São Paulo |
Por @joaonildo51
Ainda nos deparamos, vez em quando, com algum representante dessa confraria que conserva este fino sorriso significativo, ambiguamente revelador, sobre o qual se construiu reputações.
Conceituar essa dialética aprendida secularmente com o tempo e com os grandes mestres da figura de linguagem irônica,o que caracteriza o conceito de ironia,ou como a ironia supera imediatamente a si mesma, na medida que o orador pressupõe que os ouvintes o entendem, e deste modo, através da negação do fenômeno imediato, a essência acaba identificando-se com o fenômeno , tem sido objeto de inúmeras considerações.
A ironia, como discurso literário ou filosófico apresenta duas vertentes: Uma grega, “eironeia” significa interrogação, é fator auxiliar de conhecimento, daí a ironia Socrática.
Outra latina significa dissimulação,está posta no intervalo entre o que se diz e o que se quer significar e é sobretudo um jogo de palavras.
Não se encontra para o que seja ironia, uma definição plenamente satisfatória, por seu caráter fluido e nebulosos construiu-se diferentes perspectivas teóricas e em muitas delas faz-se a junção de ironia com ceticismo,chiste, paradoxo, sátira, impostura, troça, sarcasmo, paródia, perífrase, pastiche, mentira e considerando-se ainda que pode-se falar de vários tipos de ironia Socrática, filosófica, romântica, trágica, cômica, ingênua, auto-ironia, ironia retórica ou humor.
Outro problema no seu estudo ocorre na perspectiva da nomeação, cuja referência pode ser o meio, o objeto, o efeito , a técnica, o praticante a atitude ou o tom e ainda como se não bastasse, é fato que cada autor utiliza a ironia a seu modo estabelecendo as marcas de seu estilo pessoal e intransferível.
Enquanto figura de linguagem a ironia, no seu sentido mais corrente postula significar o contrário do que se diz, tanto no contexto como no texto, dizer o contrário do que se pensa ou do que se quer seja pensado, mesmo dizendo o contrário do que afirma, diz sobretudo mais do que fica expresso.
O desacordo entre enunciado e enunciação constitui o terreno da imprevisibilidade, da incerteza, da estranheza da contraditoriedade, características da ironia. Revela seu caráter revolucionário, questionador e contestatório. Sendo assim a aptidão do homem para a ironia pode ser proporcional a sua capacidade de questionar o discurso ideológico do contexto em que está inserido. Em última análise a ironia revela sobretudo uma visão crítica da vida.
Se ocorre, eventualmente, que um tal discurso irônico, no que diz respeito aos efeitos e consequências da ironia retórica, venha a ser mal compreendido, não é culpa do orador, a não ser na medida em que foi se meter com um patrão tão malicioso como a ironia, que tanto pode pregar peças em amigos quanto inimigos.
A ironia assim considerada como própria dos conspiradores e do ponto de vista daqueles a quem ela se dirige, pode ocorrer de duas maneiras: Ou o irônico se identifica com a desordem que ele quer combater, ou ele assume frente a essa uma relação de oposição.
Em todos estes casos a ironia se mostra como aquela que compreende o mundo, que procura mistificar o mundo circundante, não tanto para ocultar-se quanto para fazer os outros se revelarem.
É curioso todavia, ressaltar que a figura de linguagem irônica aparece principalmente nas classes elevadas como uma prerrogativa do chamado bom-tom , o qual exige que se sorria da inocência e se considere a virtude algo de bitolado, ainda que se acredite nela, até um certo ponto.
Na medida que os círculos elevados falam assim de maneira irônica, tal como oligarquia e a burguesia brasileira abastada falava francês, para não ser compreendida pelo povo leigo e pelo comum dos mortais, a ironia corre o risco de por definição procurar o isolamento e tornar-se apenas uma forma subordinada de vaidade.
Esse outro sentido revela a percepção sobre como a ironia foi historicamente usada para contornar exames mais aprofundados e assim esconder ignorâncias e fragilidades.
Este tipo de ironia supõe um distanciamento com o leitor ou ouvinte que lhe possibilite perceber as incongruências as ambiguidades presentes no discurso, pois não é possível estabelecer com clareza o significado pretendido pelo emissor.
