24 junho, 2012

A direita nunca o perdoou

Texto do El País
Tradução de Denise Queiroz





Foi o homem que pôs o Paraguai no mapa em abril de 2008, quando eleito à presidência com 40% dos votos, finalizando assim 61 anos de governo do conservador Partido Colorado. Bispo desde 1977, pendurou a batina em 2005 para dedicar-se à política. De esquerda, tinha 56 anos e prometeu implantar a reforma agrária integral, que poria fim ao monopólio das terras por parte da oligarquia beneficiada pela ditadura militar de Alfredo Stroessner (1954-1989). Nesse momento, 76% da população acreditava que as coisas iam melhorar com ele. No entanto, o Paraguai só saía do mapa a cada vez que Lugo reconhecia a paternidade de algum filho ilegítimo. O primeiro se conheceu em 2009 e o último no início deste mês. Ambos foram concebidos quando ele era Bispo. Mas isso não prejudicou em grande coisa sua carreira política.

A direita o acusou de tolerar e incentivar as ocupações de terra que os camponeses da Liga Nacional de Carperos faziam com suas barracas. Os conflitos costumavam resolver-se sem mortes. Até que no último dia 15 de junho, quando numa ocupação, no norte do país, morreram seis policiais e onze sem-terras. A oposição, então, pôs o seu dedo acusador sobre o presidente. Lugo destituiu ao ministro do interior e colocou em seu lugar um outro, do Partido Colorado. Mas isso só serviu para insuflar ainda mais o ânimo dos liberais com os quais governava em coalisão. Conservadores e liberais se uniram e foram para cima. Com o gesto de tentar até a última hora agradar a uns e outros, ficou retratada sua maneira conciliadora de entender a política. “Deu liberdade demais a seus ministros”, aponta Oscar Rodriguez, economista e professor da Universidade Católica de Assunção. “Inclusive dentro da sua aliança, a Frente de Guazú, tem gente com visão muito diferente sobre problemas muito concretos”.

Lugo governava com os aliados do Partido Liberal mas também foi outorgando ministérios ao Partido Colorado. O Ministério da Agricultura estava dominado por políticas neoliberais e o do Meio Ambiente controlado pela esquerda radical. “Foi difícil para ele tirar a batina”, comentou um membro da Frente Guazú. “Ele via com muita bondade a todos os seus rivais como se fossem fiéis. Apelava à bondade da pessoa, sem levar em conta que muitas dessas pessoas têm interesses econômicos muito grandes e poderosos”.

Passaram-se mais de quatro anos e Lugo nunca pode colocar em prática seus ideais de redistribuição da terra. Seus seguidores estimam que os inimigos de Lugo eram demasiado poderosos: o sistema judicial, a Câmara de Deputados e os meios de comunicação servem aos interesses de uma pequena oligarquia, segundo os partidários do presidente.

“Com a ocupação que resultou na matança, ficou evidente a manipulação informativa”, aponta o funcionário Bernabé Pencuyo, de 60 anos. “Os sem-terra haviam ocupado umas terras que pertenciam ao Estado e que foram entregues, durante a ditadura de Stroessner, ao grileiro Abad Riquelme, de forma ilegal e corrupta. Há um tribunal que ainda está decidindo a quem pertencem essas terras. Mas isso quase nunca se fala”.

A direita promoveu a destituição de Lugo, embora seus interesses não tenham sido muito ameaçados por ele. “Os exportadores de soja no Paraguai só pagam 3% de impostos, enquanto na Argentina pagam mais de 30%, sustenta Rodriguez. “Não pôde fazer grande coisa pela reforma agrária, mas conseguiu implantar um sistema de saúde que permitiu que a maior parte da população tivesse medicina gratuita. Também concedeu subsídios para mais de 20 mil famílias que vivem na extrema pobreza e levou café da manhã e almoço gratuito às escolas públicas, acrescenta Oscar Rodriguez.

“Lugo não pôde fazer muitas mudanças”, reconhece o sociólogo José Carlos Rodriguez, colaborador do governo, “mas trouxe uma cultura distinta à que sempre se viu neste país. A direita nunca o perdoou”.


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