19 maio, 2012

Expectativa da verdade

Criar expectativas é sempre perigoso. Não temos controle sobre o que virá com o rolar do tempo e mesmo uma opção simples, como andar deste ou daquele lado da rua, pode alterar o que vem. A verdade, apesar de tão subjetiva quanto o decidir andar aqui ou ali, perde a subjetividade diante de um fato incontestável. Um documento, lavrado, assinado, notariado é um fato incontestável. Fotografias e cópias dele também. Gravações e filmes, sem edição, igualmente.

Já a ética anda mais pelo meio da rua, indefinida entre este lado ou aquele, dependendo do tamanho da árvore que acumulou a última chuva, ou das folhas amareladas do outono.

Esta semana tivemos o encontro dessas três, a expectativa, a verdade e a ética.

As gravações feitas pela PF são fatos, portanto verdades incontestáveis, uma vez que documentadas à luz da lei que regula mais ou menos o viver em sociedade. Um dos resultados da divulgação dessas gravações, é uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, CPMI, criada para aprofundar ainda mais as apurações feitas pela Polícia Federal que mostram políticos ligados, bem mais do que se supunha, com o esquema do bicheiro, além da imprensa, que publicava ou não de acordo com seus interesses (os dos políticos e os do bicheiro e toda sua teia de negócios nada lícitos) e algum judiciário.

A investigação da PF mostrou que o bicheiro também controlava a Delta Engenharia, grande empreiteira brasileira, responsável por muitas, das muitas, obras públicas país afora. Em alguns estados, como o Rio de Janeiro, boa parte - das muitas grandes obras - estavam sendo tocadas pela Delta.

A expectativa é que a CPMI investigue e ouça todas as pessoas envolvidas em todos os esquemas e a partir disso se criem mecanismos de controle para que tamanha falcatrua não volte a ocorrer tão cedo, e a conseqüente punição de todos os que, ao usarem esse esquema, feriram a ética dos quatro sustentáculos da democracia : parlamento, executivo, judiciário e imprensa.

Mas, no dia em que se definia quem seria ouvido, um dos principais líderes de um dos partidos signatários do pedido da CPMI, foi flagrado pela imprensa enviando uma mensagem de texto pelo celular a um governador. Esse governador, ao contrário de alguns de seus pares, até onde se sabe, não teve nenhuma conversa gravada com o bicheiro, mas esteve jantando em Paris com um dos diretores da empresa que toca a maioria das obras do estado que ele governa, e que é o braço empreiteiro do senhor dos bichos.

E com a SMS, a ética, que já andava de muletas e enfaixada no meio da rua, foi atropelada por um caminhão sucateiro.

Supõe-se que as pessoas envolvidas no esquema serão processadas a partir da investigação da Polícia Federal. Politicamente, cabe ao congresso. Certo? A partir da visibilidade da tal SMS, podemos confiar que todas as relações serão apuradas? Ou as que interessam eleitoralmente a este ou aquele partido serão ‘esquecidas’, protegidas?

O que esperamos é que a verdade não tenha o mesmo destino da ética, que neste momento, em coma, tenta se recuperar numa UTI mal aparelhada.

Mas é sempre perigoso criar expectativas!

3 comentários:

  1. Perfeito Denise,
    mais didático seria impossível, mas é melancólico não ter expectativa!

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    1. Esta semana vi foto de um cartaz de manifestação que dizia: "cremos nas utopias porque a realidade é inacreditável". É mais ou menos por aí!

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  2. Também acho. Como disse um autor antigo q gosto muito, diferentemente das ideologias que tendem a ser conservadoras, utopias são revolucionárias.

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