Enquanto a ironia retórica serve a monologismo ao poder estabelecido, à ideologia, busca salvaguardar valores e apega-se a um sentido já existente, a ironia literária postula o diálogo, brinca os valores pois sabe que eles são mutáveis conforme o contexto e a circunstância.
Trago aqui, sem qualquer pretensão de haver esgotado a riqueza de ângulos, texturas e pontos de vista que o tema possibilita, a homenagem aos que fizeram do uso da figura de linguagem irônica uma arte e instrumento de busca do verdadeiro saber (Maiêutica) e aos que delas abusam, (Sofistas), a advertência nos excertos da correspondência de Rainer Maria Rilke,( “Cartas a um jovem poeta”) nascido em Praga e um dos autores de língua alemã mais conhecidos no Brasil , traduzido por alguns dos maiores nomes da poesia brasileira como Manuel Bandeira ou Cecília Meireles ou ainda Augusto de Campos.
Rilke |
Cartas a Frans Xavek Kappus
Viareggio perto de Pisa (Itália)
5 de Abril de 1903
”É preciso que me perdoe caro e prezado senhor, por só agora lembrar com gratidão, de sua carta de 24 de fevereiro (…) Hoje eu queria dizer duas coisas ao senhor . Primeiro quanto a IRONIA.
Não se deixe dominar por ela, principalmente em momentos sem criatividade, nos momentos criativos, procure fazer uso dela como mais um meio para abarcar a vida. Usada com pureza ela também é pura, e não é preciso envergonhar-se dela.
Caso a intimidade seja excessiva, caso o senhor tema essa excessiva intimidade com a ironia, volte-se para os assuntos grandes e sérios , diante dos quais ela se torna pequena e desamparada. Procure o fundo das coisas: Ali a ironia nunca chega.
Assim, se o senhor seguir seu caminho à beira do que é grandioso, pergunte-se também se esse modo de entender o mundo corresponde a uma necessidade do seu ser. Pois , sob a influência de coisas sérias, ou a ironia o abandonará (se ela for algo ocasional), ou então ela ganhará força ( se lhe pertencer como algo inato) e se converterá em uma ferramente séria, assumindo seu lugar no encadeamento dos recursos com os quais o senhor terá de constituir sua arte. (…)”
Rainer Maria Rilke
A ironia é um recurso da linguagem que necessita cautela. Se for proferida no sentido de atingir friamente o interlocutor, é nociva e deve ser evitada.
ResponderExcluir"Só sei que nada sei". Uma frase irônica vinda de quem veio. Mas Sócrates utilizava a ironia com fins educativos.
Incitava os alunos com perguntas irônicas que os levassem a outras perguntas, para encontrarem suas próprias verdades e não a verdade que a sociedade ou os pais haviam legado. O pensamento nascido da coerção educativa dessa sociedade era raso e não resistia às primeiras investidas de Sócrates.
Quando pensamos por nós mesmos, fazemos perguntas e buscamos as respostas, muitas vezes em nossa própria razão. Esse processo pode ser desencadeado através da ironia.
Quando os pensamentos e preconceitos são inseridos em nós, só temos respostas vagas e sempre evitaremos o confronto de ideias, porque não nos deram todas as perguntas e respostas.
Ironia banal e destrutiva demonstra fraqueza, inveja, insegurança, medo e arrogância e não retorna nada de bom.
Abraços e parabéns pelo texto, João!
Elaine, concordo: 'Ironia banal e destrutiva demonstra fraqueza, inveja, insegurança, medo e arrogância e não retorna nada de bom'...
ResponderExcluirApareça sempre
Abraços,
sérgio
"É curioso todavia, ressaltar que a figura de linguagem irônica
ResponderExcluiraparece principalmente nas classes elevadas como uma prerrogativa
do chamado bom-tom , o qual exige que se sorria da inocência e
se considere a virtude algo de bitolado, ainda que se acredite nela,
até um certo ponto.[...] "
O Professor Hariovaldo desenha isso com muita categoria. é um gêniol.
Amei.
E o fechamento da matéria, com Rilke, trecho de Cartas a um jovem poeeta, é um luxo que nos é dado.
" procure fazer uso dela como mais um meio para abarcar a vida.
Usada com pureza ela também é pura, e não é preciso envergonhar-se dela."
Vocës estáo de parabéns.
O João, o Hermes Prado Jr. e o Hariovaldo tem algo em comum!:)
ResponderExcluirAbs,
sérgio