05 junho, 2012

Justiça em cheque



A Justiça brasileira, que até bem pouco tempo atrás era uma desconhecida de grande parte da população e os cidadãos só reclamavam da sua lentidão, tornou-se, com a Constituição de 88, transparente. Dizem até que a Justiça não é tão cega (imparcial) como deveria. Para quem duvidar disso, estão aí as trapalhadas do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para apoiar a tese dos que reclamam da falta de distanciamento e isenção.

Como todos sabem, o nosso sistema de Justiça, com ministros se eternizando no STF (na Europa, o mandato é por 5 anos e sem recondução por outro período) e escolhidos pela Presidência da República, precisa ser mudado. O atual já está esgotado. Para se ter ideia, nos últimos 40 anos, o STF condenou apenas quatro políticos, foram quatro deputados do baixo-clero e nenhum pegou pena de prisão.

Pois bem. Hoje, a ministra Rosa Maria Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), vai deferir ou indeferir o pedido de liminar da construtora Delta-Rio de Janeiro.

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) determinou a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico, referentes aos movimentos feitos pela matriz (sede central no Rio de Janeiro) da Delta. O mandado de segurança, com pedido liminar, tenta impedir a quebra de sigilos e, assim, a CPMI ficará limitada às atividades da Delta no Centro-Oeste, redutos de Carlos Augusto Ramos, o popular Carlinhos Cachoeira.

A decisão liminar poderá aliviar e até salvar o governador Sérgio Cabral de comparecer à CPMI. O governo de Cabral, até sem licitações, fez negócios com a matriz da Delta, sediada no Rio de Janeiro.

Na torcida pela liminar estará o sabujo de Cabral, o deputado petista Cândido Vaccarezza. Aquele que enviou “torpedo” para confortar Cabral e o único na CPMI a votar contra a quebra do sigilo em operações da matriz fluminense da Delta.

É lógico que a ministra Rosa Weber sabe que, caso conceda a liminar, estará a limitar, até o exame do mérito do mandado de segurança, a investigação sobre corrupção e crime organizado ao estado de Goiás e ao Distrito Federal.

Importante lembrar, a essa altura, das esperanças do senador Demóstenes Torres no voto secreto. Isso para manter o mandato de senador da República. No processo de cassação do seu mandato, o senador Demóstenes apostará todas as fichas no voto secreto. Ele quer ter a mesma sorte da deputada-mensaleira Jaqueline Roriz. Jaqueline é filha do ex-governador Roriz. Apesar da prova-provada da corrupção, ela foi absolvida pelos seus pares e teve o mandato de deputada preservado.

A propósito de votação secreta para perda de mandato, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado deu sinal verde para o seu fim em 2010. Os senadores, no entanto, não estão dispostos a deliberar e adotaram, no exame do projeto, o ritmo de “lesma reumática”.

Voltando à Justiça, a liminar, no Tribunal Superior Eleitoral e da lavra do ministro Marco Aurélio Mello, será apreciada na sessão da próxima terça-feira. Como sabe até a venda da Têmis, deusa da Justiça, o ministro é afoito na concessão de liminares. Ele já deu liminar para Salvatore Cacciola pensando, contra todos os outros juízes que apreciaram o caso, que não fosse fugir. Fora isso, no apagar das luzes do ano judiciário de 2011, uma sua liminar impediu que a ínclita ministra Eliana Calmon, do Conselho Nacional de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça, realizasse correições, fiscalizações, em tribunais e verificasse as contas, remunerações e vantagens financeiras concedidas a magistrados.

A liminar do ministro Marco Aurélio Mello, que foi para o STF por escolha do seu primo e então presidente Collor de Mello, manteve o desembargador estadual Alceu Penteado Navarro em função eleitoral e no cargo de presidente do Tribunal Regional Eleitoral.

O desembargador Penteado Navarro havia sido afastado pelo Tribunal de Justiça, quer da jurisdição comum-estadual, quer da jurisdição eleitoral-federal.

A questão, em face da liminar Aureliana, é saber se o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que elegeu Navarro como representante do estado de São Paulo junto ao Tribunal Regional Eleitoral (TER), poderia, posteriormente, suspender ou cassar o escolhido.

É o caso de lembrar o pacto federativo. De caber a escolha a São Paulo, onde funciona o tribunal regional. Não estamos num estado-unitário, centralizado. Assim, o TJ-SP está legitimado a afastar o desembargador. Não se discute, por evidente, tratar-se de um tribunal federal (Tribunal Regional Eleitoral), mas da sua composição representativa. O Tribunal Regional Eleitoral é composto por dois desembargadores estaduais, um desembargador federal, dois juízes estaduais e um jurista inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, seção de São Paulo.

Na prática, no entanto, temos uma tragicomédia. E a falta de bom-senso do ministro Marco Aurélio para manter a decisão do TJ-SP até se decidir sobre a competência e, também, a respeito do afastamento. Por certo e dada a gravidade do motivo do afastamento de Penteado Navarro, os saudosos Rui Barbosa e Pontes de Miranda, do alto dos céus, recomendariam cautela.

Nessa tragicomédia, o desembargador Penteado Navarro, nos processos afetos à Justiça comum estadual, não pode, pela suspensão, nem mais julgar recurso de furto de Kombi velha. No entanto, na Justiça eleitoral, pela liminar de Marco Aurélio Mello, o desembargador Penteado Navarro pode, dentre tantas atividades, presidir e fiscalizar as próximas eleições em todos os municípios do estado de S.Paulo.

Numa apertada síntese, a questão pode até ser intrincada sobre a competência (estadual ou federal) para o afastamento de Penteado Navarro, mas ela é cristalina com relação às violações à ética e à Constituição.

O desembargador Penteado Navarro, como presidente da Comissão de Orçamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, furou a fila para receber os seus créditos (R$ 640 mil). Aproveitou-se por ser presidente da Comissão e recebeu uma bolada só, enquanto os seus pares recebem em módicas parcelas mensais e deverão esperar cerca de 10 anos pelo crédito total. A justificativa que apresentou para receber foi de doença em família, mas o TJ-SP não a aceitou.

Como se percebe sem esforço, o desembargador Penteado Navarro, como presidente da Comissão de Orçamento e em seu benefício (nem se afastou do cargo), violou os princípios constitucionais da igualdade, impessoalidade e moralidade.

No mais, é o Tribunal de Justiça que escolhe o representante de S.Paulo para o Tribunal Eleitoral. E, por grave acusação, o TJ-SP está legitimado para suspendê-lo das suas funções como membro do TRE. O contrário representa, como destaquei acima, violação ao pacto federativo.



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