24 janeiro, 2012

Sobre a ironia (por @joaonildo51)

São Paulo


Era uma vez um tempo e lugar onde ainda se podia brilhar com um bocadinho de ironia, que compensava todas as lacunas, favorecia alguém com honrarias e dava a reputação de ser culto, de compreender a vida, além de de proporcionar aos iniciados um passaporte para uma vasta Franco-Maçonaria espiritual.

Ainda nos deparamos, vez em quando, com algum representante dessa confraria que conserva este fino sorriso significativo, ambiguamente revelador, sobre o qual se construiu reputações.

Conceituar essa dialética aprendida secularmente com o tempo e com os grandes mestres da figura de linguagem irônica,o que caracteriza o conceito de ironia,ou como a ironia supera imediatamente a si mesma, na medida que o orador pressupõe que os ouvintes o entendem, e deste modo, através da negação do fenômeno imediato, a essência acaba identificando-se com o fenômeno , tem sido objeto de inúmeras considerações.

A ironia, como discurso literário ou filosófico apresenta duas vertentes: Uma grega, “eironeia” significa interrogação, é fator auxiliar de conhecimento, daí a ironia Socrática.

Outra latina significa dissimulação,está posta no intervalo entre o que se diz e o que se quer significar e é sobretudo um jogo de palavras.

Não se encontra para o que seja ironia, uma definição plenamente satisfatória, por seu caráter fluido e nebulosos construiu-se diferentes perspectivas teóricas e em muitas delas faz-se a junção de ironia com ceticismo,chiste, paradoxo, sátira, impostura, troça, sarcasmo, paródia, perífrase, pastiche, mentira e considerando-se ainda que pode-se falar de vários tipos de ironia Socrática, filosófica, romântica, trágica, cômica, ingênua, auto-ironia, ironia retórica ou humor.

Outro problema no seu estudo ocorre na perspectiva da nomeação, cuja referência pode ser o meio, o objeto, o efeito , a técnica, o praticante a atitude ou o tom e ainda como se não bastasse, é fato que cada autor utiliza a ironia a seu modo estabelecendo as marcas de seu estilo pessoal e intransferível.

Enquanto figura de linguagem a ironia, no seu sentido mais corrente postula significar o contrário do que se diz, tanto no contexto como no texto, dizer o contrário do que se pensa ou do que se quer seja pensado, mesmo dizendo o contrário do que afirma, diz sobretudo mais do que fica expresso.

O desacordo entre enunciado e enunciação constitui o terreno da imprevisibilidade, da incerteza, da estranheza da contraditoriedade, características da ironia. Revela seu caráter revolucionário, questionador e contestatório. Sendo assim a aptidão do homem para a ironia pode ser proporcional a sua capacidade de questionar o discurso ideológico do contexto em que está inserido. Em última análise a ironia revela sobretudo uma visão crítica da vida.

Se ocorre, eventualmente, que um tal discurso irônico, no que diz respeito aos efeitos e consequências da ironia retórica, venha a ser mal compreendido, não é culpa do orador, a não ser na medida em que foi se meter com um patrão tão malicioso como a ironia, que tanto pode pregar peças em amigos quanto inimigos.

A ironia assim considerada como própria dos conspiradores e do ponto de vista daqueles a quem ela se dirige, pode ocorrer de duas maneiras: Ou o irônico se identifica com a desordem que ele quer combater, ou ele assume frente a essa uma relação de oposição.

Em todos estes casos a ironia se mostra como aquela que compreende o mundo, que procura mistificar o mundo circundante, não tanto para ocultar-se quanto para fazer os outros se revelarem.

É curioso todavia, ressaltar que a figura de linguagem irônica aparece principalmente nas classes elevadas como uma prerrogativa do chamado bom-tom , o qual exige que se sorria da inocência e se considere a virtude algo de bitolado, ainda que se acredite nela, até um certo ponto.

Na medida que os círculos elevados falam assim de maneira irônica, tal como oligarquia e a burguesia brasileira abastada falava francês, para não ser compreendida pelo povo leigo e pelo comum dos mortais, a ironia corre o risco de por definição procurar o isolamento e tornar-se apenas uma forma subordinada de vaidade.

Esse outro sentido revela a percepção sobre como a ironia foi historicamente usada para contornar exames mais aprofundados e assim esconder ignorâncias e fragilidades.

Este tipo de ironia supõe um distanciamento com o leitor ou ouvinte que lhe possibilite perceber as incongruências as ambiguidades presentes no discurso, pois não é possível estabelecer com clareza o significado pretendido pelo emissor.

