27 janeiro, 2012

Minha 1ª vez em SP e mais um pouco de história

Do Xico Sá
Dica dos tecedores @DeniseSQ e @Cidoli

Juro, foi tão comovente quanto ver o mar pela primeira vez. Minha chegada foi de bagunçar o coração, coisa de cinema.



foto João Wainer 
Valia o sonho da velha piada: “Cresce logo, menino, pra ir pra São Paulo”.

E haja Emulsão de Scott, aquela delícia de óleo de fígado de bacalhau, para vitaminar o crescimento.

O eco da voz materna retorna agora ao sótão edipiano da cabeça de cearense: “Se não tomar o remédio não vai para São Paulo!”

Meus tios e primos, que haviam migrado nos anos 1970, voltavam de férias cheios de histórias de grandezas.

O tatuzão cavando pra fazer o metrô era a coisa que mais me impressionava. Eu sonhava com aquele bicho gigante.

“Estou trabalhando debaixo da terra”, dizia um parente. “Lá é tão frio que chove até pedra de gelo”, assombrava outro.

Aquelas narrativas nos deixavam, matutos do Sítio das Cobras, município de Santana do Cariri, maravilhados.

Será que um dia vamos conhecer essa terra? Será? Aquelas fábulas fantásticas acabaram funcionando como um hormônio e tanto para o crescimento.

Quando o ônibus chegou na rodoviária, em janeiro de 1976, eu enxugava, com a manga da camisa, algumas rápidas lágrimas que escaparam pelas brechas da macheza semi-árida.

Um alumbramento que me fazia enxergar um Sena onde havia apenas um Tietê. Eu já era um simpático rapaz espinhento e adolescido.

Peguei o metrô e sofri para achar a casa do meu tio Alberto, no Parque São Rafael, ZL. Só a avenida Sapopemba era uma eternidade.

“Ô Saopaulão grande da bubônica, ô Sãopaulão grande da porra!”, matutava o matuto.

Dias depois, gastava o espanto de novo baiano na Sé, no Viaduto do Chá, na frente dos cines e teatros pornôs do Centrão, na Augusta –esperava anoitecer e subia e descia só recolhendo imagens que seriam devidamente escaneadas no banho.

Passeava sozinho por SP, exercendo a bela arte de chutar tampinhas e de abestalhar-me com as mulheres da cidade, caro João Antônio.

Lindas, mas na delas. “Quase nenhuma te encara na rua, são econômicas de olhar”, refletia. “Só devem sorrir nas firmas... jamais nas ruas!”

Durante a temporada de mês, só as generosas moças da Luz e da Augusta, as “secretárias das calçadas” –como dizia um sucesso brega da época- sorriram para mim, sem graça.

Coitado daquele rapaz, voltou para o Nordeste mais seco e necessitado do que retirante de quadro de Portinari.

No dia 1º de abril de 1990 -depois de ter morado em Juazeiro, vivido a educação sentimental no meu Recife e passado por Brasília-, estava de volta, agora para ficar, profissionalmente.

Continuei achando as moças lindas. Agora já me sorriam nos corredores da firma. Mas foram necessários uns seis meses (tenho duvida) para que Maria Ligia, meu primeiro amor em SP, acreditasse na minha conversa de loucura por aqueles ojos verdes.

Tão linda. O Tietê voltou rapidinho à sua condição de Sena.

Para completar a euforia, descobri os sabiás da megalópole -meu passado me condenava como vendedor de passarinhos. Em pleno Largo de Santa Cecília, acordava ouvindo esses danados. Ainda hoje me impressiona como tem sabiá na cidade.

Tem mais sabiá aqui do que na minha infância inteira, seu Rubem Braga. Minha terra tem Palmeiras, São Paulo, Corinthians... onde canta o sabiá. Adorava recitar essa parodiazinha ridícula.

Muitas Augustas, Angélicas e Consolações depois... Muitas bistecas e muitos engradados do Sujinho depois, vez por outra me pego ranzinza, reclamando e mal-dizendo da cidade.

Até pareço um paulistano nessas horas. Mas ai basta lembrar do que diz a minha mãe, aquela que me empurrava o Emulsão de Scott, para que o mau-humor com a província de Piratininga se dissolva.

Quando dona Maria do Socorro me ouve xingando essa terra, fala duro, com firmeza, num corretivo:

“Meu filho, cala-te boca, você num sabe que São Paulo foi quem deu o pouco que temos. Vê que casa linda me deste de presente!”


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