Por Francisco Bicudo
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a cúpula do PT paulistano ficaram acabrunhados, macambúzios e irados com a senadora Marta Suplicy. A ex-prefeita de São Paulo, depois de ter confirmado participação, deu o cano na convenção que oficializou o ex-ministro Fernando Haddad como candidato petista à disputa pela prefeitura de São Paulo. Marta sumiu, não deu inicialmente satisfações, desligou o celular - o mesmo fizeram seus assessores. No dia seguinte, alegou "motivos particulares" para a ausência. E ponto. Nada mais. Restaram aos organizadores da festa os sorrisos amarelos e as evasivas constrangidas, além de praticamente terem jogado a toalha para aceitar, de forma resignada, que a campanha terá mesmo de acontecer sem o apoio de Marta.
Não penso honestamente que dizer "sim, irei" para depois simplesmente sumir do mapa tenha sido o comportamento político mais adequado e equilibrado. De certa forma, reforça características marcantes e definidoras da personalidade de Marta, responsáveis inclusive, em boa medida, por derrotas eleitorais recentes: a arrogância e a soberba, o "umbiguismo" exacerbado. Entendo também que a última campanha dela à Prefeitura, em 2008, foi marcada por escolhas e decisões lamentáveis e desastrosas, que culminaram com aquela preconceituosa peça publicitária que peguntava se Kassab "era casado, se tinha filhos". Também tenho dúvidas se Marta seria a opção política (não apenas eleitoral) mais adequada para a disputa que se anuncia, capaz de agregar e de construir um projeto com condições de enfrentar ideologicamente e programaticamente o higienismo excludente, anti-social e cheio de proibições do kassabismo-serrismo.
O fato, no entanto, é que a maioria do PT paulistano, sucumbindo aos apelos e ditames messiânicos do ex-presidente Lula, atropelou a ex-prefeita e detonou a pré-candidatura de Marta, impedindo-a de fazer valer um direito legítimo e democrático de qualquer filiado de qualquer partido - o de disputar as prévias que escolheriam o candidato da agremiação. A mão de ferro lulista foi implacável, sufocando resquícios de democracia interna e tirando coelho da cartola, sem espaços para divergências ou contestações.
É verdade, vamos lá, política não se faz com o fígado. Racionalidade é fundamental. Mas princípios e dignidade não podem ser abandonados pelas esquinas. Não há quem consiga me convencer que o líder comunista Luis Carlos Prestes agiu corretamente ao apertar a mão de Getulio Vargas, apoiando-o nas eleições presidenciais de 1950, depois de ter sido ele próprio, Prestes, vítima do autoritarismo getulista (passou quase dez anos preso), sem contar a deportação de Olga Benário para a Alemanha nazista, onde acabaria assassinada no campo de extermínio de Bernburg. Lembro do episódio para voltar à prefeitura paulistana e dizer que compreendo ser legítimo o direito de Marta de manter-se afastada da campanha, depois de, insisto, ter visto suas pretensões terem sido implodidas pelo caciquismo e coronelismo internos.
Ora, quem agiu dessa maneira, truculenta e autoritária, imaginou mesmo que bastaria um estalo de dedos e uma nova ordem do grande líder para que Marta se engajasse automaticamente à campanha de Haddad, aparecendo sorridente ao lado dele nas fotos de campanha? As pontes foram implodidas, a interlocução caducou. Terão de ser cuidadosamente reconstruídas - e tal processo não poderá ser pautado por bravatas ou ameaças veladas, ao contrário, deveria ser conduzido com muita paciência. Pode levar mais tempo do que deseja o PT. É o ônus, o preço de uma escolha. Atordoado, o PT sabe que não tem esse tempo, e reconhece que a presença de Marta nas periferias da capital é fundamental para ajudar a levantar a candidatura Haddad. Noves fora, parte para a desqualificação.
Reside aqui a essência do texto, a discussão de fundo que pretendo sugerir: para além das picuinhas e arranca-rabos entre Marta Suplicy e Lula/PT, o que se lamenta é que o episódio todo sirva para reforçar, mais uma vez, que o PT se transformou em um partido como outro qualquer, onde decisões importantes são tomadas unilateralmente, por um líder carismático que tem inegavelmente sua importância histórica, mas que se julga com infalível capacidade de avaliação política, acima do bem e do mal, isento de erros, e que não aceita ser contrariado. Alguém que confia cegamente em seu faro político apurado - e que, mesmo quando está nu, é elogiado por seus companheiros.
O PT transformou-se num exército da vontade de um homem só. O lulismo engoliu o petismo, tal qual uma ameba a fagocitar o pedaço de alimento que encontra. Se era para renovar, que tal movimento viesse explicitado e legitimado pelo desejo manifesto das bases, que a militância tivesse tido a oportunidade democrática de dizer, no debate interno, "Marta, agradecemos seu governo, reconhecemos os avanços e conquistas, mas é hora de apostar na oxigenação do partido em São Paulo, é a hora do Haddad".
Parece tarefa mais fácil, no entanto, crucificar e demonizar Marta (que tem seus defeitos e erros políticos, reforço) e dizer que "ao não comparecer à convenção e ao não apoiar Haddad, ela faz o jogo do Serra". Não vou ficar admirado se alguém comentar por aqui que, com este texto, estou alinhado com o pensamento do PIG - o Partido da Imprensa Golpista. Compra-se mais uma vez, sem qualquer espírito crítico ou de independência intelectual, a reducionista e obsessiva análise lulista - "quem não concorda com tudo o que o chefe diz e faz está contra ele e é aliado dos tucanos". Tão tosco quanto falso. Até porque, cabe lembrar, Marta não é a única vítima dos tentáculos lulistas neste processo eleitoral de 2012. Os diretórios do PT nas cidades do Rio de Janeiro e de Recife que o digam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário