05 março, 2013

A TV e sua opinião

 Claudius, do Le Monde Diplomaque

Editorial do Le Monde Diplomatique
por Silvio Caccia Bava*
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Em 2011, 59,4 milhões dos domicílios brasileiros tinham televisão, o que equivale a 96,9% do total. De longe, a televisão é o meio de comunicação mais difundido e utilizado.

Em fevereiro passado, segundo o Ibope, as maiores audiências da TV foram as novelas, os reality shows (BBB Brasil e Fazenda de Verão), o Jornal Nacional, a segunda edição do noticiário e os programas de auditório. O futebol das quartas-feiras fica apenas em nono lugar.

A liderança de audiência da Globo é impressionante: são dela os 47 programas mais vistos da TV em 2012. E, se considerarmos o horário nobre, suas três principais novelas estão entre as dez atrações de maior audiência, tendo à frente Avenida Brasil, superando inclusive o BBB Brasil, o reality show mais popular. Ainda segundo o Ibope, o Jornal Nacional é o vice-líder absoluto da emissora. Essa situação configura, virtualmente, um monopólio privado da informação.

A televisão é o meio de comunicação pelo qual se informa o maior número de pessoas. E muitos só se informam pela televisão. Não leem jornais, revistas. Sua opinião, portanto, é formada com base nessas informações. Sempre por trás de uma mensagem há alguém que a envia, e devemos nos perguntar por que esse alguém nos envia essa mensagem e por que neste momento. A sincronia, por exemplo, entre a ampla divulgação do julgamento do mensalão com as últimas eleições é uma dessas questões.

A televisão brasileira, embora seja uma concessão pública, está nas mãos de poucos grupos que defendem interesses privados − seus interesses são os interesses do mercado, são os interesses das elites, alinhados desde os anos 1990, pelo menos, com a doutrina neoliberal. Promovem os valores do individualismo, da competição, do sucesso individual. Se você não consegue esse sucesso, a culpa é sua, não tem nada a ver com a estrutura da sociedade e com o fato de que a economia só favorece os grandes.

A televisão reduz os cidadãos à dimensão de meros consumidores. Não há análises de contexto, os fatos não se inscrevem em lógicas mais amplas. Quando há programas de debates, estes são em altas horas, não são para as massas. E mesmo assim os debatedores, em sua ampla maioria, se alinham com os interesses das emissoras. Seus noticiários destacam o crime e a violência, disseminando o medo na população e fazendo que esta aceite um mundo de arbitrariedades no qual, por exemplo, a polícia executa sumariamente “suspeitos”, consagrando a pena de morte na prática, sem qualquer julgamento, o que identifica o Estado não só como cúmplice dos crimes, quando não como os próprios agentes da violação de direitos, mas também como legitimador desse discurso televisivo. Se esses comportamentos se apresentam como a única solução, se temos visões parciais, distorcidas, dos fatos, provavelmente teremos opiniões equivocadas sobre eles.

Ao dar destaque à violência urbana e à criminalidade, a TV induz o público a demandar mais segurança, mesmo à custa de políticas que se formulam em prejuízo da liberdade e do respeito aos cidadãos, como a ocupação militar de territórios da cidade.

Os meios de comunicação vivem uma relação promíscua com o poder político e o poder econômico. Basta ver quem detém as concessões, por exemplo, das estações retransmissoras das principais redes televisivas, distribuídas, em grande parte, para as oligarquias e lideranças políticas regionais. Seu objetivo não é mais servir à sociedade, mas se servir dela para alavancar interesses privados, para alavancar os negócios, para reproduzir as elites no poder.

Há uma combinação de espetáculos – as novelas, os reality shows, os programas de auditório, o futebol – que desvia a atenção do público dos problemas importantes, tornando-o distante dos problemas sociais, com uma seleção e uma interpretação do que são as notícias que merecem sua atenção.

A cultura imposta pela televisão tem tal influência que nos encontramos, muitas vezes, pensando na mesma linha. E não há como responsabilizar somente a TV por essa situação − a doutrina neoliberal, na verdade, se impregnou por toda parte. Nós a vemos nas próprias políticas de Estado. Seus valores se contrapõem à democracia, ao respeito à diferença, ao reconhecimento de uma sociedade plural. Eles promovem o sectarismo e uma polarização entre o bem e o mal, em que tudo que não se ajusta à sua doutrina é considerado condenável e é criminalizado.

Em vários países da América Latina esse império das comunicações está sendo questionado por governos democráticos, como na Argentina, no Equador e na Venezuela, e essa mesma mídia conservadora os desqualifica, os criminaliza, buscando garantir a continuidade de uma interpretação da história e dos acontecimentos cotidianos que só serve aos seus interesses.

A TV é um bem público, assim como a informação. Ela deve servir aos interesses da sociedade, não aos interesses do mercado; ela não pode estar a serviço de uma doutrina que, para maximizar o lucro, viola sistematicamente os direitos dos cidadãos. E para sustentar a defesa do interesse público, da democracia, é preciso que cada um de nós se interrogue se a programação que temos hoje na TV brasileira é a que melhor atende aos nossos interesses.
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Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil

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