06 outubro, 2011

A polêmica do Criador: Direito autoral ou censura?


A viúva do escritor argentino Jorge Luis Borges, Maria Kodama, solicitou à Editora Alfaguara, sob ameaça de processo, a retirada de um livro que faz homenagem ao clássico El Hacedor (O Criador), publicado em 1960. A atitude da viúva, e como tal administradora dos direitos autorais de Borges, gerou protestos. Um abaixo-assinado (que reproduzo já traduzido) deverá ser amplamente difundido na próxima segunda-feira.
Em nota à imprensa, a editora Alfaguara assegurou que, em todo o processo de edição, "jamais" houve sequer a suspeita de que o livro pudesse ser lido "de una manera negativa contra la persona o la obra de Jorge Luis Borges".

Dica de @Iavelar e de @M100globope
Original em espanhol, tradução de Denise Queiroz
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Como 'O Criador (de Borges). Remake' 
tornou-se uma novela política 

Hoje queremos manifestar nosso completo desacordo a um fato insólito. Maria Kodama, herdeira dos direitos autorais de Jorge Luis Borges obrigou a Editora Alfaguara a retirar do mercado o livro “El Hacedor (de Borges). Remake” , a última novela de Agustin Fernández Mallo, sob ameaça de processo. A obra, que contém o nome de Borges no título e inclui fragmentos e títulos dos poemas do escritor argentino na ordem original de El Hacedor( O Criador), imediatamente vai ser retirada das livrarias, e deixará de existir como foi concebida pelo autor. 

O livro “El Hacedor (de Borges). Remake” , não é acusado de plágio. A acusação é de inserir materiais protegidos por direitos autorais dentro de uma obra original, sem a autorização da proprietária desses direitos. Seria um completo disparate acusar a Fernández Mallo de plágio ou de ter agido de forma desonesta, uma vez que na obra é evidente a homenagem a Borges. A suposta falha não tem nada a ver com enganação, e sim com o fato de ter composto uma peça original usando alguns fragmentos que teriam dono. No caso uma dona, que não está disposta a compartilhá-los.

 Quantas obras artísticas e na web hoje usam textos, vídeos e imagens ou sons procedentes de fontes diversas? Sob este ponto de vista, poderíamos tomar “El Hacedor (de Borges). Remake” mais que como uma singularidade, como exemplo de um procedimento que se aplica de maneira massificada na atividade criativa contemporânea, através de formas que não são mais do que a versão atualizada de um princípio que governa a cultura e o conhecimento: o novo sempre se constitui através do velho, e do alheio. Seguir esse princípio, que está muito acima de legislações e interesses particulares, não só é legítimo, é fundamental. A imensa maioria das pessoas o compreende assim, por isso a decisão de Maia Kodama é uma exceção extraordinária. Mas, até como exceção, é intolerável.

No artigo publicado no “El Cultural Del Mundo”, a senhora Kodama - que confessou não haver lido “El Hacedor (de Borges). Remake” - diz que foi orientada pelo seu advogado, que considera uma ‘falta de respeito’ o tributo de Fernández Mallo, por não haver pedido permissão. Imaginemos o que seria dos criadores, acadêmicos e pesquisadores se cada vez que tivessem que usar material alheio tivessem que pedir a autorização dos proprietários, que estão amparados pela legislação para negar, por considerações tão melindrosas como neste caso. Imaginemos que de agora em diante esses criadores, que precisem de obras alheias, para não ser acusados de plágio, tenham, na condução de seus trabalhos, um olho posto nas leis, prevendo ameaça de processo. Consideremos que não existe a menor legitimidade moral para censurar assim uma obra; só existe um defeito: uma lei que nunca deveria dar cabimento a essa espécie de abusos. Uma lei anacrônica, formulada em tempos pré-digitais e alheia ao movimento da arte contemporânea.

Pedimos encarecidamente a Maria Kodama que reconsidere sua decisão e não se oponha à justíssima difusão do livro “El Hacedor (de Borges). Remake” . Se houver uma retificação a tempo, este episódio poderá ser considerado um mero mal entendido e não um equívoco, que se tornará muito mais grave, caso continue nos termos postos.
Poucas horas depois de divulgada a notícia da retirada da obra, escritores, editores e amantes da literatura, condenaram o fato de forma unânime. Com isso, fica claro que a ação vai ter exatamente o efeito contrário do que se propunha. Em vez de proteger o legado de Borges, tira a legitimidade de quem o administra. 

A esse respeito, temos que considerar não só o desenho da capa da novela de Fernández Mallo (um coração dourado, uma declaração de amor ao mestre) como também o efeito que o livro causa: uma releitura do original O Criador, que nas últimas décadas teve menos leitura que outros livros mais conhecidos de Borges, como Ficções e O Aleph.

Os abaixo-assinado, concordam com o que está escrito. Quem quiser ratificar, por favor, envie a elespigado@gmail.com uma declaração mínima dizendo que subscreve. Acrescente seu nome e, se tiver vontade ou acha que sua profissão pode adicionar peso, coloque também. Quem achar conveniente, envie esta carta aos seus contatos e interessados, com o objetivo de arrecadar o maior apoio possível. Na próxima segunda-feira, a carta de protesto e o abaixo-assinado serão difundidos.


2 comentários:

  1. Será que a questão dela não tem mais a ver com o fato de que o escritor vai lucrar com a venda dos livros do que em impedir que se reproduza Borges por aí?

    Não que eu esteja dizendo que é legítimo, mas vendo por esse prisma, parece compreensível que um advogado a tenha convencido.

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  2. Pode ser... mas sob esse ponto de vista, sempre uma releitura faz com que a procura ao original aumente. Para mim é bruxismo do mal mesmo! Bjos!

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