Enquanto a ironia retórica serve a monologismo ao poder estabelecido, à ideologia, busca salvaguardar valores e apega-se a um sentido já existente, a ironia literária postula o diálogo, brinca os valores pois sabe que eles são mutáveis conforme o contexto e a circunstância.

Trago aqui, sem qualquer pretensão de haver esgotado a riqueza de ângulos, texturas e pontos de vista que o tema possibilita, a homenagem aos que fizeram do uso da figura de linguagem irônica uma arte e instrumento de busca do verdadeiro saber (Maiêutica) e aos que delas abusam, (Sofistas), a advertência nos excertos da correspondência de Rainer Maria Rilke,( “Cartas a um jovem poeta”) nascido em Praga e um dos autores de língua alemã mais conhecidos no Brasil , traduzido por alguns dos maiores nomes da poesia brasileira como Manuel Bandeira ou Cecília Meireles ou ainda Augusto de Campos.


Rilke

Cartas a Frans Xavek Kappus

Viareggio perto de Pisa (Itália)

5 de Abril de 1903

”É preciso que me perdoe caro e prezado senhor, por só agora lembrar com gratidão, de sua carta de 24 de fevereiro (…) Hoje eu queria dizer duas coisas ao senhor . Primeiro quanto a IRONIA.

Não se deixe dominar por ela, principalmente em momentos sem criatividade, nos momentos criativos, procure fazer uso dela como mais um meio para abarcar a vida. Usada com pureza ela também é pura, e não é preciso envergonhar-se dela.

Caso a intimidade seja excessiva, caso o senhor tema essa excessiva intimidade com a ironia, volte-se para os assuntos grandes e sérios , diante dos quais ela se torna pequena e desamparada. Procure o fundo das coisas: Ali a ironia nunca chega.

Assim, se o senhor seguir seu caminho à beira do que é grandioso, pergunte-se também se esse modo de entender o mundo corresponde a uma necessidade do seu ser. Pois , sob a influência de coisas sérias, ou a ironia o abandonará (se ela for algo ocasional), ou então ela ganhará força ( se lhe pertencer como algo inato) e se converterá em uma ferramente séria, assumindo seu lugar no encadeamento dos recursos com os quais o senhor terá de constituir sua arte. (…)”

Rainer Maria Rilke 


4 comentários:

  1. A ironia é um recurso da linguagem que necessita cautela. Se for proferida no sentido de atingir friamente o interlocutor, é nociva e deve ser evitada.

    "Só sei que nada sei". Uma frase irônica vinda de quem veio. Mas Sócrates utilizava a ironia com fins educativos.

    Incitava os alunos com perguntas irônicas que os levassem a outras perguntas, para encontrarem suas próprias verdades e não a verdade que a sociedade ou os pais haviam legado. O pensamento nascido da coerção educativa dessa sociedade era raso e não resistia às primeiras investidas de Sócrates.

    Quando pensamos por nós mesmos, fazemos perguntas e buscamos as respostas, muitas vezes em nossa própria razão. Esse processo pode ser desencadeado através da ironia.

    Quando os pensamentos e preconceitos são inseridos em nós, só temos respostas vagas e sempre evitaremos o confronto de ideias, porque não nos deram todas as perguntas e respostas.

    Ironia banal e destrutiva demonstra fraqueza, inveja, insegurança, medo e arrogância e não retorna nada de bom.

    Abraços e parabéns pelo texto, João!

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  2. Elaine, concordo: 'Ironia banal e destrutiva demonstra fraqueza, inveja, insegurança, medo e arrogância e não retorna nada de bom'...
    Apareça sempre
    Abraços,
    sérgio

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  3. "É curioso todavia, ressaltar que a figura de linguagem irônica
    aparece principalmente nas classes elevadas como uma prerrogativa
    do chamado bom-tom , o qual exige que se sorria da inocência e
    se considere a virtude algo de bitolado, ainda que se acredite nela,
    até um certo ponto.[...] "

    O Professor Hariovaldo desenha isso com muita categoria. é um gêniol.

    Amei.

    E o fechamento da matéria, com Rilke, trecho de Cartas a um jovem poeeta, é um luxo que nos é dado.

    " procure fazer uso dela como mais um meio para abarcar a vida.
    Usada com pureza ela também é pura, e não é preciso envergonhar-se dela."

    Vocës estáo de parabéns.

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  4. O João, o Hermes Prado Jr. e o Hariovaldo tem algo em comum!:)
    Abs,
    sérgio

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