Por Amy Goodman *
Do Esquerda.net
As eleições deste ano serão, sem dúvida, as mais caras da história do país; algumas projeções calculam que superarão os 5.000 milhões de dólares. Mas não aumentaram só as despesas: a natureza das mesmas também aumentou após o fracasso de 2010 do Supremo Tribunal dos Estados Unidos no caso Citizens United, que permite o gasto ilimitado de empresas, sindicatos e dos denominados super PACs (ou comités de ação política) na campanha eleitoral, tudo sob o lema da “liberdade de expressão”. Esta campanha eleitoral vai-se desenvolver no meio do ressurgimento do movimento Occupy Wall Street, que foi relançado a nível mundial no 1º de Maio, no mesmo dia em que o Parlamento britânico publicou um informe sobre o império mediático de Rupert Murdoch, no qual ele é acusado de não ser “uma pessoa idónea para dirigir uma grande empresa multinacional”. Agora, mais do que nunca, as pessoas deveriam seguir o conselho do Garganta Funda, a famosa fonte do caso Watergate: “Segue o rasto do dinheiro”.
A maior parte do dinheiro das eleições vai para os cofres dos canais de televisão, que emitem os anúncios de campanha. Segundo Robert McChesney e John Nichols, da revista Monthly Review, os gastos com propaganda política na televisão estão a disparar, tanto que “tendo em conta a inflação. Na campanha eleitoral de 1972 gastou-se menos de 3% do que se gastará em publicidade política na televisão na campanha de 2012”.
Por ocasião de uma disputa eleitoral relativamente pequena, a recente eleição primária democrata na Pensilvânia para definir candidatos ao Congresso, o jornalista Ken Knelly fez uma análise exaustiva da cobertura das eleições nos noticiários da televisão local e da quantidade de publicidade política que foi transmitida nos mesmos canais de televisão. O título do artigo de Knelly diz tudo: “28 horas de anúncios políticos (e alguns poucos minutos de notícias)”. Os canais que transmitem neste estado predominantemente democrata emitiram durante a campanha mais de 3.300 anúncios publicitários políticos. Knelly diz que “de vez em quando aparecia nos noticiários informação sobre a campanha”, que ficava perdida entre horas de publicidade e afirma que o conteúdo da informação deixava muito a desejar.
O modo como Knelly conseguiu investigar estes dados é fundamental. A Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) exige aos canais de televisão que disponham de um arquivo de consulta pública acessível a qualquer cidadão. Parte da informação contida no arquivo são os detalhes da venda de espaço publicitário para a campanha política, o montante pago e a entidade que o comprou. Recentemente tentou-se obrigar estas emissoras, que obtêm enormes lucros com a publicidade política, a publicarem estes arquivos na Internet. Os canais opuseram-se firmemente a estas tentativas e, apesar de habitualmente saírem vitoriosos das disputas que travam nos salões da amigável FCC, perderam esta batalha. Na sexta feira 27 de abril, a FCC decidiu por dois votos a favor e um contra exigir aos canais de televisão que, num período não superior a dois anos, deixem de levar o arquivo em papel e comecem a publicá-lo na Internet. O jornalista da ProPublica Justin Elliot assinalou que os arquivos não ficarão em formato padrão e provavelmente não conterão a opção “procurar”.
A ProPublica lançou uma campanha denominada “Libertem os arquivos”, que é coordenada por Justin Elliot: “Os meus companheiros da ProPublica estão a pedir às pessoas, a outros jornalistas, a estudantes de jornalismo e aos leitores que vão aos canais, especialmente quando esta norma entrar em vigor, que está previsto que seja mais tarde durante a campanha. No início a norma só se aplicará aos canais dos cinquenta mercados principais. Então, pede-se-lhes que vão aos canais, não é necessário ter senha prévia, e solicitem o arquivo político, que façam cópias, digitalizem-nas, as enviem para nós, que as publicaremos na Internet no site ProPublica.org”.
A maioria das grandes cadeias de televisão norte-americanas fizeram lóbi contra as novas normas de divulgação de informação, entre elas a cadeia Fox, uma das joias mais apreciadas da empresa News Corp, o império mediático de Rupert Murdoch. Murdoch recebeu um duro golpe nesta semana, após a publicação de um informe do parlamento britânico sobre o escândalo das escutas telefónicas que abalou os seus jornais na Grã-Bretanha. O escândalo explodiu em 2011 quando o jornal “The Guardian” noticiou que jornalistas do jornal sensacionalista “News of the World” tinham invadido, em 2002, a caixa de mensagens de voz do telemóvel de Milly Dowler, uma vítima de homicídio de 13 anos. Enquanto Dowler estava desaparecida, os jornalistas apagaram algumas das suas mensagens de voz, o que deu aos familiares da jovem a falsa esperança de que podia estar viva.
Os jornalistas, juntamente com uma investigação judicial e audiências no parlamento, revelaram uma cultura de criminalidade por detrás da fachada de recolha de informações do agora defunto “News of the World”. A comissão parlamentar publicou o informe esta semana. O deputado britânico Tom Watson declarou: “Gente com muito poder esteve envolvida no encobrimento e ainda não assumiram a responsabilidade. Esta gente corrompeu o nosso país, envergonhou as nossas forças policiais e o nosso parlamento. Utilizou mentiras e enganos, chantagem e intimidação e todos deveríamos envergonhar-nos ao pensar como nos acobardámos perante eles durante tanto tempo. Se na verdade queremos pôr fim a isto, são precisos mais do que castigos simbólicos. São necessárias acusações concludentes. O pilar da justiça consiste justamente em que os culpados sejam responsabilizados”.
O escândalo também levou a que se descobrisse que oficiais de polícia britânicos tinham sido subornados, delito que, devido a que a News Corp é uma empresa norte-americana, poderia ser investigado no quadro da lei federal norte-americana de Práticas Corruptas no Estrangeiro, que proíbe que as empresas norte-americanas cometam suborno no estrangeiro. Em resposta a isto, o grupo independente “Citizens for Responsability and Ethics in Washington” (Cidadãos pela Responsabilidade e a Ética em Washington) solicitou à FCC que revogue as 27 licenças de emissão televisiva que Murdoch controla nos Estados Unidos.
Se é um delito subornar um oficial de polícia em Londres, é perfeitamente legal que se gastem 5.000 milhões de dólares para influenciar o curso das eleições norte-americanas e que os canais poderosos obtenham, em consequência, enormes lucros. Há que aplaudir a FCC pelas suas novas regras de transparência. Em última instância, os candidatos políticos deveriam ter tempo grátis nos média para apresentar o seu programa aos eleitores. Até que isso suceda será tarefa dos jornalistas, dos ativistas e dos cidadãos comuns seguir o rasto do dinheiro.
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* Amy Goodman é Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
Artigo publicado em "Democracy Now" em 3 de maio de 2012. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Texto em espanholtraduzido para português por Carlos Santos para Esquerda.net
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