Graças à cooperação da mão, dos órgãos da linguagem e do cérebro, não só em cada indivíduo mas na sociedade como um todo, os homens foram se desenvolvendo cada vez mais, tornando-se capazes de executar operações complexas e alcançar objetivos mais elevados. O próprio trabalho foi se diversificando, aperfeiçoando-se a cada geração e estendendo-se a novas atividades.
... Na família primitiva, por exemplo - numa fase mais adiantada do desenvolvimento da sociedade - a cabeça que planejava o trabalho já era capaz de sujeitar mãos alheias a realizarem o projetado por ela...
Aninha