21 maio, 2012

Resistência nos canteiros de obras

Patrícia Benvenuti
Canteiro de obras da UHE Belo Monte, no Pará / Rodrigo Baleia/Folhapress

Construção de usinas hidrelétricas como Belo Monte, no Rio Xingu (PA), Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira (RO), reformas e edificação de novos estádios para a Copa do Mundo em 2014. Por todo o Brasil, surge uma série de empreendimentos grandiosos que prometem colocar o país no rumo do desenvolvimento. Além da soma vultuosa de recursos e da forte propaganda sobre eles, os megaprojetos têm apresentado outra semelhança entre si: superexploração e imposição de condições degradantes a seus trabalhadores.

Em Altamira (PA), os sete mil operários do canteiro de obras da usina de Belo Monte, carro chefe do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) promoveram, entre 23 de abril e 3 de maio, uma nova paralisação. Já é a segunda greve da categoria só neste ano. Dentre as principais reivindicações, estão o aumento do vale-alimentação de R$ 95 para R$300 e a redução de 180 para 90 dias no intervalo entre as baixadas - folgas que os trabalhadores têm para visitar suas famílias nos estados de origem.

A greve durou 11 dias e foi decretada ilegal pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 8ª Região, que estipulou multa de R$ 200 mil por dia parado ao Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada (Sintrapav), sem que a pauta de reivindicações tenha sido atendida.

Nas arenas

Nos estádios da Copa, a insatisfação também predomina. Dos 12 estádios que sediarão as partidas, oito já tiveram greves, somando pouco mais de 90 dias de paralisação.

O Maracanã, no Rio de Janeiro, foi o estádio que mais teve dias parados, 24 no total. Em agosto do ano passado, os trabalhadores que realizam a reforma do estádio paralisaram as atividades depois da explosão de um tonel com produtos inflamáveis que feriu o ajudante de produção Carlos Felipe da Silva Pereira. Em setembro, uma nova greve foi deflagrada depois de os operários receberem comida estragada.

Outra greve que ganhou destaque foi a da Arena Pernambuco, em fevereiro deste ano. A paralisação, que durou oito dias, reivindicava benefícios como aumento do valor da cesta básica de R$ 80 para R$ 120, plano de saúde para os trabalhadores e abono dos dias parados. Em vez de demandas atendidas, o resultado foi a demissão de 300 homens da obra.

Relação

Melhores salários, plano de saúde, alimentação e alojamentos adequados. Além de uma pauta de reivindicações semelhante, o principal elo entre todas essas mobilizações, destaca o professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia, Milton Pinheiro, é que todas ocorrem no âmbito da construção, um dos setores que mais cresce e recebe incentivos públicos hoje. Ao mesmo tempo, um segmento comandado por um grupo de empreiteiras que tem se caracterizado pelas más condições que oferecem a seus trabalhadores. “Surge uma grande manifestação em contrapartida àquele polo que hoje está adquirindo e ganhando recursos fenomenais do poder público para destravar o capitalismo no Brasil pelas obras de infraestrutura”, afirma. Também chama a atenção o fato de as greves ocorrerem de forma espontânea, que eclodem sobretudo pela precariedade extrema.

“A matriz [das greves] é a falta de respeito do governo e dos empresários em relação ao trabalhador, que fica em uma posição de escravo-livre, é uma nova forma de escravidão”, afirma o integrante da Executiva da Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Fenatracop), ligada à Força Sindical, Bebeto Galvão.

Condições degradantes

Obras do Maracanã, no Rio de Janeiro
Usar uma capa de chuva, dentro do próprio ônibus, para se proteger das goteiras no teto do veículo. Essa é uma das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores de Belo Monte, como relata Índio, que trabalhou como pedreiro no canteiro de obras de Altamira até ser demitido em abril deste ano, junto com outros 59 operários depois de uma greve da categoria. O alojamento é outro motivo de insatisfação, já que muitos operários dormem em locais improvisados com lonas.

Além dos problemas de infraestrutura, Índio conta que são comuns pressão e ameaças no canteiro de obras. “Se chegava uma quantia de massa o cara tinha que dar conta daquilo e não tinha direito de reclamar. Diziam que [a obra] estava com prazo, que tinha que terminar”, afirma.

O integrante da Executiva Nacional da CSP-Conlutas, Atnágoras Lopes, que visitou as obras em Altamira, relata o forte aparato policial que permeia o local, com presença de homens e viaturas da Força Nacional de Segurança e da Tropa de Choque da Polícia Militar do Pará. “Você percebe um clima de ocupação militar em toda a região de responsabilidade do Consórcio Construtor Belo Monte. É tudo feito a base de muita presença militar. Essa lógica só vem aumentando e intensificando os conflitos”, analisa.

Irresponsabilidade

Mais grave, para o sociólogo e professor da Universidade Federal de Rondônia Luis Fernando Novoa, é o fato de a quase totalidade dessas obras serem financiadas pelo BNDES que, em suas diretivas, vincula os empréstimos ao cumprimento de condicionantes sociotrabalhistas. Em caso de descumprimento, lembra, a instituição poderá até mesmo cancelar os empréstimos. Entretanto, nada disso se verifica hoje.

“Há um aparato normativo que daria conta dessa situação para não dar prejuízo para os trabalhadores, mas o que estamos vendo é um relaxamento na aplicação e implementação dessas normas”, afirma.

O resultado, segundo ele, é a liberdade das empresas para imporem um padrão de superexploração. Nesse sentido, aponta, um dos principais responsáveis pela situação é o governo federal, na medida em que não toma medidas efetivas em favor dos trabalhadores. Na avaliação do sociólogo, o governo tem se apresentado apenas em momentos mais críticos das negociações, em mesas que resultam na concessão de benefícios pontuais.

“É uma postura de administração de um processo selvagem de exploração, e não um enfrentamento. O governo se mostra refém das grandes empresas na condução de um programa [PAC] que diz ser seu”, afirma.

Novoa também destaca a contradição que se revela nessas grandes obras. Enquanto por um lado há a defesa dos megaprojetos e megaeventos como alavancas para o desenvolvimento nacional, por outro os próprios operários desses empreendimentos e as comunidades afetadas dos entornos não possuem condições estruturais mínimas.

“Não dá para entender por que os trabalhadores e as populações locais não fazem parte do tal interesse nacional”, pontua.

O vice-presidente da Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira filiados à CUT (Conticom), Claudio da Silva Gomes, coloca a necessidade de se criar um acordo coletivo. Isso serviria para garantir, ao menos, piso e benefícios iguais em todo o país, já que uma das principais reclamações hoje é em relação às diferenças salariais entre os estados.

Se não houver medidas nesse sentido, assegura Gomes, as revoltas só tendem a se repetir. “O trabalhador só vai ver e reconhecer quando as coisas, de fato, estiverem acontecendo”, garante.

Em 1º de março, a presidenta Dilma Rousseff assinou o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Indústria da Construção Civil. O documento, entretanto, depende da adesão das empresas.

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